Resumo:
O artigo analisa o processo de desmonte das políticas de assistência social no Brasil a partir de 2016 e com mais intensidade a partir de 2019, identificando as formas como tal desmonte se manifestou e as estratégias utilizadas. Foi realizada uma revisão bibliográfica e uma roda de conversa com três servidoras públicas federais atuantes no órgão gestor federal da política no período analisado. Os resultados apontam que o desmonte foi programático e, ao mesmo tempo, pautado por intenções de afetar sistemicamente a política. Foram utilizados os quatro tipos de estratégias de desmonte, observando que estas afetaram a política e suas ofertas, tanto em termos de densidade quanto de intensidade. Notam-se as consequências perversas do desmonte para a provisão dos serviços nos níveis municipais, em um contexto de agravamento da fome e das vulnerabilidades sociais.
Palavras chave:
desmonte de políticas públicas; assistência social; proteção social não contributiva; vulnerabilidades; pobreza
Abstract:
The article analyzes the process of dismantling social assistance policies in Brazil, since 2016 and, more intensely, since 2019, identifying how it occurred and the strategies employed. In addition to a review of secondary sources, the study involved a focus group with three federal public servants working in the federal policy management body during the period. The results indicate that the dismantling was programmatic and, at the same time, intended to systemically affect policies. The four types of dismantling strategies were used and affected social assistance policies and services, both in terms of density and intensity, with perverse consequences for municipal service provision, in a context of the increased hunger and social vulnerability.
Keywords:
dismantling of public policies; social assistance; non-contributory social protection; vulnerabilities; poverty
Introdução
O artigo analisa o processo de desmonte da política pública de assistência social no Brasil a partir de 2016, processo que se fortaleceu com o governo de Jair Bolsonaro, iniciado em 2019. É importante destacar que a assistência social é direito constitucional que compõe o tripé da seguridade social junto à saúde e à previdência social. Trata-se de direito de proteção social com papel de afiançar dignidade à população brasileira que passa por situações de risco e vulnerabilidade social, principalmente aquelas agravadas por pobreza, fome, violências e desigualdades. Formado por uma coalização política de direita, de matriz conservadora e antidemocrática, o governo de Bolsonaro foi responsável por um processo intenso, consistente e deliberado de desmantelamento da política de proteção social não contributiva no país. De uma perspectiva analítica, importa identificar e sistematizar tais processos a partir do referencial teórico sobre processos de dismantling, aqui traduzido como desmantelamento, desmonte ou redução. Este artigo avança na tentativa de sistematizar evidências desse processo, tendo sido elaborado a partir de uma revisão da produção acadêmica sobre o tema do desmonte das políticas de assistência social no referido período.
A partir de palavras-chave (desmonte+assistência social+Bolsonaro), foram feitas buscas em sites acadêmicos (Scielo, Portal Capes, Google Acadêmico e repositórios institucionais), e documentos e estudos produzidos por instituições de pesquisa foram consultados. Além disso, foi realizada uma roda de conversa, em julho de 2023, de forma remota, com três servidoras/técnicas de carreira que ocupavam cargos comissionados no Ministério da Cidadania, órgão gestor da política de assistência social no período analisado, e que permaneceram em cargos no atual Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Os nomes e identidades foram preservados. Como critério para seleção das pessoas entrevistadas, buscou-se cobrir distintas áreas da política, diversificando os pontos de vista em relação ao conteúdo mesmo da política. Uma servidora atuava no setor da Proteção Social Básica, outra na Gestão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e a terceira na gestão da Rede Socioassistencial Privada do SUAS, todas diretorias vinculadas à Secretaria Nacional de Assistência Social do referido Ministério. O encontro durou 90 minutos, gravado com anuência das entrevistadas; em seguida, a gravação foi transcrita e analisada.
Usamos as categorias teóricas e modelos de Pierson (1994)PIERSON, Paul. Dismantling the welfare state?: Reagan, Thatcher, and the politics of retrenchment. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. e Bauer et al. (2012)BAUER, Michael W.; JORDAN, Andrew; GREEN-PEDERSEN, Christoffer; HÉRITIER, Adrienne (orgs.). Dismantling public policy: preferences, strategies, and effects. Oxford: Oxford University Press, 2012., aplicados à observação da política de assistência social. Verifica-se um grau de sobreposição, na análise empírica, entre os tipos e dimensões de desmonte, além das estratégias para viabilizá-lo. Para fins de análise neste artigo, usamos como fio condutor as estratégias de desmonte, trazendo, quando pertinente, evidências sobre as dimensões de densidade e intensidade, que buscam capturar seu alcance.
A primeira seção do texto apresenta o referencial analítico, enquanto a seção seguinte aborda os diversos tipos de desmonte observados na política de assistência social. A terceira seção apresenta algumas considerações conclusivas.
Dismantling de políticas públicas: dimensões teóricas e tipos
A concepção de dismantling tem sua origem no trabalho de Paul Pierson, na análise do Welfare State na Grã-Bretanha e Estados Unidos em meados da década de 1990. A perspectiva de Pierson, entretanto, enfatiza elementos que explicam a continuidade das políticas, reconhecendo que as políticas de bem-estar permanecem como componente resiliente da ordem estabelecida no pós-guerra (Pierson, 1994). Centrado na perspectiva do institucionalismo histórico, o autor argumenta que as políticas de bem-estar institucionalizaram-se ao longo do tempo, com custos altos para os governantes e políticos que as queiram alterar. Ele reconhece, entretanto, que a redução (retrenchment) pode ocorrer, sob uma forma seja programática ou sistêmica. A programática consiste na redução de despesas no curto prazo, com cortes de benefícios ou em sua duração. A forma sistêmica, por sua vez, é menos visível, mas sua ênfase está no ataque aos fundamentos do sistema de bem-estar (Jensen; Wenzelburger; Zohlnhöfer, 2019JENSEN, Carsten; WENZELBURGER, Georg; ZOHLNHÖFER, Reimut. Dismantling the Welfare State? after twenty-five years: what have we learned and what should we learn? Journal of European Social Policy, v. 29, n. 5, p. 681- 691, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0958928719877363. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Essa redução sistêmica pode ser implementada sob distintas formas. Uma delas é o desfinanciamento, com mudanças nas regras fiscais que acabam comprometendo a capacidade de financiamento das políticas sociais. Outra forma busca a mudança da opinião pública, com ênfase em valores de mérito, escolhas e responsabilidades individuais, liberdade de agência etc. A terceira é a alteração de regras e estruturas institucionais; e a quarta corresponde ao enfraquecimento dos grupos sociais, como sindicatos, que dão sustentação ao Estado Providência, comprometendo sua sobrevivência futura (Jensen, Wenzelburger; Zohlnhöfer, 2019JENSEN, Carsten; WENZELBURGER, Georg; ZOHLNHÖFER, Reimut. Dismantling the Welfare State? after twenty-five years: what have we learned and what should we learn? Journal of European Social Policy, v. 29, n. 5, p. 681- 691, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0958928719877363. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).
Outra dimensão importante quando se busca analisar processos de redução, para além de identificar as formas pelas quais tais estratégias ocorrem e os seus condicionantes, consiste em identificar como tais mudanças podem ser capturadas em medidas e indicadores comparáveis. Na tentativa de formular um modelo de análise dos processos de dismantling, Michael Bauer et al. (2012)BAUER, Michael W.; JORDAN, Andrew; GREEN-PEDERSEN, Christoffer; HÉRITIER, Adrienne (orgs.). Dismantling public policy: preferences, strategies, and effects. Oxford: Oxford University Press, 2012. salientam a necessidade de definir e medir o que seria esse fenômeno. Partindo do campo mais geral de mudanças de políticas (policy change), os autores observam como elas ocorrem e identificam sua direção, contribuindo para a elaboração de modelos analíticos quando há desmonte de políticas. As categorias de intensidade e densidade são incorporadas, entendidas como processos distintos que devem ser analisadas a partir de critérios também distintos (Bauer et al., 2012BAUER, Michael W.; JORDAN, Andrew; GREEN-PEDERSEN, Christoffer; HÉRITIER, Adrienne (orgs.). Dismantling public policy: preferences, strategies, and effects. Oxford: Oxford University Press, 2012.; Bauer; Knill, 2014BAUER, Michael W.; KNILL, Christoph. A conceptual framework for the comparative analysis of policy change: measurement, explanation and strategies of policy dismantling. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 16, p. 28-44, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13876988.2014.885186. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).
Por densidade, considera-se a quantidade de políticas (policy density) e os instrumentos de políticas (instrument density) aplicados em determinado setor. A noção de intensidade pode ser diferenciada entre substantiva ou formal. Enquanto a substantiva refere-se ao nível e escopo das intervenções, como níveis de benefícios, a intensidade formal diz respeito aos fatores que afetam o alcance dos objetivos, como as capacidades e procedimentos administrativos e os aspectos organizacionais, financeiros e relativos a recursos diversos (inclusive pessoal) necessários para implementação (Bauer; Knill, 2014BAUER, Michael W.; KNILL, Christoph. A conceptual framework for the comparative analysis of policy change: measurement, explanation and strategies of policy dismantling. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 16, p. 28-44, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13876988.2014.885186. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; Gomide; Sá e Ávila; Leopoldi, 2023GOMIDE, Alexandre de Ávila; SÁ E SILVA, Michelle Morais de; LEOPOLDI, Maria Antonieta. Políticas públicas em contexto de retrocesso democrático e populismo reacionário: desmontes e reconfigurações. In: GOMIDE, Alexandre de Ávila; SÁ E SILVA, Michelle Morais de; LEOPOLDI, Maria Antonieta (eds.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016- 2022). Brasília: IPEA; INCT/PPED, 2023. p. 13-42.).
A partir dessas categorias, os autores definem o processo de dismantling como:
uma mudança de natureza direta, indireta, oculta ou simbólica que diminui o número de políticas numa determinada área, reduz o número de instrumentos políticos utilizados e/ou diminui a sua intensidade. Pode envolver mudanças nestes elementos centrais da política e/ou pode ser alcançado através da manipulação das capacidades para sua implementação e supervisão (Bauer et al., 2012BAUER, Michael W.; JORDAN, Andrew; GREEN-PEDERSEN, Christoffer; HÉRITIER, Adrienne (orgs.). Dismantling public policy: preferences, strategies, and effects. Oxford: Oxford University Press, 2012., p. 4, tradução nossa).
Além da descrição dos processos de desmonte, os autores buscam explicar os padrões e identificam três dimensões ou elementos que devem ser considerados: preferências ou motivações dos atores; estruturas de oportunidades nas quais as decisões sobre quando e como o desmonte será feito; e estratégias de desmonte que os atores políticos utilizarão (Bauer et al., 2012BAUER, Michael W.; JORDAN, Andrew; GREEN-PEDERSEN, Christoffer; HÉRITIER, Adrienne (orgs.). Dismantling public policy: preferences, strategies, and effects. Oxford: Oxford University Press, 2012.). As preferências são moldadas por atores racionais que buscam minimizar danos de suas escolhas em um cálculo de custos e benefícios. Nesse caso, as posições dos atores podem ser do tipo que reivindica para si o crédito pelas mudanças (credit claim) ou do tipo que evita a culpa (blame avoidance), caso os benefícios do processo de desmonte sejam maiores que os custos, no primeiro caso; e o contrário, no segundo.
As estratégias são definidas como modo, método ou plano do desmonte, a partir do cruzamento de duas variáveis: a visibilidade pretendida pelos atores para a ação, em que as mudanças podem ser feitas de modo explícito ou implícito; e a existência de uma decisão ativa ou não para tais ações. Nesse sentido, as estratégias podem ser: desmonte por omissão (dismantling by default); desmonte simbólico (symbolic dismantling); desmonte ativo (active dismantling); e desmonte por mudança de arena (dismantling by arena shifting) (Bauer et al., 2012BAUER, Michael W.; JORDAN, Andrew; GREEN-PEDERSEN, Christoffer; HÉRITIER, Adrienne (orgs.). Dismantling public policy: preferences, strategies, and effects. Oxford: Oxford University Press, 2012.). As escolhas dentre tais estratégias dependem dos resultados que os atores pretendem alcançar com o desmonte e da preferência de outros atores. Os resultados pretendidos e as preferências são condicionados por fatores econômicos e situacionais e por constrangimentos e oportunidades institucionais.
O desmonte por omissão se faz silenciosamente, justificando as reduções por fatores externos, sem grande mobilização contrária, mas que tende a produzir desajustes entre os instrumentos da política. Nenhuma decisão ativa existe de fato, e essa estratégia tende a ocorrer quando se tem alto custo político, rigidez institucional e presença de fortes pontos de veto que limitam ações mais radicais de desmonte. No desmonte simbólico, a estratégia tem grande visibilidade e é claramente identificada como uma ação direta de atores políticos, que esperam retornos de sua declarada preferência, mas não há ações concretas para viabilizá-la. O desmonte ativo, tal como o anterior, se sustenta pela associação dos atores com as decisões de cortes, mas vai além, na medida em que tais atores revelam interesse real em extinguir programas e ações, com efeitos tanto na densidade quanto na intensidade das políticas. O desmonte por mudança na arena é também uma estratégia opaca e de baixa visibilidade, uma vez que altera as agências responsáveis pelas ações de desmonte, alterando as bases organizacionais e administrativas, contribuindo para o enfraquecimento das capacidades administrativas, de controle ou procedimentais (Cavalcante, 2022CAVALCANTE, Pedro Luiz Costa. Policy dismantling in Brazil: rationales and effects in the innovation subsystem. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 9., São Paulo, 2022. Anais [...]. São Paulo: SBAP, 2022.; Gomide; Sá e Ávila; Leopoldi, 2023GOMIDE, Alexandre de Ávila; SÁ E SILVA, Michelle Morais de; LEOPOLDI, Maria Antonieta. Políticas públicas em contexto de retrocesso democrático e populismo reacionário: desmontes e reconfigurações. In: GOMIDE, Alexandre de Ávila; SÁ E SILVA, Michelle Morais de; LEOPOLDI, Maria Antonieta (eds.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016- 2022). Brasília: IPEA; INCT/PPED, 2023. p. 13-42.).
Tanto o modelo de Pierson (1994)PIERSON, Paul. Dismantling the welfare state?: Reagan, Thatcher, and the politics of retrenchment. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. quanto o proposto por Bauer et al. (2012)BAUER, Michael W.; JORDAN, Andrew; GREEN-PEDERSEN, Christoffer; HÉRITIER, Adrienne (orgs.). Dismantling public policy: preferences, strategies, and effects. Oxford: Oxford University Press, 2012. podem ser mobilizados para enquadrar o processo de desmonte da política de assistência social no Brasil recente. Ambos apresentam confluências e similaridades, e a análise parte das zonas de sobreposição entre os distintos esquemas interpretativos, considerando: o tipo mais geral do desmonte; as formas pelas quais ele se evidencia e pode ser mensurado; e as estratégias utilizadas para promovê-lo.
Os tipos de desmonte: estratégias mobilizadas, intensidade e densidade
Antes de iniciar a análise do desmonte, é importante fazer uma breve descrição da trajetória e dos componentes da política de assistência social. Desde 1993, com a Lei Orgânica da Assistência Social (Brasil, 1993BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, a. 131, n. 233, p. 1-4, 8 dez. 1993. [ seção 1].), foram estabelecidas as bases para a organização da política pública, de forma descentralizada e participativa, com a criação de conselhos, planos e fundos nacional, estaduais, municipais e no Distrito Federal. Os conselhos são instâncias deliberativas de participação e controle social, atuantes nos três níveis de governo. Os fundos - também nos três níveis - constituem o modo democrático e republicano de organizar as transferências financeiras e o cofinanciamento da política pública entre os entes federados, na perspectiva de garantir as ofertas de serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais.
Em 2004, tem-se um novo marco, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que agregou três grandes áreas de políticas: Transferência de Renda, Segurança Alimentar e Assistência Social (Aranha, 2019ARANHA, Adriana Veiga. Estado em ação: ideias, atores e instituições no enfrentamento da fome e da extrema pobreza no Brasil. 2019. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) - Fundação Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo, 2019.), todas elas com dispositivos constitucionais que as situam na perspectiva dos direitos. Em 2005, com a institucionalização do SUAS, foram definidas as competências das instâncias interfederativas de pactuação, a Comissão Intergestora Tripartite (CIT), para articular e pactuar nacionalmente a política; e a Comissão Intergestora Bipartite (CIB), nos estados (Sposati; Araújo; Boullosa, 2023SPOSATI, Aldaíza; ARAÚJO, Edgilson Tavares; BOULLOSA, Rosana de Freitas. Assistência social e desenvolvimento social: regressão de direitos sociais? Vértices, Campos de Goytacazes, RJ, v. 25, n. 2, maio/abr. 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/6257/625774959013/ . Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Além disso, o desenho da política conta com colegiados de gestores e fóruns municipais e estaduais de usuários, trabalhadores e entidades e organizações da sociedade civil vinculadas ao SUAS. Tudo isso amparado num amplo arcabouço normativo de leis, decretos, regulamentos e portarias e com extensa produção jurídica para dar sustentação e conformação à política de assistência social (Jannuzzi et al., 2023JANNUZZI, Paulo; BRONZO, Carla; FERRAREZI, Elisabete; BRANDÃO, Lucas; FERREIRA, Ulisses. As capacidades estatais, serviços e trabalhadores na política de assistência social no Brasil. In: LOPEZ, Felix G.; CARDOSO JUNIOR, José Celso. Trajetórias da burocracia na Nova República: heterogeneidades, desigualdades e perspectivas (1985-2020). Brasília: IPEA, 2023. p. 503-532.). Tem-se também o esforço de padronizar a oferta dos serviços socioassistenciais em todo o território nacional, com a definição de parâmetros de conteúdo de cada um deles, estabelecendo propósito, público e resultados esperados etc. (Brasil, 2009BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009. Aprova a tipificação nacional de serviços socioassistenciais. Diário Oficial da União, Brasília, a. 146, n. 225, 25 nov. 2009. [ seção 1].).
De modo geral, pode-se afirmar que o Brasil estava construindo um modelo peculiar de Estado de Bem-Estar Social, combinando de forma articulada a provisão de serviços tipificados e benefícios socioassistenciais, com uma engenhosa arquitetura institucional provida de instâncias de pactuação interfederativa e modelo de financiamento compartilhado entre os níveis de governo. Incentivos para melhorar a gestão municipal e estadual foram implementados, como o IGD (Índice de Gestão Descentralizada), do SUAS e do Programa Bolsa Família, no sentido de fortalecer o pacto federativo para a produção da política.
Entretanto, os efeitos da crise econômica de 2015/2016, juntamente com a emergência no governo central de um grupo político com ênfase fortemente liberal na economia e caráter conservador autoritário em termos políticos e na pauta dos costumes, fez com que tivéssemos retrocessos. Tais retrocessos não ocorreram apenas no plano econômico, com a redução dos recursos para as políticas sociais (Emenda Constitucional - EC 95, que estabelece um novo regime fiscal no país), mas também no plano político e institucional. Tais alterações são analisadas pela literatura, que sinaliza para uma retração da democracia (Avritzer; Kerche; Marona, 2021AVRITZER, Leonardo; KERCHE, Fábio; MARONA, Marjorie (eds.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2021.; Câmara; Almeida, 2023CÂMARA, Heloisa Fernandes; ALMEIDA, Ana Paula Cardoso. Estratégias de erosão constitucional no Brasil: bolsonarismo e a desconstituição por meios legais e administrativos. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 2432-2462, 2023.; Zimmermann; Cruz, 2022ZIMMERMANN, Clóvis Roberto; CRUZ, Danilo Uzêda da (orgs.). Políticas sociais no Governo Bolsonaro: entre descasos, retrocessos e desmontes. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2022.), inclusive ou principalmente no campo dos direitos sociais (Gomide; Sá e Ávila; Leopoldi, 2023GOMIDE, Alexandre de Ávila; SÁ E SILVA, Michelle Morais de; LEOPOLDI, Maria Antonieta. Políticas públicas em contexto de retrocesso democrático e populismo reacionário: desmontes e reconfigurações. In: GOMIDE, Alexandre de Ávila; SÁ E SILVA, Michelle Morais de; LEOPOLDI, Maria Antonieta (eds.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016- 2022). Brasília: IPEA; INCT/PPED, 2023. p. 13-42.; Magnago; Martins, 2023MAGNAGO, Carinne; MARTINS, Cleide Lavieri. Crises contemporâneas: retrocessos sociais, políticas de saúde e desafios democráticos. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 32, n. 1, e230228pt, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902023230228pt. Acesso em: 17 abr. 2024.
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) e para o “novo radicalismo de direita”, como marca do governo Bolsonaro (Dalmonte; Dibai, 2019DALMONTE, Edson; DIBAI, Priscilla. A direita radical ‘bolsonarista’: da aporofobia à defesa da memória de regimes de exceção. IdeAs. Idées d’Amériques, Paris, v. 14, 2019. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/ideas/6895 . Acesso em: 17 abr. 2024.
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).
O desmonte não ocorreu apenas no campo da política de assistência social, havendo evidências no campo das políticas ambientais, de educação e de ciência e tecnologia, nas políticas de gênero e de igualdade racial, de proteção aos indígenas e povos vulnerabilizados, dentre outras, revelando uma postura de desmantelamento do Estado em geral (Gomide; INESC, 2022INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS - INESC. A conta do desmonte: Balanço do Orçamento Geral da União 2021. Brasília, DF: INESC, 2022. Disponível em: Disponível em: https://inesc.org.br/acontadodesmonte/ . Acesso em: 21 fev. 2024.
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; Magnago; Martins, 2023MAGNAGO, Carinne; MARTINS, Cleide Lavieri. Crises contemporâneas: retrocessos sociais, políticas de saúde e desafios democráticos. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 32, n. 1, e230228pt, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902023230228pt. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; Nicolás; Gaitán, 2021NICOLÁS, María Alejandra; GAITÁN, Flavio (orgs.). Desmonte do Estado e retração da cidadania: pensando alternativas de proteção social. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, 2021.; Sá e Ávila; Leopoldi, 2023; Zimmermann; Cruz, 2022ZIMMERMANN, Clóvis Roberto; CRUZ, Danilo Uzêda da (orgs.). Políticas sociais no Governo Bolsonaro: entre descasos, retrocessos e desmontes. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2022.).
Desmonte ativo
O processo de desmonte da política de assistência começa em 2016, com a posse de Michel Temer - então vice-presidente - como presidente, após o golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff. Temer reduz os ministérios de 32 para 23, pautado no discurso da necessidade de redução de gastos públicos. Monta seu ministério com 23 membros, nenhuma mulher e nenhuma pessoa negra incluídas. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, criado em 2004 e fortalecido ao longo do período, é fundido ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, passando a chamar-se Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, em uma sinalização da baixa prioridade da agenda social no novo governo.
O governo Bolsonaro, como uma de suas primeiras ações, alterou a estrutura do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, transformando-o no Ministério da Cidadania, agrupando em um mesmo ministério as políticas antidrogas e de esportes, cultura e assistência social. Isso fez com que a política de assistência social passasse a ter uma inócua coordenação federal do SUAS, transferindo parte de suas competências para outros ministérios, tornando cada vez mais ausente a unidade de comando da política pública, gerando fragmentação e desmonte (Sposati; Araújo; Boullosa, 2023SPOSATI, Aldaíza; ARAÚJO, Edgilson Tavares; BOULLOSA, Rosana de Freitas. Assistência social e desenvolvimento social: regressão de direitos sociais? Vértices, Campos de Goytacazes, RJ, v. 25, n. 2, maio/abr. 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/6257/625774959013/ . Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Com a aprovação da EC 95/2016, o Novo Regime Fiscal previu, por 20 anos, cortes para o financiamento das políticas sociais em geral. A assistência social contaria com metade dos recursos que seriam necessários para manter a oferta dos serviços (Conferência Nacional Democrática de Assistência Social, 2019CONFERÊNCIA NACIONAL DEMOCRÁTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Informe 04/2019. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DEMOCRÁTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, Brasília, Informes [...] Brasília, 19 jun. 2019. Disponível em: Disponível em: https://conferenciadeassistenciasocial.home.blog/2019/06/21/informe-4-apontamentos-sobre-as-ameacas-ao-suas / Acesso em: 17 abr. 2024.
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). A emenda constitui uma estratégia de desmonte ativo. O corte contínuo de financiamento das ofertas socioassistenciais sinaliza um tipo sistêmico e programático de desmonte e, ao mesmo tempo, constitui-se como uma estratégia ativa de desmonte.
O contexto político-institucional e econômico desse processo propiciou o desmonte ativo a partir do interesse explícito dos governantes e decisores na extinção ou enfraquecimento do SUAS, tanto em intensidade quanto em densidade. Tal desmonte pode ser aqui evidenciado em cinco dimensões: enfraquecimento dos espaços de construção e deliberação da política; redução do financiamento e descontinuidade dos repasses aos estados e municípios; substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil; enfraquecimento dos recursos humanos, com esvaziamento dos setores da assistência social; e mudanças nos instrumentos da política, com uso do Cadastro Único sob um viés reducionista.
Espaços de construção e deliberação da política
Uma evidência da estratégia é a não realização de conferências nacionais de assistência social que deveriam ocorrer ordinariamente, conforme a LOAS, a cada quatro anos. Porém, dada a importância e dinâmica do SUAS, historicamente as conferências vinham se realizando a cada dois anos. A última foi em 2017 e, em 2019, diante da desconvocação da conferência pelo governo, ela foi realizada a partir da mobilização dos atores da sociedade civil e dos gestores municipais que participam do Conselho Nacional de Gestores Municipais (CONGEMAS). Ainda que realizada apenas informalmente e sem impacto operacional concreto na Política de Assistência Social, pois não contou com a presença formal do Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS, a “Conferência Democrática” foi importante para o posicionamento de resistência política às mudanças no direcionamento das ações da assistência social (Conferência Nacional Democrática de Assistência Social, 2019CONFERÊNCIA NACIONAL DEMOCRÁTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Informe 04/2019. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DEMOCRÁTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, Brasília, Informes [...] Brasília, 19 jun. 2019. Disponível em: Disponível em: https://conferenciadeassistenciasocial.home.blog/2019/06/21/informe-4-apontamentos-sobre-as-ameacas-ao-suas / Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Em 2021, é realizada a 12ª Conferência oficial, com claro esquivamento dos atores governamentais para discussão das pautas centrais trazidas pelos participantes. Entre as 170 moções que surgem nesse processo conferencial, destacam-se os repúdios à ação de silenciamento, principalmente, dos usuários; a desorganização da conferência; o desmonte do SUAS; e as violações de direitos (Conselho Nacional da Assistência Social, 2021CONSELHO NACIONAL DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. Moções 12ª Conferência Nacional. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 12., Brasília. Moções [...] Brasília, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.blogcnas.com/12%C2%AA-conferencia-nacional . Acesso em: 29 abr. 2024.
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). Um exemplo evidencia o baixo prestígio da política de assistência social para o governo Bolsonaro: no dia anterior ao final da Conferência, o governo anunciou a realocação de R$ 60 milhões do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) para a compra de helicópteros para o Ministério da Defesa (Santos, 2022SANTOS, Marlene de Jesus Silva. Mudança institucional na política de Assistência Social: o caso do Sistema Único de Assistência Social. 2022. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2022., p. 211). Tal estratégia articula-se com o tipo sistêmico de desmonte, ao buscar enfraquecer os grupos e instâncias de legitimação da política, e afeta a política na dimensão da densidade, ao produzir alterações em seus instrumentos e dinâmicas, como é o caso das conferências e demais instâncias de construção e legitimidade da política.
Redução e mudança no financiamento
A estratégia que expressa a face mais visível do desmonte ativo é a drástica redução do financiamento da política de assistência social e a descontinuidade dos repasses aos municípios. Esse movimento começa em 2016, com a criação do Programa Criança Feliz (PCF, Decreto Presidencial nº 8.869/2016), coordenado pela primeira-dama Marcela Temer e construído por fora da lógica que organiza os serviços socioassistenciais no âmbito do SUAS. Voltado para famílias com crianças de 0 a 6 anos, o PCF se insere no Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016) e tem como objetivos promover o desenvolvimento integral das crianças a partir de visitas domiciliares. Foi criada uma estrutura paralela, fora da Secretaria Nacional de Assistência Social, para a gestão do programa dentro do Ministério da Cidadania, com sistemas de informação e formas próprias e frágeis de repasse de recursos. Contou com financiamento de organizações internacionais, embora as ações fossem operadas no âmbito dos órgãos da política de assistência social nos municípios.
O Programa contou com equipes específicas que não necessariamente estavam aderentes à lógica e aos princípios do SUAS. Em novembro de 2016, sob tensão, conflito e falta de consenso, o CNAS aprovou o Programa Primeira Infância no SUAS, por meio da Resolução nº 19, afirmando que este corresponde à participação da política de assistência social no PCF. A despeito de o programa ter sido rechaçado nas conferências, muitos municípios aderiram, tendo em vistas o cofinanciamento existente. O programa pareceu muito mais uma estratégia oportunista de cooptação junto aos municípios, por ser criado por fora do SUAS, sem aderência às ofertas existentes na política pública. Desvinculado e sobreposto ao SUAS, fez ressurgir no discurso público a lógica do assistencialismo e o discurso do amor e da felicidade, apagando a perspectiva de direitos que constitui a natureza da política pública e do direito a assistência social (Martinelli; Couto, 2021MARTINELLI, Tiago; COUTO, Berenice Rojas. O desmonte do sistema protetivo brasileiro: a assistência social em xeque. In: PRATES, Jane Cruz; REIS, Carlos Nelson dos; ANDRADE, Roberta Ferreira Coelho de (orgs.). Serviço social, economia política e marxismo. Embu das Artes: Alexa Cultural, 2021. p. 197-211.). Essa é uma dimensão simbólica do desmonte, que caminha de mãos dadas com uma decisão de enfraquecer e deslegitimar o SUAS.
Vários estudos tecem críticas ao PCF como um programa pontual estabelecido por decreto; sem previsão legal de continuidade de seu financiamento; sob lógica da adesão dos municípios; sobreposto ao já estabelecido pelo SUAS; sem previsão de concursos públicos para contratação; com centralização da gestão sem participação social; sem alinhamento com demais entes federados; e marcado por uma lógica assistencialista (Martinelli; Couto, 2021MARTINELLI, Tiago; COUTO, Berenice Rojas. O desmonte do sistema protetivo brasileiro: a assistência social em xeque. In: PRATES, Jane Cruz; REIS, Carlos Nelson dos; ANDRADE, Roberta Ferreira Coelho de (orgs.). Serviço social, economia política e marxismo. Embu das Artes: Alexa Cultural, 2021. p. 197-211.; Silveira, 2017SILVEIRA, Jucimeri Isolda. Assistência social em risco: conservadorismo e luta social por direitos. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 130, p. 487-506, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0101-6628.120. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Sposati, 2017SPOSATI, Aldaíza. A transitoriedade da felicidade da criança brasileira. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 130, p. 526-546, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0101-6628.122. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). Entretanto, esta foi a opção do governo: investir recursos nesse programa ao mesmo tempo em que reduzia o montante das transferências para o financiamento dos serviços do SUAS, em uma clara intenção de desmonte programático e sistêmico.O governo federal investiu o montante de R$ 328 milhões para atender a 700 mil crianças, sendo menos de 380 mil vagas para visitas domiciliares (Sposati, 2017), em 2.622 cidades que aderiram ao PCF naquele momento. O cofinanciamento federal não cobria 50% dos custos do Programa, deixando a cargo dos municípios o financiamento restante. Esse orçamento é superior ao destinado aos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS). A Confederação Nacional de Municípios (CNM) acompanhou o orçamento anual da União para a área de assistência social e concluiu que houve um corte de 19% entre os anos de 2016 e 2017, sendo que os municípios deixaram de receber mais de R$ 471 milhões que deveriam ser investidos na política de assistência nesses anos. Os recursos destinados à Proteção Social Básica, utilizados na prestação de serviços nos CRAS em 99% dos municípios brasileiros, tiveram queda de 15%, o que corresponde a defasagem de R$ 227 milhões (CNM, 2017CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS - CNM. Governo reduz orçamento da Assistência Social para criar Programa Criança Feliz. CNM, Brasília, 3 ago. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/governo-reduz-orcamento-da-assistencia-social-para-criar- programa-crianca-feliz Acesso em: 21 fev. 2024.
https://www.cnm.org.br/comunicacao/notic...
).
No período de 2016 a 2018, ocorreu um corte de 99,9% no repasse dos recursos para a Proteção Social Básica, que passa de R$ 2 bilhões para R$ 800 milhões, e um corte de mais de 99,8% nos serviços de acolhimento institucional para crianças (Silva, 2019SILVA, Maria Ozanira da Silva e (coord.). O sistema único de assistência social (SUAS) no norte e nordeste: realidades e especificidades. São Paulo: Cortez, 2019.). A equipe de transição estabelecida após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2022, fez um levantamento das condições do financiamento da política. O resultado do desmonte financeiro fica evidente: redução de R$ 638 milhões para R$ 31 milhões na Proteção Social Básica; redução de R$ 327 milhões para R$ 16 milhões na Proteção Social Especial; e redução de R$ 1,5 bilhão para R$ 50 milhões na Estruturação da Rede de Serviços, comparando o orçamento de 2023 em relação ao de 2022. O projeto de Lei Orçamentária apresentado pelo Governo para 2023 apresenta, em relação a 2022, um corte de cerca de 98% dos recursos para proteção social (Programa 5031), com um orçamento de R$ 48 milhões para programas e serviços, totalizando um déficit de R$ 4,6 bilhões (Brasil, 2022BRASIL. Relatório do grupo técnico de desenvolvimento social. Produto 2. Relatório final. Brasília: Comissão de Transição Governamental, dez. 2022., p. 11). A rede física de unidades públicas para provisão das ofertas socioassistenciais permanece a mesma de 2016, sem nenhum investimento por parte do governo federal, justamente em um momento de agravamento nas condições de vida da população brasileira. Tal situação pode ser observada quando se considera que o orçamento previsto para o ano de 2023 era de R$ 66 milhões, o que não cobriria o financiamento dos serviços da Proteção Social Especial por um mês.
Para além dos cortes orçamentários, há alterações administrativas que também expressam a estratégia de desmonte, como a Portaria nº 2.362/2019, que reorganiza a forma de financiamento da assistência social. No âmbito da CIT, ficou conhecida como a “portaria do calote”, uma vez que, entre outras coisas, deixou-se de repassar aos entes federados os recursos previstos e não pagos em anos anteriores, cujos valores chegavam a R$ 2 bilhões. Assim, os recursos liberados pelo governo federal naquele momento passaram a ser muito inferiores ao previsto.
Esta portaria representa, em essência, o principal ponto de mudança na Política de Assistência Social ocorrida no período. O documento versa, basicamente, sobre a drástica diminuição do fluxo de recursos federais para estados e municípios e transforma o formato de distribuição dos recursos no formato fundo a fundo. Basicamente, significa interromper o fluxo operacional do SUAS pela via do financiamento [...] e não foi pactuada em nenhuma instância do SUAS (Santos , 2022SANTOS, Marlene de Jesus Silva. Mudança institucional na política de Assistência Social: o caso do Sistema Único de Assistência Social. 2022. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2022., p. 208).
Com a vigência dessa portaria, os pactos estabelecidos não puderam ser cumpridos. O repasse federal de dezembro de 2019 a dezembro de 2020 ficou muito aquém do necessário para cumprir os pactos com estados e municípios, em um momento de aumento da demanda por proteção:
Desde dezembro de 2019 até dezembro de 2022, os repasses do governo federal ficaram em torno de 40% daquilo que foi pactuado com municípios e estados, e isso certamente inviabilizou a política em várias regiões, em várias localidades. Então, os municípios ficaram com o ônus, absurdo… O público que chegou às unidades socioassistenciais aumentou também absurdamente, expressivamente, e os municípios tiveram que se contorcer para manter a continuidade dos serviços num período de crise, um período emergencial terrível e sem nenhuma perspectiva de o governo federal regularizar os acordos pactuados para o repasse do cofinanciamento federal (Entrevistada 1).
Tal estratégia de desfinanciamento articula-se com o tipo programático e também sistêmico do desmonte e afeta a política em ambas as dimensões, tanto em intensidade (reduzindo benefícios e alcance da política) quanto em densidade (mudando os instrumentos da política e reduzindo a provisão dos serviços). Foi graças à PEC da Transição que se conseguiu aumentar o orçamento para a provisão de serviços socioassistenciais para 2023 em quase R$ 2 bilhões, o que, mesmo assim, significa 80% do valor pactuado com a CIT em 2015.
A tentativa de desmonte do Bolsa Família e o tiro que saiu pela culatra
O desfinanciamento não ocorreu somente no âmbito dos serviços socioassistenciais, mas também no Programa Bolsa Família (PBF). O Governo Bolsonaro, seguindo o caminho aberto por Temer e endossado pelo seu Ministro da Economia, Paulo Guedes, trouxe esvaziamento por omissão, reduzindo o acesso ao PBF e instituindo uma visão punitiva sobre os beneficiários. Afinal, um desmonte ativo e publicizado como tal não seria bem recebido pelo seu eleitorado mais pobre. Progressivamente, o PBF foi atacado não apenas em sua dimensão simbólica, como será visto adiante, mas também, muito ativamente, na redução dos recursos e no crescimento de filas de espera. Os recursos sofreram reduções sistemáticas, “acumulando perda de 11%, passando de R$ 34,5 bilhões em 2014 para R$ 30,6 bilhões em 2018 (em valores de 2019)” (IPEA, 2021INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA - IPEA. Políticas sociais: acompanhamento e análise, n. 28. Brasília, DF: IPEA, 2021. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/10796 . Acesso em: 21 fev. 2024.
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/1...
, p. 71).
Mas algo aconteceu. Emergiu a pandemia da covid-19, que alterou o debate sobre o papel das políticas de transferência de renda e criou as condições para ampliação da cobertura de tais programas. O Auxílio Emergencial foi instituído em abril de 2020, como produto da articulação dos congressistas e da sociedade civil diante da inação do governo (Tomazini, 2023TOMAZINI, Carla. Adeus Bolsa Família? Ambiguidades e (des)continuidade de uma política à deriva. In: GOMIDE, Alexandre de Ávila; SÁ E SILVA, Michelle Morais de; LEOPOLDI, Maria Antonieta (eds.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016-2022). Brasília: IPEA; INCT/PPED, 2023. p. 75-98. ). Inicialmente, a proposta do governo era repassar R$ 200,00, por três meses, para trabalhadores informais. O Congresso definiu pelo pagamento de cinco parcelas de R$ 600,00 entre abril e agosto de 2020, e quatro parcelas de R$ 300,00 entre setembro e dezembro do mesmo ano, sendo o Auxílio Emergencial extinto em dezembro de 2020. Em abril de 2021, quatro meses após sua paralisação, o benefício retorna com valor menor. O Auxílio Emergencial atingiu cerca de 67,9 milhões de brasileiros (Brigatti; Ribeiro, 2021 apud Tomazini, 2023, p. 85).
A criação do Auxílio Emergencial não foi, portanto, uma decisão autônoma do governo, alinhada com uma ideia de proteção; foi, na realidade, o oposto disso. Contudo, após o Auxílio Emergencial, tornou-se difícil retornar aos patamares do PBF anteriores à pandemia. Estava trilhado o caminho para a substituição do PBF pelo Programa Auxílio Brasil, instituído pela Medida Provisória nº 1061/2021, que rapidamente se tornou a Lei nº 14.284/21. A Medida Provisória nº 1076/21 foi aprovada no Congresso em abril de 2022 e estabeleceu o piso permanente de R$ 400,00 para as famílias do Auxílio Brasil, independentemente da composição familiar. Esse valor estava garantido anteriormente apenas até dezembro de 2021. A medida foi transformada em lei (Lei nº 14.342/22), sendo que em julho de 2022 é formulada a Emenda Constitucional 123, que acrescenta ao piso o valor de R$ 200,00, com vigência restrita ao ano de 2022.
O Auxílio Brasil, na prática, desorganizou e desarticulou os instrumentos do PBF, ao enfatizar o uso de aplicativos para cadastro e a atualização cadastral no Cadastro Único (Campello; Brandão, 2021CAMPELLO, Tereza; BRANDÃO, Sandra. Desgoverno de Bolsonaro destrói o melhor do Bolsa Família. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/10/desgoverno-de-bolsonaro-destroi- o-melhor-do-bolsa-familia.shtml . Acesso em: 19 fev. 2024.
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); ao não colocar como prioridade o acompanhamento das condicionalidades em saúde e educação; ao enfraquecer os instrumentos de pactuação interfederativa (ao não repassar os recursos do IGD-BF para estados e municípios); entre outras ações de desmonte.
A análise do desmonte a partir dos dados da transferência de renda no período exige cautela. Observa-se um aumento importante na cobertura do Programa Auxílio Brasil, tanto em termos de população atendida quanto no valor dos benefícios. Em 2019, eram cerca de 29 milhões de famílias inscritas no Cadastro Único. Em dezembro de 2022, esse número chega a 40 milhões de famílias inscritas, sendo 80% destas com renda familiar per capita de até meio salário mínimo.
Essa ampliação, contudo, implicou perdas na qualidade dos dados da composição familiar. O que ocorreu foi uma grande expansão das famílias unipessoais a partir do lançamento do Auxílio Brasil, devido ao piso do benefício, de R$ 400,00, ser concedido a toda família inscrita no Cadastro Único, não importando a composição familiar. Em dezembro de 2021, cerca de 15% das pessoas beneficiárias do Auxílio Brasil declararam morar sozinhas, e essa proporção passou para 25,8% em outubro de 2022, muito distante da estimativa da Pnad 2021, que chegou a um percentual de 7,7% da população de baixa renda nessa condição de família unipessoal (Brasil, 2022BRASIL. Relatório do grupo técnico de desenvolvimento social. Produto 2. Relatório final. Brasília: Comissão de Transição Governamental, dez. 2022.). Esse dado revela a divisão artificial de famílias, que gerou, além de clara iniquidade (o mesmo valor era pago a famílias com uma ou com quatro pessoas), problemas de confiabilidade na principal ferramenta para diagnóstico da população de baixa renda. Os critérios pouco claros para entrada das famílias no Programa e a fragilidade ou ausência de medidas para controle de condicionalidades, aliados ao progressivo aumento da pobreza e da fome, foram responsáveis pela explosão no número de famílias cadastradas: entre janeiro e outubro de 2022, a média diária de inclusões no Cadastro Único passou de 12 mil famílias a 25,5 mil famílias (Brasil, 2022BRASIL. Relatório do grupo técnico de desenvolvimento social. Produto 2. Relatório final. Brasília: Comissão de Transição Governamental, dez. 2022.). A ampliação da cobertura deu-se concomitantemente à queda no acompanhamento das condicionalidades em saúde e educação, principal estratégia intersetorial produzida pelo PBF e negligenciada no Auxílio Brasil: o acompanhamento da vacinação de crianças de até 7 anos passou de 68% em 2019 a 45% em 2022. Da mesma forma, o acompanhamento escolar de crianças e adolescentes entre 6 a 15 anos passou de 95% a 71% entre 2019 e 2022 (Brasil, 2022BRASIL. Relatório do grupo técnico de desenvolvimento social. Produto 2. Relatório final. Brasília: Comissão de Transição Governamental, dez. 2022., p. 15).
Como afirma Pierson (1994)PIERSON, Paul. Dismantling the welfare state?: Reagan, Thatcher, and the politics of retrenchment. Cambridge: Cambridge University Press, 1994., um programa que tenha apoio popular gera votos, e isso explica a resiliência de partes dos programas de bem-estar. O PBF, por ser um programa com ampla visibilidade e importância do ponto de vista eleitoral, não foi alvo de um desmonte ativo ou explícito. Uma questão que vale ressaltar em relação ao PBF no início do governo Bolsonaro é que, nesse momento, registra-se o “período mais longo de baixo índice de entrada de novos beneficiários de sua história” (Tomazini, 2023TOMAZINI, Carla. Adeus Bolsa Família? Ambiguidades e (des)continuidade de uma política à deriva. In: GOMIDE, Alexandre de Ávila; SÁ E SILVA, Michelle Morais de; LEOPOLDI, Maria Antonieta (eds.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016-2022). Brasília: IPEA; INCT/PPED, 2023. p. 75-98. , p. 84). Se não fosse pela pandemia, o desmonte do PBF, ainda que por omissão, seria mais severo. A pandemia revelou-se um fator externo que contribuiu para a permanência e mesmo a extensão do programa, não por mérito do Executivo, mas do Poder Legislativo, que bancou a permanência e expansão do programa. O decreto de calamidade pública e o protagonismo do Congresso foram os responsáveis pela expansão do Programa Auxílio Brasil, contribuindo para a mudança do “humor nacional” quanto à expansão dos programas de transferência de renda (Tomazini, 2023, p. 84-85). O financiamento do Auxílio Brasil, contudo, estava garantido apenas até o fim do ano, após as eleições presidenciais, uma vez que não teve previsão orçamentária para 2023, sinalizando um descompromisso com a sustentabilidade do programa e o forte viés eleitoreiro que animou sua permanência apenas até o ano de 2022.
Enfraquecimento das capacidades administrativas/recursos humanos
O desmonte alcançou também os profissionais da política, com a redução do número de servidores em todas as áreas do Ministério:
Desde que o governo anterior assumiu, a gente viu a disponibilidade de servidores públicos na gestão federal escassear absurdamente. As pessoas foram procurar outros espaços, espaços menos politicamente comprometidos para atuarem. Aproveitaram esse período também para tirarem suas licenças, capacitações, enfim, todo tipo de licença prevista na lei, né? Então a gente ficou num cenário de muita escassez de profissionais para atuar na política pública (Entrevistada 1).
Eu vejo também que o esvaziamento de recursos humanos foi também uma estratégia muito maldosa mesmo, de impedir que a política funcione. A gente viu a nossa secretaria [SNAS], sem falar do ministério, reduzir drasticamente. Hoje a gente funciona em metade de um andar da Esplanada e a gente tinha antes um prédio, uma quantidade suficiente. Quando eu cheguei, em 2014, eu dizia que a gente tinha uma quantidade suficiente de pessoal para realizar a política pública. Agora a gente não tem. E mesmo assim eu posso dizer que com poucos recursos humanos, durante muito tempo praticamente não tinha o que fazer, porque não havia política, não havia organização, não havia planejamento, não havia nada (Entrevistada 3).
A estratégia de esvaziamento do corpo técnico no Ministério da Cidadania articula-se com o tipo de desmonte sistêmico e afeta a política na dimensão da intensidade, ao produzir o enfraquecimento das capacidades administrativas.
Mudança nos instrumentos da política
Outro aspecto de um desmonte ativo consiste no enfraquecimento dos instrumentos da política ou na mudança de suas características e alcance. Um exemplo evidente dessa estratégia está no uso do Cadastro Único. A ampliação desse instrumento, desde 2003 até 2015, ocorreu pelo uso estratégico do cadastro para expansão e estruturação do Bolsa Família e, mais tarde, por seu uso por parte de outros programas, como o Brasil Sem Miséria.4 4 O Plano Brasil sem Miséria foi uma estratégia implantada no governo da presidenta Dilma Rousseff, em 2011, que consistiu em criar, renovar, ampliar e integrar programas sociais de diversos setores, articulando ações do governo federal com estados e municípios, com o objetivo de erradicação da miséria no país. Para maiores informações, ver Campello, Falcão e Costa (2014). Um grande esforço foi feito com vistas a melhorar a qualidade das informações disponibilizadas, para o aperfeiçoamento dos processos de revisão e atualização cadastral, e a formar e capacitar os trabalhadores e gestores do SUAS, para a alimentação e o uso do Cadastro na organização da provisão da política. No entanto, a partir de 2016, com a gestão Temer, percebe-se um movimento distinto, com a utilização do Cadastro Único com outra ênfase, buscando mapear não erros de exclusão, mas de inclusão; isto é, buscando pela concessão indevida de benefícios (Direito; Koga; Lício, 2023DIREITO, Denise do Carmo; KOGA, Natália; LÍCIO, Elaine Cristina. (Des)mobilização de capacidades na instrumentação de políticas: o caso do cadastro único para programas sociais. In: GOMIDE, Alexandre de Ávila; SÁ E SILVA, Michelle Morais de; LEOPOLDI, Maria Antonieta (eds.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016-2022). Brasília: IPEA; INCT/PPED, 2023. p. 45-74.). Essa estratégia, conhecida como Operação Pente Fino, ganhou repercussão midiática, anunciando como novidade algo que já era realizado nos processos de atualização e revisão cadastral, fortalecendo ao mesmo tempo um discurso de racionalização e redução dos gastos públicos e uma lógica de criminalização dos pobres e da pobreza.
Desmonte simbólico
A dimensão simbólica do desmonte não pôde ser explorada mais a fundo no artigo, pois implicaria ver mudanças na opinião pública com relação ao significado da Política de Assistência Social. Isso exigiria outro tipo de pesquisa, e não se tem referências bibliográficas suficientes para explorar esse tema. Entretanto, podemos identificar aqui a própria concepção ou ideia tida pelos governos que assumiram após a destituição da Presidenta Dilma sobre a pobreza e o papel das políticas de assistência social. Dois pontos serão resgatados como expressão de uma tentativa de desmonte simbólico, a partir de falas e de posicionamentos contrários aos princípios e fundamentos da política de assistência social desenhada no SUAS: a posição, tanto do governo Temer quanto do governo Bolsonaro, em relação a práticas assistencialistas e com base no voluntariado; e a concepção meritocrática que está na base do Programa Auxílio Brasil.
O assistencialismo das primeiras damas
A visão assistencialista presente no governo Bolsonaro fica evidente na fala de uma entrevistada:
A ideia era voltar a assistência social a como era antes, nessa vinculação com a filantropia, com a caridade, com foco mais nas organizações [privadas] de assistência social e organizações que não são de assistência social, do que realmente um foco em aprimorar os serviços de assistência social (Entrevistada 3).
Do ponto de vista das concepções normativas (Campbell, 1998CAMPBELL, John L. Institutional analysis and the role of ideas in political economy. Theory and Society, v. 27, n. 5, p. 377-409, jun. 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/657900 . Acesso em: 17 fev. 2024.
https://www.jstor.org/stable/657900...
), tanto o governo Temer quanto o governo Bolsonaro alinham-se a uma visão assistencialista, em uma lógica na qual a gramática dos direitos se encontra ausente. Não existe menção a direitos no Programa Criança Feliz, criado no Governo Temer e coordenado pela primeira-dama Marcela Temer, embaixatriz do Programa; assim como não existe nas ações que exaltam o voluntariado, prática valorizada e foco de atuação dos dois governos (Programa Viva Voluntário, coordenado por Marcela Temer, e Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado, coordenado por Michelle Bolsonaro, com formas de ação muito tradicionais no campo do assistencialismo). Ao enfatizar a ideia de voluntariado, tem-se uma redução da lógica dos direitos e o retorno a uma concepção que a Política de Assistência Social luta para combater: a lógica da ajuda assistencialista e filantrópica.
A concepção meritocrática na transferência de renda
A análise do que ocorreu no âmbito do PBF evidencia a presença de concepções individualistas na compreensão da pobreza e seu enfrentamento. Para começar, é importante identificar a concepção (novamente o paradigma e os sentimentos públicos que orientam as políticas implementadas, segundo Campbell, 1998CAMPBELL, John L. Institutional analysis and the role of ideas in political economy. Theory and Society, v. 27, n. 5, p. 377-409, jun. 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/657900 . Acesso em: 17 fev. 2024.
https://www.jstor.org/stable/657900...
) sobre o Bolsa Família, nessa frase proferida por Bolsonaro, quando ainda era deputado:
O cara tem três, quatro, cinco, dez filhos e é problema do Estado, cara. Ele já vai viver de Bolsa Família, não vai fazer nada. Não produz bem, nem serviço. Não produz nada. Não colabora com o PIB, não faz nada. Fez oito filhos, aqueles oito filhos vão ter que creche, escola, depois cota lá na frente. Para ser o que na sociedade? Para não ser nada”, disse Jair Bolsonaro em entrevista ao documentarista Carlos Juliano Barros, em 2015 (Sakamoto, 2021SAKAMOTO, Leonardo. Bolsonaro atacava Bolsa família por achar que pobre não gosta de trabalhar. Uol, São Paulo, 30 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/10/30/bolsonaro-sente-odio-do-bolsa-familia-porque-culpa-os-pobres-pela-pobreza.htm . Acesso em: 17 abr. 2024.
https://noticias.uol.com.br/colunas/leon... ).
O Auxílio Brasil tinha como enfoque exclusivamente a transferência de renda, com diversos benefícios acoplados e pulverizados (Bartholo; Veiga; Barbosa, 2021BARTHOLO, Leticia; VEIGA, Rogério; BARBOSA, Rogério Jerônimo. O que muda no “novo bolsa família”. Revista Piauí, 17 ago. 2021. Disponível em: Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/o-que-muda-no-novo-bolsa-familia / Acesso em: 17 abr. 2024.
https://piaui.folha.uol.com.br/o-que-mud...
), sustentado por uma lógica de emancipação das famílias, desempenho individual e meritocracia (Brandão; Campello, 2021BRANDÃO, Sandra; CAMPELLO, Teresa. O Auxílio Brasil não é um novo Bolsa Família. É um pastel de vento... Carta Capital, 29 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/o-auxilio-brasil-nao-e-um-novo-bolsa-familia-e-um-pastel-de-vento / Acesso em: 21 fev. 2024.
https://www.cartacapital.com.br/politica...
; Costa; Magalhães; Cardoso, 2023COSTA, Delaine Martins; MAGALHÃES, Rosana; CARDOSO, Maria Lúcia de Macedo. Do Bolsa Família ao Auxílio Brasil: desafios e alcances a partir de uma pesquisa avaliativa baseada na teoria do programa. Cadernos de Saúde Pública, v. 39, n. 7, e00207922, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT207922 Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
); em uma concepção individualizante da pobreza e de incentivo ao esforço individual (Sordi, 2021SORDI, Denise de. Auxílio Brasil é um retrocesso que corrói rede de proteção social. Folha de S.Paulo, 23 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2021/10/auxilio-brasil-e-um-retrocesso-que-corroi-rede-de-protecao-social.shtml Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissi...
).
O Auxílio Brasil previa um conjunto de nove benefícios diferentes, de outras políticas setoriais e por tempo limitado. O programa estabelecia o Auxílio de inclusão rural e urbana, a Bolsa iniciação científica, o Auxílio esportes, o Auxílio criança/creche e o Alimenta Brasil (incentivo à agricultura familiar que substitui o Programa de Aquisição de Alimentos, PAA, outro bem sucedido programa que constitui referência internacional). Tal como foi concebido, o Auxílio Brasil enfraquece o sentido e a ênfase das condicionalidades em saúde e educação, que sofreram cortes e descontinuidades, gerando baixos índices de acompanhamento (Bronzo et al., 2021BRONZO, Carla; JANNUZZI, Paulo; ARAUJO, Edgilson Tavares de; CIRENO, Flávio; OLIVEIRA, Breynner. Auxílio Brasil não é o Bolsa Família melhorado: um salto no abismo e o desmonte da proteção social no Brasil. Blog do Estadão - Gestão, Política e Sociedade, São Paulo, 3. nov. 2021.).
Parece ser o retorno de benefícios fragmentados, como antes de existir o PBF, atendendo a critérios de elegibilidade diversos. Alguns benefícios eram destinados apenas a um conjunto de famílias, como as que tinham um filho que se destacava na Olimpíada de Ciências ou nos Jogos Olímpicos, e por isso passava a ter direito, por um ano, a um subsídio monetário. A concepção subjacente ao Auxílio Brasil era, portanto, a de uma lógica meritocrática.
Entretanto, embora posicionado em uma perspectiva fiscalista, o governo buscou os frutos políticos da criação do programa, associando-se a ele (e diminuindo assim o protagonismo do Congresso). Concedeu ao programa um nome que expressa bem sua concepção - auxílio - deixando nítida a ideia da assistência como ajuda pontual e não do benefício enquanto oferta socioassistencial garantidora de direito, numa perspectiva de desmonte simbólico.
Por isso, a análise identifica a substituição do PBF pelo Auxílio Brasil como uma estratégia de desmonte também simbólico, uma vez que buscou explicitar concepções e ideias meritocráticas de sustentação do programa, sem haver, de fato, mudanças ativas de desmonte do PBF. Houve, contudo, uma tentativa de apagamento de suas intenções e pressupostos originais, centrados na ideia de direitos.
O desmonte por mudança de arena
Ao analisar o tipo de desmonte sistêmico, tem-se que a primeira alteração, tanto do governo Temer quanto do governo Bolsonaro, foi o enfraquecimento das estruturas e da arquitetura institucional da política de assistência, com fusão, em um mesmo ministério, de políticas diversas. As mudanças promovidas no aparato institucional, embora expressem as concepções reducionistas do governo quanto à política de assistência social, não alteram o lócus ou a arena na qual tal política é formulada ou implementada. A Secretaria Nacional de Assistência Social continuou tendo lugar no organograma do governo Bolsonaro, e nenhuma mudança muito radical foi implementada em termos estruturais; mas se alterou a agenda, as prioridades, os atores e os públicos, sinalizando o enfraquecimento da política.
Como uma estratégia de baixa visibilidade, o desmonte pela mudança de arena significa a alteração das agências responsáveis e o enfraquecimento das capacidades administrativas. Um movimento dessa natureza pode ser observado no caso do Cadastro Único. Foi criada, em 2020, uma Secretaria Nacional do Cadastro Único, vinculada à Secretaria Executiva do Ministério e não à Secretaria Especial de Desenvolvimento Social, ou à Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, que coordena o Bolsa Família. Essa mudança altera um desenho que vinha sendo desenvolvido desde 2004, no qual a gestão do Cadastro Único e a do PBF estavam vinculadas a uma mesma secretaria. Essa mudança na localização institucional do Cadastro Único indica uma alteração na própria concepção do cadastro e suas finalidades, ao priorizar sua posição instrumental informacional e enfraquecer sua posição como articulador de políticas e ações (Direito; Koga; Lício, 2023DIREITO, Denise do Carmo; KOGA, Natália; LÍCIO, Elaine Cristina. (Des)mobilização de capacidades na instrumentação de políticas: o caso do cadastro único para programas sociais. In: GOMIDE, Alexandre de Ávila; SÁ E SILVA, Michelle Morais de; LEOPOLDI, Maria Antonieta (eds.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016-2022). Brasília: IPEA; INCT/PPED, 2023. p. 45-74.). Outro exemplo refere-se à mudança no financiamento das instituições de longa permanência. O serviço de acolhimento está previsto e tipificado no SUAS, mas a Lei nº 14.018/2020 desvinculou esses recursos do Ministério da Cidadania, passando sua vinculação ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (Martinelli; Couto, 2021MARTINELLI, Tiago; COUTO, Berenice Rojas. O desmonte do sistema protetivo brasileiro: a assistência social em xeque. In: PRATES, Jane Cruz; REIS, Carlos Nelson dos; ANDRADE, Roberta Ferreira Coelho de (orgs.). Serviço social, economia política e marxismo. Embu das Artes: Alexa Cultural, 2021. p. 197-211.).
Aliada a essa mudança de arena, tem-se uma mudança de concepção. Ao ter os recursos vinculados a outro ministério, há uma mudança de ênfase e perspectiva, que precisa, contudo, ser analisada com mais profundidade em seus processos e efeitos para a provisão do serviço.
Desmonte por omissão
Uma questão importante para o entendimento das ações de desmonte reside em compreender que, em sua maioria, tais ações foram silenciosas, mantendo intactas as estruturas formais, mas as deixando esvaziadas, carcomidas:
A lógica do enxugamento dos recursos orçamentários é de que o desmonte vem sendo feito sem que a proposta de desmonte formal das estruturas de políticas sociais como o SUAS seja apontado como proposta governamental. Os serviços vão deixando de existir, sendo desmontados, terceirizados e até mesmo fechados, desconsiderando a construção histórica no conjunto do sistema de proteção social, sem que o debate sobre a necessidade de sua existência seja feito (Martinelli; Couto, 2021MARTINELLI, Tiago; COUTO, Berenice Rojas. O desmonte do sistema protetivo brasileiro: a assistência social em xeque. In: PRATES, Jane Cruz; REIS, Carlos Nelson dos; ANDRADE, Roberta Ferreira Coelho de (orgs.). Serviço social, economia política e marxismo. Embu das Artes: Alexa Cultural, 2021. p. 197-211., p. 203).
O exemplo disso é a atuação do CNAS e das instâncias de pactuação da política, como as comissões tripartites e fóruns de gestores municipais e estaduais. No governo Bolsonaro, o CNAS continuou existindo, mas com um papel residual, praticamente ausente e silencioso, longe de seu papel histórico (Santos, 2022SANTOS, Marlene de Jesus Silva. Mudança institucional na política de Assistência Social: o caso do Sistema Único de Assistência Social. 2022. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2022.):
A gente sabe que durante essa temporada, nos últimos seis anos, o diálogo com as instâncias colegiadas do SUAS esteve comprometido. Houve muita resistência também do Conselho [CNAS], houve muita atuação estratégica, mas houve também um diálogo meio truncado. A gente sabe que esse diálogo foi meio truncado, certas coisas eram criadas, eram pensadas em um gabinete muito restrito, aqui da SNAS, e colocadas na rua (Entrevistada 1).
A constatação é que, embora o CNAS estivesse enfraquecido e parte do Conselho cooptado pela agenda governamental, a militância organizada e os atores como o CONGEMAS tiveram um papel fundamental na defesa dos princípios e diretrizes do SUAS, ainda que o governo tivesse criado dificuldades e empecilhos para o funcionamento das CIBs e CITs que, além de não se reunirem regularmente, realizavam reuniões que, quando convocadas, tinham caráter meramente informativo por parte do governo (Direito; Koga; Lício, 2023DIREITO, Denise do Carmo; KOGA, Natália; LÍCIO, Elaine Cristina. (Des)mobilização de capacidades na instrumentação de políticas: o caso do cadastro único para programas sociais. In: GOMIDE, Alexandre de Ávila; SÁ E SILVA, Michelle Morais de; LEOPOLDI, Maria Antonieta (eds.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016-2022). Brasília: IPEA; INCT/PPED, 2023. p. 45-74.; Martinelli; Couto, 2021MARTINELLI, Tiago; COUTO, Berenice Rojas. O desmonte do sistema protetivo brasileiro: a assistência social em xeque. In: PRATES, Jane Cruz; REIS, Carlos Nelson dos; ANDRADE, Roberta Ferreira Coelho de (orgs.). Serviço social, economia política e marxismo. Embu das Artes: Alexa Cultural, 2021. p. 197-211.; Santos, 2022SANTOS, Marlene de Jesus Silva. Mudança institucional na política de Assistência Social: o caso do Sistema Único de Assistência Social. 2022. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2022.).
Essa visão é também presente na fala da entrevistada:
Eu acho que o esvaziamento da CIT foi uma grande estratégia de esvaziamento da política, esvaziamento das discussões com Estados e municípios, e, para conseguir isso, simplesmente impondo políticas, impondo restrições. Foi tudo imposto, nada foi dialogado. A gente vê que hoje existe até um trauma, vamos dizer assim, na CIT de se falar de informe, porque a pauta da CIT começou a ser construída basicamente como informe, como se nada precisasse ser discutido, como se as coisas fossem levadas para lá apenas como um informe… E havia essa estratégia por dentro da secretaria, de como burlar a lei, como burlar as legislações para encontrar caminhos em que não se precisasse levar as pautas para serem discutidas na CIT [...] Porque o que a gente vê é que houve um desmonte claro, independente das tentativas de servidores públicos que fizeram o seu papel na tentativa de resguardar a política, independente da lei. A gente tem a Lei Orgânica de Assistência Social, a gente tem um conselho previsto na Lei, um Conselho Deliberativo, mas as suas deliberações foram ignoradas. A gente vê a situação, por exemplo, da Conferência Nacional de Assistência Social, que foi convocada pelo Conselho e desconvocada pelo Ministério (Entrevistada 3).
Outra dimensão que pode aqui ser resgatada como expressão do desmonte refere-se ao tema dos dados e informações. A Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI), fruto de anos de construção institucional, voltada para produção de dados, pesquisas e informações, foi visivelmente enfraquecida e invisibilizada, como fica evidente no relato de uma servidora:
Outro ponto agora que me lembrei foi também o esvaziamento dos espaços de pesquisa, monitoramento e produção de dados dentro do Ministério, da Secretaria de Avaliação de Gestão da Informação da SAGI. Acho que é uma situação trágica, o que aconteceu lá... porque é um lugar que era reconhecido, ganhou prêmios... E foram colocadas pessoas lá que tinham zero conhecimento. E é um espaço com muita necessidade, que demanda habilidades específicas e conhecimentos específicos e foi totalmente esvaziado. E isso aconteceu também com a Coordenação de Vigilância de Assistência Social, também de esvaziamento total. Nós deixamos de fazer boletins, nós fazíamos, deixamos de produzir os cadernos do Censo SUAS que eram produzidos anualmente (Entrevistada 2).
Foram muitas frentes e ações de desmonte, e o quadro a seguir busca apresentar uma síntese do que foi trazido no artigo.
Considerações finais
O artigo mobilizou as concepções e categorias sobre o processo de desmonte para analisar o que ocorreu, com a chegada de Temer e depois Bolsonaro ao governo, no campo da política de assistência social. Trata-se de política de constituição relativamente recente, na medida em que integrou o sistema de seguridade brasileira somente a partir da Constituição de 1988, e apenas em 2005 foi constituído o SUAS e sua institucionalização ganhou força.
A partir das categorias de Pierson (1994)PIERSON, Paul. Dismantling the welfare state?: Reagan, Thatcher, and the politics of retrenchment. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. e Bauer e Knill (2014)BAUER, Michael W.; KNILL, Christoph. A conceptual framework for the comparative analysis of policy change: measurement, explanation and strategies of policy dismantling. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 16, p. 28-44, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13876988.2014.885186. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, estruturou-se um framework de análise dos processos de desmonte. A utilização das categorias analíticas mobilizadas mostrou-se pertinente para compreender o processo empírico no campo da política. Entretanto, uma agenda futura consiste em buscar um modelo mais integrado de análise, uma vez que as categorias de tipos de desmonte, dimensões e estratégias muitas vezes se encontram sobrepostas, o que exige um esforço analítico para “limpar” o modelo de análise.
Substantivamente, o que se tem como resultado da análise é que, desde 2016, tem-se uma profunda inflexão no campo das políticas públicas e sociais em geral e na política de assistência social em particular. Esse campo de política não é homogêneo, e existem concepções em disputa, sem que se tenha consenso nem mesmo entre os profissionais do SUAS sobre o que a política deveria ser. A concepção assistencialista e caritativa da pobreza ainda é presente nos milhares de municípios no Brasil e os governos Temer e Bolsonaro deram ênfase a essa concepção, ao valorizar o voluntariado, o primeiro-damismo e a caridade dos “cidadãos de bem”, enfraquecendo a lógica dos direitos como base para atuação do Estado Social.
Além disso, pode-se identificar a redução tanto de despesas e cortes no financiamento quanto no acesso da população aos benefícios e serviços, o que configura um tipo de contenção programática bem como um ataque sistêmico. Nesse tipo de desmonte sistêmico, busca-se enfraquecer grupos e setores de suporte e legitimidade da política e alterar a opinião pública. Alteram-se também as regras e estruturas institucionais e as regras fiscais, produzindo o desfinanciamento das ações e o comprometimento de sua execução tanto no curto quanto no longo prazo, com ações de asfixiamento, omissão e extinção orquestradas e continuadas pelos governos. As estratégias utilizadas pelo governo, sobretudo a partir de Bolsonaro, abarcaram os diferentes tipos (ativo, simbólico, por omissão e por mudança de arena), produzindo alterações tanto na densidade (reduzindo ou extinguindo programas ou promovendo mudanças nos instrumentos da política) quanto na intensidade (reduzindo benefícios e alcance do público-alvo e as capacidades administrativas e operacionais).
Diante de um contexto catastrófico, agravado pela pandemia da covid-19, com o surgimento de novas demandas e problemas sociais, no momento em que mais se precisava do SUAS, esse foi asfixiado, mas resistiu. O desfinanciamento brutal, as mudanças nas regras fiscais, o corte e atraso nos benefícios, as mudanças nos instrumentos da política, o enfraquecimento das instâncias de participação e pactuação, a omissão na produção de dados, estatísticas e informações sobre os programas e serviços, a desconfiguração dos programas e serviços, o assédio moral a servidores estão entre as muitas formas e estratégias de desmonte aqui elencadas.
O caso da assistência social não é, contudo e infelizmente, um caso isolado. Esse foi o mote de todo o governo Bolsonaro, anunciado por ele em março de 2019, em um jantar com jornalistas, empresários e políticos conservadores, na Embaixada do Brasil em Washington: “Nós temos de desconstruir muita coisa, de desfazer muita coisa para depois recomeçarmos a fazer” (Marin, 2019MARIN, Denise Chrispim. ‘Temos de desconstruir muita coisa’, diz Bolsonaro a americanos de direita. Veja, São Paulo, 18 mar. 2019. Disponível em: Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/temos-de-desconstruir-muita-coisa-diz-bolsonaro-a-americanos-de-direita . Acesso em: 17 abr. 2024.
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), disse, enfatizando que o Brasil caminhava, antes de sua eleição, para o comunismo (Mendonça, 2019). O estrago foi grande, mas a política de assistência sobreviveu, e grande parte disso deve-se ao papel de resistência que exerceram os gestores locais de assistência social e os burocratas/servidores públicos de carreira que atuam nesse campo no nível federal. Esse tema não foi objeto de análise no artigo, mas o papel dos servidores para frear e conter o desmonte constitui uma agenda de pesquisa futura, necessária para expandir a compreensão dos processos de mudanças nas políticas, entendendo as forças de resistência ao desmonte.
A constatação é que o SUAS sobreviveu, “à revelia dos desmandos federais” (Santos, 2022SANTOS, Marlene de Jesus Silva. Mudança institucional na política de Assistência Social: o caso do Sistema Único de Assistência Social. 2022. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2022., p. 216). Não houve uma destruição total do arcabouço legal e o sistema se manteve em funcionamento, ainda que deixando grande peso e atribuições aos municípios, que tiveram drásticos cortes de recursos federais, comprometendo a provisão dos serviços na ponta, ampliando a fome, a pobreza e as desigualdades. Esse foi um dos frutos amargos do desmonte.
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Os autores agradecem o apoio da Fapemig (edital APQ-05331-23)
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O Plano Brasil sem Miséria foi uma estratégia implantada no governo da presidenta Dilma Rousseff, em 2011, que consistiu em criar, renovar, ampliar e integrar programas sociais de diversos setores, articulando ações do governo federal com estados e municípios, com o objetivo de erradicação da miséria no país. Para maiores informações, ver Campello, Falcão e Costa (2014)CAMPELLO, Tereza; FALCÃO, Tiago; COSTA, Patricia Vieira da. O Brasil sem miséria. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, 2014..
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
05 Ago 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
25 Set 2023 -
Aceito
04 Abr 2024