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Uma área mínima do stent de 5,7 mm² é suficiente?

EDITORIAL

Uma área mínima do stent de 5,7 mm2 é suficiente?

Gary S. Mintz

Cardiovascular Research Foundation - Nova York, NY, Estados Unidos

Correspondência Correspondência: Gary S. Mintz Cardiovascular Research Foundation 111 E 59 th St - 11 th floor New York, NY, USA - 10022 E-mail: gmintz@crf.org

Nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, Brito et al.1 relatam o impacto das dimensões finais do stent pós-procedimento, obtidas por meio do ultrassom intracoronário (USIC), nos resultados a médio prazo após implante do stent farmacológico EndeavorTM. Utilizando uma área luminal mínima aferida pelo USIC de 4,0 mm2 no acompanhamento de seis meses como desfecho primário, os autores descrevem que a área mínima do stent > 5,7 mm2 melhor prediz uma área luminal mínima > 4,0 mm2 aos seis meses [área sob a curva: 0,815; intervalo de confiança de 95% (IC 95%): 0,68-0,95; P < 0,001], com sensibilidade e especificidade de 80%.

Por que utilizar uma área luminal mínima de 4,0 mm2 como desfecho? Assim como fizeram Sonoda et al.2 antes deles, os autores utilizaram uma área luminal mínima obtida pelo USIC < 4,0 mm2 como medida de reestenose. De onde vem esse número? Em 1998, Abizaid et al.3 demonstraram que uma área luminal mínima obtida pelo USIC < 4,0 mm2 foi preditora de reserva de fluxo coronário < 2,0, medida pelo Doppler FloWire, com acurácia diagnóstica de 92%. A seguir, em 1999, Nishioka et al.4 compararam as áreas luminais mínimas obtidas pelo USIC com a cintilografia de perfusão miocárdica em esforço, com achados praticamente iguais. Em terceiro lugar, também em 1999, Takagi et al.5 compararam as áreas luminais mínimas obtidas pelo USIC com a reserva de fluxo fracionada; a área luminal mínima correlacionou-se com a reserva de fluxo fracionada e uma área luminal mínima de 4,0 mm2 teve boa correlação com uma reserva de fluxo fracionada de 0,8. Finalmente, Abizaid et al.6 relataram que a taxa de eventos em mais de um ano de 248 lesões com área luminal mínima > 4,0 mm2 era de apenas 4,4%, com taxa de revascularização da lesão-alvo de apenas 2,8%.

Vale a pena avaliar esses estudos de forma crítica, já que são frequentemente considerados fora de contexto. Em primeiro lugar, essas análises foram em lesões de grandes vasos epicárdicos com tamanho > 3 mm e não em ramos ou segmentos médios e distais das grandes artérias. Em segundo lugar, esses estudos indicaram que era seguro adiar a intervenção se a área luminal mínima fosse > 4,0 mm2, mas não que a intervenção era recomendada se a área luminal mínima fosse < 4,0 mm2. Em terceiro lugar, o estudo de reserva de fluxo coronário realizado por Abizaid et al.3 assim como o estudo subsequente realizado por Takayama e Hodgson7 indicaram que a extensão da lesão também era importante. Finalmente, os diabéticos sempre tinham mais eventos para a mesma área luminal mínima que os não-diabéticos.

No estudo de Brito et al.1, será que uma medida da área luminal mínima pode ser utilizada como critério para reestenose intrastent? Nishioka et al.8 estudaram 150 reestenoses intrastent intermediárias em 142 pacientes. A reintervenção era adiada se a área luminal mínima aferida pelo USIC fosse > 3,5 mm2, mesmo que os pacientes tivessem sintomas; nos pacientes com área luminal mínima aferida pelo USIC > 3,5 mm2, a taxa de sobrevida livre de evento após dois anos era alta (96,5%). Mais recentemente, Doi et al.9 apresentaram uma análise de 331 pacientes tratados com stents TaxusTM, que não necessitaram de revascularização da lesão-alvo nos primeiros nove meses após a intervenção e que tiveram acompanhamento de três anos. Os autores relataram que 4,2 mm2 (c = 0,7448) foi o limite ideal de área luminal mínima aos nove meses que melhor previu sobrevida livre de revascularização da lesão-alvo em mais de três anos9. A resposta, portanto, é sim, uma área luminal mínima medida pelo USIC < 4,0 mm2 parece ser um marcador razoável de reestenose angiográfica e clínica, independentemente da quantidade de hiperplasia intimal e do tamanho do vaso.

Por que a área mínima do stent é tão importante? Vários estudos da era do stent convencional e do stent farmacológico demonstraram que a área mínima do stent medida pelo USIC é o melhor preditor de trombose do stent ou de reestenose. O estudo de Brito et al.1 (desfecho ultrassonográfico), os estudos anteriores de Sonoda et al.2 (desfecho ultrassonográfico) e Hong et al.10 (desfecho angiográfico), e os dados não publicados dos estudos TAXUS IV, V, e VI e TAXUS ATLAS Workhorse (WH), Long Lesion (LL), e Direct Stenting (DS) combinados (desfecho angiográfico) parecem indicar a mesma coisa - que uma área mínima do stent medida pelo USIC de 5,0-5,7 mm2 indica melhor separação entre reestenose e não-reestenose. No primeiro desses estudos, realizado por Sonoda et al.2 e avaliando o estudo SIRIUS, uma área mínima do stent < 5,0 mm2 pós-intervenção com stent CypherTM era melhor preditora de área luminal mínima < 4,0 mm2 após oito meses. No segundo desses estudos, realizado por Hong et al.10, com experiência em um único centro (Asan Medical Center, Seul, Coreia do Sul), a área mínima do stent final pós-intervenção com o stent CypherTM que melhor previu reestenose angiográfica após seis meses foi < 5,5 mm2. Além disso, a extensão do stent medida pelo USIC que melhor distinguiu reestenose de não-reestenose foi 40 mm; lesões com área mínima do stent final < 5,5 mm2 e extensão da lesão > 40 mm tiveram a taxa mais elevada de reestenose angiográfica. Outro estudo com USIC em 169 lesões de 138 pacientes tratados com stents CypherTM demonstrou que uma área mínima do stent pós-intervenção < 5,0 mm2 e uma extensão do stent > 30 mm foram preditores independentes de reestenose angiográfica11. Finalmente, nos estudos TAXUS combinados o limiar ideal da área mínima do stent medida pelo USIC pós-intervenção que melhor previu a ausência de reestenose angiográfica após nove meses foi > 5,7 mm2 (Doi et al., achados não publicados).

O que mais é importante? Enquanto a subexpansão do stent é o maior preditor de falhas precoces e tardias dos stents farmacológicos, os clínicos continuam se concentrando na má aposição, frequentemente confundindo ou utilizando os conceitos de subexpansão e má aposição como se fossem a mesma coisa. Por outro lado, há poucos dados relacionando a má aposição aguda com eventos adversos. Embora a má aposição aguda do stent na parede do vaso esteja relacionada à técnica e dependa do tamanho do dispositivo, a realização do USIC pós-implante e tardio demonstrou que a má aposição aguda do stent não tem impacto sobre a reestenose ou a trombose, independentemente de a má aposição resolver ou persistir12-15. Ao invés disso, problemas na borda do stent, doença aterosclerótica proximal ou distal ao stent, geographical miss ou carga da placa na borda do stent são preditores importantes e consistentes de reestenose da borda após implante de stent farmacológico16-18 e esses problemas são frequentemente negligenciados.

Uma área mínima do stent de 5,0-5,7 mm2 é suficiente para todos os stents farmacológicos? Provavelmente não e por várias razões.

Em primeiro lugar, o estudo SIRIUS2 e alguns dos estudos TAXUS9 incluíram pacientes com risco relativamente baixo em comparação com coortes do mundo real10. Estudos demonstraram de forma consistente que há relação entre aumento da complexidade da lesão do paciente e maior risco de reestenose.

Em segundo lugar, os pontos de corte são precisos para prever a patência do stent, mas não são bons para prever reestenose. Se a área mínima do stent for maior que o ponto de corte, então a chance de a reestenose não se desenvolver é alta. Se a área mínima do stent for menor que o ponto de corte, então a reestenose pode ou não ocorrer. Além disso, outros fatores, como fratura da haste e distribuição não homogênea das hastes do stent, devem ser levados em consideração.

Em terceiro lugar, em todos os estudos houve relação gradual entre a área mínima do stent pósintervenção e a probabilidade de reestenose. Uma área mínima do stent pós-intervenção maior que o ponto de corte foi associada a maior chance de patência a longo prazo, e quanto menor a área mínima do stent maior a probabilidade de reestenose.

Finalmente, se houvesse um "tamanho único" para todos, seria possível obter uma área mínima do stent de 5,0-5,7 mm2 com a expansão de 100% de qualquer stent farmacológico com 2,5-2,75 mm. Dessa forma, os fabricantes só teriam que fabricar um único tamanho de stent para todos os vasos com diâmetro de referência > 2,5 mm (até mesmo 4 mm!), e um tamanho serviria para todas as situações. Não foi isso o que ocorreu na experiência inicial com o stent CypherTM, quando a falta de stents de tamanho maior levou ao uso de stents pequenos demais em grandes vasos, acarretando taxa elevada de eventos adversos.

Assim, uma área mínima do stent de 5,7 mm2 é suficiente? Não, não nos vasos maiores. Mas também será difícil conseguir isso nos pequenos vasos, da mesma forma que uma área luminal mínima de 4,0 mm2 seria menos apropriada como critério para comprometimento luminal significativo em um pequeno vaso. Finalmente, deve-se levar em consideração que há pouca diferença nas medidas da área mínima do stent na faixa de 5,0-5,7 mm2.

CONFLITO DE INTERESSES

O autor recebe apoio financeiro das empresas Boston Scientific e Volcano.

Recebido em: 25/8/2009

Aceito em: 28/8/2009

Ver artigo relacionado na página 308

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    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2009
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