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Ideologia de gênero e crise da democracia na América Latina em debates legislativos no Brasil e no Uruguai

Gender ideology and the crisis of democracy in Latin America in legislative debates in Brazil and Uruguay

Resumo:

Este artigo apresenta uma análise comparativa dos movimentos antigênero na América Latina, com foco no Brasil e no Uruguai, e tem o objetivo de investigar como esses se relacionam com processos de desdemocratização. Metodologicamente, foram analisados, a partir da técnica de análise de conteúdo temática (Bardin, 2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.), discursos proferidos em câmaras legislativas dos dois países sobre a denominada “ideologia de gênero” na década de 2010. Como resultados, identifica-se que a atuação via poder legislativo tem sido uma estratégia compartilhada dos movimentos antigênero, especialmente com o objetivo de fundar e/ou fortalecer as bases religiosas para avançar nas agendas conservadoras e restringir direitos. No entanto, o sucesso dessa estratégia varia de país para país. Observam-se semelhanças entre os casos brasileiro e uruguaio, mas os movimentos são mais robustos no Brasil. Este trabalho junta-se a uma série de debates que identificam nas questões de gênero um eixo estruturante do processo de desdemocratização pelo qual passam distintas democracias contemporâneas e aponta para o fato de que o posicionamento daqueles que são contrários à ideologia de gênero não se restringe a um debate no campo dos costumes, mas, principalmente, estabelece-se no campo da disputa em torno dos valores democráticos e do próprio sentido da democracia.

Palavras-chave:
ideologia de gênero; desdemocratização; Brasil; Uruguai

Abstract:

This article presents a comparative analysis of anti-gender movements in Latin America, focusing on Brazil and Uruguay, investigating how they relate to de-democratization. Methodologically, speeches given in legislative chambers of both countries about the so-called “gender ideology” in the decade of 2010 were thematically analyzed, using the thematic content analysis technique (Bardin, 2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.). The article demonstrates that action through the legislature has been a common strategy among anti-gender movements, particularly aimed at establishing and/or strengthening religious foundations to promote conservative agendas and curtail rights. Nevertheless, the success of this strategy varies across countries. While there are similarities between the Brazilian and Uruguayan cases, the movements exhibit greater resilience in Brazil. This study contributes to a broader discussion that identifies gender issues as a pivotal axis in the process of de-democratization witnessed in various contemporary democracies. It underscores the fact that opposition to gender ideology extends beyond mere cultural debates, it is mainly established in the field of the dispute over democratic values and the very meaning of democracy.

Keywords:
gender ideology; dedemocratization; Brazil; Uruguay

Introdução

Este artigo apresenta uma análise comparativa dos movimentos antigênero na América Latina, especificamente Brasil e Uruguai, com o objetivo de analisar como esses se relacionam com processos de desdemocratização. Nosso foco reside nas estratégias desses movimentos no legislativo e nos discursos proferidos por representantes eleitos nesses países na década de 2010. A estratégia empírica baseou-se na identificação de atores e argumentos em torno do debate da denominada ideologia de gênero.

O argumento é de que os movimentos antigênero são fundamentais para a compreensão do processo de desdemocratização, no qual as ameaças à democracia advêm da própria democracia (Brown, 2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. Tradução: Mario A. Marino, Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019.; Runciman, 2018RUNCIMAN, D. How democracy ends. Londres: Profile Books, 2018.). Isso ocorre em face de um contexto em que projetos políticos conservadores e reacionários conquistaram o poder através de processos eleitorais que resultaram em retrocessos no que diz respeito aos direitos, aos valores e às instituições democráticas liberais.

O neoconservadorismo e o discurso antigênero são fatores cruciais para o crescimento da extrema-direita em diversos países do mundo (Grzebalska; Pető, 2018GRZEBALSKA, W.; PETŐ, A. The gendered modus operandi of the illiberal transformation in Hungary and Poland. Women’s Studies International Forum, n. 68, p. 164-172, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.wsif.2017.12.001. Acesso em: 6 set. 2021.
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
). Uma questão central desse conservadorismo reside no que, em vários países, tem sido chamado ideologia de gênero, elemento da construção de um projeto conservador baseado na ênfase na família natural (biológica) e na imposição de uma agenda política de retrocessos de direitos, especialmente aqueles garantidos a mulheres e a populações LGBTQIAP+ (Corrêa, 2017CORRÊA, S. Ideologia de gênero: rastros e significados. 18 nov. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.geledes.org.br/ideologia-de-genero-rastros-e-significados/ . Acesso em: 6 set. 2021.
https://www.geledes.org.br/ideologia-de-...
).

Neste trabalho, nossa discussão centra-se nos discursos conservadores nos legislativos no Brasil e no Uruguai, uma vez que o neoconservadorismo, apesar de ter características locais, é um movimento transnacional. A partir de dados disponíveis nos sítios oficiais das câmaras legislativas, buscamos pelas intervenções dos legisladores em que estes utilizam a expressão ideologia de gênero (ou ideologia de género, em espanhol) para a construção de um corpus textual. O exame foi feito por meio da análise de conteúdo temática (Bardin, 2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.). Essa abordagem nos permitiu identificar e analisar os principais argumentos contra a ideologia de gênero que mobilizam princípios supostamente democráticos, explicitando semelhanças e diferenças nas estratégias antigênero adotadas nos casos analisados.

Ideologia de gênero na América Latina: democracia, religião e política

Nos últimos anos, algumas pesquisadoras têm investigado o que tem sido denominado de ideologia de gênero e a sua relação com movimentos antidemocráticos (Barajas, 2018BARAJAS, K. B. Pánico moral y de género en México y Brasil: rituales jurídicos y sociales de la política evangélica para deshabilitar los principios de un estado laico. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 38, n. 2, p. 87-118. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0100-85872018v38n2cap03. Acesso em: 6 set. 2021.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Bracke; Paternotte, 2018BRACKE, S.; PATERNOTTE, D. Habemus Genero! La iglesia catolica y ideologia de genero. Rio de Janeiro: ABIA/SPW, 2018.; Butler, 2019BUTLER, J. What threat? The campaign against “gender ideology”. Glocalism: Journal of Culture, Politics and Innovation, n. 3, p. 1-12, 2019. [on-line]. Disponível em: Disponível em: https://glocalismjournal.org/wp-content/uploads/2020/01/Butler_gjcpi_2019_3-1.pdf . Acesso em: 6 set. 2021.
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; Corrêa, 2017CORRÊA, S. Ideologia de gênero: rastros e significados. 18 nov. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.geledes.org.br/ideologia-de-genero-rastros-e-significados/ . Acesso em: 6 set. 2021.
https://www.geledes.org.br/ideologia-de-...
; Elias, 2021ELIAS, Maria Ligia Ganacim Granado Rodrigues. The issue of abortion in contemporary Brazil: an analysis of feminist litigation in the Supreme Court. Feminist Legal Studies, v. 29, n. 2, p. 159-179, 2021.; Junqueira, 2017JUNQUEIRA, R. D. Ideologia de gênero: a gênese de uma categoria política reacionária - ou: como a promoção dos direitos humanos se tornou uma “ameaça a família natural. In: Ribeiro, P. R. C.; Magalhães, J. C. (eds.). Debates contemporâneos sobre Educação para a sexualidade. Rio Grande: Ed. da FURG, 2017. p. 25-52. ; Kuhar; Paternotte, 2017KUHAR, R.; PATERNOTTE, D. Anti-gender campaigns in Europe: mobilizing against equality. Londres, Nova York: Rowman & Littlefield International, 2017.; Machado, 2017MACHADO, Maria das Dores Campos. Pentecostais, sexualidade e família no Congresso Nacional. Horizontes Antropológicos, v. 23, n. 47, p. 351-380, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0104- 71832017000100012. Acesso em: 6 set. 2021.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Miskolci; Campana, 2017MISKOLCI, R.; CAMPANA, M. “Ideologia de gênero”: Notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 725-747, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3203008. Acesso em: 6 set. 2021.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Camargo, 2021CAMARGO, Bruna Quinsan. Em defesa das crianças? A instrumentalização da democracia no discurso antigênero na Câmara dos Deputados e em espaços religiosos. 2021. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2021. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/14257 . Acesso em: 12 dez. 2022.
https://repositorio.ufscar.br/handle/ufs...
; Ramírez, 2020RAMÍREZ, G. A. Ideología de género, lo “post-secular”, el fundamentalismo neopentecostal y el neointegrismo católico: la vocación antidemocrática. Rio de Janeiro: Observatorio de Sexualidad y Política - SPW, 2020. [I Proyecto Género & Política en América Latina].; Rezende; Ávila; Oliveira, 2020REZENDE, Daniela Leandro; ÁVILA, Luciana Beatriz Bastos; OLIVEIRA, Camila Olídia Teixeira. Cidadania religiosa e movimentos antigênero na Câmara dos Deputados brasileira: uma análise dos discursos de legisladores/as, 2014-2017. Revista Contemporânea, v. 10, n. 2, p. 585-612, 2020.; Vaggione, 2020VAGGIONE, J. M. The conservative uses of law: the catholic mobilization against gender ideology. Social Compass, v. 67, n. 2, p. 252-266, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0037768620907561. Acesso em: 6 set. 2021.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
; Vaggione; Machado, 2020VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. D. D. C. Religious patterns of nNeoconservatism in Latin America. Politics and Gender, v. 16, n. 1, p. 6-10, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1017/S1743923X20000082. Acesso em: 6 set. 2021.
https://doi.org/https://doi.org/10.1017/...
; Grzebalska; Kováts; Pető, 2017GRZEBALSKA, W; KOVÁTS, E; PETŐ, A. Gender as symbolic glue: how ‘gender’ became an umbrella term for the rejection of the (neo)liberal order. Political critique, Network4 Debate, 13 jan. 2017. Disponível em: Disponível em: https://politicalcritique.org/long-read/2017/gender-as-symbolic-glue-how-gender-became-an-umbrella-term-for-the-rejection-of-the-neoliberal-order/ . Acesso em: 6 set. 2021.
https://politicalcritique.org/long-read/...
)

De acordo com Kuhar e Paternotte,

É crucial ter em mente que a ideologia de gênero não designa os estudos de gênero, mas é um termo inicialmente criado para se opor aos direitos defendidos pelo ativismo feminista e de pessoas LGBT, bem como estudos que desconstroem a base essencialista e naturalista sobre gênero e sexualidade (Kuhar; Paternotte, 2017KUHAR, R.; PATERNOTTE, D. Anti-gender campaigns in Europe: mobilizing against equality. Londres, Nova York: Rowman & Littlefield International, 2017., p. 5).

Butler (2019)BUTLER, J. What threat? The campaign against “gender ideology”. Glocalism: Journal of Culture, Politics and Innovation, n. 3, p. 1-12, 2019. [on-line]. Disponível em: Disponível em: https://glocalismjournal.org/wp-content/uploads/2020/01/Butler_gjcpi_2019_3-1.pdf . Acesso em: 6 set. 2021.
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, Corrêa (2018)CORRÊA, S. A política do gênero: um comentário genealógico. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 53, e185301, 2018. [on-line], Junqueira (2017)JUNQUEIRA, R. D. Ideologia de gênero: a gênese de uma categoria política reacionária - ou: como a promoção dos direitos humanos se tornou uma “ameaça a família natural. In: Ribeiro, P. R. C.; Magalhães, J. C. (eds.). Debates contemporâneos sobre Educação para a sexualidade. Rio Grande: Ed. da FURG, 2017. p. 25-52. e Vaggione (2017)VAGGIONE, J. M. La Iglesia Católica frente a la política sexual: la configuración de una ciudadanía religiosa. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 50, e175002, 2017. [on-line]. Disponível em: https://doi.org/10.1590/18094449201700500002. Acesso em: 6 set. 2021.
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, entre outros, demonstraram o protagonismo da Igreja Católica na formulação e disseminação da expressão ideologia de gênero. Corrêa (2018)CORRÊA, S. A política do gênero: um comentário genealógico. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 53, e185301, 2018. [on-line] aponta que foi em meados dos anos de 1990 que as autoridades do Vaticano identificaram os documentos de direitos humanos das Nações Unidas como um vetor de reivindicações feministas e de pessoas LGBTQIA+, considerando-os como uma ameaça à ordem moral heteronormativa nas discussões que tiveram lugar em eventos internacionais, como a Eco92, no Rio de Janeiro (1992), a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, no Cairo (1994), e a IV Conferência Mundial das Mulheres, em Pequim (1995). A Declaração e a Plataforma de ação da Conferência de Pequim mobilizaram o termo “gênero” para tratar as diferenças entre homens e mulheres. Consequentemente, ele tornou-se amplamente utilizado em documentos oficiais de vários países signatários.

Junqueira (2017, p. 26)JUNQUEIRA, R. D. Ideologia de gênero: a gênese de uma categoria política reacionária - ou: como a promoção dos direitos humanos se tornou uma “ameaça a família natural. In: Ribeiro, P. R. C.; Magalhães, J. C. (eds.). Debates contemporâneos sobre Educação para a sexualidade. Rio Grande: Ed. da FURG, 2017. p. 25-52. afirma que a ideologia de gênero é uma “invenção católica que emergiu sob os desígnios do Pontifício Conselho para a Família e de conferências episcopais, entre meados da década de 1990 e no início dos 2000”. A esse respeito, um conjunto de textos e documentos podem ser destacados: a) em 1995, o Papa João Paulo II (Wojtyla) escreveu a “Carta às Mulheres”, em reação à Conferência de Pequim; b) em 1997, textos do Cardeal Ratzinger (que se tornou o Papa Bento XVI) usaram o termo gênero para designar uma “revolução pretendida contra formas e aspectos históricos da sexualidade e culminando em uma revolução contra pressupostos biológicos”; c) em 2003, houve a publicação do “Lexicon: termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas”; e d) em 2004, a “Carta aos bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo”. Tais publicações podem ser consideradas o fundamento teórico-teológico para a construção de uma gramática política sobre ideologia de gênero (Junqueira, 2017JUNQUEIRA, R. D. Ideologia de gênero: a gênese de uma categoria política reacionária - ou: como a promoção dos direitos humanos se tornou uma “ameaça a família natural. In: Ribeiro, P. R. C.; Magalhães, J. C. (eds.). Debates contemporâneos sobre Educação para a sexualidade. Rio Grande: Ed. da FURG, 2017. p. 25-52. ; Machado, 2018MACHADO, Maria das Dores Campos. O discurso cristão sobre a “ideologia de gênero”. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 2, p. 1-18, e47463, 2018. [on-line]; Miskolci; Campana, 2017MISKOLCI, R.; CAMPANA, M. “Ideologia de gênero”: Notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 725-747, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3203008. Acesso em: 6 set. 2021.
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).

Miskolci e Campana (2017)MISKOLCI, R.; CAMPANA, M. “Ideologia de gênero”: Notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 725-747, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3203008. Acesso em: 6 set. 2021.
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assinalam que o termo ideologia de gênero tornou-se mais vigoroso nas discussões da Igreja Católica Latino-Americana e na V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho (Celam), realizada em 2007, a qual deu origem ao “Documento de Aparecida”. Os autores apontam a disseminação do termo para a sociedade civil, tornando-se tema de livros, como o do ativista católico Jorge Scala, intitulado “Ideologia de gênero: neototalitarismo e a morte da família”, publicado em 2011.

Como afirma Butler (2019, p. 5)BUTLER, J. What threat? The campaign against “gender ideology”. Glocalism: Journal of Culture, Politics and Innovation, n. 3, p. 1-12, 2019. [on-line]. Disponível em: Disponível em: https://glocalismjournal.org/wp-content/uploads/2020/01/Butler_gjcpi_2019_3-1.pdf . Acesso em: 6 set. 2021.
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, “[o] objetivo deste movimento não é simplesmente eliminar a palavra ‘gênero’ ou mesmo banir a chamada teoria do gênero, mas comprometer a justificativa de uma ampla gama de políticas”. Nesse sentido, Kuhar e Paternotte (2017)KUHAR, R.; PATERNOTTE, D. Anti-gender campaigns in Europe: mobilizing against equality. Londres, Nova York: Rowman & Littlefield International, 2017. caracterizam a Igreja Católica como uma produtora de discursos antigênero e como uma catalisadora para organizações e movimentos de base, promovendo grandes mobilizações e apoiando o desenvolvimento de redes para disseminar essa doutrina.3 3 Apesar do protagonismo ideológico da Igreja Católica, Almeida (2017) e Abracinskas et. al. (2019) apontam a incidência vigorosa de religiões evangélicas, notadamente de cunho neopentecostal, em movimentos antigênero e na propagação deste discurso nos dois países analisados.

Pode-se, então, afirmar que a religião é um elemento essencial para a propagação da ideologia de gênero. Segundo Kuhar e Paternotte (2017)KUHAR, R.; PATERNOTTE, D. Anti-gender campaigns in Europe: mobilizing against equality. Londres, Nova York: Rowman & Littlefield International, 2017., a influência de atores religiosos depende da força da dimensão religiosa nos diferentes países. Além disso, sua relevância e os atores sociais e políticos envolvidos na campanha antigênero variam em diferentes contextos nacionais. Nesse sentido, os autores ora citados argumentam que o gênero seria um “significante vazio”,4 4 Referenciado por Kuhar e Paternotte (2017) na Introdução do livro por eles organizado, o termo é empregado na análise desenvolvida por Mayer e Sauer (2017, p. 117) para o caso da Áustria. As autoras retomam as contribuições de Ernesto Laclau, autor do conceito, que estabelece que o termo ideologia de gênero opera como “significante vazio” ao não se referir a nenhum fenômeno político ou política pública específica, permitindo o estabelecimento de uma “cadeia de equivalências” entre diferentes agendas conservadoras, garantindo um caráter homogêneo, unificado, coerente, a fenômenos heterogêneos e difusos. para o qual são adicionadas as mais distintas propostas e atores, como associações em defesa da família, grupos antiaborto, populistas e nacionalistas.

Assim, a ideologia de gênero opera em diferentes contextos, embora todos sejam centrais para uma agenda política conservadora e antidemocrática transnacional (Spierings, 2020SPIERINGS, N. Why gender and sexuality are both trivial and pivotal in populist radical right politics. In: DIETZE, G.; ROTH, J. (eds.). Right-wing populism and gender: european perspectives and beyond. Bielefeld: Transcript Verlag, 2020. p. 41-58. Disponível em: https://doi.org/10.14361/9783839449806-003. Acesso em: 6 set. 2021.
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). As forças católicas e evangélicas pentecostais, particularmente, reuniram ações em torno de um projeto evangelizador que se concentra não apenas na dimensão espiritual da vida, mas também visa influenciar a ordem pública, institucional, econômica, estatal e cívica (Ramírez, 2020RAMÍREZ, G. A. Ideología de género, lo “post-secular”, el fundamentalismo neopentecostal y el neointegrismo católico: la vocación antidemocrática. Rio de Janeiro: Observatorio de Sexualidad y Política - SPW, 2020. [I Proyecto Género & Política en América Latina].; Machado, 2018MACHADO, Maria das Dores Campos. O discurso cristão sobre a “ideologia de gênero”. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 2, p. 1-18, e47463, 2018. [on-line]). A ideologia de gênero é mobilizada em conjunto com um discurso secular para aumentar o impacto da Igreja pela proposição de leis, controlando ideias e regras relacionadas aos direitos humanos e à liberdade (Elias, 2021ELIAS, Maria Ligia Ganacim Granado Rodrigues. The issue of abortion in contemporary Brazil: an analysis of feminist litigation in the Supreme Court. Feminist Legal Studies, v. 29, n. 2, p. 159-179, 2021.; Ramírez, 2020RAMÍREZ, G. A. Ideología de género, lo “post-secular”, el fundamentalismo neopentecostal y el neointegrismo católico: la vocación antidemocrática. Rio de Janeiro: Observatorio de Sexualidad y Política - SPW, 2020. [I Proyecto Género & Política en América Latina].). Nesse contexto, Vaggione (2017, p. 4)VAGGIONE, J. M. La Iglesia Católica frente a la política sexual: la configuración de una ciudadanía religiosa. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 50, e175002, 2017. [on-line]. Disponível em: https://doi.org/10.1590/18094449201700500002. Acesso em: 6 set. 2021.
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identifica que, “diante do debate público sobre formas de regular a sexualidade, a Igreja intensificou o uso de argumentos seculares, para aumentar seu impacto na construção da lei”. O secularismo passou a ser visto como uma ameaça às crenças religiosas, fazendo com que os líderes cristãos agissem em defesa da “lei natural” como uma ordem jurídica para assuntos relacionados à sexualidade.

O “secularismo estratégico” (Vaggione, 2005VAGGIONE, J. M. Reactive politicization and religious dissidence: the political mutations of the religious. Social Theory and Practice, v. 31, n. 2, p. 233-255, 2005. Disponível em: Disponível em: http://www.jstor.org/stable/23558464 . Acesso em: 6 set. 2021.
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), juntamente com a “cidadania religiosa”, (Vaggione, 2017VAGGIONE, J. M. La Iglesia Católica frente a la política sexual: la configuración de una ciudadanía religiosa. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 50, e175002, 2017. [on-line]. Disponível em: https://doi.org/10.1590/18094449201700500002. Acesso em: 6 set. 2021.
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) desempenha um papel essencial na concretização dessas visões de mundo em que os fiéis leigos são chamados a tomar medidas políticas, como cidadãos, em defesa dos valores cristãos. Assim, conforme Vaggione (2017)VAGGIONE, J. M. La Iglesia Católica frente a la política sexual: la configuración de una ciudadanía religiosa. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 50, e175002, 2017. [on-line]. Disponível em: https://doi.org/10.1590/18094449201700500002. Acesso em: 6 set. 2021.
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, a “cidadania religiosa” consiste no processo de reconfiguração da cidadania por grupos religiosos, em defesa de uma ordem moral universal e da mobilização e proteção das crenças religiosas em oposição aos direitos sexuais e reprodutivos.

Para avançar nesta agenda, os movimentos antigênero mobilizam uma estratégia de vitimização, na qual eles apresentam-se como representantes de grupos oprimidos e defensores de valores nacionais e tradicionais que estariam ameaçados. Há, também, o uso de imagens de crianças inocentes ameaçadas pela ideologia de gênero. Nesse âmbito, a ideologia de gênero é um sintagma (Junqueira, 2017JUNQUEIRA, R. D. Ideologia de gênero: a gênese de uma categoria política reacionária - ou: como a promoção dos direitos humanos se tornou uma “ameaça a família natural. In: Ribeiro, P. R. C.; Magalhães, J. C. (eds.). Debates contemporâneos sobre Educação para a sexualidade. Rio Grande: Ed. da FURG, 2017. p. 25-52. ) que articula uma variedade de pânicos morais5 5 Há uma agenda de pesquisa dedicada ao conceito de “pânico moral” que, apesar de relevante, foge ao escopo do artigo. Assim, consideramos suficiente o argumento de Miskolci de que “qualquer que seja o pânico - moral ou sexual -, ele revela um medo desproporcional em relação a um tema e promove também uma reação exagerada a ele. O pânico é disseminado por um grupo de interesse que passa a agir empreendendo uma campanha que pode adquirir características de cruzada. Assim, expressa de forma extrema a indignação moral de um grupo que considera que algo violou um valor compartilhado, ameaçando sua identidade” (Miskolci, 2021, p. 24). mobilizados contra as políticas de igualdade de gênero, direitos das pessoas LGBTQIA+ e os direitos reprodutivos das mulheres como uma “cola simbólica” ou “significante vazio” (Kováts; Põim, 2015KOVÁTS, E.; PÕIM, E. M. Gender as symbolic glue: the position and role of conservative and far right parties in the anti-gender mobilizations in Europe. Budapeste: FEPS, 2015.; Mayer; Sauer, 2017MAYER, S; SAUER, B. “Gender ideology” in Austria: coalitions around an empty signifier. In: KUHAR, R.; PATERNOTTE, D. Anti-gender campaigns in Europe: mobilizing against equality. Londres, Nova York: Rowman & Littlefield International, 2017. p. 23-40.), que tem assegurado uma conexão entre agendas políticas reacionárias e atores governamentais e não governamentais em diferentes níveis (local, nacional, transnacional).

Tais mecanismos atuam minando o pluralismo democrático. Wendy Brown (2006)BROWN, Wendy. American nightmare: neoliberalism, neoconservatism, and de-democratization. Political theory, v. 34, n. 6, p. 690-714, 2006. trata esse aspecto como um processo de desdemocratização, fruto de um efeito combinado do neoliberalismo e da repolitização do campo religioso. Segundo Brown (2006)BROWN, Wendy. American nightmare: neoliberalism, neoconservatism, and de-democratization. Political theory, v. 34, n. 6, p. 690-714, 2006., a economia neoliberal tem o efeito de reduzir a política democrática a leis e instituições, e reduzir o arcabouço de direitos liberais, restringindo-os ao direito à propriedade e ao direito de voto. Isso despolitiza a esfera pública e a vida social, erodindo a autonomia do político e desqualificando a presença e participação das pessoas na vida política. Assim, a racionalidade neoliberal acentua o individualismo e transforma os cidadãos em consumidores e empresários de sua sobrevivência econômica.

Concomitante, o neoconservadorismo religioso, compreendido como uma racionalidade política, expressa em uma forte moralidade reguladora, atua tanto como um discurso quanto como uma ação e um modelo de governança e cidadania, entre outros pontos, assim reafirmando uma concepção heteronormativa e patriarcal da ordem social e, muitas vezes, organizando-se sob a ideia de “família natural”. Desse modo, justifica uma agenda de retirada de direitos, em especial de mulheres e de grupos marginalizados, com o efeito de disciplinar subjetividades (Brown, 2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. Tradução: Mario A. Marino, Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019.). Ou seja, o neoconservadorismo tornaria as pessoas mais dóceis politicamente e fertilizaria o terreno político para a imposição e aceitação do exercício autoritário do poder. Esse é um processo que ocorre tanto em um nível global quanto em nível local e apresenta características transnacionais, bem como particularidades em cada contexto.

Grzebalska e Pető (2018)GRZEBALSKA, W.; PETŐ, A. The gendered modus operandi of the illiberal transformation in Hungary and Poland. Women’s Studies International Forum, n. 68, p. 164-172, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.wsif.2017.12.001. Acesso em: 6 set. 2021.
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discutem os casos da Hungria e Polônia, apontando para o fato de que essas regiões passam por transformações “iliberais”, profundamente marcadas pelo gênero. Esse processo modifica os significados dos direitos humanos, dos direitos das mulheres e da igualdade, favorecendo os direitos e as necessidades normativas das famílias. Segundo as autoras, a oposição ao paradigma liberal da igualdade tornou-se um espaço ideológico para a construção de uma alternativa “iliberal” nos países estudados. Uma característica desse processo é a securitização dos direitos humanos, redefinindo as ideias de segurança e direitos de forma a priorizar a segurança do Estado e da nação em detrimento dos direitos e liberdades individuais. Tal processo é profundamente marcado por questões de gênero, pois se baseia na construção de um modelo familiar patriarcal como base da segurança nacional. Além disso, discute-se como os Estados “iliberais” apropriam-se da linguagem e da estrutura dos direitos humanos e da igualdade de gênero para legitimar suas políticas e ações, ao mesmo tempo em que corroem os próprios princípios que afirmam defender.

Outro ponto destacado por Grzebalska e Pető (2018)GRZEBALSKA, W.; PETŐ, A. The gendered modus operandi of the illiberal transformation in Hungary and Poland. Women’s Studies International Forum, n. 68, p. 164-172, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.wsif.2017.12.001. Acesso em: 6 set. 2021.
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é a mudança no foco das políticas, introduzindo uma visão familista6 6 Segundo Moraes et al. (2020, p. 807-808), familismo “pode ser entendido como um padrão cultural e político secular que tem se expressado tanto no campo da legislação concernente à família como na configuração da política social. Uma configuração permeada tanto pela ausência de políticas que sustentem a vida familiar como pelas formas de incorporação da família na política social”. pelos governos húngaro e polonês. Tais políticas colocam a família tradicional como base da nação e subordinam os direitos individuais e reprodutivos das mulheres às demandas da nação. As políticas familistas representam uma mudança paradigmática em relação ao compromisso com a igualdade de gênero, substituindo os direitos das mulheres por uma concepção de família, assim redefinindo noções como igualdade, direitos humanos e direitos das mulheres.

Para as autoras, o processo de transformação “iliberal” é semelhante a uma “infiltração”, penetrando e desgastando a estrutura institucional do Estado democrático liberal de três maneiras distintas: apropriando-se da linguagem e da infraestrutura dos direitos humanos e da igualdade de gênero, travando uma batalha pelo controle simbólico dos discursos sobre direitos humanos; construindo uma sociedade civil paralela ao reconfigurar as instituições, como, por exemplo, substituindo o financiamento que antes iria para ONGs de defesa de direitos individuais por grupos da sociedade civil “pró-família”; e utilizando procedimentos democráticos, como referendos e leis, para servir à elite governante e seus aliados. Nesse sentido, argumenta-se que o iliberalismo é uma transformação política que corrói os significados dos direitos humanos, dos direitos das mulheres e da igualdade, bem como as instituições da democracia liberal.

Dessa forma, democracia “iliberal” pode ser definida como um tipo de regime que combina procedimentos democráticos, como sistemas multipartidários e eleições gerais, mas que, ao mesmo tempo, desrespeita os limites constitucionais de poder e a proteção dos direitos individuais dos cidadãos. Ou ainda, um tipo de regime que se baseia em três princípios: populismo, antipluralismo e monismo ideológico. Entretanto, o argumento das autoras (Grzebalska; Pető, 2018GRZEBALSKA, W.; PETŐ, A. The gendered modus operandi of the illiberal transformation in Hungary and Poland. Women’s Studies International Forum, n. 68, p. 164-172, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.wsif.2017.12.001. Acesso em: 6 set. 2021.
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) é de que o “iliberalismo” seria uma resposta majoritária nacionalista às falhas do modelo global neoliberal que moldou as relações entre indivíduos e o Estado nas últimas quatro décadas da Europa Central, durante a transformação pós-comunista e adesão à União Europeia. Esse processo, de acordo com as autoras, teria fundido os direitos humanos e os padrões democráticos liberais com políticas econômicas neoliberais e princípios de governança. Daí as características nacionalistas dos processos iliberais polonês e húngaro.

Ainda na Europa, Alonso e Lombardo (2018)ALONSO, Alba; LOMBARDO, Emanuela. Gender equality and de-democratization processes: the case of Spain. Politics and Governance, v. 6, n. 3, p. 78-89, 2018. abordam os processos de desdemocratização na Espanha após a crise econômica de 2008. Segundo as autoras, o neoliberalismo, as mudanças autoritárias e a corrupção política são elementos fundamentais desses processos. No entanto, a contestação política e a ação coletiva feminista, tanto nos movimentos quanto nas instituições, desempenharam um papel crucial em contrapor essas dinâmicas. A sociedade civil e as lutas dos movimentos feministas em prol da democracia, igualdade e justiça social, juntamente com novos partidos de esquerda, conseguiram manter a questão de gênero na agenda apesar dos cortes de austeridade e o surgimento de novos governos locais após as eleições de 2015. Além disso, como apontam Cornejo-Valle e Pichardo (2017)CORNEJO-VALLE, Mónica; PICHARDO, J. Ignacio. La “ideología de género” frente a los derechos sexuales y reproductivos. El escenario español. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 50, e175009, 2017. [on-line], os efeitos mais “brandos” dos movimentos conservadores devem-se a um divórcio entre a opinião pública e as posições mais conservadoras de atores da Igreja Católica, identificada com a ditadura franquista e, por consequência, com fascismo e repressão.

Na América Latina, os países adotaram novas constituições e marcos de direitos humanos sem se separar completamente de seu passado autoritário e de suas estruturas profundamente desiguais e racistas (Corrêa e Kalil, 2020CORRÊA, S.; KALIL, I. O. Políticas antigénero en América Latina: Brasil - ¿La catástrofe perfecta? Rio de Janeiro: Observatorio de Sexualidad y Política - SPW, 2020.; Ramírez, 2020RAMÍREZ, G. A. Ideología de género, lo “post-secular”, el fundamentalismo neopentecostal y el neointegrismo católico: la vocación antidemocrática. Rio de Janeiro: Observatorio de Sexualidad y Política - SPW, 2020. [I Proyecto Género & Política en América Latina].; Vaggione, 2017VAGGIONE, J. M. La Iglesia Católica frente a la política sexual: la configuración de una ciudadanía religiosa. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 50, e175002, 2017. [on-line]. Disponível em: https://doi.org/10.1590/18094449201700500002. Acesso em: 6 set. 2021.
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). Na região, diferentes estudiosos apontam que o crescimento dos movimentos de direita e a desdemocratização devem ser analisados diante da profunda relação entre política e religião na construção das estruturas de poder seculares, além dos efeitos das políticas neoliberais, que levam a uma precariedade extrema em uma sociedade que nunca desfrutou de um Estado de bem-estar social (Corrêa, 2017CORRÊA, S. Ideologia de gênero: rastros e significados. 18 nov. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.geledes.org.br/ideologia-de-genero-rastros-e-significados/ . Acesso em: 6 set. 2021.
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; Corrêa e Kalil, 2020CORRÊA, S.; KALIL, I. O. Políticas antigénero en América Latina: Brasil - ¿La catástrofe perfecta? Rio de Janeiro: Observatorio de Sexualidad y Política - SPW, 2020.; Machado, 2018MACHADO, Maria das Dores Campos. O discurso cristão sobre a “ideologia de gênero”. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 2, p. 1-18, e47463, 2018. [on-line]; Ramírez, 2020RAMÍREZ, G. A. Ideología de género, lo “post-secular”, el fundamentalismo neopentecostal y el neointegrismo católico: la vocación antidemocrática. Rio de Janeiro: Observatorio de Sexualidad y Política - SPW, 2020. [I Proyecto Género & Política en América Latina].; Vaggione; Machado, 2020VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. D. D. C. Religious patterns of nNeoconservatism in Latin America. Politics and Gender, v. 16, n. 1, p. 6-10, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1017/S1743923X20000082. Acesso em: 6 set. 2021.
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).

À luz dessas considerações, este artigo visa abordar comparativamente os movimentos antigênero na América Latina, considerando os atores legislativos no Brasil e no Uruguai. Focalizamos nas estratégias dos movimentos antigênero no poder legislativo e nos discursos políticos proferidos pelos representantes eleitos a partir dos anos 2010. A hipótese que orientou a investigação é a de que a atuação de tais movimentos seria mais vigorosa no Brasil e menos no Uruguai, o que implica diferentes níveis do processo de desdemocratização nesses países, dadas as relações entre religião e política nesses contextos. Além disso, espera-se que haja elementos discursivos semelhantes, dado o caráter transnacional dos movimentos antigênero.

Metodologia

Considerando o argumento de Kuhar e Paternotte (2017)KUHAR, R.; PATERNOTTE, D. Anti-gender campaigns in Europe: mobilizing against equality. Londres, Nova York: Rowman & Littlefield International, 2017., de que a religião pode desempenhar um papel importante tanto no que diz respeito aos fundamentos doutrinários dos movimentos antigênero quanto na sua propagação, a seleção de casos focou na relação entre religião e Estado, buscando analisar a força do secularismo em diferentes contextos nacionais. O foco da análise recaiu sobre os argumentos que se referem à democracia mobilizados nos discursos antigênero proferidos por parlamentares. Com isso, o objetivo foi de verificar a relação entre atuação antigênero e desdemocratização. A seleção desses casos nos permitiu avaliar as estratégias dos movimentos antigênero face aos contextos que são mais (como o caso do Brasil) ou menos (Uruguai) favoráveis à sua consolidação.

Foi considerado o critério de “caso diverso”, o que garante variação em uma variável relevante para a análise, representando a variabilidade (Gerring, 2008GERRING, John. Case selection for case - study analysis: Qualitative and quantitative techniques. In: BOX-STEFFENSMEIER, Janet; BRADY, Henry E.; COLLIER, David (orgs.). The Oxford Handbook of Political Methodology. Oxford: Oxford University Press, 2008. p. 645-684.). Essa variável foi extraída do projeto Varieties of Democracy (V-Dem), que tem como objetivo conceitualizar e medir a democracia globalmente, considerando diversas variáveis. No escopo do artigo, consideramos a variável Religious organizations consultation, que mensura se e em que medida “grandes organizações religiosas são consultadas rotineiramente pelos formuladores de políticas sobre políticas relevantes para seus membros” (Coppedge et. al, 2023bCOPPEDGE, Michael; GERRING, John; KNUTSEN, Carl Henrik; LINDBERG, Staffan I.; TEORELL, Jan; ALTMAN, David; BERNHARD, Michael; CORNELL, Agnes; FISH, M. Steven; GASTALDI, Lisa; GJERLØW, Haakon; GLYNN, Adam; GRAHN, Sandra; HICKEN, Allen; KINZELBACH, Katrin; MARQUARDT, Kyle L.; MCMANN, Kelly; MECHKOVA, Valeriya; NEUNDORF, Anja; PAXTON, Pamela; PEMSTEIN, Daniel; RYDÉN, Oskar; VON RÖMER, Johannes; SEIM, Brigitte; SIGMAN, Rachel; SKAANING, Svend-Erik; STATON, Jeffrey; SUNDSTRÖM, Aksel; TZELGOV, Eitan; UBERTI, Luca; WANG, Yi-ting; WIG, Tore; ZIBLATT, Daniel. V-Dem Codebook v13 Varieties of Democracy (V-Dem) Project. 2023b.).7 7 Segundo Coppedge et. al. (2023b) o índice é categórico e varia entre 0, que indica que “há um alto grau de isolamento do governo em relação às contribuições de organizações religiosas” e 2, quando “organizações religiosas importantes são reconhecidas como partes interessadas em áreas políticas importantes e têm voz em tais questões”. Acesso em: 15 dez. 2022. Em 2021, o Brasil pontuou 1,74 nessa variável, enquanto o Uruguai registrou um escore de 1,02. Essas posições (Brasil com maior interferência religiosa que Uruguai) foram mantidas durante todo o período histórico coberto pelo V-Dem (1900-2021), havendo um aumento da interferência religiosa no Uruguai a partir de 2010 (Coppedge et. al., 2023aCOPPEDGE, Michael; GERRING, John; KNUTSEN, Carl Henrik; LINDBERG, Staffan I.; TEORELL, Jan; ALTMAN, David; BERNHARD, Michael; CORNELL, Agnes; FISH, M. Steven; GASTALDI, Lisa; GJERLØW, Haakon; GLYNN, Adam; GRAHN, Sandra; HICKEN, Allen; KINZELBACH, Katrin; MARQUARDT, Kyle L.; MCMANN, Kelly; MECHKOVA, Valeriya; NEUNDORF, Anja; PAXTON, Pamela; PEMSTEIN, Daniel; RYDÉN, Oskar; VON RÖMER, Johannes; SEIM, Brigitte; SIGMAN, Rachel; SKAANING, Svend-Erik; STATON, Jeffrey; SUNDSTRÖM, Aksel; TZELGOV, Eitan; UBERTI, Luca; WANG, Yi-ting; WIG, Tore; ZIBLATT, Daniel. V-Dem [Country-Year/Country-Date] Dataset v13 Varieties of Democracy (V-Dem) Project. 2023a. Disponível em: https://doi.org/10.23696/vdemds23. Acesso em: 15 nov. 2022.
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),8 8 Para outras variáveis relevantes, como o Índice de Democracia Liberal (variável contínua, 0 baixo e 1 alto), os dois países apresentam posições próximas, com o Brasil apresentando escore de 0,51 e o Uruguai, 0,76. Ver Coppedge et. al. (2023a). o que também justifica o recorte temporal adotado na coleta de dados. Ressalte-se que essa variável, de caráter numérico, foi utilizada apenas para seleção dos casos, considerando a hipótese adotada. Nesse sentido, e considerando também o caráter qualitativo da análise e o pequeno número de casos investigados, exploramos essa característica da relação entre religião e política para interpretação dos achados a partir da análise de conteúdo temática (Bardin, 2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.).

Como o foco da pesquisa é o poder legislativo, tendo como objeto empírico os discursos parlamentares nos quais o termo ideologia de gênero/ideología de género foi empregado, procedemos a uma busca nos websites oficiais das câmaras baixas desses países. Para garantir a possibilidade de comparação dos casos, analisamos os discursos identificados com a expressão ideologia de gênero/ideologia de género, o que nos levou à seguinte amostra: Brasil, 59 discursos que continham a expressão ideologia de gênero no sumário da nota taquigráfica e 12 (Brasil, s/dBRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Discursos e notas taquigráficas. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/SitaqWeb/PesquisaDiscursosAvancada.asp. s/d. Acesso em 29 abr. 2020.
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) discursos que mobilizaram o termo, relacionando-o com o tema democracia; e, no Uruguai, 12 discursos em que o termo “ideología de género” foi mencionado, e sete discursos que o mobilizaram a partir de temas democráticos (Uruguai, s/dURUGUAI. Parlamento del Uruguay. Cámara de Representantes. Versiones taquigráficas. s/d. Disponível em: Disponível em: https://parlamento.gub.uy/documentosyleyes/documentos/versiones-taquigraficas . Acesso em: 15 dez. 2022.
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). Cumpre ressaltarmos aqui que analisamos apenas manifestações em plenário. No caso brasileiro, trata-se de discursos individuais proferidos durante os momentos de Breves comunicações, Pequeno Expediente e Ordem do Dia, registrados em notas taquigráficas oficiais, que apresentavam a expressão ideologia de gênero em seu sumário. Para o Uruguai, foram analisados os discursos proferidos em debates de projetos de lei, prévios às votações, registrados em notas taquigráficas. A escolha por esse tipo de material - debates e discursos - justifica-se por se tratar de uma atuação com menos constrangimentos partidários, uma vez que o direito à manifestação em sessão plenária é um direito individual do/a legislador/a.

Nesse sentido, foi organizado o corpus textual formado por 19 discursos, 12 brasileiros e sete uruguaios, que foi analisado através da técnica de análise de conteúdo temática qualitativa, conforme Bardin (2016)BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.. Segundo Bardin (2016, p. 145)BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016., trata-se de abordagem “mais maleável e adaptável a índices não previstos ou à formulação de hipóteses”, permitindo a formulação de inferências qualitativas, baseadas não na quantificação de frequências de temas, mas na interpretação das presenças e ausências nos textos analisados. Particularmente na análise em questão, essa abordagem permite comparar a incidência dos discursos antigênero no Brasil e no Uruguai ao cotejar os argumentos presentes em cada um dos casos em tela, relacionando-os com características mais gerais dos países investigados, como aponta a hipótese.

Após a organização do corpus, foi realizada leitura flutuante do material e pré-análise, com o objetivo de identificar categorias que permitissem a reorganização e síntese do corpus à luz tanto das referências mobilizadas na revisão da literatura, quanto das informações disponíveis nos discursos. Tendo em vista o tema da desdemocratização, nossa ênfase recaiu nas referências à democracia ou a sua ameaça presentes nos discursos analisados, de forma a identificar argumentos que se configuram como ataques à democracia baseados em elementos fundamentais do próprio regime. Assim, as notas taquigráficas foram analisadas na íntegra e foram categorizados apenas os trechos que fizeram menção a elementos democráticos, como direitos e liberdades individuais/constitucionais, incluindo referência a direitos humanos, regra da maioria e igualdade, conteúdos identificados na literatura (Camargo, 2021CAMARGO, Bruna Quinsan. Em defesa das crianças? A instrumentalização da democracia no discurso antigênero na Câmara dos Deputados e em espaços religiosos. 2021. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2021. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/14257 . Acesso em: 12 dez. 2022.
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; Souza et. al., 2022SOUZA, J. I. L. de; CERQUEIRA, C. P. B.; SOUZA, N. R. de; EDUARDO, M. C. “Ideologia de gênero” como instrumento político nos jornais do Brasil e de Portugal. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 3, p. 1-15, 2022.). Esse processo resultou na elaboração de três categorias temáticas:

Quadro 1.
Categorias temáticas

Os resultados são apresentados e discutidos abaixo, após uma contextualização dos casos.

Ideologia de gênero e desdemocratização nos debates legislativos: resultados e discussão

Brasil

O “gatilho” para o surgimento de movimentos antigênero no caso brasileiro deu-se pelas políticas educacionais. Houve um recrudescimento dos protestos antigênero, quando questões relacionadas à educação entraram na agenda, como o lançamento do III Plano Nacional de Direitos Humanos, no final de 2009, ainda no segundo governo Lula (Miskolci; Campana, 2017MISKOLCI, R.; CAMPANA, M. “Ideologia de gênero”: Notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 725-747, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3203008. Acesso em: 6 set. 2021.
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); a polêmica sobre o Programa Escola sem Homofobia, em 2011 (Carranza; Cunha, 2018CARRANZA, B.; CUNHA, C. V. A. Conservative religious activism in the Brazilian Congress: Sexual agendas in focus. Social Compass, v. 65, n. 4, p. 486-502, 2018.); e o lançamento do Plano Nacional de Educação em 2014 (Miskolci; Campana, 2017MISKOLCI, R.; CAMPANA, M. “Ideologia de gênero”: Notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 725-747, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3203008. Acesso em: 6 set. 2021.
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). Nesse contexto, os atores envolvidos foram bem sucedidos em ter o uso do termo “gênero” vetado nos documentos em nível nacional e, em muitos casos, também em nível estadual e municipal. Além destes casos, Carranza e Cunha (2018)CARRANZA, B.; CUNHA, C. V. A. Conservative religious activism in the Brazilian Congress: Sexual agendas in focus. Social Compass, v. 65, n. 4, p. 486-502, 2018. apontam que a discussão sobre a implementação da Base Nacional Comum Curricular (destinada ao Ensino Médio) também foi marcada por disputas envolvendo os termos orientação sexual e identidade de gênero. Nessa esfera, Santos (2018)SANTOS, R. M. dos. Conservadorismo na Câmara dos Deputados: discursos sobre “ideologia de gênero” e Escola sem Partido entre 2014 e 2018. Teoria e Cultura, Brasília, v. 13, n. 2, p. 118-134, 2018. destaca a relação entre os movimentos antigênero no Brasil e o movimento Escola sem Partido (PL 867/2015), especialmente no que diz respeito ao combate a supostas doutrinas escolares e cursos de educação sexual. Carranza e Cunha (2018, p. 492)CARRANZA, B.; CUNHA, C. V. A. Conservative religious activism in the Brazilian Congress: Sexual agendas in focus. Social Compass, v. 65, n. 4, p. 486-502, 2018., citando Machado (2017)MACHADO, Maria das Dores Campos. Pentecostais, sexualidade e família no Congresso Nacional. Horizontes Antropológicos, v. 23, n. 47, p. 351-380, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0104- 71832017000100012. Acesso em: 6 set. 2021.
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, argumentam que medidas promovidas pelos governos do PT, como as relacionadas ao programa Brasil sem Homofobia, foram identificadas como um ataque desse governo contra a família.9 9 Para este caso, desenvolvemos uma análise de conteúdo automática, utilizando o software Iramuteq. Ver Rezende et. al., 2020.

Embora não haja recorrência de argumentos religiosos, os parlamentares mais ativos são aqueles com vinculação religiosa, seja com a comunidade católica Canção Nova, como no caso do deputado Flavinho, ou com as denominações evangélicas neopentecostais, como os deputados Lincoln Portela, Victorio Galli e Marco Feliciano, o que converge com a literatura. Há, portanto, a predominância da figura dos “fiéis leigos” (Vaggione, 2017VAGGIONE, J. M. La Iglesia Católica frente a la política sexual: la configuración de una ciudadanía religiosa. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 50, e175002, 2017. [on-line]. Disponível em: https://doi.org/10.1590/18094449201700500002. Acesso em: 6 set. 2021.
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), que defendem posições morais com fundamentos religiosos, mas com argumentos que se referem a valores seculares, como tradição e nação. Alguns partidos destacam-se nesse cenário, como PRB e PSC, que congregam deputados e deputadas pertencentes a denominações neopentescostais.

Esses são elementos importantes para caracterizar o ativismo antigênero via Legislativo no Brasil, especialmente no contexto pós-eleitoral de Jair Bolsonaro (PL), no qual a oposição à chamada ideologia de gênero torna-se a agenda do governo (Aragusuku, 2020ARAGUSUKU, H. A. O percurso histórico da “ideologia de gênero” na Câmara dos Deputados: uma renovação das direitas nas políticas sexuais. Agenda Política, v. 8, n. 1, p. 106-130, 2020.). É importante lembrar que a luta contra a ideologia de gênero foi uma agenda da campanha de 2018 de Bolsonaro e que, possivelmente, essa agenda galvanizou apoio e popularidade para o então candidato, facilitando a sua eleição. Destaca-se, também, o ativismo institucional antigênero no poder Executivo (2018-2022), realizado intensamente pela ministra Damares Alves, pastora evangélica e ex-conselheira de Magno Malta, então deputado da bancada evangélica.

Finalmente, nesse contexto, o nome da pasta responsável pelos direitos humanos foi alterado para Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o que reflete a centralidade da família “natural” para aquele governo brasileiro. Tais elementos apontam para a centralidade do gênero (e da sexualidade) nos processos de crise da democracia no Brasil e em outros países, como Hungria, Polônia e Estados Unidos. Assim, o gênero tem assumido, como argumentam Kováts e Põim (2015)KOVÁTS, E.; PÕIM, E. M. Gender as symbolic glue: the position and role of conservative and far right parties in the anti-gender mobilizations in Europe. Budapeste: FEPS, 2015., o papel de “cola simbólica” (ou “significante vazio”) entre vários movimentos conservadores, reacionários e neoconservadores, permitindo a articulação de diferentes agendas através do uso de estratégias de pânico moral. Isso acabou por unificar a defesa da família, da nação, da tradição, da normalidade e da democracia, identificada como o interesse da maioria, em oposição às demandas e agendas das “minorias das minorias” (feministas e grupos LGBT).

Especificamente com relação a esse último ponto, que se refere a argumentos supostamente democráticos mobilizados por movimentos antidemocráticos, foco da presente análise, identificamos 12 discursos que tratam do tema ideologia de gênero e mobilizam argumentos supostamente democráticos contra direitos de mulheres e populações LGBTQIA+.

Verificamos que há um esforço discursivo dos legisladores em se opor à ideologia de gênero, utilizando argumentos seculares. Observa-se nesse debate algo semelhante ao que foi identificado na discussão sobre a descriminalização do aborto no STF, em que o léxico dos direitos é empregado com o objetivo de secularizar os discursos teológicos, integrando-os nos campos do direito e da ciência (Elias, 2021ELIAS, Maria Ligia Ganacim Granado Rodrigues. The issue of abortion in contemporary Brazil: an analysis of feminist litigation in the Supreme Court. Feminist Legal Studies, v. 29, n. 2, p. 159-179, 2021.; Luna, 2013LUNA, N. O direito à vida no contexto do aborto e da pesquisa com células-tronco embrionárias: disputas de agentes e valores religiosos em um estado laico. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 33, p. 71-97, 2013.). A categoria “Direitos e liberdades individuais” evidencia-se nas mobilizações do Estatuto da Criança e do Adolescente, não para um debate sobre os direitos das crianças e adolescentes, mas como um recurso argumentativo em favor dos direitos da família - o que se exemplifica a seguir:

Mas, por outro lado, professores usarem do direito de cátedra para massacrarem ideologicamente os nossos filhos é um crime, é um absurdo. Isso fere o art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA de forma violenta, de forma veemente. Nós temos visto pelas redes sociais o que tem ocorrido tanto aqui no Brasil, quanto em outros países (Portela, 2017PORTELA, Lincoln. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara dos Deputados, no Grande Expediente da Sessão Ordinária de 24 de outubro de 2017. Brasília, Câmara dos Deputados, 2017.).

Sras. e Srs. Deputados, a ideologia de gênero ameaça as crianças e os adolescentes. O art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família. Frisemos educado no seio da sua família. Temos que defender esse direito. Não podemos ser lenientes com nenhum conteúdo de caráter ideológico que seja passado aos nossos filhos, às nossas crianças (Andrade, 2015ANDRADE, Carlos. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara dos Deputados, nas Breves Comunicações da Sessão Ordinária de 3 de setembro de 2015. Brasília, Câmara dos Deputados, 2015.).

Quem defenderá as famílias da afronta governamental? A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente asseguram a elas o direito à educação dos filhos. Seguindo esse princípio, os pais podem comunicar à escola que não permitem que seu filho tenha acesso a determinados conteúdos morais, basta acessarem o site e http://www.bit.ly/protegerfamilias, baixar notificação extrajudicial, elaborada pelo Procurador da República Guilherme Schelb, preencher e entregar à escola. Em caso de desobediência, a escola e o professor poderão ser processados por danos morais e estarão sujeitos a pagar indenização (Dionisio, 2016DIONISIO, Elizeu. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara dos Deputados, no Pequeno Expediente da Sessão Ordinária de 2 de março de 2016. Brasília, Câmara dos Deputados, 2016.).

Ainda dentro da categoria “Direitos e liberdades individuais”, observa-se o uso do léxico jurídico estendido aos direitos humanos para fundamentar os direitos da família. Isso fica evidente nos trechos a seguir, onde parlamentares retomam tratados internacionais para embasar seus argumentos:

Há apologia a essa ideologia nas escolas. Insistem, portanto, no desrespeito à vontade do povo e em uma infração explícita à Convenção Americana de Direitos Humanos, vigente no Brasil, que estabelece, em seu art. 12, que os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções (Andrade, 2015ANDRADE, Carlos. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara dos Deputados, nas Breves Comunicações da Sessão Ordinária de 3 de setembro de 2015. Brasília, Câmara dos Deputados, 2015.).

De acordo com o Pacto de San Jose de Costa Rica, os pais têm direito primordial na educação dos filhos quanto a princípios morais e religiosos. Mesmo assim, alguns profissionais - nem todos - utilizam da sua influência para fazer uma doutrinação ideológica nas crianças e nos adolescentes. A doutrinação é o compartilhamento de ideias, valores, crenças e disciplina, como se estes fossem os princípios ideais, corrompendo a formação intelectual dada pela família (Portela, 2017PORTELA, Lincoln. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara dos Deputados, no Grande Expediente da Sessão Ordinária de 24 de outubro de 2017. Brasília, Câmara dos Deputados, 2017.).

Na categoria “Regra da maioria”, a democracia é frequentemente entendida como um modelo em que a minoria, independentemente de seus direitos, deve se submeter à maioria. Não há uma preocupação com valores como equidade e justiça, o que pode ser observado nos trechos seguintes:

A democracia que exercemos não vive o furor de cortar cabeças, mas isso não significa que a minoria pode forçar a imposição de suas teses. A democracia dos modernos pressupõe que as polêmicas sejam resolvidas no voto. Vencida ou não a tese, os seus advogados devem observar a lei para tentar mais uma vez. No caso do Brasil, deve-se aguardar a próxima legislatura para tentar mudar o que foi aprovado. Tentar impor, por meios indiretos, a sua vontade, pelo inconformismo da derrota, é fraudar o processo político. É o que vejo com a vontade de emplacar a ideologia de gênero nos planos educacionais dos Estados e Municípios. A ideologia de gênero foi derrotada no ano passado na Câmara dos Deputados, durante a votação do Plano Nacional de Educação PNE. [...] A promulgação dele significou claramente que o poder político decidiu não aceitá-la. Entretanto, em várias Assembleias e Câmaras de Vereadores, parece que assistimos a uma inversão daquela preocupação dos primeiros filósofos da democracia moderna. Antes eles teorizavam que a maioria não poderia pisar na minoria. Hoje vemos que a minoria derrotada quer impor a sua vontade à maioria (Bulhões, 2015BULHÕES, Antonio. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara dos Deputados, na Ordem do Dia da Sessão Ordinária de 7 de julho de 2015. Brasília, Câmara dos Deputados, 2015.).

Não podemos ficar de braços cruzados enquanto o Governo desrespeita a vontade da maioria da população, esta Casa e todo o Brasil não podemos deixar que nossas crianças sejam erotizadas precocemente para atender a um pequeno grupo social (Dionisio, 2016DIONISIO, Elizeu. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara dos Deputados, no Pequeno Expediente da Sessão Ordinária de 2 de março de 2016. Brasília, Câmara dos Deputados, 2016.).

Não foi um avanço religioso sobre o Estado, como alguns, de forma equivocada, estão dizendo, inclusive na mídia. É um grande avanço para que políticas públicas sejam adotadas e para que a família possa ser, realmente, cuidada e preservada como ela merece. Aqueles que tiveram o cuidado de ler o Estatuto. Outro problema também que estamos tendo é que militantes LGBT, que inclusive não leram o Estatuto, estão falando mentiras na mídia. O Estatuto não excluiu, de forma alguma, aquilo que já foi aprovado pelo STF a união civil entre pares homossexuais. Foi um direito que eles conseguiram e nós não entramos nesse mérito. Agora, nós não podemos legislar a partir da exceção. A lei parte da regra. E a regra é muito clara na Constituição Federal, no art. 226, que eu repito: a família, base da sociedade, é formada por homem, mulher e filhos (Flavinho, 2015FLAVINHO. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara dos Deputados, nas Breves Comunicações da Sessão Ordinária de 30 de setembro de 2015. Brasília, Câmara dos Deputados, 2015.).

O discurso do deputado Flavinho (PSB) também demonstra preocupação em enfatizar a laicidade de seus posicionamentos. Por meio de uma retórica que associa democracia à regra da maioria, ele busca reivindicar os direitos das famílias e remover o debate do campo religioso e teológico, disputando o sentido da democracia e valores como neutralidade, laicidade e direitos, o que se enquadra na categoria “laicidade/neutralidade”, ainda que o autor não mencione esses termos explicitamente, como ocorre no caso uruguaio, apresentado a seguir.

Uruguai

O Uruguai representa um caso em que os movimentos antigênero estão em fase de consolidação, como afirmado por Abracinskas et al. (2019)ABRACINSKAS, L.; PUYOL, S.; IGLESIAS, N; KREHER, S. Políticas antigénero en Latinoamérica: Uruguay, el malo ejemplo. Montevideo: MYSU, 2019., e apontam que o secularismo está mesclado com a identidade nacional, o que representa um obstáculo para o fortalecimento de tais movimentos. Os autores constataram que esse processo pode ser dividido em três fases: 2009 a 2013; 2014 a 2017 e pós-2017. O primeiro momento, de 2009 a 2013, é marcado por uma aproximação dos grupos religiosos católicos e neopentecostais com a política institucional, especialmente com o Partido Nacional. Tal aproximação é crucial no caso uruguaio, dado que seu sistema político está organizado em uma base fortemente partidária (uma espécie de “partidocracia”, segundo Chasquetti e Buquet, 2004CHASQUETTI, D.; BUQUET, D. La democracia en Uruguay: una partidocracia de consenso. Política, n. 42, p. 221-247, 2004.). Nesse primeiro período, as ações dos movimentos antigênero no legislativo voltaram-se para a lei que descriminalizou o aborto, liderada pela organização Coordinadora por la Vida.

O segundo período, que vai de 2014 a 2017, é caracterizado pelo fortalecimento dos grupos antigênero e de seus vínculos transnacionais, com base num diagnóstico de que o Uruguai representaria um mau exemplo para outros países da região, dado o estado consolidado da legislação voltada para as dimensões de gênero e diversidade sexual. Os grupos religiosos começaram a concentrar seus esforços em uma estratégia eleitoral que garantisse sua representação no legislativo e tiveram sucesso, tendo elegido importantes parlamentares que impulsionavam a agenda antigênero, como Álvaro Dastugue e Gerardo Amarilla, ambos vinculados ao Partido Nacional. Nesse contexto, as organizações civis conservadoras multiplicaram-se, adotando um discurso secular para camuflar os fundamentos religiosos de suas ações.

Finalmente, a terceira fase começou em 2017, marcando um momento mais virulento destes movimentos, conforme Abracinskas et al. (2019)ABRACINSKAS, L.; PUYOL, S.; IGLESIAS, N; KREHER, S. Políticas antigénero en Latinoamérica: Uruguay, el malo ejemplo. Montevideo: MYSU, 2019., usando uma “linguagem hiperbólica” (Kováts e Põim, 2015KOVÁTS, E.; PÕIM, E. M. Gender as symbolic glue: the position and role of conservative and far right parties in the anti-gender mobilizations in Europe. Budapeste: FEPS, 2015.), destinada a ativar o pânico moral (Miskolci; Campana, 2017MISKOLCI, R.; CAMPANA, M. “Ideologia de gênero”: Notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 725-747, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3203008. Acesso em: 6 set. 2021.
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; Kuhar; Paternotte, 2017KUHAR, R.; PATERNOTTE, D. Anti-gender campaigns in Europe: mobilizing against equality. Londres, Nova York: Rowman & Littlefield International, 2017.). Houve, também, a adoção de justificativas supostamente seculares e pseudocientíficas, que ocultariam suas bases religiosas - estratégia presente também no caso brasileiro. Os autores ressaltam que foi neste período que a expressão ideologia de gênero foi divulgada na mídia. Outro recurso discursivo mobilizado voltou-se para a ideia de que as instituições religiosas, especialmente a Igreja Católica, são constitutivas da identidade nacional, em um processo que reforça o que Vaggione (2017)VAGGIONE, J. M. La Iglesia Católica frente a la política sexual: la configuración de una ciudadanía religiosa. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 50, e175002, 2017. [on-line]. Disponível em: https://doi.org/10.1590/18094449201700500002. Acesso em: 6 set. 2021.
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chama de “cidadania religiosa”, fundamental para o entendimento do processo de desdemocratização e do ativismo antigênero na região.

No que diz respeito aos debates legislativos sobre o assunto, identificamos 12 documentos no período entre 2010 e 2020, com versões transcritas de debates e discursos nos quais o termo ora colocado em questão foi mencionado. A análise dos documentos permitiu identificar sete discursos que mobilizam argumentos supostamente democráticos para atacar a chamada ideologia de gênero. Os gatilhos para os discursos antigênero foram o uso de linguagem inclusiva (2019), projetos de leis sobre interrupção voluntária da gravidez (2012), violência baseada em gênero (2017), tráfico de pessoas (2018) e debate sobre combate a todos os tipos de discriminação (2018). A estratégia de tratar como sinônimo as expressões perspectiva de gênero e ideologia de gênero também é relevante, o que pode levar, como indica um processo em andamento em países como Hungria, Polônia e Brasil, ao não cumprimento de compromissos relacionados à igualdade de gênero, já que esta palavra - gênero - passa a ser uma categoria maligna ou acusatória (Luna, 2017LUNA, N. A criminalização da “ideologia de gênero”: uma análise do debate sobre diversidade sexual na Câmara dos Deputados em 2015. Cadernos Pagu, Campinas, SP, v. 50, e175018, 2017.), um sintagma (Junqueira, 2017JUNQUEIRA, R. D. Ideologia de gênero: a gênese de uma categoria política reacionária - ou: como a promoção dos direitos humanos se tornou uma “ameaça a família natural. In: Ribeiro, P. R. C.; Magalhães, J. C. (eds.). Debates contemporâneos sobre Educação para a sexualidade. Rio Grande: Ed. da FURG, 2017. p. 25-52. ).

Como explicitado anteriormente, os movimentos antigênero compartilham um repertório discursivo que ultrapassa fronteiras nacionais, mas têm conformações nacionais específicas, o que indica que o ativismo antigênero adapta-se a esses contextos. Como no caso uruguaio existe uma democracia consolidada, com fortes bases partidárias, marcada pela centralidade do princípio do secularismo e dos direitos humanos, este ativismo molda seus argumentos a fim de torná-los mais palatáveis aos cidadãos e mais aceitáveis no debate público.

Nesse sentido, a análise dos discursos no Uruguai também identificou que a democracia é tratada como regra da maioria, ou seja, a ideologia de gênero seria uma demanda da minoria da população:

por un lado, luchamos contra la discriminación sexual y, por otro, con ese tipo de acciones terminamos generando discriminación, intolerancia y violencia. Por lo tanto, a esta altura de las circunstancias y de la historia creo que es importante tener claro que detrás de los procesos de lucha también se esconden fundamentalismos y minorías con motivaciones insanas, y que es necesario desenmascararlos a fin de separarlos de la buena lucha, que es la que en todo este tiempo, y con tanto esfuerzo, nos ha permitido avanzar (Goñi Reyes, 2018GOÑI REYES, Rodrigo. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara de Representantes, na Media Hora Previa da Sessão Ordinária de 16 de maio de 2018, em debate sobre “Compromiso de trabajar contra todo tipo de discriminación”. Montevidéu, Câmara de Representantes, 2018.).

No entanto, tentar fazer equivaler democracia à regra da maioria é uma distorção, já que, mesmo para autores liberais clássicos como Tocqueville e Stuart Mill, a proteção às minorias frente à tirania da maioria, seja na forma do governo eleito, seja da opinião pública dominante, assume centralidade na democracia. Isso indica que, no contexto da democracia liberal, nenhuma maioria pode sobrepujar direitos e liberdades individuais. Entretanto, esse recurso discursivo, mobilizado também no caso brasileiro, indica uma ampliação ou interpretação do léxico da democracia para afirmar políticas que violam ou desconsideram direitos individuais e de minorias.

Esse argumento também se refere à compreensão de que haveria uma tentativa dessa minoria de impor sua agenda, especialmente através da atuação do poder Executivo, então controlado pela esquerda (Frente Amplio), e de forma autoritária. Assim, a ideologia de gênero eliminaria o pluralismo democrático:

Bajo el título “Ideología de género” - algo tan manido - se cobijan una serie de conceptos y normas que no tenemos libertad de escoger porque, imperceptiblemente, se nos van incorporando a pensamentos y costumbres (Szombaty, 2019SZOMBATY, Elizabeth. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara de Representantes, na Media Hora Previa da Sessão Ordinária de 13 de março de 2019, em Criterio acerca del día de la Mujer. Montevidéu, Câmara de Representantes, 2019. ).

Queremos expressar con total firmeza que la mejor forma de superar la discriminación sexual no es imponiendo ideologías que pretenden despersonalizar la sexualidad, y hasta eliminar las diferencias entre los sexos (Goñi Reyes, 2018GOÑI REYES, Rodrigo. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara de Representantes, na Media Hora Previa da Sessão Ordinária de 16 de maio de 2018, em debate sobre “Compromiso de trabajar contra todo tipo de discriminación”. Montevidéu, Câmara de Representantes, 2018.).

Um argumento muito presente é o de que a ideologia de gênero seria uma grave ameaça a direitos e liberdades individuais/constitucionais, como a liberdade de expressão e opinião, a liberdade de consciência e religião, e o direito de pais/famílias educarem seus filhos, bem como o direito de crianças e adolescentes de serem educados por suas famílias/pais:

Todo aquello que del Estado impone como ideología ataca las libertades individuales. Cuando uma idea no se debate sino que, por el contrario, se la impone, lo que se hace es recortar nuestros derechos y libertades individuales y, en definitiva, se atenta contra nuestros derechos humanos (Szombaty, 2019SZOMBATY, Elizabeth. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara de Representantes, na Media Hora Previa da Sessão Ordinária de 13 de março de 2019, em Criterio acerca del día de la Mujer. Montevidéu, Câmara de Representantes, 2019. ).

Entiendo que para disminuir la violencia contra las mujeres no es necesario imponer a los niños la perspectiva de género, que dice que no existen varones ni mujeres, sino que somos neutros. No es necesario prohibir a las niñas jugar con muñecas ni a los niños jugar a la pelota; no hay necesidad de eliminar la distinción entre padre y madre, ni entre padres e hijos - como dice la ley cuando habla de democratizar las relaciones familiares -, ni considerar que toda diferencia, como la maternidad, es un estereotipo que hay que erradicar, ni que las relaciones familiares son necesariamente relaciones de dominación, sustentadas en estereotipos socioculturales de inferioridad o subordinación de las mujeres, que habría que eliminar (Varela, 2017VARELA, Patricia V. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara de Representantes, na Ordem do Dia da Sessão Ordinária de 12 de dezembro de 2017, em debate sobre Violencia hacia las mujeres, basada em género: normas. Montevidéu, Câmara de Representantes, 2017.).

Buscan generar instrumentos legales y educativos para que los menores de edad ejerzan sus derechos sexuales y reproductivos con independência de la opinión o dirección de sus padres, erosionando su autoridad y el ejercicio de los derechos y deberes de la patria potestad, que están establecidos em nuestra legislación y, fundamentalmente, en la Constitución de la República (Amarilla, 2018AMARILLA, Gerardo. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara de Representantes, na Ordem do Dia da Sessão Ordinária de 11 de julho de 2018, em debate sobre Trata de personas: normas para la prevención y combate. Montevidéu, Câmara de Representantes, 2018.).

Nesse âmbito, é importante destacar que a menção a direitos de crianças e adolescentes tem como objetivo garantir o direito de as famílias educarem seus filhos ou o pátrio poder, assim como no caso brasileiro.

Por fim, observamos, no caso uruguaio, que uma estratégia discursiva dos movimentos antigênero é argumentar que a ideologia de gênero violaria o princípio da igualdade e não discriminação, uma vez que o Estado passaria a defender direitos de grupos específicos, como as mulheres, em detrimento dos homens:

En los principios establecidos en el literal D) del artículo 3º tenemos la denominada perspectiva de género, donde claramente hay una discriminación hacia los hombres y hacia los que posean uma orientación sexual hegemónica, tal como dice el proyecto. […] Este literal D) se contradice y discrimina entre víctimas de primera y víctimas de segunda que, según esta ideología, son sin duda los hombres y las personas con orientación heterosexual. Esto, además de injusto e inexplicable, solo se entiende con relación a esta visión de la ideología de género que, lamentablemente, permea este proyecto de ley. […] Hay una discriminación y ridiculización de lo heterossexual (Amarilla, 2018AMARILLA, Gerardo. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara de Representantes, na Ordem do Dia da Sessão Ordinária de 11 de julho de 2018, em debate sobre Trata de personas: normas para la prevención y combate. Montevidéu, Câmara de Representantes, 2018.).

O tema da laicidade também se articula a esse argumento. Nesse caso, o Estado, ao promover políticas voltadas a grupos específicos, estaria deixando de ser neutro ao tentar impor a ideologia de gênero no sistema de educação pública, já que a lei sobre violência de gênero possui dispositivos que preveem que a perspectiva de gênero oriente atividades nas escolas como medida de prevenção à violência:

El problema es la ideología de género, que atraviesa este proyecto y va a atravesar, de acuerdo con la iniciativa, la educación pública uruguaya. […] Se están violando dos principios fundamentales. Uno de ellos es el principio de laicidad, porque el Estado no puede tener una educación pública - obvio que la privada puede hacer lo que quiera - impregnada de ideología, y la ideología de género es una ideología (Bianchi Poli, 2017BIANCHI POLI, Graciela. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara de Representantes, no Pequeno Expediente da Sessão Ordinária de 13 de dezembro de 2017, em debate sobre Violencia hacia las mujeres, basada em género: normas. Montevidéu, Câmara de Representantes, 2017.).

Viola un histórico y tradicional principio constituido por la neutralidad del Estado en materia ideológica, filosófica y religiosa (Amarilla, 2017AMARILLA, Gerardo. Pronunciamento proferido no Plenário da Câmara de Representantes, na Ordem do Dia da Sessão Ordinária de 13 de dezembro de 2017, em debate sobre Violencia hacia las mujeres, basada em género: normas. Montevidéu, Câmara de Representantes, 2017.).

Observamos, pois, que a distribuição dos temas nos discursos foi equilibrada, com prevalência da referência à democracia como “regra da maioria” e a direitos e liberdades individuais/constitucionais (cinco menções para cada), seguidos do tema igualdade/neutralidade/laicidade (quatro menções). Assim, os dados acima reforçam as conclusões de Abracinskas et al. (2019)ABRACINSKAS, L.; PUYOL, S.; IGLESIAS, N; KREHER, S. Políticas antigénero en Latinoamérica: Uruguay, el malo ejemplo. Montevideo: MYSU, 2019., que indicam um processo de consolidação dos movimentos antigênero no Uruguai, com base em sua ação via poder legislativo. Esse poder parece ser uma peça importante no processo, especialmente devido à centralidade dos partidos naquele país (Chasquetti e Buquet, 2004CHASQUETTI, D.; BUQUET, D. La democracia en Uruguay: una partidocracia de consenso. Política, n. 42, p. 221-247, 2004.). Nesse sentido, destaca-se a atuação dos membros do Partido Nacional, especialmente nas figuras de Jaime Mario Trobo, Patricia Vásquez Varela, Rodrigo Goñi Reyes, Gerardo Amarilla e Graciela Bianchi Poli.

Abracinskas et al. (2019)ABRACINSKAS, L.; PUYOL, S.; IGLESIAS, N; KREHER, S. Políticas antigénero en Latinoamérica: Uruguay, el malo ejemplo. Montevideo: MYSU, 2019. já haviam identificado a aproximação entre setores religiosos e esse partido desde meados dos anos 2000, como estratégia dos movimentos antigênero para chegar à política institucional. Destaca-se que, com a eleição de Lacalle Pou, vinculado ao Partido Nacional, para a presidência do país em 2019, alguns desses parlamentares passaram a ocupar cargos no Executivo, como Gerardo Amarilla, atualmente subsecretário no Ministério do Meio Ambiente e Don Javier García, atual ministro da Defesa Nacional, o que pode dar mais força à agenda antigênero no país. Um cenário semelhante também ocorreu no Brasil, guardadas as devidas proporções, após a vitória de Jair Bolsonaro, em 2018.

Considerações finais

Neste artigo procuramos analisar os movimentos antigênero no Brasil e Uruguai e sua relação com processos de desdemocratização. A hipótese que orientou a investigação é a de que a atuação de tais movimentos seria mais vigorosa no Brasil e menos no Uruguai, devido às relações entre religião e política nesses contextos. É crucial compreender que os discursos e a política antigênero têm aspectos locais e transnacionais, bem como complexidade de formas, mas estão diretamente ligados ao processo de desdemocratização, uma vez que a disputa em torno da ideologia de gênero não se limita a debates culturais, mas se estende à própria essência dos valores democráticos, comprometendo princípios fundamentais dos direitos humanos, especialmente os das mulheres e minorias sexuais e, consequentemente, operando como um traço fundamental do processo que deteriora as democracias desde seu próprio interior. Este trabalho demonstrou como os discursos antigênero, ligados a forças conservadoras cristãs, têm funcionado como agentes corrosivos da democracia, em diferentes graus, nos diferentes países. Esta constatação revela a influência desses discursos na fragilização dos fundamentos democráticos em vários países e destaca a complexidade dessa questão transnacional, apesar das particularidades locais.

Pesquisas prévias indicam que as categorias identificadas para o caso brasileiro (Rezende; Ávila; Oliveira, 2020REZENDE, Daniela Leandro; ÁVILA, Luciana Beatriz Bastos; OLIVEIRA, Camila Olídia Teixeira. Cidadania religiosa e movimentos antigênero na Câmara dos Deputados brasileira: uma análise dos discursos de legisladores/as, 2014-2017. Revista Contemporânea, v. 10, n. 2, p. 585-612, 2020.) também são encontradas no discurso parlamentar no Uruguai (Abracinskas et al., 2019ABRACINSKAS, L.; PUYOL, S.; IGLESIAS, N; KREHER, S. Políticas antigénero en Latinoamérica: Uruguay, el malo ejemplo. Montevideo: MYSU, 2019.). Como no caso brasileiro, as reformas educacionais ou a apresentação de projetos de lei visando aos direitos sexuais e reprodutivos, à igualdade de gênero ou aos direitos das pessoas LGBTQIA+ foram desencadeadoras do surgimento de movimentos contra a chamada ideologia de gênero. Além disso, foi possível identificar que a atuação via poder legislativo tem sido uma estratégia compartilhada dos movimentos antigênero, especialmente com o objetivo de fundar e/ou fortalecer as bases religiosas para avançar nas agendas conservadoras e restringir direitos. Além disso, a afirmação dos direitos da família, a partir de uma ampliação do léxico dos direitos humanos, ancorados na proteção de direitos individuais, bem como a identificação da democracia com a regra da maioria, em detrimento de direitos de “minorias”, como mulheres e população LGBTQIA+, são elementos comuns aos dois países.

No entanto, o sucesso dessa estratégia varia de país para país, o que reforça a hipótese aventada: o Brasil pode ser considerado o caso mais avançado, seguido pelo Uruguai, país em que o termo ideologia de gênero já aparece nos debates parlamentares, mas sem a mesma força que no primeiro. Ainda que não seja possível, dado o pequeno volume de casos, afirmar que esse cenário deva-se apenas à força da dimensão religiosa nos países estudados, esse elemento afeta as estratégias discursivas adotadas nos dois países, uma vez que no Brasil há maior relação entre religião e política que no Uruguai, como indicado na metodologia. Nesse sentido, o Brasil pode ser visto como uma espécie de “meta” a ser alcançada pelos movimentos antigênero uruguaios, uma vez que o confronto da ideologia de gênero e a proteção e valorização da “família natural” ganharam o status de política de Estado, com a eleição de Bolsonaro em 2018 (Aragusuku, 2020ARAGUSUKU, H. A. O percurso histórico da “ideologia de gênero” na Câmara dos Deputados: uma renovação das direitas nas políticas sexuais. Agenda Política, v. 8, n. 1, p. 106-130, 2020.).

Outras distinções entre os casos também podem ser encontradas, como mostra o caso uruguaio, no qual o discurso antigênero baseia-se em valores nacionais arraigados, como laicidade e direitos humanos, o que aponta para uma disputa em torno do sentido que os diferentes grupos atribuem à ideia de direitos humanos, e de como o vocabulário secular tem sido mobilizado com diferentes significados. O tema da laicidade, por exemplo, não aparece no caso brasileiro de forma explícita ou recorrente, o que pode estar relacionado também com a força da relação entre religião e política nesse país, diferentemente do Uruguai, em que o secularismo encontra-se mesclado com a identidade nacional (Abracinskas et. al., 2019ABRACINSKAS, L.; PUYOL, S.; IGLESIAS, N; KREHER, S. Políticas antigénero en Latinoamérica: Uruguay, el malo ejemplo. Montevideo: MYSU, 2019.). Entretanto, com a eleição de Lacalle Pou em 2019, vinculado ao Partido Nacional, e o crescimento da representação religiosa no poder legislativo uruguaio (Thomaz, 2019THOMAZ, Danilo. Uruguai vê avanço da bancada religiosa no Congresso enquanto escolhe novo presidente. O Globo, Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2019.), os discursos e políticas antigênero podem encontrar mais permeabilidade no país, o que aponta para a necessidade de desenvolvimento de novas pesquisas, de forma a verificar se esse novo cenário implicou o fortalecimento dos discursos antigênero no legislativo e se houve reconfiguração das estratégias discursivas empregadas naquele país.

Diante do exposto, esse trabalho junta a uma série de debates que identificam nas questões de gênero um eixo estruturante do processo de desdemocratização pelo qual passam distintas democracias contemporâneas. Como explicitado pela discussão bibliográfica e análise temática dos discursos parlamentares, o posicionamento daqueles que são contrários à ideologia de gênero não se restringe a um debate no campo dos costumes, mas, principalmente, estabelece-se no campo da disputa em torno dos valores democráticos e do próprio sentido da democracia.

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  • 3
    Apesar do protagonismo ideológico da Igreja Católica, Almeida (2017)ALMEIDA, Ronaldo de. A onda quebrada - evangélicos e conservadorismo. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 50, e175001, 2017. [on-line] e Abracinskas et. al. (2019)ABRACINSKAS, L.; PUYOL, S.; IGLESIAS, N; KREHER, S. Políticas antigénero en Latinoamérica: Uruguay, el malo ejemplo. Montevideo: MYSU, 2019. apontam a incidência vigorosa de religiões evangélicas, notadamente de cunho neopentecostal, em movimentos antigênero e na propagação deste discurso nos dois países analisados.
  • 4
    Referenciado por Kuhar e Paternotte (2017)KUHAR, R.; PATERNOTTE, D. Anti-gender campaigns in Europe: mobilizing against equality. Londres, Nova York: Rowman & Littlefield International, 2017. na Introdução do livro por eles organizado, o termo é empregado na análise desenvolvida por Mayer e Sauer (2017, p. 117)MAYER, S; SAUER, B. “Gender ideology” in Austria: coalitions around an empty signifier. In: KUHAR, R.; PATERNOTTE, D. Anti-gender campaigns in Europe: mobilizing against equality. Londres, Nova York: Rowman & Littlefield International, 2017. p. 23-40. para o caso da Áustria. As autoras retomam as contribuições de Ernesto Laclau, autor do conceito, que estabelece que o termo ideologia de gênero opera como “significante vazio” ao não se referir a nenhum fenômeno político ou política pública específica, permitindo o estabelecimento de uma “cadeia de equivalências” entre diferentes agendas conservadoras, garantindo um caráter homogêneo, unificado, coerente, a fenômenos heterogêneos e difusos.
  • 5
    Há uma agenda de pesquisa dedicada ao conceito de “pânico moral” que, apesar de relevante, foge ao escopo do artigo. Assim, consideramos suficiente o argumento de Miskolci de que “qualquer que seja o pânico - moral ou sexual -, ele revela um medo desproporcional em relação a um tema e promove também uma reação exagerada a ele. O pânico é disseminado por um grupo de interesse que passa a agir empreendendo uma campanha que pode adquirir características de cruzada. Assim, expressa de forma extrema a indignação moral de um grupo que considera que algo violou um valor compartilhado, ameaçando sua identidade” (Miskolci, 2021, p. 24MISKOLCI, Richard. Batalhas morais: política identitária na esfera pública técnico-midiatizadora. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2021.).
  • 6
    Segundo Moraes et al. (2020, p. 807-808)MORAES, P. M.; NUNES, R.; HORST, C. H. M.; MIOTO, R. C. T. Familismo e política social: aproximações com as bases da formação sócio-histórica brasileira. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 24, n. 2, p. 802-818, 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rppublica/article/view/13675 . Acesso em: 24 maio 2021.
    http://www.periodicoseletronicos.ufma.br...
    , familismo “pode ser entendido como um padrão cultural e político secular que tem se expressado tanto no campo da legislação concernente à família como na configuração da política social. Uma configuração permeada tanto pela ausência de políticas que sustentem a vida familiar como pelas formas de incorporação da família na política social”.
  • 7
    Segundo Coppedge et. al. (2023b)COPPEDGE, Michael; GERRING, John; KNUTSEN, Carl Henrik; LINDBERG, Staffan I.; TEORELL, Jan; ALTMAN, David; BERNHARD, Michael; CORNELL, Agnes; FISH, M. Steven; GASTALDI, Lisa; GJERLØW, Haakon; GLYNN, Adam; GRAHN, Sandra; HICKEN, Allen; KINZELBACH, Katrin; MARQUARDT, Kyle L.; MCMANN, Kelly; MECHKOVA, Valeriya; NEUNDORF, Anja; PAXTON, Pamela; PEMSTEIN, Daniel; RYDÉN, Oskar; VON RÖMER, Johannes; SEIM, Brigitte; SIGMAN, Rachel; SKAANING, Svend-Erik; STATON, Jeffrey; SUNDSTRÖM, Aksel; TZELGOV, Eitan; UBERTI, Luca; WANG, Yi-ting; WIG, Tore; ZIBLATT, Daniel. V-Dem Codebook v13 Varieties of Democracy (V-Dem) Project. 2023b. o índice é categórico e varia entre 0, que indica que “há um alto grau de isolamento do governo em relação às contribuições de organizações religiosas” e 2, quando “organizações religiosas importantes são reconhecidas como partes interessadas em áreas políticas importantes e têm voz em tais questões”. Acesso em: 15 dez. 2022.
  • 8
    Para outras variáveis relevantes, como o Índice de Democracia Liberal (variável contínua, 0 baixo e 1 alto), os dois países apresentam posições próximas, com o Brasil apresentando escore de 0,51 e o Uruguai, 0,76. Ver Coppedge et. al. (2023a)COPPEDGE, Michael; GERRING, John; KNUTSEN, Carl Henrik; LINDBERG, Staffan I.; TEORELL, Jan; ALTMAN, David; BERNHARD, Michael; CORNELL, Agnes; FISH, M. Steven; GASTALDI, Lisa; GJERLØW, Haakon; GLYNN, Adam; GRAHN, Sandra; HICKEN, Allen; KINZELBACH, Katrin; MARQUARDT, Kyle L.; MCMANN, Kelly; MECHKOVA, Valeriya; NEUNDORF, Anja; PAXTON, Pamela; PEMSTEIN, Daniel; RYDÉN, Oskar; VON RÖMER, Johannes; SEIM, Brigitte; SIGMAN, Rachel; SKAANING, Svend-Erik; STATON, Jeffrey; SUNDSTRÖM, Aksel; TZELGOV, Eitan; UBERTI, Luca; WANG, Yi-ting; WIG, Tore; ZIBLATT, Daniel. V-Dem [Country-Year/Country-Date] Dataset v13 Varieties of Democracy (V-Dem) Project. 2023a. Disponível em: https://doi.org/10.23696/vdemds23. Acesso em: 15 nov. 2022.
    https://doi.org/https://doi.org/10.23696...
    .
  • 9
    Para este caso, desenvolvemos uma análise de conteúdo automática, utilizando o software Iramuteq. Ver Rezende et. al., 2020REZENDE, Daniela Leandro; ÁVILA, Luciana Beatriz Bastos; OLIVEIRA, Camila Olídia Teixeira. Cidadania religiosa e movimentos antigênero na Câmara dos Deputados brasileira: uma análise dos discursos de legisladores/as, 2014-2017. Revista Contemporânea, v. 10, n. 2, p. 585-612, 2020..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2023
  • Aceito
    04 Mar 2024
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