Resumo
O presente artigo tem como objetivo traçar um perfil de lideranças políticas que começaram suas trajetórias influenciadas pela Teologia da Libertação (corrente teológica que vinculava a atuação dos cristãos, principalmente católicos, a uma opção preferencial pelos pobres). Dentre estas destacamos: Chico Alencar (PSOL); Paulo Teixeira (PT); e João Pedro Stédile (MST). Também analisaremos o perfil de algumas lideranças que estão conectadas ao neofundamentalismo (movimento formado, principalmente, por evangélicos que atua na defesa de valores da moral cristã fundamentalista) e que representam, atualmente, um segmento expressivo na vida política brasileira. Dentre eles, podemos citar: João Campos (PRB), que é líder da Frente Parlamentar Evangélica e Marco Feliciano (PSC). Análise comparativa na formação das lideranças políticas é fundamental para podermos acompanhar as alterações que estão ocorrendo na composição destas correntes políticas e religiosas no Congresso Nacional.
Palavras Chave: Liderança Política; Teologia da Libertação e Neofundamentalistas
Abstract
This article aims to outline a profile of political leaders who began their trajectory influenced by Theology of Liberation (theological current that linked the action oh Christians, especially Catholics, to a preferential option for the poor). Among these we highlight: Chico Alencar (PSOL); Paulo Teixeira (PT); and João Stédile (MST). We will also analyze the profile of some leaderships that are connect to the neofundamentalist movement (a movement formed mainly by evangelicals that defend the values of Christian fundamentalist morality) and represent a significant segment of Brazilian political life. Among them, we can mention: João Campos (PRB), who is leader of the Evangelical Parliamentary Front and Marco Feliciano (PSC). Comparative analysis in the formation of political leaders is fundamental to be able to follow the changes that are occurring in the composition of these political and religious currents in the National Congress.
Keywords: Political Leadership; Theology of Liberation and Neofundamentalists
A liderança política pode ser exercida de diversas formas e assumir diferentes formatos, o que coloca em debate o significado e o papel da liderança política. Nas disputas políticas brasileiras, a figura do líder político é, historicamente, expressiva dentro dos processos políticos, a personificação da política, pois, é o político e não as instituições que ele representa, aquele que canaliza as ações políticas e conduz as operações e negociações políticas e econômicas.
Pretendemos aprofundar a discussão em torno da temática da liderança política no Brasil, e para isso, realizamos uma pesquisa qualitativa a partir de entrevistas como instrumento de coleta de dados, pois, consideramos que elas podem permitir ao pesquisador aprofundar-se no tema e descrever a lógica que precede as relações estabelecidas no interior de um grupo. Com base em roteiro determinado e direcionado ao objetivo do estudo, ou seja, com o intuito de recuperar, historicamente, o surgimento de lideranças; identificar a compreensão do conceito de liderança por parte dos atores políticos; e problematizar a relação entre religião e política, foram realizadas entrevistas com alguns políticos que ocupam ou ocuparam, recentemente, os cargos políticos brasileiros, no Congresso Nacional, ou ainda, representante de movimentos sociais. A escolha dos políticos entrevistados deveu-se à sua importância na vida política brasileira e à sua presença no cenário regional, partidário e nacional. Neste ponto, consiste a originalidade do trabalho, uma vez que, além do debate entre religião e política que é um assunto extremamente relevante e presente no Brasil, faremos um comparativo entre duas formas de atuação da religião em momentos distintos da política brasileira: A Teologia da Libertação e o Neofundamentalismo.
O texto é composto por mais quatro sessões, onde apresentamos (1) a Teologia da Libertação como uma corrente de pensamentos dentro da Igreja Católica e sua influência no processo de redemocratização do Brasil para discorrermos sobre três atores políticos influenciados e formados por esta corrente, são eles: Chico Alencar (PSOL); Paulo Teixeira (PT); e João Pedro Stédile (MST); (2) no segundo momento é exposta a concepção do termo Neofundamentalismo; explicitada a presença e o crescimento da influência do mesmo no cenário político atual para chegarmos a descrição da trajetória política e da concepção de liderança política de João Campos (PRB) e Marco Feliciano (PSC); (3) na terceira sessão estabelecemos paralelos e contrapontos entre a Teologia da Libertação e o Neofundamentalismo no Brasil; e, por fim, (4) as considerações finais, destacando a importância desse estudo para compreender a composição do Congresso Nacional na atualidade.
Teologia da Libertação
A Igreja Católica, desde o Império Romano do Ocidente, com Carlos Magno, no Império Carolíngio, esteve, geralmente, vinculada ao poder dominante e como grande detentora do saber e da oratória, atuava como instrumento político daqueles que detém o poder, assegurando a ordem e a obediência. Ao longo da história política Brasileira, não foi diferente; no contexto da colonização a atuação dos jesuítas apareceu como crucial na dominação dos povos indígenas; no Império eram os responsáveis pelo registro de nascimento, casamento e morte, assim como, administração de hospitais; na República ocorreu a separação formal entre Igreja e Estado; apesar dessa separação, na Era Vargas (1930 - 1945), os laços entre Igreja e Estado foram intensificados, de acordo com Cavalcanti (1994), Vargas via na Igreja o elemento para garantir o apoio popular e manter-se no poder, e a Igreja, ao utilizar um discurso de ordem e obediência em apoio a Vargas, teria suas reivindicações aceitas no campo político; durante a Experiência democrática, Igreja e Estado aliaram-se para conter a “ameaça” comunista e o ateísmo, culminando no apoio ao processo que resultou no golpe civil e militar.
Entretanto, a partir de 1960, a relação entre Igreja e Estado se alterou, o grande objetivo da Igreja Católica, expresso pelas encíclicas Mater et Magistral (1960), Pacem in Terris (1963) e a Populorum Progressio (1967), o Concílio Ecumênico Vaticano II, iniciado no Pontificado do Papa João XXIII e concluído no ano de 1966 com o Papa Paulo VI, visavam solucionar os problemas sociais e não mais manter-se no poder ao lado dos privilegiados. As injustiças sociais e os problemas que afetavam o Homem Moderno transformaram-se numa preocupação constante, por parte da Igreja, agora mais crítica e mais atuante.
O desenvolvimento de uma corrente de pensamento dentro da Igreja Católica - a Teologia da Libertação (síntese revolucionária anticapitalista entre cristãos e marxistas) - que entrou em confronto com o governo a partir de denúncias ao sistema político e econômico, vigente na época, e a partir do questionamento sobre a injustiça; a desigualdade; a opressão; e a violação aos direitos humanos. A Igreja Católica caracterizada em ser uma Igreja alienada, alienante, ligada aos interesses das classes dominantes, transformou-se em uma Igreja voltada aos problemas do homem e buscando a sua libertação em todos os sentidos, quer no plano espiritual, quer econômico, social e político5
O contexto de desenvolvimento da Teologia da Libertação, na América Latina, foi, de um lado a industrialização que favoreceu aos donos dos meios de produção permitindo um crescimento econômico de novos setores, e por outro, o êxodo rural em busca de trabalhos na indústria, fazendo surgir um setor de operários urbanos e um grande número de moradores em comunidades vivendo à margem da sociedade e, consequentemente, vivendo em péssimas condições sociais.
O Encontro dos Bispos Latino-Americanos, realizado em Medellín, na Colômbia, nos anos 1967/ 68, convocado pelo papa Paulo VI, promoveu uma reformulação maior na postura da Igreja na América Latina e, mais especificamente, no Brasil. Nessa ocasião, o setor progressista da Igreja - aquela facção que se organiza em grupo de pressão para exigir a concretização dos direitos do homem começa a preocupar-se com o povo não enquanto “objeto de estudo pastoral”, mas como “sujeito de sua história”.
A primeira tentativa de aplicação destas novas ideias dar-se-á na Diocese de Lins, no Estado de São Paulo, criada em 1926. Através da atuação de Dom Pedro Paulo Koop, Bispo de Lins, pertencente à ala progressista da Igreja, onde foi criado o Instituto Paulista de Promoção Humana (IPPH). Nesta Diocese, havia um clima de empolgação, face aos novos ensinamentos propostos a partir do Concílio Vaticano II: “Há imensa boa vontade de acertar. Experiências vão surgindo, e as reformas propostas são aceitas. Sente-se, porém, em alguns, a insegurança, o medo de uma abertura franca, o receio do fracasso e do erro. Cabe a Igreja, educadora e mestra, concentrar sua ação pastoral em torno de dois pólos: democratização (popularização) e desenvolvimento (crescimento) para todos, indistintamente e, de preferência, em favor dos marginalizados, dos que foram postos à margem ou expulsos do processo de desenvolvimento”6.
Considerando esta concepção sobre a atuação da Igreja e dos cristãos, é que D. Pedro Paulo Koop fundara o IPPH em 1º de julho de 1967, integrado por uma equipe de técnicos especializados em desenvolvimento. O objetivo primeiro do IPPH referia-se a: “... necessidade sentida de realizar um trabalho de promoção humana, não mais paternalista e assistencial, mas sim planejada e exequível, visando à capacitação e o crescimento socioeconômico de populações marginalizadas”7. No mesmo ano (1967), o Professor Franco Baruselli criou, em Araçatuba, o Instituto Noroeste de Trabalho, Educação e Cultura - INTEC. Já precedido pelo Centro de Treinamento Agrícola - CTA, criado pelo mesmo professor, no início de 1963. Estes dois institutos, o INTEC e o IPPH eram autônomos, distintos, porém, pertencentes à mesma Diocese de Lins. De forma geral, estes institutos objetivavam planejar e executar programas de desenvolvimento que visassem à promoção humana, fazendo com que houvesse uma participação ativa e consciente da população, entendida como agente fundamental na criação do desenvolvimento.
Partidos políticos e militantes políticos foram influenciados e formados pela Teologia da Libertação, iniciando sua atuação política a partir dos valores da Igreja Católica, atrelados ao comprometimento com as mudanças sociais e políticas, denunciando as injustiças sociais e colocando a clara necessidade de se lutar pela igualdade. Dentre eles, selecionamos: Chico Alencar (PSOL); Paulo Teixeira (PT); e João Pedro Stédile (MST) e pretendemos descrever o início das carreiras políticas dessas lideranças, atrelado a compreensão de liderança de cada um deles.
Chico Alencar
Chico Alencar nasceu no Rio de Janeiro, em 1949, e é Deputado Federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), já foi eleito melhor deputado do país cinco vezes e lutou ativamente contra a ditadura militar. Iniciou sua militância como secundarista e compôs também a Juventude Estudantil Católica (JEC) e, ainda, militou junto a associações de bairro do Rio de Janeiro. Posteriormente, participou da fundação da Associação de Moradores da Praça Sáenz Peña (AMOAPRA) e da Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro (FAMERJ), associações nas quais ele presidiu.
Em 1987 filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT), partido no qual ficou por 18 anos, onde se elegeu vereador duas vezes (de 1989 a 1996) e chegou ao cargo de Deputado Estadual (1998-2002). Ainda como Deputado Estadual presidiu a Comissão de Direitos Humanos e foi vice da Comissão de Educação da ALERJ. Em 1996 pelo PT, assim como em 2008 pelo PSOL, foi candidato a prefeitura do Rio de Janeiro, mas saiu derrotado nas duas vezes. Em 2002, ainda no PT, elegeu-se Deputado Federal e, em 2005, com o escândalo do Mensalão, deixou o partido e ajudou na fundação do PSOL. Em 2006 reelegeu-se Deputado Federal pelo PSOL, assim como em 2010 e 2014. Depois de quatro mandatos, em 2018, perdeu a eleição para Deputado Federal pelo Rio de Janeiro.
Chico Alencar (PSOL), entrevistado em fevereiro de 2016, reafirmou por toda a sua fala a influência da Igreja Católica em sua formação como ator político e em seu olhar para a sociedade. Segundo o próprio Chico, a política sempre esteve presente em sua vida, entretanto, foi a partir de uma formação política religiosa conservadora que isso se efetivou. O contato com a religiosidade veio de sua mãe e a partir da primeira comunhão em que o conhecimento sobre a doutrina religiosa estava ancorada na culpa.
Um Deus antropomórfico, tomador de contas que, quando a gente nascia, tinha bem essa ideia torta, ele abria um livro, uma conta corrente lá no seu nome e ia anotando as boas e más ações, os atos bons e maus, o deve e o haver, para depois você merecer a vida eterna no céu, pagar os pecados no purgatório ou ir pros quintos do inferno, terrivel né? Era um Deus severo, julgador.
A partir desses valores, o político afirma não ter perdido a fé, mas sim, iniciado os questionamentos que o levaram para a Juventude Estudantil Católica (movimento da Ação Católica Brasileira - AEIOU - Juventude Agrária, Juventude Estudantil, Juventude Independente, Juventude Operária e Juventude Universitária Católica), que tinha um viés progressista,
A formação vinculada a essa vertente religiosa, permitiu a Chico Alencar, o que ele compreende como uma consciência de mundo, uma vontade não apenas de querer pensar ou analisar o mundo, mas sim, transformá-lo, tornando-se um agente transformador. Nas palavras de Chico Alencar,
uma percepção do mundo que junta imanência com a transcendência, a espiritualidade com o material concreto que condiciona a vida dos seres humanos, a visão da sociedade. Uma leitura da realidade, que é uma leitura inspirada nos grandes cientistas políticos, sociólogos, economistas, particularmente a compreensão e a leitura marxista da realidade, embora o próprio Marx em uma entrevista a um jornal da Alemanha, na época dele, havia dito que ele mesmo não era marxista, mas eu gostava dessa qualificação, a análise da estrutura de classe que era a Teologia da Libertação, na qual eu também sou uma cria. Sou filho também das transformações da própria Igreja Católica, com o próprio Concílio Ecumênico Vaticano Segundo que superou essa visão tradicional, reacionária, culpada e atrasada do cristianismo através de documentos conciliares que eu estudava muito, ainda mais na JEC, as encíclicas que saiam do concílio o Gaudium et Spes, Lumen Gentium, depois a Populorum Progressio, a primeira do Papa João XXIII, depois o Paulo VI e, no Brasil, uma ditadura militar.
Assim, para Chico Alencar, a vida política teve início no contato com a religião católica e na construção e participação da Teologia da Libertação, que acabou por influenciar a ida a manifestações contrárias a ditadura militar, a participação no Grêmio estudantil do Colégio D. Pedro II (onde cursou o primeiro ano do científico), e, depois, a liderança do Grêmio no Colégio de Aplicação da UERJ. A formação católica inspirou a busca por uma leitura de pensadores da esquerda católica francesa como Michel Quoist e Emmanuel Mounier , influenciando a visão de mundo de Chico e sua atuação como ator político.
Quando questionado sobre o conceito de liderança política, Chico Alencar atrelou a compreensão do significado histórico e político do termo, de um lado, influenciado pelo olhar vinculado a doutrina religiosa, e de outro, a compreensão de que a forma de se constituir como liderança política e de exercê-la é resultado do contexto histórico no qual está inserido. A rigor, afirma Chico, sobretudo no pensamento de esquerda, que é mais, em tese, coletivista e igualitário, não devia nem ter o líder, a melhor liderança é a liderança emergencial, aquele que de acordo com as circunstâncias e num determinado momento, consegue liderar um movimento que não é dele.
Contrário a visão de que faltam líderes, contrário a ideia de que, em um país como o Brasil, as forças progressistas só avançam se impulsionadas por uma liderança carismática, Chico chama a atenção para uma sociedade brasileira que busca um tipo específico de líder, um salvador da pátria, uma figura que conduza e, evidentemente, que tenha a capacidade de coordenar, de liderar, uma certa vocação, no sentido literal da palavra, que a pessoa sente dentro de si, que ela desenvolve para o poder, mas, sempre sabendo que ninguém resolve nada sozinho, e sim, coletivamente. Ao descrever o carisma, Chico dialoga com o conceito de liderança carismática de Weber, como aquele que exercerá a obediência a partir de suas características pessoais, como um dom, com a capacidade de convencimento atrelado a uma oratória que inspire o ânimo das massas. Mas, conclui que, atualmente, no Brasil, não há uma liderança que represente ou atue como uma liderança carismática, principalmente, pois, a estrutura política está decadente, e que estamos vivendo uma profunda degeneração das instituições.
João Pedro Stédile
João Pedro Stédile, filho de trabalhadores rurais descendentes de imigrantes Italianos no Rio Grande do Sul, inicia sua atividade política em 1979, como um dos fundadores do Movimento dos Sem Terra (MST), e esteve envolvido desde então com atividades de luta pela reforma agrária no Brasil, participou da organização Via Campesina, foi membro da Comissão dos Produtores de Uvas, dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Sul, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e trabalhou na Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul.
Durante esse período de atividade até os dias de hoje, lutou e defendeu a reforma agrária no país, atuou com ocupações de latifúndios e também produziu, junto a outros autores, numerosas obras sobre o assunto e assuntos relacionados, como o Socialismo, visto que Stédile costuma se declarar um Marxista. Destaca-se também pelo papel de liderança política mesmo fora das relações políticas institucionais (filiação a partidos, disputas de eleições e etc.).
Assim como Chico Alencar, a trajetória política de João Pedro Stédile (MST), também, esteve influenciada pela Teologia da Libertação, entrevistado em dezembro de 2015, o líder do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), afirma que o contato com a política foi resultado de uma história de vida influenciada pela pastoral da Igreja Católica Progressista. Era a Igreja Católica, no Rio Grande do Sul, a instituição que garantia a escola aos camponeses influenciando a maneira de ver o mundo dos jovens da região. A formação religiosa deu sentido a dois valores considerados base, para Stédile: o amor ao estudo e o compromisso com os pobres e injustiçados. Atrelado a origem familiar de franciscanos e imigrantes, que viam no trabalho a possibilidade de melhorar de vida, a partir do esforço familiar e da interação com a natureza.
Questionado sobre a compreensão do conceito de liderança e sobre as características de liderança dentro do MST, Stédile, afirma que o papel da liderança não é representar o povo ou falar em nome do povo, mas sim, é ter a capacidade de organizar o povo, para que ele tenha consciência da causa dos problemas que ele está enfrentando e se organize para resolvê-lo.
Dentro do MST há a aplicação de uma prática social, estruturada a partir de princípios organizativos que sustentam a vida social do MST, até hoje. Um desses princípios organizativos compreende que toda a forma de atuação do MST se realiza a partir de Comissões Coletivas, pois se considera uma forma de ampliar o número da participação da militância por todos os espaços do MST. Outro princípio é a divisão de tarefas que ocorre devido às demandas dentro de um Assentamento (desde escola, educação, saúde, organização da produção, luta por água, energia elétrica, estradas e etc) e a necessidade de organizar por setores e atividades para procurar atender as necessidades do grupo. A divisão de tarefas se dá de maneira espontânea e é a partir dessa divisão que nasce, segundo Stédile, a liderança dentro do MST.
A maioria dos nossos Militantes, no desempenho das suas Atividades, se transformam no que nós chamamos, genericamente, de Liderança de Massas, ou seja, eles têm um reconhecimento de seu povo, de sua base, e eles viram referência. E essa referência, de liderança, não é pelo cargo que ocupa. Existem muitas organizações da Classe Trabalhadora em que o cara só porque vira Presidente, ou Secretário-Geral, se acha, mas a condição do cargo não é sinônimo de liderança. Na nossa experiência, a Liderança é construída ao longo dos anos. É como se o povo, a cada dia, colocasse um teste nas pessoas, e ele vai testando, o grau de fidelidade, de compromisso, de identidade, da pessoa com a causa. E com base nessa experiência concreta, o Povo vai tendo certo respeito e consegue certa referência política. Então, o Líder no MST, que não é só o meu caso, modéstia a parte, há centenas de líderes, embora não conhecidos pela Sociedade, que são Líderes de nossa Base.
Stédile afirma que o MST está em constante movimento, em constante luta e que a liderança nasce a partir da referência que o próprio povo cria a partir de uma relação de confiança, mas que, dentro do MST, ser liderança implica, não em um status em uma responsabilidade a mais se transforma, na prática, em uma responsabilidade a mais, porque a Liderança então tem a obrigação de organizar o coletivo para procurar a solução para aqueles problemas.
No MST que caíram no desvio de achar que iam resolver pelo Povo, ou representar o Povo, acabaram usando uma terminologia da literatura clássica e acabaram causando a desgraça do Povo, ou caíram em desvios pessoais, de todo o tipo. Então o Papel da Liderança no MST é ter capacidade de organizar o Povo, para que ele seja o protagonista da solução de seus problemas
Há, segundo Stédile, uma formação dentro do MST, um trabalho pedagógico nas bases de formação de conhecimento histórico com o objetivo de criar uma consciência de sujeito histórico e necessidade de organização para a resolução de problemas.
A força do Povo para resolver os problemas é o número de pessoas que conseguem se organizar, nossa força não está no argumento, não está na necessidade da justiça social, não está na capacidade de um líder de verbalizar uma injustiça, ou de ser um bom negociador perante o governo, isso não resolve nada. A força do Povo está no número de pessoas que se consegue mobilizar em torno da solução de um problema. E esse ensinamento e essa prática que nós tentamos difundir na nossa base também vêm acompanhados da ideia de que quanto o maior número de pessoas que você consegue organizar para enfrentar um problema, mais rápida vai ser a solução.
Paulo Teixeira
Paulo Teixeira (PT-SP), paulista de Águas da Prata, nasceu em 6 de maio de 1961, mudou-se para a cidade de São Paulo, para cursar direito na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), em 1979, um ano depois, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT). Dentro do partido, Paulo ocupou a presidência do diretório zonal de São Miguel Paulista (1985 a 1987), foi, também, Vice-presidente do diretório municipal do PT de São Paulo (1999 a 2000). No governo municipal de Luiza Erundina, em São Paulo, trabalhou como subprefeito de São Miguel Paulista (1991 a 1993) e, ao mesmo tempo, foi chefe de gabinete do prefeito da cidade de Franco da Rocha.
Nas eleições de 1994, se elegeu Deputado Estadual, permanecendo no cargo por dois mandatos consecutivos, renunciando em 2000 para ocupar a Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano de São Paulo, quando Marta Suplicy foi eleita prefeita da capital. Em 2004, foi eleito vereador de São Paulo, mas abandonou o cargo em 2006, por ter conseguido uma vaga na Câmara dos Deputados no Congresso Nacional, sendo reeleito por mais dois mandatos consecutivos. Como apontado pelos arquivos da FGV, Paulo Teixeira, enquanto legisla no Congresso, participa ou já participou das comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania; de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; da Crise Econômico-Financeira da Indústria; dos Fundos para Habitação de Interesse Social; de Fontes Renováveis de Energia; de Transporte Coletivo Urbano; de Exploração e Produção do Pré-Sal; de Limite de Despesas com Pessoal; de Documentos Sigilosos, além da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida Pública e da Comissão Nacional da Verdade. Atuou como oposição ao processo de Impeachment de Dilma Rousseff e defende a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2018, foi reeleito Deputado Federal, é, em 2019, o vice-líder do Pt na Câmara dos Deputados e passou a integrar, também, a Comissão de Legislação Penal e Processual Penal.
Entrevistado em dezembro de 2016, narra sua trajetória de formação política a partir da influência de três bases interligadas, são elas: a tradição política familiar, a Igreja Progressista e a cidade. No âmbito familiar, seu avô materno era do “partidão” (Partido Comunista Brasileiro), foi muito politizado e tinha uma estreita relação como a Igreja Católica; seu pai, foi prefeito de uma cidade em Goiás, pelo PDC e ao lado de sua mãe, integravam a Juventude Universitária Católica (JUC). A consciência política esteve ao lado da formação católica. Um terceiro elemento, diz respeito a vivência e as demandas da cidade, que permitiu uma organização, entre ele e as crianças de seu bairro, para reivindicar serviços ao prefeito (camisas para time de futebol, técnico de natação, entre outros), com a ajuda de sua mãe para elaborar o discurso, e com o apoio do padre e a leitura dos ciclos cristãos, passaram ao que ele chama de exercício de cidadania, na administração de um barracão, cedido pelo padre da cidade, como um espaço de lazer. A cidade, atrelada a família e a Igreja, era educadora.
Paulo Teixeira ao mudar-se para São Paulo em 79, em um período de efervescência política na luta pelo fim da Ditadura Militar, conheceu um padre progressista que recomendou bibliografias ligadas a religião progressista que despertaram, ainda mais, seu olhar para a política vinculado a uma prática religiosa. A partir desta bibliografia, houve um desejo por parte de Paulo para mudar-se para o Araguaia, mas, por influência de outro padre, optou pela ação política e social na região de São Miguel Paulista, pois ali, continuaria seus estudos. Em São Miguel, conheceu a equipe de Dom Paulo e de Dom Angélico, da Pastoral Operária, organizadas na luta pela moradia. A Igreja Católica apoiava, devido a inflação de 83 e as consequentes ações de despejo, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) que pretendia criar um organismo para garantir e atuar nas ocupações urbanas, criando a Articulação Nacional de solo Urbano.
O PT era um partido que na minha religião ele tinha uma presença do povo de igreja, igreja progressista, lideranças de igreja, e, também lideranças sindicais operárias, transporte, químicos, tinha uma fábrica de 15 mil operários que era a Eletroquímica. na eleição de 82 me filiei ao PT, 83, aí toda uma organização da sociedade pelas Diretas Já, 84, 85, militância do PT.
A visão de liderança, para Paulo Teixeira, assemelha-se a visão de Stédile no âmbito da capacidade organizadora, mas, ressalta, também, a ideia de representatividade, autoconhecimento e percepção do seu lugar de origem, seus objetivos, o debate nas ruas:
Eu sempre quando vou fazer algo, às vezes eu abro a lente, mas eu sempre penso em quem eu represento. Às vezes tem pessoas que muitas vezes têm uma visão política e tentam expressar ideias que colidem com sua base social, não quer dizer que você tem que politizar sua base social, digamos assim que você tem que problematizar certos valores com sua base social, certas ideias que estão equivocadas. E sua base social, as vezes, responde dizendo: ‘olha é possível mudar certas coisas, desde que certas coisas sejam respeitadas.
A liderança política, segundo Paulo Teixeira, não deve, somente, representar uma base, deve formular um debate e fazer mediações necessárias; não deve seguir apenas a “onda”, deve posicionar-se, mostrar o cenário mais amplo, mas, também, não pode perder o referencial, esse é, para ele, outro aspecto.
O Neofundamentalismo
Nas últimas décadas, o campo religioso brasileiro vem sofrendo uma significativa transformação, por exemplo, enquanto, em 1872, ano dos primeiros registros censitários brasileiros, 99,72% da população brasileira se declarava católica, esse número passou para 68,43% em 2009. Por outro lado, os evangélicos que representavam 2,6% na década 1940, passaram a representar 20,23% em 2009, sendo seu maior crescimento a partir dos anos 90 (FGV, 2011). Esse crescimento exponencial dos evangélicos impactou não somente no mapa religioso do país, mas também trouxe impacto na forma de participação política no Brasil. É neste sentido, que esse movimento passa a ter importância para o estudo da ciência política, com objetivo de compreender e dimensionar o papel que este grupo possui no âmbito da política institucional.
Para um breve detalhamento histórico, devemos destacar que a partir da segunda metade do século XIX, as condições políticas e sociais permitiram maior tolerância às novas religiões e criaram um ambiente fértil para o proselitismo religioso por parte dos evangélicos (MENDONÇA, 2007). A chegada dos missionários estadunidenses no Brasil, que se identificavam como evangelicals, marca o início um processo de evangelização mais acelerado, principalmente, por meio das as cruzadas evangelísticas da década de 70, como a cruzada Billy Graham no Maracanã em 1974, e com surgimento dos televangelistas brasileiros, como o programa Fé para hoje com estreia em 1962. Diante de todo esse movimento, também solidifica a nomenclatura “evangélicos” (CUNHA, 2007) para designar grupos cristãos não católicos ou ortodoxos que enfatizavam as missões de proselitismo.
No entanto, esse movimento chamado de “evangélicos” não é homogêneo e, por isso, utilizaremos o termo neofundamentalismo para descrever um grupo específico que estudaremos e que se difere das outras denominações evangélicas. O termo “neofundamentalismo”, apresentado por Oro, está relacionado ao grupo evangélico que emerge das necessidades de religiosos por uma suposta experiência mais profunda do sagrado e também por uma insegurança relacionada ao desencantamento da modernidade e a falta de experiência religiosa (ORO, 1996). Dentro deste grupo, alguns religiosos buscam retomar uma forma de vida antiga, baseada nos valores patriarcais da família e dos fundamentos bíblicos. Neste ponto, este grupo é semelhante ao fundamentalismo estadunidense no início do século XX. No entanto, sua diferença está no engajamento deste movimento dentro da esfera política, assim, o neofundamentalismo ultrapassa as demandas e atos fundamentalistas e encabeça uma nova forma de defesa da fé e da difusão de seus valores. “o neofundamentalismo representa a tentativa de fazer reviver uma comunidade de sentimentos religiosos e políticos no tempo do individualismo exacerbado. E o faz usando a mídia e os instrumentos de pressão política”. (ORO, 1996, p.91).
Portanto, o neofundamentalismo abandonou a apatia política dos grupos evangélicos mais antigos e partiu em busca de maior influência na esfera política. Por exemplo, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) ampliou sua capacidade de influência na esfera pública não somente por meio de seu canal de TV, mas também pela sua forma de se relacionar com seus fiéis e pela assimilação, por parte de seus líderes, à lógica político-partidária brasileira (MACHADO, 2006). Diante desta influência exercida por algumas lideranças, se desenvolve uma nova frente de militância, na defesa dos valores religiosos, principalmente, os valores de cunho moral. O reflexo disso é que, no decorrer do tempo, percebemos um nítido aumento do clamor popular para que lideranças políticas defendam tais propostas (BURNATELLI e LAHUERTA, 2014) como uma solução para os problemas sociais e políticos atuais. No entanto, como a política não é somente um campo de disputa por propostas técnicas (MIGUEL, 2004), fatores ligados ao sentimento religioso ampliaram o debate por defesa de valores dentro da agenda pública.
Com objetivo de melhor compreender o movimento neofundamentalista, selecionamos os deputados evangélicos João Campos e Marco Feliciano, sendo que, Campos foi entrevistado pessoalmente, e por outro lado, em relação ao Marco Feliciano, nos baseamos em seus discursos nas redes sociais.
João Campos de Araújo
Criado em São Miguel do Araguaia, em Goiás, entre uma vida urbana e rural, acredita que o despertar de sua aptidão política começou quando ele ainda era estudante, quando fazia parte dos chamados “centros cívicos” do colégio onde estudava, mas foi aos 16 anos, cinco anos depois de sua família se converter evangélica, que ele atuou como líder de jovens na Igreja de sua cidade e no ano seguinte como líder regional, liderava jovens da Igreja de cerca de dez cidades da região. O papel do líder de jovens na Igreja, de acordo com João Campos, era a capacidade de interagir, comunicar, sentir e perceber o perfil dos jovens para envolvê-los como participantes ativos da comunidade religiosa, era o líder quem organiza confraternizações, retiros e palestras.
Nos anos 80 mudou-se para a periferia de Goiânia, na casa de um parente, para estudar Direito, na Universidade Católica. Passou a frequentar a igreja nessa região, envolvendo-se com o coral e participando das atividades da congregação que frequentava e daquelas com as quais sua congregação se relacionava, no ano seguinte tornou-se, também, líder de jovens em Goiânia. No mesmo ano, passou em um concurso da Polícia Civil, para escrivão e atuou nos movimentos de reivindicação da Associação da Polícia Civil, passando a ter condições para sair da casa de seu tio, na periferia de Goiânia, para morar no Centro Universitário, mudou, também, a Igreja onde congregava, passando para a Igreja Matriz e mais uma vez, tornou-se líder de jovens, mas, dessa vez, continuou em ascendência, passando a ser membro da diretoria, depois, vice-presidente da Igreja e Pastor auxiliar. Ao terminar a graduação, em Direito, João Campos, passou em um concurso para delegado, quatro anos depois, elegeu-se líder dos delegados, na Associação dos Delegados de Polícia, obtendo, segundo ele, reconhecimento por parte de setores da sociedade civil, do governo e dos operadores do Direito, e desenvolvendo ações, seminários, congressos, visitas, encontros regionais dentro do estado, interação com o judiciário, com a OAB, com o Ministério Público, e com as outras polícias. Houve, também, momentos de enfrentamento com o governo e certo reconhecimento na sociedade pois, mantinha, segundo ele, sempre o respeito pelas autoridades.
Ao narrar sua trajetória, João Campos, diferencia-se dos outros políticos analisados, pois, em nenhum momento, coloca para si a escolha de determinado caminho. Sua trajetória é resultado das condições dadas pela família que se converteu à religião evangélica; das condições materiais de sua cidade e da ausência de Universidades na região que o obrigam a mudar para Goiás; e seus amigos que insistiram para que ele fosse candidato na Associação. Por outro lado, as ações de sucesso que realizou em todos estes espaços são definidas por ele como muito satisfatórias e, consequentemente, fizeram com que ele fosse reconhecido, mas, frisa que, em nenhum momento buscou tal reconhecimento.
A atuação na Igreja e na Associação dos delegados foram os dois principais fatores para João Campos ser estimulado a se filiar a partidos políticos e se tornar um nome para participar como candidato a um cargo político. Em 2001, muitos queriam indicá-lo como Deputado Federal, e ele afirma que resistiu aos convites pois acreditava não ter capital político para ganhar uma eleição; em agosto do mesmo ano, o governador de Goiânia, Marconi se preparava para a reeleição e convidou João Campos para se filiar ao partido e para candidatar-se ao cargo de Deputado Estadual, afirma que resistiu, mas, nas palavras de João Campos: “em um ato de fidalguia” resolveu filiar-se ao PSDB e sair candidato. A resistência, segundo ele, até o último minuto, para o registro da candidatura, era resultado não na descrença de sua aptidão para tal feito, mas, por considerar que seria apenas mais um no processo, sem chances reais de vitória ou investimentos para a campanha. Apesar de não acreditar na possibilidade de vitória política, entre setembro de 2001 a 5 de julho de 2002, ele:
(...) “só pedia, de acordo com a minha fé, a Deus, (...), eu e minha esposa orávamos, e dizíamos: ‘ Senhor, se tu tem esse propósito disso, na minha vida, coloca no meu coração, coloca no nosso coração, eu e minha esposa, faça com que a gente entenda que existe um propósito para nossa vida nesse sentido e etc. Agora, se tu não tens esse propósito na minha vida, até a porta que está aberta, fecha, em nome de Jesus’. Era uma oração que eu fazia, reservadamente, só eu e minha esposa, e parece que a porta só abria, porque eu resistia tanto à política e a coisa voltava para mim, e mesmo assim eu resistia, eu fazia oração, parecia que a resposta era positiva e, mesmo assim, eu resistia.
A aceitação de João Campos como candidato ocorreu, de acordo com sua narrativa, na Assembleia geral dos pastores do estado, em que participou “recolhido, quietinho, sem compartilhar com ninguém que já havia registrado a candidatura e tal, exceto o líder principal, porque ele era uma das pessoas que fez o meu convencimento.” Na Assembleia, o líder principal, em conjunto com a mesa diretora, anunciou que queriam fazer uma abordagem de natureza política, consultar o plenário sobre o que haviam decidido, pois queriam contribuir com mudanças políticas no estado de Goiás, manifestando o apoio à duas candidaturas. Uma para a Assembleia Legislativa e uma para a Câmara Federal. Frente a esse cenário, João Campos afirma que orava e dizia: “Senhor, essa é mais uma prova que o Senhor colocou no meu caminho nesse projeto, se vier mais um é porque o Senhor não está comigo nesse projeto”. Foi então que, na Assembleia, eles disseram que o nome apoiado seria o do pastor João Campos.
Neste momento, o Deputado afirma que assentou seu coração e que, efetivamente, seria candidato. Mas, sem dinheiro, sem experiência política, sem um coordenador de campanha política, a estrutura da campanha foi familiar, com salas e carros emprestados, sem recursos do partido, sem perspectiva de resultados positivos, continuou sua campanha com o seguinte discurso:
(...) ninguém deveria me pedir dinheiro para nada, primeiro porque eu não tenho. E mesmo que tivesse, eu não me proponho a fazer política assim. Podia ser reunião com líderes de Igreja, porque, graças a Deus hoje já mudou bastante, mas, até então, tinham algumas lideranças religiosas que apoiavam políticos que pagassem o teto do templo, que precisa ser construído, que comprasse o lote, que desse ofertas, essas coisas. Então na reunião de Igreja eu dizia que se alguém estivesse pensando em me apoiar para ganhar um lote, aterro, cimento, pagar o cachê do cantor para ir cantar em um evento da Igreja, etc. não podiam contar comigo, eu não faço isso. Agora, se quiserem alguém, que, se eleito, vai se valer das prerrogativas do mandato, em favor do país, em favor do estado, para atuar com decência e tal, sou eu.
O resultado da eleição, em outubro, foi a vitória de João Campos, como Deputado Federal, pelo PSDB. Como Deputado Federal, João Campos, apresentou trabalhos relacionados ao Direito na área de Segurança Pública, e projetos relacionados a valores, como: a defesa da vida, desde a concepção, defesa da família, liberdade religiosa, Estado Laico, etc. O primeiro projeto aprovado, com unanimidade, correspondeu a proposta de alteração do novo código civil, com o objetivo de dar uma configuração jurídica às Igrejas, de acordo com a Constituição do Brasil. Com isso, as Igrejas e os partidos políticos apresentam naturezas jurídicas específicas, o projeto não atendia só as Igrejas Evangélicas, era qualquer tipo de Igreja, de qualquer natureza. No segundo mandato, João Campos destacou sua participação na coordenação da reforma do Processual Penal e a Penal, ao lado do que considerou ser a “nata da casa na área do Direito”, na Câmara dos Deputados, atuou, ativamente, na Reforma Processual Penal que passou na Câmara, mas não no Senado. No terceiro mandato, o Deputado se voltou à questão do crime organizado, e foi o relator da comissão de segurança pública, e Vieira da Cunha foi o relator na CCJ, esse projeto foi ao Plenário e foi aprovado pelo Senado, aprovado pela Presidente Dilma, com sanções.
Como Presidente da Frente Parlamentar Evangélica, eleito em 20158, João Campos afirma, que procura não levar temas partidários, devido a grande variedade de legendas presente na Frente, mas sim, temas que dizem respeito aos valores evangélicos, principalmente, a defesa da vida. Ao ser questionado sobre sua compreensão do líder político, João Campos, utiliza elementos bastante próximos a ideia de “dominação carismática” de Max Weber, vinculando o líder aos seus atributos pessoais. Afirma que, o líder é aquele que:
Tem convicções próprias, e em função delas, tem a capacidade de se posicionar, contrariando, ou não, as demais pessoas. E para contrariar ou não, é preciso ter segurança disso, é preciso ter convicção, e não precisa também ofender, se contrária é porque é uma convicção sua, não precisa ofender ninguém. Mas, além disso, um líder precisa ser alguém que reúne algumas virtudes. E essas virtudes fazem com que as pessoas se identifiquem com o líder. Porque elas sentem que têm as mesmas virtudes, as mesmas convicções, defende as mesmas coisas, ou elas desejam ter. Há pontos de encontro e de identificação, ele não é conduzido, ele tem que conduzir, em razão das convicções, da postura dele, enfim. As pessoas o seguem porque acreditam naquilo que ele defende, naquilo que ele acredita, e não ele que é conduzido pela massa.
João Campos considera que a ausência de líderes no Brasil é resultado de políticos preocupados em agradar à maioria da população sem defender ideais. A maioria dos políticos atua a partir de pesquisas qualitativas e quantitativas para se colocar de acordo com os objetivos da massa, mas o que ocorre é que a massa não apresenta opiniões consolidadas e por isso o líder não se efetiva de fato como líder. Reeleito em 2018, é vice líder do PRB na Câmara dos Deputados e integra as Comissões de Legislação Penal e Processual Penal; Constituição e Justiça e de Cidadania e Seguridade Social e Família.
Marco Feliciano
Pastor fundador da igreja Catedral do Avivamento, ligada à Convenção Geral das Assembleias de Deus, Marco Feliciano é Deputado Federal pelo Partido Social Cristão (PSC) de São Paulo. Elegeu-se Deputado Federal nas eleições de 2010 , foi reeleito em 2014 e migrou para o Partido Podemos em 2018 e foi reeleito Deputado Federal. Durante seu mandato presidiu a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara de Deputados e também foi alvo de uma série de polêmicas, sendo acusado de racismo e homofobia, além do episódio em que prestou depoimento na Polícia Militar acusado de assediar uma mulher integrante da Juventude do PSC. Infelizmente, não foi possível entrevistá-lo pessoalmente e, por este motivo, nossa análise partirá de entrevistas cedidas por ele aos meios de comunicação.
Em uma entrevista a um dos principais sites de notícias gospel9, Feliciano descreve quais foram os fatores que o levaram à candidatura política:
No momento em que percebi a dificuldade de pertencer a um grupo contra o qual se conspira e que sofre preconceitos grosseiros. Ser evangélico neste país é motivo de piada, e isto é um absurdo; No momento em que percebi que existe uma trama conspiratória contra o avanço do movimento evangélico brasileiro; No momento que percebi que, como cidadão, formador de opinião, eu poderia dar uma parcela de ajuda, ainda que pequena, aos nossos sonhos e ao povo que sonha como eu; No momento que vi a bancada evangélica ser atingida por crises, como a CPI das ambulâncias. Depois dessa crise a bancada evangélica foi dizimada, afinal nenhum crente queria se envolver e defender os que possivelmente escandalizaram a Nação. Todavia, no pleito seguinte, de mais de 60 Deputados Federais, nossos representantes caíram para menos de 20, e então sem poder de voto Projetos de Lei como o PL 122 passaram facilmente pela Câmara Federal, e já tramitam no Senado. Ou seja, deixamos de eleger crentes fortes pra elegermos macumbeiros fortes! Isso me revoltou. Em novembro, quando estourou o último escândalo em Brasília, mais uma vez a mídia quis mostrar que entre os culpados havia um evangélico. Foram dezenas os acusados, mas só sabemos a religião de um evangélico. A mensagem subliminar era para minar a mente do povo evangélico a não votarem nos seus irmãos. Por isso resolvi me tornar um político.
A CPI das ambulâncias mencionada por Feliciano, mais conhecida como Operação Sanguessuga, foi um esquema de corrupção envolvendo parlamentares que desviavam verbas destinadas à compra de ambulâncias para políticos, sendo que dentre eles 58% eram membros da bancada evangélica.10 Além deste ponto, Feliciano menciona a PL 122/2006, projeto lei que criminaliza a homofobia. Para muitos evangélicos, assim como para Feliciano, esta PL afetaria diretamente a liberdade de expressão e a liberdade de discursos religiosos contrários à homossexualidade.
Logo após sua eleição, em 2010, em entrevista para uma rádio local de Olímpia11 em São Paulo, ao ser questionado pelo entrevistador sobre qual é seu compromisso com o povo brasileiro, Feliciano responde:
Eu fui eleito por um segmento, esse segmento é o povo evangélico, povo tão discriminado neste nosso estado e nesse país. Meu compromisso é com esse povo, de dizer a eles que eu vou blindar a igreja no máximo possível. Não vou permitir que leis possam ferir a igreja, ferir a família que é a estrutura da igreja.
Em 2011, durante outra entrevista concedida a uma rádio local de Goiânia12, Feliciano afirma que o PSC é o único partido que não teve vergonha de colocar o símbolo e a fé que professa, sendo que o símbolo do partido é o peixe cristão. O deputado defende a ideia que é necessário a participação de evangélicos na política para que possam “tomar conta do território brasileiro contra o inimigo”. A expressão inimiga é constante em vários discursos do pastor, sempre fazendo um vínculo entre a entidade espiritual “inimigo ou diabo” às políticas públicas do governo do PT. Por exemplo, nesta mesma entrevista, o deputado menciona a política educacional sobre gênero, a qual foi nomeada por ele como kit-gay13. Diante destes posicionamentos amplamente conhecidos, Feliciano foi alvo de polêmica ao assumir a presidência da comissão de Direitos Humanos. Em resposta a estes protestos, em uma entrevista à Folha de S. Paulo, Feliciano afirmou que foi alvo de perseguição por uma minoria que não o conhece.
Embora, em 2010, Marco Feliciano tenha apoiado a candidatura de Dilma Rousseff (PT), nas eleições de 2014 se opôs a então presidente eleita e candidata à reeleição. Em um de seus discursos, afirmou que foi enganado pelo PT, conforme trecho descrito abaixo:
Olá pessoal eu sou o Marco Feliciano, deputado federal pelo estado de São Paulo e candidato à reeleição agora, em 2014, como deputado federal pelo Estado de São Paulo também [...]. Eu estou aqui hoje para fazer uma denúncia. A denúncia é sobre o que o governo tem feito para aproximar evangélicos da presidenta Dilma. Saiu a poucos dias atrás na imprensa, que o PT criou um comitê evangélico pra aproximar as grandes lideranças evangélicas da presidenta Dilma. Eu queria aqui dizer, pra você não ser enganado de novo, fizeram a mesma coisa em 2010, eu Marco Feliciano fui um daqueles [...] que acabou caindo no conto do vigário, no caso, no conto da presidenta e do PT. Eu emprestei minha imagem pra eles em 2010. Subi em palanques pedindo votos pra presidenta Dilma, porque naquele momento ela havia assinado um documento dizendo que o aborto não seria aprovado durante o mandato dela. Ela mentiu [...] Os evangélicos que estão dando apoio a presidenta Dilma é a mesma turma que liderou contra mim quando eu assumi a comissão de direitos humanos. São evangélicos chamados evangélicos progressistas. Eles têm uma liderança aí que só Jesus na causa. Eu conheço esse pessoal, eles não comungam do nosso pensamento. Eles acham que pessoas que primam pela família, pessoas que são contra a liberação das drogas, pessoas que são contra o aborto, eles os chama de retrocesso. Não são o governo, não pessoas do governo, que os chamam de retrocesso, são esses evangélicos esquerdistas [...] Eu apelo não só para aos evangélicos, mas a todos cristãos de bem, e até as pessoas que mesmo não sendo cristãos são pessoas de família precisamos mudar e a mudança é não votar na presidenta Dilma, não votar no PT. Muito obrigado a todos, que Deus abençoe vocês em nome de Jesus.14
Em um discurso na comissão sobre Escola Sem Partido no congresso, Feliciano demonstra, nitidamente, sua crença de que a fé cristã pode ser imposta à sociedade como solução para as guerras existentes. Ao mesmo tempo, o pastor acusa a fé muçulmana de ser um problema para o mundo:
O maior problema que o mundo irá enfrentar vai ser o crescimento do islamismo. E explico, hoje nós temos 2 bilhões de muçulmanos no mundo. É claro que, os muçulmanos não são uma religião violenta, nada disso. Todavia os radicais são, e de bilhões estima se que 15% a 20% sejam extremistas radicais. Então coloque 15% a 20% de dois bilhões [...] nós temos de 300 a 400 milhões de radicais islâmicos que estão dispostos a morrer pelas suas causas loucas. [...] Então, quando começamos a pensar nisso, poderíamos até começar a incutir sim, que a solução para o mundo nos próximos anos seria o cristianismo, como forma de filosofia, porque o cristianismo sim, prega respeito ao próximo, prega o amor ao próximo, prega que devemos estender a mão para os mais necessitados, mas há uma perseguição desenfreada no mundo contra o cristianismo, e essa perseguição não deveria existir. O nosso país isso não é diferente, treze anos na mão de um partido de esquerda, o partido de esquerda destruiu por completo o pensamento cristão e nossos filhos estão expostos a toda ‘porcariada’. Fica aqui [...] apenas minha consideração, não apenas como parlamentar, mas como visionário do mundo e também como religioso. Eu Marco Feliciano, digo aqui, penso que o cristianismo é a solução para as guerras que existem em todo o mundo e a percepção de uma paz duradoura. [sic] 15
Marco Feliciano pode ser considerado como um pastor midiático. Desde 2010 publica, constantemente, vídeos em seu canal do youtube, além de ser entrevistado em diversos programas na TV aberta, promovendo destaque do deputado entre as lideranças evangélicas. Seu canal do youtube, conta com 51.321 inscritos com mais de 5 milhões de visualizações16, nele é publicado pregações e discursos políticos na intenção de “alertar” ou “informar” o segmento que o elegeu.
Política e Religião: paralelos e contrapontos entre a Teologia da Libertação e o Neofundamentalismo no Brasil.
Geertz (1989) descreve que a religião é composta por um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens. Não somente isso, mas as religiões também podem assumir uma função de instrumento para a legitimação do poder dos dominantes e para domesticação dos dominados (BOURDIEU, 2011) promovendo uma ordem da existência e um sentido para forma de sociedade. Ainda de acordo com Bourdieu (1989), o próprio campo religioso é um espaço de luta pela imposição da definição legítima não somente sobre o que é religioso, mas, também, das diversas maneiras de desempenhar ações religiosas. Por isso, nos diversos grupos religiosos, sempre haverá pessoas que são distintas, ritualmente, das demais. Algumas com o poder sagrado de se sobrepor as outras. Essa elite religiosa, consagrada, goza de privilégios e de legitimidade para impor normas e regras na conduta alheia. Conforme Pierucci (2002), podem dizer aos seus seguidores o que é certo e o que é errado, o que é bom e o que é mau, o que é obrigatório e aquilo que é apenas conveniente, regulamentando com mandamentos e preceitos as práticas rituais e as ações morais.
Por esse motivo, ao estudarmos sobre o fenômeno religioso, é necessário estar atento aos limites de uma análise que não contemple essas características (ELIADE, 1981), principalmente, ao ignorar o conceito de sagrado, uma vez que, este conceito é dogmático sendo ele um conhecimento em si próprio que atua como principal pilar das motivações religiosas descritas por Geertz e pela legitimação do poder descrita por Weber e Bourdieu. Não há religião sem o sagrado, sendo ele interpretado de diversas formas de acordo com cada religião. Em geral, os valores do sagrado são transmitidos por uma formulação de conceitos de uma ordem de existência geral das coisas (GEERTZ, 1989), fato que desencadeia ações concretas, por parte dos fiéis, que são determinadas pelo ethos religioso. Estas ações além de ser ritualistas, podem ser sociais ou políticas, sempre buscando uma forma de cumprir o desejo da divindade. Portanto, a prática religiosa também pode ser motivadora de ações que não estão limitadas ao seu espaço. Se tomarmos como exemplo as religiões universais ou proféticas, cristianismo e islamismo, encontramos diversos momentos históricos de ações religiosas que buscavam interferir na esfera política e para isso, por muitas vezes, se utilizaram de uma teodiceia dualista na luta do bem contra o mal, trevas contra a luz (WEBER, 2010) ou sagrado contra o profano. Portanto, “O sagrado é uma das dimensões que o político ocupa na formação social para preserva-se a si próprio como uma forma de poder, e para preservar o poder da ordem profana a que serve e de onde retira a sua própria fração de poder religioso” (BRANDÃO, 1980, apudCUNHA, 2007, p.33).
Mesmo diante do processo de secularização, ao invés da religião desaparecer, como afirmam alguns teóricos, ela se colocou na esfera pública como mediadora de dois elementos conflitantes: secularismos e fundamentalismos (CIPRIANI, 2012). Além disso, em uma sociedade com valores plurais, que não proporciona uma realidade única aos indivíduos e com a perda da auto evidência, a religião pode fornecer uma ressignificação da existência e uma referência de valores a serem compartilhados (BERGER, LUCKMANN, 2012). Neste sentido, o êxito de um grupo religioso, em uma sociedade plural e secular, depende de sua capacidade de fornecer identidade coletiva distintiva, por muitas vezes, orientando a conduta moral do cidadão (MARIANO, 2016).
A separação entre Igreja e Estado também não anulou a participação da religião em pautas, estritamente, políticas, nesse sentido, falar da separação entre Igreja e Estado é diferente de falar de separação entre religião e política, sendo que, geralmente, a separação entre Igreja e Estado é vista como a exclusão de todas as formas religiosas da esfera pública (MOUFFE, 2006). Da mesma forma a noção de laicidade, conforme Mariano (2011), recobre especificamente à regulação política, jurídica e institucional das relações entre religião e política, ou seja, da Igreja e do Estado. Com isso a laicidade limita-se à neutralidade confessional das instituições estatais, à autonomia dos poderes político e religioso, à tolerância religiosa e às liberdades de consciência, de religião e de culto ou de não ter religião. A laicidade e a separação entre Igreja e Estado não anularam o papel que a religião desempenha na sociedade.
Com isso, em um Estado constitucional fundamentado em uma moral secular, o embate entre crentes e não crentes com visões de mundo antagônicas, também se dará na esfera política (HABERMAS, 2013). Esse embate presente nas relações entre o Estado e as religiões que abrangem diversos âmbitos políticos, podem apresentar resultados diferentes de acordo com fatos históricos, tendências eleitorais e formas de governo (CIPRIANI, 2012). É neste sentido que pretendemos fazer um breve paralelo entre as duas correntes, Teologia da Libertação e Neofundamentalismo, demonstrando suas motivações, contexto histórico e suas aspirações políticas e sociais.
A Teologia da Libertação tem com um de seus pilares, a defesa dos oprimidos por injustiças sociais, econômicas e eclesiais. Desenvolvida na América Latina, em um contexto de pobreza extrema em boa parte da população cristã, frente à concentração de capital nas mãos de poucos. Para a Teologia da Libertação, esta situação de pobreza fere o espírito do Evangelho, e até mesmo ofende a Deus. “A Teologia da Libertação encontrou seu nascedouro na fé confrontada com a injustiça feita aos pobres” (BOFF, 2010, p. 14). Segundo Löwy (2000) a preocupação com a pobreza foi uma tradição da Igreja que remonta à origens evangélicas do cristianismo, sendo que os teólogos latino-americanos, dos quais destacamos Gustavo Gutiérrez, Hélder Câmara e Leonardo Boff, se colocam como continuadores dessa tradição dando referência e inspiração ao movimento. Evidentemente, essa preocupação com os pobres, por muitas vezes, poderia ser “resolvida” com um assistencialismo promovido pela Igreja e, neste sentido, a Teologia da Libertação vai além, pois ela busca promover a emancipação de classes, raças e culturas oprimidas. Para atingir seus objetivos a Teologia da Libertação se desdobrou em diversas frentes que se articularam na forma de movimentos sociais ou na base de partidos políticos.
Por outro lado, o neofundamentalismo, surge como um movimento reacionário que estranha as pautas liberais. Boa parte de sua atuação, se pauta nas experiências de movimentos conservadores presentes nos Estados Unidos como o Moral Majority em 1979 e as cruzadas evangelísticas na década de 70 e 80 (MACHADO, 2006). A preocupação deste movimento se baseia em questões morais defendidas pelo cristianismo ou que afronte valores religiosos, como aborto, casamento homoafetivo etc. Evidentemente, este apelo religioso de viés moralista, está direcionado ao eleitor conservador, uma vez que, este é mais sensível a uma interpelação de caráter religioso (PIERUCCI, 2011). As articulações políticas se tornaram mais evidente a partir do ano de 2003 diante da idealização do deputado Adelor Vieira (PMDB-SC), membro da Assembleia de Deus, de criar a Frente Parlamentar Evangélica (FPE). Se antes a única e principal missão dos evangélicos era “ganhar almas para Jesus Cristo”, a partir deste momento, articularam-se e, num projeto racionalmente instrumentalizado, fazem do espaço público da política lócus extensivo de sua atuação eclesial (BINDE, RODRIGUES, COSTA, 2015). Um exemplo disso, é citado por Tales Ab’sáber (2015) ao comentar sobre o deputado Eduardo Cunha (PMDB), que foi presidente da câmara dos deputados:
Ele se baseia na força social real da massa de evangélicos, popular e moralista, e expressa para este povo que o sustentou até agora uma espécie pós-moderna de amplo populismo conservador, de fantasia de restauração, meio religiosa, meio moral, meio midiática. (AB’SÁBER, 2015, p.49-50)
Através de discursos de cunho apocalíptico, como “o final dos tempos está chegando”, “a igreja está sendo perseguida”, algumas lideranças ganharam legitimidade de representar esse grupo de religiosos, que acreditam que os valores de sua religião, podem ser transmitidos ou impostos em toda sociedade, conforme o discurso de Marco Feliciano que citamos anteriormente. “Poderíamos até começar a incutir sim, que a solução para o mundo nos próximos anos seria o cristianismo” [sic] 17 Diante disso, percebemos que a atuação dessas lideranças são próximas ao que Bourdieu (1996) chamava de profissionais da produção simbólica, que se enfrentam em lutas com objetivo de impor os princípios considerados legítimos de visão e de divisão do mundo natural e do mundo social.
Portanto, os movimentos que comparamos são em muitos aspectos antagônicos, até mesmo, a visão sobre o Cristo, entre elas, se divergem na teologia e na práxis cristã. Abaixo, apresentamos um esquema sobre algumas das caraterísticas dos movimentos:
Considerações finais
A análise comparativa na formação das lideranças políticas é de fundamental importância para podermos acompanhar as alterações que estão ocorrendo na composição destas correntes políticas e religiosas na vida política no país, dos movimentos sociais ao Congresso Nacional. O contexto histórico e as atuações das doutrinas religiosas no mundo como um todo influenciam a relação entre religião e política.
Ao olharmos para a vertente católica, na política atual brasileira, não encontramos um partido ou uma bancada efetiva que esteja alinhada à Teologia da Libertação. Existem políticos que são reflexos desta corrente e que pertenceram as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) ou a JUC (Juventude Universitária Católica), como, por exemplo, o deputado Jean Wyllys18 e os deputados entrevistados nesta pesquisa. Estes personagens, embora sejam frutos da experiência católica, atualmente, pouco a representa, principalmente devido ao declínio de apoio, por parte da Santa Sé, a esse movimento considerado progressista. Nos últimos anos, o movimento católico tem se tornado, em algumas comunidades, mais conservador rejeitando todo e qualquer princípio da Teologia da Libertação. Por outro lado, alguns padres católicos, ligados à renovação carismática, demonstram, explicitamente, seu conservadorismo e seu posicionamento político. É o caso do padre José Augusto da Canção Nova que em uma homilia, em outubro de 2010, afirmou que o país ficaria pior se o PT ganhasse as eleições.19 Seu discurso vai contra o aborto e ao casamento homoafetivo, e apela para que os fiéis fiquem atentos aos perigos que nosso país poderia enfrentar. Inclusive em uma de suas frases insinua uma possível morte, por ter falado sobre o PT: “se eu desaparecer vocês já sabem. É porque eu falei tudo isso aqui hoje”20 . Por fim, outro indício que encontramos que confirma uma ausência da Teologia da Libertação na esfera política é a criação da Frente Parlamentar Mista Católica Romana em 2015. No requerimento 1191, 2015, a criação da Frente é justificada com o seguinte argumento:
A Frente Parlamentar tem por objetivo defender os princípios éticos, morais, doutrinários defendidos pela Igreja Católica Apostólica Romana [...] A igreja Católica é inspiração divina aos homens, suas atitudes e ações devem ser compreendidas e analisadas. [...] Entendemos ser necessário que as Casas do congresso Nacional criem uma Frente Parlamentar com o intuito de defender o que preconiza a Bíblia sagrada, pois estamos aqui como legisladores para fazermos as leis civis, porém temos de estarmos vigilantes para que não se rasgue a Lei de Deus.
Percebemos que não há nenhuma ligação, a não ser a crença em Deus e em Jesus Cristo, entre este movimento conservador e a Teologia da Libertação que descrevemos.
O neofundamentalismo, também, institucionalizou sua participação política através da Frente Parlamentar Evangélica, idealizada em 2003 e registrada em 2015. Atualmente, a bancada conta com 198 deputados e 4 senadores signatários. Deste total, alguns deputados são católicos, mas que possuem concordância com a demanda neofundamentalismo ou receberam apoio de igrejas evangélicas. Segundo um levantamento pelo DIAP (2016)21, somente 74 deputados e 3 senadores são, efetivamente, ligados ao movimento evangélico22. Também destacamos que, nem todos os deputados evangélicos pertencem à bancada. No requerimento 3424, 2015, a criação da bancada tem como objetivo: “fiscalizar os programas e as políticas governamentais, voltadas à proteção da família, da vida humana e dos excluídos e acompanhar a execução das mesas”. Não há no requerimento menções religiosas, no entanto, a Frente Parlamentar Evangélica se destaca justamente por sua atuação religiosa na esfera pública, que vão desde cultos realizados nas dependências do congresso23até os discursos carregados de religiosidade neopentecostal, como exemplo, o discurso do deputado Cabo Daciolo (PTdoB/RJ) em abril de 2016, que diz:
O país tem dois lados pra ser tomados. Assim manda dizer o Senhor: o primeiro lado é vocês peguem o PT e o PMDB e fiquem unidos, aceitem o Senhor Jesus, pede direção pra Deus e o senhores continuem aí e tirem o país da lama; ou então vai sair todo mundo.24
Além disso, conforme comenta Dantas (2011) a Frente Parlamentar Evangélica, ao atuar na defesa da manutenção dos princípios e valores socialmente consolidados, favorece os grupos dominantes, dado que reforça sistemas simbólicos convencionais que funcionam como sustentáculos das estruturas sociais. Deste modo, o neofundamentalismo por meio da Frente Parlamentar Evangélica é politicamente contrário à Teologia da Libertação.
Pode-se perceber uma demonstração do conservadorismo em latência nas práticas religiosas e atuações políticas, tanto na Igreja Católica (Opus Dei) como na Evangélica, invertendo o processo de secularização, influenciando a forma de fazer política e a compreensão sobre a liderança política, aproximando, muitas vezes, as características do conceito de dominação carismática segundo Weber. João Campos, como citamos, ao definir liderança política, atribui características como convicção, virtude e capacidade em conduzir aqueles que veem no líder seu representado, seus ideais e a capacidade de realização dos mesmos objetivos. Campos aproxima a visão messiânica e carismática do líder, sustentando o personalismo político e, em certa medida, fragilizando as relações democráticas.
Apesar da não presença da Teologia da Libertação nos dias atuais, aqueles que foram por ela influenciados e aqui citados criticam a visão carismática da liderança para uma ausência de mesma ou na liderança emergencial, como parte de um movimento e não como único dotado dos atributos para realizar o mesmo, na qualidade de organizador e não guia do povo em um processo pedagógico de conscientização política e social.
Referências
- AB’SÁBER, Tales. Dilma Rousseff e o ódio político Editora Hedra: São Paulo, 2015.
- BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. Modernidade, Pluralismo e Crise de Sentido: A orientação do homem moderno Petrópolis: Editora Vozes, 2012.
- BINDE, João Luiz; RODRIGUES, Ivo Luciano; COSTA FILHO, José Vinícius O céu pode esperar? A bancada evangélica no Brasil (2003-2014) In: ALACIP. VIII Congreso Latinoamericano de Ciencia Política, 2015.
- BOFF, Leonardo; BOFF Clovis. Como fazer teologia da libertação Petrópolis: Vozes, 2010.
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O artigo é produto do Projeto Temático “Lideranças Políticas no Brasil: características e questões institucionais”, financiado pela FAPESP (processo nº 12/50987-3). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.
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Estamos nos detendo numa análise da Conjuntura Política de 1964 a 1968, período esse em que a Igreja sofre uma reformulação significativa.
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Koop, D. Pedro Paulo - “Lins: Comunidades em Renovação” - Revista de Cultura - Vozes - set / 1969, pag. 801.
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7
Documento do IPPH - Diocese de Lins - São Paulo / 1967
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8
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Disponível em:https://noticias.gospelprime.com.br/entrevista-exclusiva-candidato-deputado-federal-pastor-marco-feliciano/. Acesso em 31/05/2017
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10
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u81306.shtml. Acesso em 31/05/2017.
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11
Entrevista completa disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=W2UVAziuYsY. Acesso em 30/05/2017
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12
Entrevista na íntegra disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3kpXTVNBPdE. Acesso em 30/05/2017.
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O projeto Escola Sem homofobia, foi elaborado pelo Ministério da Educação e Cultura com objetivo de distribuir um kit de material didático (vídeos, apostilas, livros etc.) em escolas públicas. O material abordava questões sobre a sexualidade na adolescência e sobre a diversidade sexual. Em 2011 este projeto foi cancelado devido à pressão de conservadores presentes na câmara, no senado e em parte da sociedade civil. O movimento contrário ao projeto ganhou força após um vídeo disseminado nas redes sociais. Esse vídeo contém uma palestra da pastora e assessora parlamentar Damares Alves e está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=NauhvD1JZaw. Acesso em 01/06/2017. Nesta palestra, Damares apresenta uma série de imagens e vídeos com conteúdo aparentemente pornográfico de diversas fontes, no entanto, poucas imagens e textos eram do material original. Esse vídeo foi refutado após uma pesquisa da professora Magali Cunha que apresentou todas as reais fontes das imagens e vídeos e as inconsistências da palestra. O artigo da professora Magali está disponível no link: http://portal.metodista.br/fateo/noticias/midia-religiao-e-politica-professora-da-fateo-analisa-palestra-de-assessora-parlamentar. Acesso em 01/06/2017.
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14
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=ys2Ncnp858M> Acesso em31/05/2017.
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15
Disponível em: https://www.facebook.com/PastorMarcoFeliciano/videos/1051054245034594/. Acesso em 06/06/2017.
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16
Dados extraídos em 30/05/2017.
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17
Disponível em: https://www.facebook.com/PastorMarcoFeliciano/videos/1051054245034594/. Acesso em 06/06/2017.
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18
Disponível em: http://www.carosamigos.com.br/index.php/grandes-entrevistas/5732-entrevista-lucida-com-o-deputado-jean-willys. Acesso em 15/06/2017.
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19
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6Qln88pzEHU. Acesso em 14/06/2017.
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20
Idem.
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21
Disponível em: http://www.diap.org.br/index.php/noticias/noticias/24534-bancada-evangelica-levantamento-preliminar-do-diap-identifica-43-deputados. Acesso em 14/06/2017.
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22
Lista dos deputados disponível em: http://www.metodista.br/midiareligiaopolitica/index.php/composicao-bancada-evangelica/. Acesso em 14/06/2017.
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23
No documentário Púlpito e Parlamento é possível visualizar como ocorrem os cultos. Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCNgQEBLNQO-lWBJPobrr3Jw. Acesso em 15/06/2017.
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24
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uKiwExKc1eU. Acesso em 15/06/2017.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Jun 2019 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2019
Histórico
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Recebido
09 Out 2017 -
Aceito
05 Abr 2018