CARTA AO EDITOR
Estudo comparativo entre protocolos para profilaxia da trombose venosa profunda: uma nova proposta
Jaime Anger
Médico do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Correspondência Correspondência: Jaime Anger Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 3889 São Paulo, SP, Brasil - CEP 01401-001 E-mail: anger@uol.com.br
Caro Dr. Ricardo Baroudi,
Editor-Chefe da Revista Brasileira de Cirurgia Plástica,
Foi com grande surpresa que li o artigo de título: "Estudo comparativo entre protocolos para profilaxia da trombose venosa profunda: uma nova proposta", de Moulim JL e co-autores, publicado na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, 2010;25(3):415-221. Os autores citam um protocolo de profilaxia de trombose venosa profunda (TVP) publicado por Sandri, em 2005, mas não citam o nosso artigo publicado em 2003, que foi o primeiro protocolo de profilaxia de TVP que incluiu fatores de risco específicos para cirurgia plástica2.
O protocolo de TVP por nós desenvolvido foi inicialmente apresentado como tema livre no Congresso anual da American Society for Aesthetic Plastic Surgery (ASAPS), realizado de 27 de abril a 3 de maio de 2002, em Las Vegas, Estados Unidos3, e na Jornada Paulista de 2002, evento oficial da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, e depois foi publicado em 2003. Em 2005, apresentamos um estudo prospectivo com 408 pacientes submetidos à cirurgia plástica estética testando este protocolo de profilaxia, no Congresso Anual da American Society for Aesthetic Plastic Surgery (ASAPS), realizado em New Orleans, Estados Unidos, quando foi agraciado com o prêmio "Best Scientific Exhibit"4.
O fato do Dr. Moulim não citar o nosso artigo pode ter duas explicações: a primeira seria a sua irrelevância. Há uma limitação do número de citações por artigo, portanto não caberia na sua lista de referências; a outra seria uma falha na sua revisão bibliográfica.
O artigo de Moulim tem como finalidade comparar dois protocolos de prevenção de TVP. Utilizando epônimos, o autor denomina um como de "Sandri" e o outro de "Davison-Caprini". Ambos são sistemas de estratificação de risco, baseados na qualificação e na quantificação em número de pontos de fatores que reconhecidamente predispõem ao tromboembolismo.
Sandri, em capítulo de livro editado em 2005, ao discorrer sobre fatores de risco em TVP, cita o protocolo de prevenção por nós descrito e o transcreve com pequenas modificações, entretanto, este autor não especifica nem justifica as mudanças por ele realizadas.
Caprini et al.5, em 1991, publicaram pela primeira vez um protocolo de profilaxia de TVP para pacientes cirúrgicos, baseado em dois grupos de fatores de risco: os intrínsecos, que estão relacionados com os aspectos clínicos do paciente, e os que o paciente deverá se expor devido à cirurgia. A estratificação do risco foi baseada na somatória de pontuação aludida a cada fator de risco. Este protocolo não relaciona nenhum fator específico à cirurgia plástica. Estes autores modificaram e aprimoraram o protocolo por várias vezes5.
Davison, em 2004, em artigo de revisão sobre TVP e cirurgia plástica, cita o protocolo publicado por Caprini et al., em 2001, e acrescenta um único fator à tabela de riscos: "Retalho microcirúrgico", com valor de 3 pontos, sem discutir ou citar alguma documentação que corrobore esta inclusão. Parece ser, também neste caso, impróprio e injusto acrescentar o nome Davison a este protocolo.
O protocolo de "Davison-Caprini" classifica o nível de risco em 4 categorias: baixo, moderado, alto e muito alto, enquanto o de "Sandri" em 3: baixo, moderado e alto. O autor analisa o uso dos dois protocolos em 212 pacientes, chegando à conclusão de que os pacientes submetidos à cirurgia plástica estética apresentam uma pontuação muito alta na classificação de "Sandri" e, com isto, o índice de indicação de medicação anticoagulante era de 70,28% (indicado nos níveis moderado e alto), enquanto que, os mesmos pacientes, no protocolo de "Caprini-Davison", somente 9,9%, portanto, deveriam ser submetidos à prevenção farmacológica, pois só os de risco muito alto teriam a indicação de uso de anticoagulantes.
Para contornar este resultado indesejável, propõe a mudança da classificação de risco, criando um novo nível, o super-alto risco, sugerindo tratamento com anticoagulantes somente para este nível. Entretanto, o artigo de Geerts et al.6, de 2004, citado inclusive por Moulim e co-autores, na página 341S, esclarece a dificuldade de avaliação individual por soma de fatores de risco, já que não se sabe como eles interagem exatamente, sendo que a simples soma de fatores pode não justificar o nível de risco alcançado.
Esta é a razão principal da diminuta adesão dos cirurgiões a protocolos de soma de fatores de risco, uma vez que o resultado remete a uma obrigação do uso de anticoagulantes, embora possa ser útil, nem que seja para aumentar a atenção na cirurgia plástica estética.
Em 2005, ao avaliar o protocolo de profilaxia por nós testado, sugerimos a não obrigatoriedade do uso de anticoagulantes e alertamos para a ausência de estudos na cirurgia plástica estética que demonstrassem o valor isolado do uso de medidas não farmacológicas, como o uso de meia elástica, da compressão pneumática intermitente e da mobilização precoce, em pacientes de risco moderado e alto. Nesta série de pacientes, o único caso de hematoma pós-operatório ocorreu em paciente submetido ao uso de anticoagulantes, o que corroborou a necessidade de testar este ou qualquer protocolo em séries muito maiores de pacientes, já que nós consideramos 408 pacientes uma amostra ainda insuficiente.
Portanto, consideramos que uma leitura crítica dos artigos citados sobre protocolos de prevenção em TVP, incluindo o que foi por nós publicado, auxiliaria nos processos intelectuais de Moulim e coautores, resultando em ganho de sua pesquisa.
Resta, portanto, a segunda explicação: uma falha de revisão bibliográfica. Ora, ao omitirem um artigo do mesmo tema e ainda por cima pioneiro na literatura médica, publicado na mesma revista a que eles submeteram o seu trabalho científico para fins de publicação, parecem ter desprestigiado a Revista que os prestigiou ao aceitar e publicar este seu artigo.
Correspondência: recebida: 12/1/2011
Correspondência aceita: 5/02/2011
Correspondência submetida no SGP (Sistema de Gestão de Publicções) da RBCP.
- 1. Moulim JL, Sobreira ML, Malgor RD, Abreu CR, Araújo ESF, Palhares Neto AA. Estudo comparativo entre protocolos para profilaxia da trombose venosa profunda: uma nova proposta. Rev Bras Cir Plast. 2010;25(3):415-22.
- 2. Anger J, Baruzzi AC, Knobel E. Um protocolo de prevenção de trombose venosa profunda em cirurgia plástica. Rev Bras Cir Plast. 2003;18(1):51-4.
- 3. Anger J, Baruzzi ACA, Knobel E. A new seep vein thrombosis prophylaxis protocol in plastic surgery. 2002; p. 46-8. In: American Society for Aesthetic Plastic Surgery Annual Meeting; 2002 April 27 May 3; Las Vegas, United States of America.
-
4http://aserf.org/winners/scientific-exhibit-award Último acesso 11 de janeiro de 2011.
» link - 5. Caprini JA, Arcelus JI, Hasty JH, Tamhane AC, Fabrega F. Clinical assessment of venous thromboembolic risk in surgical patients. Semin Thromb Hemost. 1991;17(Suppl 3):304-12.
- 6. Geerts WH, Pineo GF, Heit JA, Bergqvist D, Lassen MR, Colwell CW, et al. Prevention of venous thromboembolism: the Seventh ACCP Conference on Antithrombotic and Thrombolytic Therapy. Chest. 2004;126(3 Suppl):338S-400S.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Maio 2011 -
Data do Fascículo
Mar 2011