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Teste de teoria de Relações Internacionais em Process Tracing: uma estruturação prática a partir do Novo Liberalismo

Testing International Relations theory with Process Tracing: A practical framework based on the New Liberalism

Resumo:

Este trabalho tem como propósito introduzir e aprofundar a aplicação do método de Process Tracing (PT) na análise de estudos de caso como teste de teoria em Relações Internacionais (RI), focando especialmente em pesquisadores brasileiros. Inspirado pelo crescente uso e importância do PT, visa oferecer uma estrutura para sua utilização na modalidade de teste de teoria, auxiliando aqueles que buscam adaptar teorias de RI para avaliar casos específicos. Utilizando como exemplo a institucionalização da US Commission on International Religious Freedom (USCIRF) nos Estados Unidos, o artigo se baseia na estruturação do método para sistematizar o teste da teoria do Novo Liberalismo de Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997.. O texto apresenta o caso de forma estruturada, demonstrando como o PT pode ser aplicado em estudos centrados na teoria. Além disso, oferece um mecanismo causal teórico específico sobre o lobby religioso institucionalizado da USCIRF. Este trabalho não se limita a ser um estudo de caso único, mas sim um esforço metodológico para orientar pesquisadores interessados em operacionalizar teorias de RI usando PT como teste de teoria. Com isso, busca-se aprimorar o rigor e a clareza na pesquisa qualitativa em RI, contribuindo para a crescente utilização do PT entre os pesquisadores brasileiros interessados nessa área, promovendo avanços significativos na compreensão dos mecanismos causais em contextos políticos complexos.

Palavras-chave:
Process Tracing; estudo de caso; Relações Internacionais; metodologia; Novo Liberalismo

Abstract:

This article aims to introduce and delve into the application of the Process Tracing (PT) method in the analysis of single case studies as theory testing in International Relations (IR), focusing particularly on supporting Brazilian researchers. Inspired by the growing use and significance of PT, it seeks to provide a framework for its utilization in theory testing, aiding those seeking to adapt IR theories to evaluate specific cases. Using the institutionalization of the US Commission on International Religious Freedom (USCIRF) in the United States as an example, the paper is based on structuring the method to systematize Moravcsik’s (1997) New Liberalism theory. The text presents the case in a structured manner, demonstrating how PT can be applied in theory-centered studies. Additionally, it offers a specific theoretical causal mechanism concerning the institutionalized religious lobby of the USCIRF. This work is a methodological effort to guide researchers interested in operationalizing IR theories using PT as theory testing. It aims to enhance the rigor and clarity in qualitative research in IR, contributing to the growing use of PT among Brazilian researchers in this field, fostering significant advancements in understanding causal mechanisms in complex political contexts.

Keywords:
Process Tracing; case study; International Relations; methodology; New Liberalism

Introdução

Desde o importante trabalho de King, Keohane e Verba (1994)KING, Gary; KEOHANE, Robert O.; VERBA, Sidney. Designing social inquiry: scientific inference in qualitative research. Princeton, N.J: Princeton University Press, 1994., os estudos de caso em Ciência Política (CP) e Relações Internacionais (RI) vêm passando por um processo significativo de sofisticação metodológica. Busca-se, assim, entender melhor aspectos fundantes da causalidade em pesquisas de small-n e estudos de caso único e, consequentemente, quais as melhores estratégias metodológicas para inferência causal nesse tipo particular de análise.

Um dos consensos - pelos menos entre aqueles metodólogos que buscam entender causalidade em estudos de caso - é o de que é preciso utilizar caminhos que possibilitem entender os mecanismos que ligam as condições4 4 Neste trabalho, seguindo Beach e Pedersen (2019), e por motivos detalhados mais adiante, preferimos o termo “condição” ao termo “variável” para tratar elementos causais em estudos de caso. explicativas e os resultados. O método que vem sendo visto como mais adequado para isso é o Process Tracing (PT) (George; Bennett, 2005GEORGE, Alexander L.; BENNETT, Andrew. Case studies and theory development in the social sciences. Cambridge, Mass: MIT Press, 2005.).

É crescente a utilização do método5 5 É importante ressaltar que tratamos PT como um método, não uma metodologia. Enquanto métodos seriam ferramentas e técnicas específicas, utilizadas por um determinado pesquisador, para entender o mundo social, a metodologia compreende um agrupamento de métodos que compartilha as mesmas bases, partindo de concepções epistemológicas e ontológicas comuns (Beach; Kaas, 2020, p. 215). Ademais, Beach e Kaas (2020) entendem que métodos compatíveis entre si apenas quando estão dentro do mesmo paradigma metodológico. Nesse sentido, PT, por partir de bases epistemológicas e metodológicas específicas, só seria compatível com métodos da mesma família (paradigma dos estudos de caso), não com outros de outra família (como os baseados em variância). por pesquisadores brasileiros. Trabalhos recentes vêm demonstrando isso (Forti Neto, 2020FORTI NETO, Octávio. The relation among regional organizations, the consolidation of democracy and citizen security: the cases of SICA and UNASUR. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 42, n. 3, p. 569-596, dez. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0102-8529.2019420300003. Acesso em: 22 maio 2024.
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; Rodriguez; Junges, 2022RODRIGUEZ, Júlio C.; JUNGES, Matheus Da Silva. Paradiplomacia financeira e mudanças institucionais: o caso do Rio Grande do Sul (1987 - 2014). Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 39, p. 1-34, e263563, 2022. ; Santos; Baccarini, 2023SANTOS, Edson Ramon Lima Pereira dos; BACCARINI, Mariana Pimenta Oliveira. The impacts on the change of training architecture for UN Peacekeeping Operations in Brazil. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 66, n. 1, p. e003, 2023. ). O PT, por exemplo, tem sido empregado para o estudo do desenvolvimento de parlamentos regionais (Luciano, 2022LUCIANO, Bruno Theodoro. Parliamentary agency and regional integration: the logic of regional parliaments around the world. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Política e Estudos Internacionais) - School of Government and Society, University of Birmingham, Birmingham, 2020.) e para a compreensão do papel das organizações sociais no processo de desenvolvimento institucional do Mercosul (Ferreira, 2021FERREIRA, Guilherme Augusto Guimarães. O desenvolvimento institucional do Mercosul: uma análise da ampliação dos mecanismos de participação das organizações sociais no período 2003-2006. 2021. Tese (Doutorado em Relações Internacionais) - Programa de Pós-Graduação Santiago Dantas, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; Universidade Estadual de Campinas; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2021.).

Inspirado no crescente uso do PT e na sua importância, este trabalho visa introduzir a aplicação do método para teste de teoria de RI a partir do uso de um estudo de caso único. O objetivo central é apresentar a estruturação do método de forma a auxiliar pesquisadores brasileiros de RI que queiram ajustar teorias da disciplina para avaliar casos.

O exemplo trazido nesse artigo é o da institucionalização de uma burocracia influente no governo dos Estados Unidos no que tange a questões sobre liberdade religiosa na política externa do país. Trata-se da US Commission on International Religious Freedom (USCIRF),6 6 Doravante referida por sua sigla USCIRF, ou apenas por Comissão. um órgão independente criado pelo governo norte-americano em 1998 por meio do International Religious Freedom Act (IRFA).

A USCIRF tem como principal função monitorar o status da liberdade religiosa ao redor do mundo e produzir relatórios anuais com sugestões de políticas sobre o tema para o Congresso, o Departamento de Estado e o Presidente dos Estados Unidos (USCIRF, 2020USCIRF. About Us. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.uscirf.gov/about-uscirf/about-us . Acesso em: 12 mar. 2020.
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). Muitas dessas recomendações envolvem questões relacionadas a refugiados, como o mapeamento de minorias religiosas que devem ser priorizadas no processo de reassentamento e o envio de ajuda humanitária a países acolhedores. A Comissão possui uma divisão específica para assuntos ligados a refugiados e requerentes de refúgio, divulgando uma série de pronunciamentos quanto ao tema. As recomendações da USCIRF influenciaram os Estados Unidos no reassentamento de refugiados7 7 São exemplos de grupos reassentados em conformidade com recomendações da Comissão: sudaneses (2002-2010), iraquianos (2008), birmaneses (2014-2015), sírios (2014-2018), iranianos (2015-2020). vítimas de perseguição religiosa e no direcionamento para envio de recursos a programas de assistência para áreas sensíveis em diversos países.8 8 Por exemplo, em linha com recomendações da USCIRF, os EUA doaram 355 milhões de dólares para projetos de assistência aos deslocados forçados iraquianos (USCIRF, 2011, p. 94) e, posteriormente, entre 2014 e 2015, mais de 213.8 milhões de dólares (USCIRF, 2015, p. 95, 98).

O caso da USCIRF é um bom exemplo para se demonstrar a sistematização do PT centrado em teoria pelo menos por dois motivos. Em primeiro lugar, trata-se de um órgão com caráter único dentro da estrutura burocrática que cuida da política externa norte-americana, sendo criado especificamente para lidar com questões religiosas internacionais. E, apesar desse caráter idiossincrático, são poucos os estudos dedicados à compreensão da sua atuação e influência no processo de tomada de decisões no establishment diplomático estadunidense. O fato de ser pouco estudada implica dizer que análises iniciais que sistematizem e testem mecanismos, mesmo que de forma minimalista, já podem ser consideradas uma contribuição relevante.9 9 Veja, por exemplo, o estudo de Löblová, que mesmo não sendo um PT exaustivo do ponto de vista empírico, ainda assim traz importantes contribuições, por ser um estudo que investiga mecanismo pouco estudado (Löblová, 2018). Em segundo lugar, a sua criação possui elementos causais que possibilitam o enquadramento no mecanismo teórico proposto pelo Novo Liberalismo de Andrew Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., notadamente a atuação de grupos subnacionais com preferências pré-estabelecidas que usam governos para avançar seus interesses.

É importante ressaltar que este não é um artigo de estudo de caso único. Trata-se, na verdade, de um esforço metodológico que usa um caso específico para orientar a forma como o PT pode ser estruturado para teste de teoria de RI. O caso aqui apresentado poderá, portanto, ser explorado em investigação futura que busque efetivamente aplicar o método.

Este trabalho é organizado observando a seguinte sequência: após esta introdução, discorre-se sobre alguns pontos gerais do Process Tracing, focando em características do método e abordando brevemente sua aplicação na CP e nas RI. Em seguida, apresentam-se a teoria do Novo Liberalismo e o mecanismo teórico dele deduzido, o qual é aplicado no caso. Posteriormente, traz-se o caso de forma estruturada, buscando apresentá-lo de maneira que possa ser utilizado para clarear a forma como se pode aplicar o método em estudos centrados na teoria. Por fim, apresenta-se brevemente a utilização do método para uma das partes do mecanismo causal, de forma a ilustrar essa etapa.

Buscamos, com isso, contribuir para um aprimoramento do rigor metodológico para as pesquisas qualitativas na academia brasileira, tanto as de Ciência Política, como, sobretudo, as feitas por pesquisadores das Relações Internacionais.

Process Tracing na avaliação de teoria

Desde o amplamente questionado (Mahoney, 2010MAHONEY, James. After KKV: The new methodology of qualitative research. World Politics, Cambridge, v. 62, n. 1, p. 120-147, jan. 2010.; Mahoney; Goertz, 2006MAHONEY, James; GOERTZ, Gary. A tale of two cultures: contrasting quantitative and qualitative research. Political Analysis, Cambridge, v. 14, n. 3, p. 227-249, 2006.), mas igualmente importante, trabalho de King, Keohane e Verba (1994)KING, Gary; KEOHANE, Robert O.; VERBA, Sidney. Designing social inquiry: scientific inference in qualitative research. Princeton, N.J: Princeton University Press, 1994. vem-se buscando entender melhor aspectos fundantes da causalidade envolvendo os estudos considerados small-n. Muito desse aperfeiçoamento deve-se ao melhor entendimento sobre elementos ontológicos e epistemológicos que diferenciam estudos de casos centrados em causalidade das pesquisas do tipo large-n. Neste artigo, não se pretende entrar nas nuanças da filosofia da ciência em relação aos aspectos que diferenciam estudos within-case de estudos large-n, mas é importante trazer alguns apontamentos para situar o leitor.

Grosso modo, em termos ontológicos, enquanto pesquisas focadas em large-n baseiam-se em uma lógica de variância, voltada para causações contrafactuais, os estudos de casos com foco na causalidade têm sua ontologia baseada em processos e encadeamentos causais, traduzidas em termos de mecanismos (Beach; Kaas, 2020BEACH, Derek; KAAS, Jonas Gejl. The great divides: incommensurability, the impossibility of mixed-methodology, and what to do about it. International Studies Review, v. 22, n. 2, p. 214-235, jun. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1093/isr/viaa016. Acesso em: 22 maio 2024.
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). Estudos nas Ciências Sociais baseados em causação contrafactual centram-se na premissa “de que uma causa pode produzir um resultado quando somos capazes de comprovar que a ausência da causa resultaria na ausência do resultado, todas as outras coisas mantidas iguais” (Beach; Kaas, 2020BEACH, Derek; KAAS, Jonas Gejl. The great divides: incommensurability, the impossibility of mixed-methodology, and what to do about it. International Studies Review, v. 22, n. 2, p. 214-235, jun. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1093/isr/viaa016. Acesso em: 22 maio 2024.
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, p. 4, tradução nossa). Nessa visão neopositivista, derivada de Hume, a essência da inferência causal é a “conjunção constante - a frequente ocorrência conjunta das variáveis A e B” (Bennett; Checkel, 2015BENNETT, Andrew; CHECKEL, Jeffrey T. (orgs.). Process tracing: from metaphor to analytic tool. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 2015., p. 10, tradução nossa).

Por outro lado, pesquisas que partem de uma ontologia mecanicista - baseada não no positivismo, mas no pragmatismo/realismo científico -, fundam-se na premissa que a “explicação causal é construída em torno de contiguidade e sequenciamento de eventos” (Bennett; Checkel, 2015BENNETT, Andrew; CHECKEL, Jeffrey T. (orgs.). Process tracing: from metaphor to analytic tool. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 2015., p. 10, tradução nossa). Usando um exemplo da biologia para diferenciar os dois tipos, pode-se dizer que uma coisa seria demonstrar que o uso de cigarro aumenta as chances de um indivíduo ter câncer de pulmão a partir de uma inferência causal baseada em variância. Outra, seria demonstrar como certos elementos químicos presentes no cigarro, como a nicotina, interagem com fatores biológicos de um indivíduo, promovendo alterações que, de forma sequencial e mecanicista, terminam por causar o referido câncer.

No plano das Relações Internacionais, certos estudos tornaram-se paradigmáticos para entender como realizar um PT. Um exemplo disso é o trabalho de Nina Tannenwald (1999)TANNENWALD, Nina. The nuclear taboo: The United States and the normative basis of nuclear non-use. International Organization, Cambridge, v. 53, n. 3, p. 433-468, 1999. Disponível em: https://doi.org/10.1162/002081899550959. Acesso em: 22 maio 2024.
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. A autora rastreou posicionamentos específicos ao longo do tempo, que demonstraram a emergência e consolidação de um tabu acerca do uso de armas nucleares durante o século XX.

Epistemologicamente, a visão de causalidade por meio de mecanismo também tem importantes diferenças nos estudos. Enquanto que na concepção baseada em variância usam-se técnicas estatísticas em pesquisas nas quais as observações não devem ter diferenças inferenciais; na visão centrada em mecanismos causais, cada observação tem um peso inferencial específico, podendo inclusive a mesma observação ter variações em termos de importância em casos diferentes - sendo evidências diferentes (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.).

Além disso, a coleta de observações também tem características particulares nas análises de casos causais - estudos de casos específicos voltados para detectar mecanismos causais que levam a determinado resultado.10 10 Para mais sobre mecanismos causais, ver o livro editado por Beach e Pedersen (2016). Nos estudos quantitativos baseados em variância, é fundamental se obter um amplo número de observações numéricas sem diferenciação entre elas, valendo-se de técnicas estatísticas. Por outro lado, o “tipo de evidência empírica que permite inferências within-case sobre os processos são os traços deixados por sua operação em um caso” (Beach; Kaas, 2020BEACH, Derek; KAAS, Jonas Gejl. The great divides: incommensurability, the impossibility of mixed-methodology, and what to do about it. International Studies Review, v. 22, n. 2, p. 214-235, jun. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1093/isr/viaa016. Acesso em: 22 maio 2024.
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, p. 8, tradução nossa), com clara diferenciação entre observações, quando interpretadas com evidências de um mecanismo.

Por causa dessas características específicas dos estudos de casos causais, diferentemente do que foi exposto por KKV (King; Keohane; Verba, 1994KING, Gary; KEOHANE, Robert O.; VERBA, Sidney. Designing social inquiry: scientific inference in qualitative research. Princeton, N.J: Princeton University Press, 1994.), o melhor método para entender causalidade mecanicista não é aquele que traz maior variação possível em casos relativamente parecidos, mas o que permite rastrear encadeamentos causais em termos de processo. É necessário um método que adote uma premissa ontológica mecanicista, com implicações epistemológicas próprias, que demandem processo de coleta e interpretação de observações particulares. E o Process Tracing é o método apontado como o mais eficiente para esse tipo de desenho de pesquisa (George; Bennett, 2005GEORGE, Alexander L.; BENNETT, Andrew. Case studies and theory development in the social sciences. Cambridge, Mass: MIT Press, 2005.).

Apesar de sua disseminação durante a última década nos estudos de RI, o PT já demonstrava seu potencial no final dos anos 1990 e inícios dos anos 2000. Foi por meio da utilização do método, por exemplo, que trabalhos seminais como o de Checkel (2001)CHECKEL, Jeffrey T. Why comply? Social learning and European identity change. International Organization, Cambridge, v. 55, n. 3, p. 553-588, 2001. e o mencionado artigo de Tannenwald (1999)TANNENWALD, Nina. The nuclear taboo: The United States and the normative basis of nuclear non-use. International Organization, Cambridge, v. 53, n. 3, p. 433-468, 1999. Disponível em: https://doi.org/10.1162/002081899550959. Acesso em: 22 maio 2024.
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, ajudaram a avançar a agenda sobre normas e teoria construtivista. Igualmente, utilizando PT, autores também desvendaram mecanismos explicativos presentes no processo de integração europeia no mesmo período (Moravcsik, 1998MORAVCSIK, Andrew. The choice for Europe: social purpose and state power from Messina to Maastricht. Ithaca, Nova York: Cornell University Press, 1998.; Schimmelfennig, 2003SCHIMMELFENNIG, Frank. The EU, NATO and the integration of Europe: rules and rhetoric. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.). Provavelmente, as pesquisas mais expressivas que iniciaram a utilização do método na disciplina foram aquelas focadas em processos de tomada de decisão em política externa, como o importante livro Essence of Decision, de Allison (1971)ALLISON, Graham T. Essence of decision: explaining the Cuban missile crisis. Boston: Little, Brown & Co., 1971. e o trabalho de Khong (1992)KHONG, Yuen Foong. Analogies at war: Korea, Munich, Dien Bien Phu, and the Vietnam decisions of 1965. Princeton, N.J: Princeton University Press, 1992., sobre analogias.

Mais recentemente, há uma difusão do emprego do PT nas RI, nos mais variados temas, como Economia Política Internacional (Moloney, 2022MOLONEY, Kim. Who matters at the World Bank? bureaucrats, policy change, and public sector governance. New York: Oxford University Press, 2022.; Park, 2022PARK, Susan. The good hegemon: US power, accountability as justice, and the multilateral development banks. Nova York: Oxford University Press, 2022.), Segurança Internacional (Dayal, 2021DAYAL, Anjali Kaushlesh. Incredible commitments: how UN peacekeeping failures shape peace processes. Cambridge, Nova York, NY: Cambridge University Press, 2021.; Grech-Madin, 2021GRECH-MADIN, Charlotte. Water and warfare: the evolution and operation of the water taboo. International Security, Cambridge, v. 45, n. 4, p. 84-125, 20 abr. 2021.) e Direitos Humanos (Cronin-Furman, 2020CRONIN-FURMAN, Kate. Human rights half measures: avoiding accountability in postwar Sri Lanka. World Politics, Cambridge, v. 72, n. 1, p. 121-163, jan. 2020. ). Uma aplicação que vem igualmente ganhando adesão em periódicos nacionais especializados na disciplina, com os trabalhos de Santos e Baccarini (2023)SANTOS, Edson Ramon Lima Pereira dos; BACCARINI, Mariana Pimenta Oliveira. The impacts on the change of training architecture for UN Peacekeeping Operations in Brazil. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 66, n. 1, p. e003, 2023. , na Revista Brasileira de Política Internacional, de Forti Neto (2020)FORTI NETO, Octávio. The relation among regional organizations, the consolidation of democracy and citizen security: the cases of SICA and UNASUR. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 42, n. 3, p. 569-596, dez. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0102-8529.2019420300003. Acesso em: 22 maio 2024.
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, na Contexto Internacional e de Rodriguez e Junges (2022)RODRIGUEZ, Júlio C.; JUNGES, Matheus Da Silva. Paradiplomacia financeira e mudanças institucionais: o caso do Rio Grande do Sul (1987 - 2014). Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 39, p. 1-34, e263563, 2022. , neste periódico - para citar alguns dos mais recentes.

Mas, in fine, o que seria PT? Na literatura, há diferenças de abordagens entre autores que tratam o método, mas eles convergem em um substrato comum. Aqui, utilizaremos esses autores focando nesses elementos de conexão entre eles.11 11 Como não é objetivo deste trabalho, também não entraremos nos detalhes acerca das diferenças de tratamento dos autores diversos. Assim, de acordo com Bennett e Checkel, (2015, p. 7)BENNETT, Andrew; CHECKEL, Jeffrey T. (orgs.). Process tracing: from metaphor to analytic tool. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 2015., partindo de uma ontologia mecanicista, Process Tracing seria a “análise de evidências em processos, sequências e conjunturas de eventos dentro de um caso, com o propósito de desenvolver ou testar hipóteses sobre mecanismos que possam explicar tal caso de forma causal”. Por sua vez, segundo Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019., mecanismos seriam processos que são ocasionados por certas condições as quais estão conectadas com os resultados de uma maneira produtiva.12 12 A ideia de produtividade, nesse contexto, significa, grosso modo, que há uma conexão ininterrupta na trajetória que vai da causa ao resultado. Nesse sentido, quando se está teorizando sobre mecanismos causais, deixa-se de focar na variância entre causas e resultados e passa-se a olhar o que está acontecendo em termos de condicionalidade. A pergunta que guia esse tipo de análise deixa de focar em “O que?” (o que causa algo?), para focar no “Como?” (como se chegou a determinado resultado?).

O PT em si não é um método de formato único. Na verdade, ele é classificado em tipos diferentes. Para Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019., haveria quatro versões de PT:13 13 Na primeira versão do livro, eles dividem em apenas três, a quarta versão adicionada foi revisão de teoria (Beach; Pedersen, 2013). Por serem mais sucintos na sua primeira edição, em alguns momentos deste artigo serão utilizados trechos dessa primeira edição. (i) PT de teste de teoria, (ii) PT de construção de teoria, (iii) PT de revisão de teoria e (iv) PT para explicação de resultado (explaining-outcome). Essas, contudo, não são categorias estanques. Os autores afirmam que há algo de construção em teste de teoria e também algo de teste em desenhos de pesquisa com foco em construção. Do mesmo modo, trabalhos centrados na explicação de resultados também tem algo de teste/construção de teoria. Isso é devido, entre outros aspectos, à própria natureza iterativa das pesquisas que usam o Process Tracing.

Por causa dessa ambivalência, os próprios autores, em certos momentos, diferenciam apenas PT centrado na teoria (que englobam as primeiras três variantes) e PT centrado nos casos (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.). O primeiro teria uma preocupação em apresentar mecanismos que pudessem avançar agendas de pesquisa teóricas, inclusive permitindo generalizações contingentes (Bennett, 2022BENNETT, Andrew. Drawing contingent generalizations from case studies. In: WIDNER, Jennifer; WOOLCOCK, Michael; ORTEGA NIETO, Daniel (orgs.). The case for case studies. 1. ed. New York, NY: Cambridge University Press, 2022. p. 62-86.), possibilitando que esses mecanismos fossem testados em outros casos. O PT centrado no caso, por sua vez, estaria focado em apresentar um mecanismo que fosse suficiente para explicar o próprio caso, a despeito do apego a uma teoria específica. Teorias, neste último desenho de pesquisa, seriam usadas de forma eclética (Sil; Katzenstein, 2010SIL, Rudra; KATZENSTEIN, Peter J. Beyond paradigms: analytic eclecticism in the study of world politics. Houndmills, Basingstoke, Hampshire, Nova York: Palgrave Macmillan, 2010.), apenas como dispositivos heurísticos para demonstrar a suficiência do mecanismo (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.).

Um exemplo pode ilustrar bem o desafio de se encaixar Process Tracing em categorias herméticas. Beach e Pedersen (2013)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2013. encaixam o trabalho de Schimmelfennig (2003)SCHIMMELFENNIG, Frank. The EU, NATO and the integration of Europe: rules and rhetoric. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. sobre a ampliação geográfica da União Europeia em direção ao Leste como sendo um exemplo de PT de explicação de resultado (Beach; Pedersen, 2013BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2013., p. 63). Por outro lado, o próprio Schimmelfennig, no capítulo que escreve na obra organizada por Bennett e Checkel (2015)BENNETT, Andrew; CHECKEL, Jeffrey T. (orgs.). Process tracing: from metaphor to analytic tool. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 2015., coloca o seu trabalho como um exemplo de teste de teoria.

Esta breve explicação sobre os tipos de PT é fundamental para situar o artigo. Neste trabalho, nosso foco é o teste de teoria, mas sem uma rigidez quanto a essa categoria. Em última análise, entendemos que há um contínuo entre teste e construção, no qual a revisão de teoria estaria entre eles, como demonstra a Figura 1.

Uma solução que ajuda o pesquisador a decidir qual versão deve predominar em seu PT está em avaliar a orientação do procedimento empírico na sua pesquisa. Se ele entende que seu trabalho está mais orientado em criar indutivamente uma teoria mecanicista de médio alcance (Munck; Snyder, 2007MUNCK, Gerardo L.; SNYDER, Richard. Passion, craft, and method in comparative politics. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2007.), mesmo que partindo de uma espécie de meta-teoria, então ele tende a adotar um desenho de construção de teoria. Nesse desenho, a estratégia está em usar evidências de um caso para desenvolver uma hipótese que possa explicá-lo e, posteriormente, gerar mecanismo que possa ser testado novamente no mesmo caso ou em outros.

Figura 1.
Indução-Dedução

O Process Tracing de construção de teoria é um tipo normalmente aplicado quando a teoria apresenta variáveis correlacionais (baseadas em variância ou estudos comparados), mas não as interliga por meio de um mecanismo teórico (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.). Em seu amplamente conhecido trabalho sobre Realismo Ofensivo, Mearsheimer teoriza que a distribuição de capacidades materiais entre grandes potências (X) é o que leva sistemas internacionais a serem mais ou menos conflituosos (Y), sendo os sistemas multipolares desbalanceados mais propensos a conflitos, enquanto que os bipolares são os menos propensos. O autor também afirma que hegemons regionais buscam evitar que grandes potências se tornem igualmente hegemons em suas respectivas regiões, prática chamada de offshore balance (Mearsheimer, 2014MEARSHEIMER, John J. The tragedy of great power politics. Updated edition. New York: W.W. Norton & Company, 2014.). Mas, em ambos os casos, o autor não teoriza o mecanismo causal. Nesse exemplo, o realismo estrutural seria uma espécie de meta-teoria, mas seria necessário usar uma análise indutiva para teorizar sobre o mecanismo (o “Como?”) em um caso particular, o que poderia ser feito por meio de PT do tipo construção de teoria, para criar uma teoria de médio alcance.

Por outro lado, se o pesquisador tem seu desenho orientado pela dedução - no qual já existe um mecanismo teorizado, mesmo que de forma incipiente, ou facilmente deduzido de uma teoria (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.) - e ele visa testar esse mecanismo em um caso particular -, então ele terá um desenho predominantemente focado em teste de teoria. Nessa versão, examinam-se as implicações observáveis do mecanismo causal hipotetizado em um caso específico, a fim de testar se o mecanismo explica, de fato, o caso. Quando Moravcsik teoriza sobre o Novo Liberalismo, ele não apenas traz as variáveis independentes e dependentes, mas oferece também - ainda que de modo pouco sistemático - um mecanismo específico (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997.). O autor testa tal mecanismo em alguns de seus trabalhos (Moravcsik, 1998MORAVCSIK, Andrew. The choice for Europe: social purpose and state power from Messina to Maastricht. Ithaca, Nova York: Cornell University Press, 1998., 2000MORAVCSIK, Andrew. The origins of human rights regimes: democratic delegation in postwar Europe. International Organization, Cambridge, v. 54, n. 2, p. 217-252, 2000.).

Portanto, como no caso a ser trazido neste artigo, seguimos uma orientação dedutiva, na qual deduzimos um mecanismo de uma teoria mais geral (Novo Liberalismo), partindo da concepção de que o caso apresentado é predominantemente um PT de teste de teoria. Adotamos essa categoria mesmo que, em última análise, ela traga também uma teoria de médio alcance sobre mecanismo causal particular sobre institucionalização de burocracia por meio do lobby religioso. Em outras palavras, apesar de ser um teste de teoria, há no caso também elementos de construção. O mais prudente seria afirmar que o caso, em última análise, é um PT centrado em teoria predominantemente categorizado como do tipo teste. Uma solução poderia ser adotar a terminologia de George e Bennett (2005, p. 86, tradução nossa)GEORGE, Alexander L.; BENNETT, Andrew. Case studies and theory development in the social sciences. Cambridge, Mass: MIT Press, 2005., que falam “desenvolvimento dedutivo de teoria”.14 14 Segundo os autores, “estudos de caso podem testar teorias dedutivas e sugerir novas variáveis que precisam ser incorporadas [à teoria]” (George; Bennett, 2005, p. 86). Contudo, por questões práticas, utilizaremos a terminologia mais tradicional de teste de teoria, aprofundando-a no decorrer do artigo.

Teste de teoria em PT

Como esse trabalho pretende focar em elementos práticos no que tange à estruturação de PT, é útil partir de estudos que ajudem nessa sistematização. Nesse sentido, Ricks e Liu (2018)RICKS, Jacob I.; LIU, Amy H. Process-tracing research designs: a practical guide. PS: Political Science & Politics, Cambrigde, v. 51, n. 4, p. 842-846, out. 2018. trazem um passo-a-passo didático para ajudar pesquisadores na utilização de Process Tracing para testar teoria. Por causa da praticidade das guidelines trazidas pelos autores, utilizaremos os seus sete passos como ponto de partida:

  1. Identificar as hipóteses testáveis com base na teoria escolhida;

  2. Estabelecer uma linha cronológica dos eventos. Não é necessário que essa linha esteja graficamente presente, nem que seja definitiva. Mas ela é fundamental para que o pesquisador possa ter uma primeira aproximação da sequência de eventos. Essa linha vai sendo atualizada de forma iterativa, à medida em que o pesquisador localiza as evidências;

  3. Construção de um gráfico causal que identifica as variáveis, inclusive fatores exógenos ao mecanismo (como conjunturas críticas), o qual permite visualizar de modo estrutural as ligações entre as causas, o processo e o resultado. Esse gráfico é construído levando em consideração os eventos previamente identificados na linha cronológica de eventos;

  4. Distinguir escolhas ou eventos alternativos que poderiam ter acontecido e suas implicações. É fundamental que essas possibilidades façam sentido de ponto de vista teórico;

  5. Discernir resultados contrafactuais, que poderiam ter surgido se eventos ou escolhas alternativas, identificadas no passo anterior, tivessem ocorrido;

  6. Buscar evidências para a hipótese principal;

  7. Encontrar evidências para hipóteses alternativas.

Os autores recomendam que os cinco primeiros passos sejam inteiramente executados antes de se ter contato com as potenciais evidências (observações relevantes no caso). Só após esses passos, deve-se iniciar o processo de busca de evidências. Mas é importante ressaltar que isso não significa a impossibilidade de reformular os passos anteriores após os primeiros contatos com observações. A reformulação dos elementos anteriores, como o gráfico causal, é algo essencial no PT, que é por natureza uma estratégia de pesquisa iterativa (Ricks; Liu, 2018RICKS, Jacob I.; LIU, Amy H. Process-tracing research designs: a practical guide. PS: Political Science & Politics, Cambrigde, v. 51, n. 4, p. 842-846, out. 2018.).

Como esse artigo procura apresentar a estruturação de uma teoria, e não a aplicação propriamente dita em um caso, as cinco primeiras etapas referidas terão atenção especial. Todavia, mesmo que esses passos sejam, pensando em termos práticos, um excelente ponto de partida, é preciso elaborar um pouco mais alguns deles, bem como fazer algumas ressalvas considerando um PT do tipo teste de teoria.

É necessário frisar, inicialmente, que a identificação de hipóteses (passo 1) significa elaborar hipóteses com causalidade mecanicista. Elas precisam traduzir sequências de eventos causais.

Com relação aos gráficos causais (passo 3), por sua vez, eles não devem apenas mapear a sequência de eventos teorizada, mas sim serem concebidos em forma de mecanismo dividido em partes. Essas partes devem conter as entidades que promovem as ações e as próprias ações realizadas que conduzem a força causal. As entidades são normalmente substantivos, enquanto que as ações - o que efetivamente ocorre nos processos - são transcritas em forma de verbos (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.).

Sobre a busca de evidências (passo 6), antes de mencionar suas características, é importante ressaltar que os autores utilizam a classificação já tradicional de Van Evera (1997)VAN EVERA, Stephen. Guide to methods for students of political science. Ithaca: Cornell University Press, 1997.. Ele aponta quatro tipos de evidências para estudo de caso único, que variam a partir do quanto se espera encontrar uma evidência se a hipótese teorizada estiver correta (grau de certeza) e o quão a evidência é única, no sentido de probabilidade de a hipótese estar certa (grau de unicidade).

Tabela 1.
Tipos de evidências

Evidências com alto grau de certeza e baixa unicidade precisam ser encontradas na pesquisa para que o mecanismo seja considerado presente. Se um Process Tracing estabelece a hipótese de que uma evidência deve existir, e descobre-se que ela não existe, a probabilidade de a parte do mecanismo existir é substancialmente enfraquecida e, consequentemente, o próprio mecanismo. Essa seria uma evidência “quase” necessária,15 15 Tecnicamente, partindo-se do pressuposto da lógica Bayesiana, nunca seria possível afirmar com 100% de certeza que a parte não encontrada não existe, já que dificilmente se poderia ter acesso a todas as evidências possíveis no caso. O que se utiliza é então uma linguagem específica, como a de substancial enfraquecimento nas chances de a parte teorizada existir. Cf. capítulo 5 de Beach e Pedersen (2019). porém não suficiente. Por outro lado, encontrar essa evidência, como já mencionado, não invalida hipóteses alternativas. Na categorização de Van Evera (1997)VAN EVERA, Stephen. Guide to methods for students of political science. Ithaca: Cornell University Press, 1997., essas hipóteses são chamadas de hoops.

Já as hipóteses do tipo smoking gun são aquelas com alto grau de unicidade, mas baixa certeza. Elas têm alto grau de unicidade porque, uma vez encontradas, aumentam substancialmente a chance de a hipótese estar correta (exemplo: os vestígios de pólvora nas mãos de um suspeito logo após o crime). Como ela é uma evidência com baixo grau de certeza, há baixa expectativa de encontrá-la. Dito de outro modo, se ela não existe, a hipótese principal não é substancialmente enfraquecida (no exemplo anterior, o criminoso poderia ter usado luvas). Quando o pesquisador espera encontrar uma evidência que sustente a teoria e, ao mesmo tempo, que seja irrefutável, fala-se de evidência do tipo doubly-decisive¸ que são evidências que, pela hipótese, espera-se que existam, e quando encontradas, fortalecem-na substancialmente (no exemplo anterior, uma filmagem que mostra o rosto do criminoso quando ele atira na vítima). Por fim, quando as evidências têm baixa unicidade e baixo grau de certeza, Van Evera chama de straw-in-the-wind (Van Evera, 1997VAN EVERA, Stephen. Guide to methods for students of political science. Ithaca: Cornell University Press, 1997.). A Tabela 1 permite visualizar as categorias.

Uma forma de enxergar o quão importante é uma evidência coletada, considerando a teoria, é usar a lógica da matemática Bayesiana. Metodólogos têm cada vez mais recomendado essa lógica para avaliar evidências, seja utilizando-a de modo formal (Fairfield; Charman, 2015FAIRFIELD, Tasha; CHARMAN, Andrew. Applying formal bayesian analysis to qualitative case research: an empirical example, implications, and caveats. SSRN, 20 ago. 2015. [on-line].) ou não (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.; Bennett; Checkel, 2015BENNETT, Andrew; CHECKEL, Jeffrey T. (orgs.). Process tracing: from metaphor to analytic tool. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 2015.). De modo bastante simplista, essa é uma estratégia que considera as expectativas teóricas prévias (priors), a probabilidade de se encontrar a evidência - grau de certeza (likelyhood ratio) - e o grau de unicidade daquela evidência em relação à teoria (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.).

É importante mencionar que a busca de evidência é, provavelmente, o maior desafio do PT. Em alguns casos, o pesquisador necessita fazer escolhas sobre onde procurar, dado um volume expressivo - e muitas vezes caótico - de informações a se investigar. Em outras situações, o pesquisador irá se deparar com poucas evidências disponíveis, ou poucas com certezas empíricas, fazendo com que ele ou ela não possa ir muito além de inferências derivadas de dados do tipo straw-in-the-wind. Assim, trabalhos utilizando o método podem ser desafiantes, tanto no julgamento sobre quais evidências utilizar, como também o quão custoso - ou possível - será adquirir evidências efetivamente relevantes (Bennett; Checkel, 2015BENNETT, Andrew; CHECKEL, Jeffrey T. (orgs.). Process tracing: from metaphor to analytic tool. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 2015., p. 263).16 16 Dado o limite de espaço, não aprofundaremos essas questões, de todo modo, remetemos o leitor ao capítulo 10 da obra organizada por Bennett e Checkel (2015), o qual traz boas práticas acerca da coleta de evidências e outros aspectos.

Por fim, é preciso fazer uma ressalva também em relação à busca de evidências para hipóteses alternativas (passo 7). Normalmente, esse processo se dá quando há um teste de um mecanismo oferecido por uma teoria rival. Porém, de acordo com Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019., a única forma de testar mecanismos teóricos rivais em PT seria se o mecanismo testado e o rival fossem mutuamente excludentes. Dito de outra forma, dada a complexidade das Ciências Sociais, diversos outros mecanismos seriam teoricamente possíveis e testar todos eles inviabilizariam a maioria das pesquisas.

Uma forma alternativa de proceder é avaliar se as partes do mecanismo teorizado passam em testes de necessidade das partes do mecanismo (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.). Nesse tipo de abordagem, o foco seria em procurar sobretudo evidências do tipo hoops para as partes teorizadas. O teste de teoria seria muito mais para demonstrar que o mecanismo é necessário para chegar ao resultado, não sendo ele em si suficiente - não descartaria a existência de mecanismos complementares baseados em outras teorias. O importante seria buscar evidências que não contradissessem as partes do mecanismo teorizado (maior nível de certeza), mesmo que não excluíssem teorias alternativas (baixa unicidade) (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.). Uma solução cabível seria utilizar outras abordagens teóricas para ver a consistência de possíveis explicações de escolhas, eventos e resultados alternativos (passo 4 e 7). Contudo, isso seria feito de forma menos sistemática, não testando um outro mecanismo, mas utilizando uma análise de congruência (Blatter; Haverland, 2012BLATTER, Joachim; HAVERLAND, Markus. Congruence analysis. In: BLATTER, Joachim; HAVERLAND, Markus. Designing case studies. Londres: Palgrave Macmillan UK, 2012. p. 144-204.).17 17 Essa foi, em certa medida, a estratégia utilizada por Tannenwald (1999) no seu estudo sobre tabu nuclear, no qual, alternativamente à teoria testada sobre o tabu, ela avaliou a plausibilidade ou não da explicação alternativa de dissuasão nuclear.

A versão minimalista de teste de teoria

A depender do nível de complexidade, é possível que os mecanismos testados sejam de dois tipos: minimalistas e sistemáticos. Os primeiros são mais generalistas e menos detalhistas, já os segundos são mais específicos e com maior capacidade de explanação para casos individuais (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.). Como esse trabalho pretende oferecer uma compreensão inicial sobre como adaptar uma teoria mais abstrata para uma versão mecanicista em uma estrutura ainda não testada em PT, o foco se dará na versão mais simples, a minimalista.

De acordo com Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019., na compreensão minimalista, os mecanismos não são detalhados o suficiente para serem classificados como uma explicação mecanicista completa. Esse tipo de explanação ou é superficial, pelo fato de que ambas as partes do próprio processo e a lógica causal que as interliga não estão especificados, ou são incompletas porque a lógica causal sobre o que é conectado está subentendida, exposta apenas como setas em um gráfico (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.). A escolha por este caminho é algo deliberado e está condicionado pelo tipo de pesquisa realizada. Porém, é importante reconhecer os limites e evitar afirmações de que foi traçado um mecanismo quando não há informações detalhadas acerca do que está sendo observado.

De qualquer forma, trabalhos seminais de RI chegaram a importantes resultados mesmo utilizando um Process Tracing na versão minimalista. É o caso dos primeiros trabalhos construtivistas já mencionados (Checkel, 2001CHECKEL, Jeffrey T. Why comply? Social learning and European identity change. International Organization, Cambridge, v. 55, n. 3, p. 553-588, 2001. ; Tannenwald, 1999TANNENWALD, Nina. The nuclear taboo: The United States and the normative basis of nuclear non-use. International Organization, Cambridge, v. 53, n. 3, p. 433-468, 1999. Disponível em: https://doi.org/10.1162/002081899550959. Acesso em: 22 maio 2024.
https://doi.org/https://doi.org/10.1162/...
). A abordagem minimalista torna-se uma estratégia metodológica fundamental para análises que buscam uma primeira dedução de teorias mais abstratas em mecanismos causais estruturados, em casos nos quais as teorias de médio alcance ainda não foram sistematicamente estruturadas em explicações mecanicistas, como por exemplo no caso do tabu nuclear (Tannenwald, 1999TANNENWALD, Nina. The nuclear taboo: The United States and the normative basis of nuclear non-use. International Organization, Cambridge, v. 53, n. 3, p. 433-468, 1999. Disponível em: https://doi.org/10.1162/002081899550959. Acesso em: 22 maio 2024.
https://doi.org/https://doi.org/10.1162/...
).

Nesse tipo minimalista, o pesquisador se engaja em uma espécie de exame de plausibilidade (plausibility probe). Há uma noção de que há mecanismos “empiricamente plausíveis, mas [que foram] elaborados insuficientemente para permitir testes empíricos e generalização para outros contextos” (Checkel, 2001CHECKEL, Jeffrey T. Why comply? Social learning and European identity change. International Organization, Cambridge, v. 55, n. 3, p. 553-588, 2001. , p. 557, tradução nossa). O mecanismo teorizado e testado traz uma primeira aproximação do processo causal, o qual poderá tornar-se ponto de partida para outros PT do tipo de teste de teoria que sejam sistemáticos, que tenham melhor acesso a evidências com maior grau de certeza e/ou unicidade (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.).

Evidências do tipo straw-in-the wind ou hoops são comumente encontradas nesse tipo de teorização mecanicista. A ideia é de que essas evidências, que individualmente teriam baixo grau de certeza e unicidade (no primeiro caso), ou pelo menos baixo grau de unicidade (no segundo), quando acumuladas, poderiam fortalecer a conclusão de que o mecanismo testado poderia estar operando no caso estudado. Mesmo que essa seja apenas uma primeira sistematização de um mecanismo que poderá posteriormente ser testado, quando houver evidências com maior nível de certeza e/ou unicidade (hoops e smoking-gun). A seguir, discutimos brevemente a operacionalização da teoria do Novo Liberalismo para, posteriormente, testá-la no caso.

O Novo Liberalismo: descrição e mecanismos

A teoria do Novo Liberalismo, proposta por Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., discorre sobre o impacto das relações socioestatais na atuação internacional dos países e sobre como a estruturação das preferências estabelecidas nessas relações importa. O autor elabora três premissas teóricas advindas de três variantes do Liberalismo (Ideacional, Comercial e Republicano), advogando que a tradição liberal é uma alternativa paradigmática empiricamente coerente e analiticamente mais fundamental do que as duas principais teorias dominantes nas RI, a saber, o Realismo e o Neoinstitucionalismo - ou neoliberalismo. Um dos motivos para isso seria a capacidade de explicar tanto o comportamento de Estados individuais (política externa), quanto de um conjunto de Estados (relações internacionais).

Assim, a premissa central deste Novo Liberalismo é que a relação entre os Estados e a sociedade civil doméstica e transnacional, na qual eles estão situados, molda criticamente o comportamento estatal, ao influenciar as preferências dos Estados. Isso pode ser reafirmado por meio de três outras premissas: (i) a primazia dos atores sociais; (ii) representação e preferências estatais; (iii) interdependência e o sistema internacional (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997.).

A primeira diz respeito ao fato de que, para os liberais, a política deve ser enxergada de baixo para cima (bottom-up), com as demandas dos indivíduos e grupos societais tendo prioridade analítica (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., p. 517). Logo, a ação política está inserida na sociedade civil doméstica e transnacional, compreendida pela variedade de atores racionais com interesses diferentes. Esses indivíduos definem seus interesses materiais e ideacionais de maneira independente e, dessa forma, buscam avançá-los por meio da troca política e da ação coletiva.

Nessa perspectiva, a definição dos interesses dos atores societais é um elemento central. Rejeita-se a noção utópica sobre a existência de uma harmonia automática de interesses entre os grupos e indivíduos, havendo níveis inevitáveis de competição causados pelas diferenças e escassez. Consequentemente, os incentivos para a troca e ação coletiva são explorados onde quer que eles estejam presentes. Quanto maior a expectativa de benefício, maior o incentivo para ação. Na busca por esses objetivos, os atores são avessos aos riscos - mas há aqueles que estão dispostos a aceitá-los ou a agir de maneira irracional (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997.).

A segunda premissa, por sua vez, está baseada na noção de que os Estados não são atores autônomos da política internacional. Pelo contrário, são instituições representativas que estão constantemente sujeitas à captura e recaptura, construção e reconstrução por coalizões de atores sociais. Seriam assim, uma espécie de cinto de transmissão, por meio do qual as preferências e o poder social de grupos e indivíduos são transformados em política estatal (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., p. 518). Ou seja, os atores internos recorrem ao Estado para que este alcance as metas que não podem ser obtidas de modo satisfatório por meio do comportamento privado; inclusive, quando necessário, adaptando sua estrutura institucional. A criação de instituições, tanto domésticas como internacionais, “seriam meios de interesse próprio de “travar”18 18 O termo original é lock-in. determinadas políticas domésticas preferidas - em casa e no exterior” - em face da incerteza política futura (Moravcsik, 2000MORAVCSIK, Andrew. The origins of human rights regimes: democratic delegation in postwar Europe. International Organization, Cambridge, v. 54, n. 2, p. 217-252, 2000., p. 226, tradução nossa).

Assim, a ação governamental é limitada pelas identidades, interesses e força dos entes domésticos, tanto os que estão dentro como os que estão fora do aparato estatal, os quais pressionam constantemente as autoridades para que elas tomem decisões que os beneficiem - se assemelhando, em certa medida, ao que também foi pensado por Putnam (2010)PUTNAM, Robert D. Diplomacia e política doméstica: a lógica dos jogos de dois níveis. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 18, n. 36, p. 147-174, jun. 2010. . Isso, no entanto, não significa que todos esses atores têm o mesmo nível de influência na formulação da política governamental, já que todo governo representa mais certos grupos e indivíduos do que outros. Sejam em democracias ou ditaduras, existem muitas instituições e práticas representativas, as quais privilegiam demandas particulares. Logo, a natureza de certas organizações, juntamente com os interesses societais, é um fator determinante para a atuação internacional do país (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., p. 518).

Nesse aspecto, Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997. faz uma distinção importante para este artigo, diferenciando “preferências estatais” de “políticas”, “táticas” e “estratégias nacionais”. O primeiro termo designa uma ordem entre os resultados substantivos que podem resultar da interação política internacional. O segundo diz respeito a posições de barganha temporárias, demandas de negociações ou objetivos políticos que constituem o dia a dia da política externa. Nesse sentido, as preferências estatais seriam causalmente independentes das estratégias de outros atores e, por isso, anteriores a interações políticas específicas entre Estados. Por outro lado, estratégias e táticas são opções de ação definidas diante de objetivos políticos intermediários (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., p. 519).

Por fim, a última premissa sustenta que a configuração de preferências estatais interdependentes determina o comportamento estatal. Na perspectiva liberal, os Estados precisam de um “propósito”, a percepção da existência de algum interesse na questão presente, a fim de entrar em conflito, cooperar ou tomar qualquer outra decisão importante em termos de política externa (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., p. 520).

É isso o que determina a política internacional, já que cada país busca alcançar suas preferências em meio a várias restrições impostas pelas preferências de outros, causando o que o autor chama de interdependência. O termo é usado para descrever uma série de custos e benefícios criados por sociedades estrangeiras quando os grupos sociais dominantes em um país tentam realizar seus interesses, ou seja, o padrão de externalidades transacionais resultante de tentativas de se alcançar propósitos nacionais distintos (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997.).

Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997. deixa claro ainda que esses três pressupostos, por si mesmos, não definem um único modelo ou conjunto de hipóteses, mas sim três variantes distintas do liberalismo: o Ideacional, o Comercial e o Republicano. Cada um deles sustentando elementos diferentes da teoria liberal: demandas sociais, os mecanismos causais que são transformados em preferências estatais, e o resultado do padrão das preferências nacionais na política internacional.

A primeira vertente considera a configuração das identidades sociais domésticas como o determinante primordial dos interesses estatais e, consequentemente, da cooperação e conflito internacional. O termo identidade social refere-se ao conjunto de preferências dos indivíduos quanto ao escopo adequado e à natureza da provisão dos bens públicos. Nesse aspecto, os principais elementos da ordem pública doméstica moldados por essa identidade são as fronteiras geográficas, os processos de tomada de decisões e a regulamentação socioeconômica. A política externa, portanto, será parcialmente motivada pela tentativa de lidar com essas questões. As consequências nas RI, porém, dependerão da natureza das externalidades transnacionais.

A segunda variante baseia-se nos padrões de incentivo dos mercados dados aos atores econômicos domésticos e transnacionais para explicar o comportamento individual e coletivo dos Estados (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997.).

Finalmente, a terceira corrente enfatiza as maneiras como as instituições e práticas domésticas agregam as demandas das identidades sociais e dos interesses econômicos, transformando-as em política de Estado. Portanto, a variável mais importante para o liberalismo republicano é a representação política doméstica, a qual determina quais preferências sociais são institucionalmente privilegiadas. Nesse aspecto, quando a representação política é enviesada em favor de certos grupos, ela tende a aparelhar as instituições governamentais e usá-las apenas para seus fins, transferindo sistematicamente os custos para outros segmentos. Assim, a política governamental é resultado direto dos grupos domésticos que são representados (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., p. 528). É principalmente essa variação do Novo Liberalismo - combinada em certa medida com a Ideacional - que será utilizada para explicar o mecanismo de atuação da USCIRF.

Operacionalização da teoria

O Process Tracing centrado em teoria é um método utilizado para analisar encadeamentos causais em estudos de caso cuidadosamente selecionados. Isso significa dizer que um caso é escolhido deliberadamente por sua importância, e porque já se sabe, a priori, suas causas (ou ao menos há correlações que indiquem essas causas) e seus resultados. Assim, é preciso explicitar a causa (C) e o resultado (O).19 19 Utilizaremos as letras derivadas do inglês, Cause (C) e Outcome (O) (Beach e Pedersen, 2019). Preferimos utilizar essas letras ao invés de X e Y, para que não seja confundida com variáveis, tendo em vista a ontologia diferenciada. O caso em questão tem como fim entender o processo que levou à institucionalização da USCIRF, porém, o resultado específico do caso a ser explorado é a aprovação do IRFA (O), já que ele é o ato normativo que institucionaliza a Comissão. A condição causal, por sua vez, é lobby de atores religiosos (C).

Para estruturar o caso, utilizaremos os passos trazidos por Ricks e Liu (2018)RICKS, Jacob I.; LIU, Amy H. Process-tracing research designs: a practical guide. PS: Political Science & Politics, Cambrigde, v. 51, n. 4, p. 842-846, out. 2018., tanto no artigo principal, como no material suplementar. Essa estrutura será complementada utilizando outras obras de PT, sobretudo Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019., para maior detalhamento e ajuste, como descrito na seção anterior.

Identificando hipóteses

Segundo Salleh (2011)SALLEH, Mohd Afandi. The Christian right and US foreign policy in the twenty-first century. 2011. Tese (Doutorado em Governo e Relações Internacionais) - The School of Government and International Affairs University of Durham, Reino Unido, 2011., o International Religious Freedom Act (IRFA) de 1998 foi aprovado graças a uma combinação de fatores. Dentre eles, a tradição americana de proteção à liberdade religiosa enquanto um direito humano inalienável e a ação dos ativistas da Direita Cristã20 20 De acordo com Marsden (2008, p. 3-5), o termo “Direita Cristã” pode ser empregado para descrever os católicos e evangélicos conservadores no Partido Republicano, cujas convicções religiosas determinam suas atitudes em relação a questões políticas. Esse grupo é constituído por organizações, políticos e apoiadores, unidos em oposição ao aborto, eutanásia, pesquisas com células-tronco, homossexualidade, casamento entre pessoas do mesmo sexo, secularismo e um grande papel do governo. O autor ressalta também a necessidade de distinguir a Direita Cristã da Direita Religiosa, como um todo, a qual inclui indivíduos pertencentes a um grande número de denominações cristãs, bem como membros de outras religiões, como judeus, hindus, muçulmanos e budistas que se encontram à direita no espectro político (Marsden, 2008). para a criação de um movimento pluralista de solidariedade aos cristãos e minorias religiosas perseguidas ao redor do mundo.

Acrescenta-se ainda a atuação da mídia evangélica, bem como de intelectuais públicos e figuras proeminentes do Partido Republicano. Isso levou à formação de um importante lobby organizado capaz de exercer grande pressão no Congresso. A influência foi suficiente para convencer o congressista da Virgínia, Frank Wolf, e o senador da Pennsylvania, Arlen Specter, a apresentar, em 1997, o chamado The Freedom from Persecution Act. Posteriormente conhecido como a Wolf-Specter Bill, o projeto de lei preparou o caminho para que fosse aprovado, com unanimidade, no ano seguinte, o IRFA (Salleh, 2011SALLEH, Mohd Afandi. The Christian right and US foreign policy in the twenty-first century. 2011. Tese (Doutorado em Governo e Relações Internacionais) - The School of Government and International Affairs University of Durham, Reino Unido, 2011., p. 219).

Essa descrição do processo de aprovação da lei e, por consequência, criação da USCIRF, é compartilhada por outros autores (Hertzke, 2006HERTZKE, Allen D. Freeing God’s children: the unlikely alliance for global human rights. Lanham, Md.: Rowman & Littlefield, 2006.). Além disso, se enquadram nos pressupostos do Novo Liberalismo de Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997.. Aparentemente, o que observamos é a primazia de atores sociais atuando no processo de formação das preferências estatais a fim de influenciar (estratégia) as respostas do país (política) frente aos desafios propostos pelo sistema internacional com a interdependência que o caracteriza. Diante disso, a hipótese - o seu mecanismo geral - seria a de que o IRFA foi aprovado apenas quando o lobby religioso evangélico, valendo-se de concepções ideacionais identitárias dos EUA (liberalismo ideacional), conseguiram ampliar o poder de barganha por meio da formação de coalizões (ampliação da representatividade) e ajustaram suas preferências para acomodar as demandas dos atores-chave resistentes (uso de estratégias e táticas).

Ricks e Liu (2018)RICKS, Jacob I.; LIU, Amy H. Process-tracing research designs: a practical guide. PS: Political Science & Politics, Cambrigde, v. 51, n. 4, p. 842-846, out. 2018. sugerem a elaboração de hipóteses alternativas. Contudo, ao fazer isso, a tendência é que se retire a atenção do foco central - que devem ser as possíveis causas para a ocorrência de um determinado resultado - e se tenha foco excessivo no mecanismo que estabeleceria a relação entre C e O (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019., p. 43). A sugestão desse procedimento pode ser, portanto, conflitante com os fundamentos epistemológicas que adotamos neste artigo (Beach; Kaas, 2020BEACH, Derek; KAAS, Jonas Gejl. The great divides: incommensurability, the impossibility of mixed-methodology, and what to do about it. International Studies Review, v. 22, n. 2, p. 214-235, jun. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1093/isr/viaa016. Acesso em: 22 maio 2024.
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
; Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.). Hipóteses alternativas podem ser elaboradas em situações muito específicas, quando os mecanismos da alternativa sejam perfeitamente excludentes do mecanismo da hipótese principal (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019., p. 41-42). Não vislumbramos tal hipótese nesse caso explorado, então evitamos colocá-la nesse artigo.21 21 Sobre como usar uma explicação alternativa, remetemos o leitor ao artigo de Tannenwald (1999).

Linha cronológica dos eventos

Como apresentado na seção metodológica, a linha cronológica de eventos é uma etapa inicial do processo, antes de se engajar na procura de evidências. Posteriormente, contudo, dado o caráter iterativo do PT, essa linha é ajustada, para que retrate melhor os eventos e ações, dando maior compreensão do caso (Ricks; Liu, 2018RICKS, Jacob I.; LIU, Amy H. Process-tracing research designs: a practical guide. PS: Political Science & Politics, Cambrigde, v. 51, n. 4, p. 842-846, out. 2018.).

Primeiro, os evangélicos tomaram ciência sobre a realidade da perseguição aos cristãos ao redor do mundo, especialmente nos países comunistas e de maioria muçulmana, e sentiram a necessidade de agir a fim de proteger os seus irmãos sofredores. Segundo, a fim de alcançarem esse objetivo, buscaram aliados de outras religiões, tornando a causa uma questão de liberdade religiosa como um todo. Terceiro, após a organização do lobby, a direita religiosa introduz no Congresso, em maio de 1997, o projeto de lei Wolf-Specter, porém não consegue convencer outros atores relevantes quanto à temática. Quarto, os proponentes de uma lei internacional de proteção à liberdade religiosa sugerem outro Projeto de Lei para o Senado em maio de 1998, o Nickles-Liberman. As negociações são bem-sucedidas e o IRFA é aprovado em outubro de 1998. Em suma teríamos a linha cronológica:

Figura 2.
Linha cronológica dos principais eventos

É importante lembrar que não é necessário apresentar a linha em um PT, ela serve para que o pesquisador tenha plena ciência da cronologia dos eventos, mapeando o sequenciamento das ações.

Construção do gráfico causal

Ricks e Liu (2018)RICKS, Jacob I.; LIU, Amy H. Process-tracing research designs: a practical guide. PS: Political Science & Politics, Cambrigde, v. 51, n. 4, p. 842-846, out. 2018. propõem apresentar um gráfico causal antes de se buscar evidência, baseados na cronologia de eventos. O gráfico que eles sugerem é significativamente minimalista, no qual as setas retratam eventos, mas as partes do mecanismo não são definidas. Como na Figura 3.

Figura 3.
Gráfico causal simplificado

Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019. têm uma visão diferente sobre a representação do mecanismo causal. O gráfico da Figura 3 é adequado para estudos bastante incipientes. Ele faz sentido se tomarmos a recomendação de Ricks e Liu (2018)RICKS, Jacob I.; LIU, Amy H. Process-tracing research designs: a practical guide. PS: Political Science & Politics, Cambrigde, v. 51, n. 4, p. 842-846, out. 2018. de que ele seja feito sem qualquer início de busca de evidências. Contudo, ele não detalha o mecanismo, ou, como Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019. afirma, ele deixa o mecanismo em uma caixa cinzenta (grey box), não “desempacotando-o” (unpacking). Porém, mesmo em trabalhos que adotam a versão minimalista, é possível apresentar o mecanismo causal de forma mais elaborada, nos quais os mecanismos são fragmentados em partes que contêm entidades e ações. O mecanismo elaborado foi feito no estudo de caso único aqui tratado, e é apresentado na tabela abaixo.

Tabela 2.
Mecanismo causal ajustado

O mecanismo causal da Tabela 2 está dividido em duas partes, seguindo níveis de abstração diferentes. Esse não é um procedimento usual no PT. Normalmente ou escolhe-se um pouco mais de abstração, para que o mecanismo possa ser testado em outros casos, ou ele é mais detalhista, buscando precisão no caso em questão.

Escolhemos retratar os dois como recurso para explicar a estruturação da teoria. A parte mais abstrata está sublinhada, ela busca oferecer um mecanismo sequencial com maior potencial para generalizações, baseado em Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997.. A entidade são os subgrupos nacionais, que praticam certas ações em sequência, para obter institucionalização de burocracia preferida. Na estrutura mais detalhada, as entidades centrais estão destacadas em negrito, enquanto que as ações estão destacadas em itálico. Essa segunda estrutura é a mais comumente trabalhada em PT do tipo teste de teoria. Há um maior nível de detalhamento, que implica maiores restrições quanto à capacidade de fazer generalizações, ainda que contingentes (Bennett, 2022BENNETT, Andrew. Drawing contingent generalizations from case studies. In: WIDNER, Jennifer; WOOLCOCK, Michael; ORTEGA NIETO, Daniel (orgs.). The case for case studies. 1. ed. New York, NY: Cambridge University Press, 2022. p. 62-86.). A seguir, tratamos cada parte de forma pormenorizada.

Parte 1. Nível abstrato: Subgrupo nacional tem preferências formadas. Como já abordado na seção teórica, Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997. entende que indivíduos socialmente distintos definem seus interesses materiais e ideacionais independentemente da política e só então buscam alcançá-los por meio da barganha e da ação coletiva. Nesse sentido, no nível detalhado do mecanismo, temos que os evangélicos americanos tomam conhecimento sobre a situação dos cristãos perseguidos ao redor do mundo. O processo de tomada de conhecimento é a dinâmica de formação de preferência, uma vez a preferência do grupo formada, ele busca estratégias, por meio de representatividade, de transformar os interesses do grupo em preferências estatais.

Parte 2. Nível abstrato: subgrupo nacional busca ampliar representatividade. Como já mencionado, para o Novo Liberalismo, as políticas governamentais são estabelecidas a depender do grupo doméstico com mais representatividade. A previsão da teoria é de que coalizões ou grupos com maior poder têm maiores chances de institucionalizar uma política preferida dentro do governo (Moravcsik, 1997MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., p. 530). Especificamente em termos de coalizão, quanto mais se agrega setores influentes no grupo geral, maior a capacidade de barganha para avançar interesses dentro da estrutura estatal. Nesse sentido, a segunda parte do mecanismo foca na atuação dos grupos evangélicos para conseguir aliados de outras religiões na luta pela promoção internacional da liberdade de crença.

Parte 3. Nível abstrato: subgrupo nacional adota estratégias para a promoção de interesses por via institucional. De acordo com Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., grupos influentes adotam estratégias específicas, como atores racionais que são, para avançar políticas preferidas dentro do Estado. No nível detalhado, a Direita evangélica escolhe a estratégia de apresentar projeto de lei como forma de institucionalizar a política preferida. Contudo, ela se depara com atores resistentes, que impedem o avanço do primeiro projeto.

Parte 4. Nível abstrato: subgrupo nacional depara-se com preferências divergentes de outros subgrupos. Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997. ressalta que grupos específicos, quando buscam avançar seus interesses, muitas vezes se deparam com ambições divergentes de outros grupos. No nível detalhado, a Direita evangélica depara-se com fortes pressões públicas por parte de representantes de lobbys econômicos, bem como de ativistas de Direitos Humanos e até mesmo de diplomatas do Departamento de Estado. Todos eles se opõem, por razões distintas, ao projeto de lei apresentado. Algumas razões, inclusive, estão relacionadas às pressões externas que, segundo Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., influenciam na formação das preferências. Um exemplo seria o temor dos diplomatas americanos de que, uma vez aprovada, a lei prejudicasse as relações com aliados importantes que violam a liberdade religiosa. Setores do lobby econômico teriam preocupações semelhantes.

Parte 5. Nível abstrato: subgrupo nacional ajusta estratégia para se adequar a preferências dos grupos resistentes. Em virtude da existência de ambições divergentes, por parte de outros, grupos, como destaca Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., com frequência, é necessário que grupos específicos, ao tentar alcançar seus objetivos, precisem barganhar com os grupos resistentes. No nível detalhado da parte 5, isso ocorre quando o grupo reavalia a estratégia, redesenhando o projeto de lei, com o intuito de sinalizar a setores específicos (como empresários, diplomatas e ativistas de direitos humanos) que a criação da Comissão não ameaçaria os objetivos mais amplos da política externa dos EUA. Em última análise, a hipótese dessa parte previa que a aprovação do IRFA só ocorreria quando alguns setores influentes fossem assegurados de que seus interesses econômicos não seriam afetados pelas ações de promoção da liberdade de crença.

É possível identificar que a construção do mecanismo surge da combinação entre a teoria mais geral do Novo Liberalismo de Moravcsik (1997)MORAVCSIK, Andrew. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics. International Organization, Cambridge, v. 51, n. 4, p. 513-553, 1997., com eventos identificados durante a primeira exploração do caso, e que são inicialmente estruturados na etapa anterior, durante a construção da linha cronológica. Essa adequação da teoria geral ao caso só é possível depois de se ter um olhar mais detalhado sobre o caso em si, fazendo ajuste entre a literatura específica sobre ele e a teoria. Em outras palavras, é preciso conhecer bem o caso antes de iniciar o PT. Conhecê-lo implica não apenas melhor entendimento sobre o mecanismo, mas também no que se refere às hipóteses sobre as partes e as evidências que se buscarão durante o Process Tracing.

Em relação ao caso em si, trabalhos acadêmicos, como o de Hertzke (2006)HERTZKE, Allen D. Freeing God’s children: the unlikely alliance for global human rights. Lanham, Md.: Rowman & Littlefield, 2006. e Salleh (2011)SALLEH, Mohd Afandi. The Christian right and US foreign policy in the twenty-first century. 2011. Tese (Doutorado em Governo e Relações Internacionais) - The School of Government and International Affairs University of Durham, Reino Unido, 2011., oferecem elementos empíricos para integrar o mecanismo. Mas é preciso conhecer bem a teoria e o que ela propõe como interação mecanicista para criar um mecanismo causal que possa ser testado.

Busca de evidências

Para verificar essas cinco partes do mecanismo, faz-se mister encontrar evidências que as sustentem. No caso da proposição inicial, espera-se encontrar documentos que atestem a difusão da causa dos cristãos perseguidos entre os evangélicos americanos, gerando comoção a ponto de eles se sentirem impelidos a fazer algo relevante quanto ao tema. Um exemplo disso poderia ser livros, sermões, programas televisivos, campanhas de oração etc.

Para verificar a segunda proposição, é preciso comprovar a existência de uma articulação entre lideranças evangélicas e de outras religiões para a defesa internacional da liberdade religiosa por meio da criação de leis nos EUA. Esses documentos poderiam ser entrevistas, artigos de opinião, registros de palestras e de eventos públicos, além, claro, de fontes secundárias, como obras acadêmicas sobre a atuação política da direita religiosa americana.

Em relação à terceira proposição, o caráter das evidências é parecido com o anterior. Espera-se encontrar registros, como debates no Congresso e no Senado em relação aos projetos de lei, que tragam opiniões públicas sobre o que viriam a se tornar o IRFA. Nesse sentido, uma evidência relevante já é o fato em si de que o projeto proposto inicialmente não foi aprovado.

Quanto à quarta proposição, busca-se principalmente por pronunciamentos públicos de pessoas ligadas a lobbies econômicos que seriam afetados pela aprovação da lei, bem como de diplomatas e ativistas de Direitos Humanos que se opuseram a ela. Isso pode estar registrado tanto em documentos oficiais que funcionem como atas das audiências públicas para a aprovação da lei, como também em entrevistas, artigos de opinião e fontes secundárias.

Por fim, em relação à quinta proposição, são necessárias, igualmente, evidências de que o lobby de promoção da liberdade religiosa foi capaz de convencer seus opositores, conseguindo o número de votos suficientes para a aprovação do IRFA. O ideal seria conduzir entrevistas com os congressistas e senadores, especialmente aqueles que tenham tido um posicionamento diferente quanto ao projeto de lei Wolf-Specter, em 1997, e o Nickles-Liberman, em 1998.

Prevendo a dificuldade de obter entrevistas com atores-chave, seria possível complementar com aquelas tornadas públicas na mídia durante o período de aprovação do IRFA. Optar por isso é algo que pode trazer tanto vantagens quanto desvantagens no processo de avaliação das evidências. A vantagem das entrevistas públicas dadas no contexto da formulação do IRFA diz muito sobre os interesses dos grupos envolvidos na situação a partir dos argumentos que eles utilizaram para defender suas ideias. Porém, podem ter ocultado outras motivações (baixa unicidade).

Como salientam Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019., o nível de confiança no mecanismo antes do seu teste determina se a pesquisa deve focar em buscar evidências confirmatórias (ou seja, previsões teoricamente únicas), ou contestadoras (previsões teoricamente certas). Se a confiança prévia for elevada, uma vez que apenas evidências favoráveis muito fortes poderão aumentar a confiança, tende a ser mais produtivo focar em evidências contrárias a fim de se obter novas informações. Por outro lado, caso a confiança seja menor, até mesmo evidências confirmatórias relativamente fracas são capazes de aumentar a crença na veracidade do mecanismo. O Process Tracing, portanto, funciona como um teste de probabilidade (Beach; Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019., p. 181).

Nesse sentido, no estudo de caso único aqui estruturado, como a confiança no mecanismo como um todo é baixa, um número ainda que pequeno de evidências confirmatórias já é suficiente para aumentar a insuspeição. Quanto às proposições específicas, são necessárias fortes evidências para aumentar a confidência nas duas primeiras e evidências fracas quanto à terceira. Tem-se essa percepção sobre a validade do mecanismo devido ao conhecimento inicial disponível sobre a criação da USCIRF na literatura acadêmica.

A fim de avaliar os dados empíricos encontrados, Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019. destacam alguns critérios que devem ser observados. É necessário, por exemplo, que as evidências encontradas possam ser somadas a fim de aumentar ou não o grau de confiança. Além disso, é preciso que sejam independentes e que corroborem umas às outras.

Para verificar isso de modo transparente e replicável, é importante, inicialmente, descrever quais os tipos de evidências que se espera encontrar caso o fenômeno funcione conforme estipulado. Elas devem ser classificadas em duas categorias referentes às contribuições que podem fazer quanto aos níveis de confiança: empiricamente únicas e empiricamente certas.

É possível aqui, a título de ilustração, elaborar um pouco mais a primeira parte do mecanismo. Essa parte, de maneira geral, trata da formação de preferências. Especificamente, ela define uma entidade: atores religiosos evangélicos; e uma ação: a tomada de conhecimento do sofrimento de outros cristãos ao redor do mundo. Diante disso, espera-se encontrar evidências que demonstrem que os casos de perseguição religiosa internacional realmente foram difundidos entre a maioria dos evangélicos estadunidenses e que isso os despertou algum tipo de ação. Evidências acessíveis, nesse sentido, seriam a existência de materiais informativos, como livros, filmes ou testemunhos. Contudo, são evidências de baixa certeza teórica.

Espera-se encontrar indícios de algum tipo de mobilização inicial relacionada à promoção da liberdade religiosa internacional com ênfase nos cristãos perseguidos. Sejam conferências, abaixo-assinados, reuniões de oração ou petições enviadas a políticos. Nessa categoria, é esperado que se encontre principalmente fontes secundárias, como livros e artigos científicos, já que a mera existência de materiais informativos sobre a perseguição internacional aos cristãos não é suficiente para inferir se eles tiveram o impacto teorizado ou não.

Conclusão

Este artigo buscou introduzir a aplicação do Process Tracing para testar teorias de Relações Internacionais (RI), usando como exemplo um estudo de caso. Para tanto, o trabalho seguiu três trajetória gerais.

Primeiro, forneceu-se uma visão ampliada sobre o próprio método, destacando elementos que o tornam adequado para estudos de caso visando entender causalidade mecanicista na Ciência Política e nas Relações Internacionais. Falou-se das diferentes abordagens trazidas na literatura, com foco no teste de teoria em sua versão minimalista.

Em seguida, explorou-se a estrutura da teoria aqui escrutinizada: a do Novo Liberalismo. O artigo procurou explicar a teoria de forma objetiva, ressaltando quais fatores causais teorizados eram relevantes para caso estudado. Especificamente, buscou-se, por meio de dedução de um mecanismo mais amplo, enquadrar a estrutura teórica para análise da institucionalização da USCIRF, a partir das informações prévias sobre o caso.

Finalmente, operacionalizou-se o caso, seguindo um passo-a-passo, centrando-se nas etapas que precedem o levantamento empírico. Descreveram-se detalhadamente todos os procedimentos em cada etapa que antecede a busca efetiva de evidências.

O artigo trouxe, especificamente, duas contribuições para trabalhos futuros. A primeira foi o próprio mecanismo teorizado, que pode ser usado em pesquisas futuras que busquem fazer teste de teoria sobre o processo de institucionalização da USCIRF. A segunda, e mais importante, é o oferecimento de roadmap para pesquisadores de Relações Internacionais que queiram aplicar o PT para testar o Novo Liberalismo em outros casos, mas sobretudo para os que queiram estruturar outras teorias da disciplina para realizar outros estudos utilizando o método.

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  • VAN EVERA, Stephen. Guide to methods for students of political science. Ithaca: Cornell University Press, 1997.
  • 4
    Neste trabalho, seguindo Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019., e por motivos detalhados mais adiante, preferimos o termo “condição” ao termo “variável” para tratar elementos causais em estudos de caso.
  • 5
    É importante ressaltar que tratamos PT como um método, não uma metodologia. Enquanto métodos seriam ferramentas e técnicas específicas, utilizadas por um determinado pesquisador, para entender o mundo social, a metodologia compreende um agrupamento de métodos que compartilha as mesmas bases, partindo de concepções epistemológicas e ontológicas comuns (Beach; Kaas, 2020BEACH, Derek; KAAS, Jonas Gejl. The great divides: incommensurability, the impossibility of mixed-methodology, and what to do about it. International Studies Review, v. 22, n. 2, p. 214-235, jun. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1093/isr/viaa016. Acesso em: 22 maio 2024.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
    , p. 215). Ademais, Beach e Kaas (2020)BEACH, Derek; KAAS, Jonas Gejl. The great divides: incommensurability, the impossibility of mixed-methodology, and what to do about it. International Studies Review, v. 22, n. 2, p. 214-235, jun. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1093/isr/viaa016. Acesso em: 22 maio 2024.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
    entendem que métodos compatíveis entre si apenas quando estão dentro do mesmo paradigma metodológico. Nesse sentido, PT, por partir de bases epistemológicas e metodológicas específicas, só seria compatível com métodos da mesma família (paradigma dos estudos de caso), não com outros de outra família (como os baseados em variância).
  • 6
    Doravante referida por sua sigla USCIRF, ou apenas por Comissão.
  • 7
    São exemplos de grupos reassentados em conformidade com recomendações da Comissão: sudaneses (2002-2010), iraquianos (2008), birmaneses (2014-2015), sírios (2014-2018), iranianos (2015-2020).
  • 8
    Por exemplo, em linha com recomendações da USCIRF, os EUA doaram 355 milhões de dólares para projetos de assistência aos deslocados forçados iraquianos (USCIRF, 2011USCIRF. Annual Report 2011. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.uscirf.gov/sites/default/files/2011%20Annual%20Report.pdf . Acesso em: 12 ago. 2022.
    https://www.uscirf.gov/sites/default/fil...
    , p. 94) e, posteriormente, entre 2014 e 2015, mais de 213.8 milhões de dólares (USCIRF, 2015USCIRF. Annual Report 2015. 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.uscirf.gov/sites/default/files/USCIRF%20Annual%20Report%202015%20%282%29.pdf . Acesso em: 25 maio 2017.
    http://www.uscirf.gov/sites/default/file...
    , p. 95, 98).
  • 9
    Veja, por exemplo, o estudo de Löblová, que mesmo não sendo um PT exaustivo do ponto de vista empírico, ainda assim traz importantes contribuições, por ser um estudo que investiga mecanismo pouco estudado (Löblová, 2018LÖBLOVÁ, Olga. When epistemic communities fail: exploring the mechanism of policy influence. Policy Studies Journal, v. 46, n. 1, p. 160-189, fev. 2018.).
  • 10
    Para mais sobre mecanismos causais, ver o livro editado por Beach e Pedersen (2016).
  • 11
    Como não é objetivo deste trabalho, também não entraremos nos detalhes acerca das diferenças de tratamento dos autores diversos.
  • 12
    A ideia de produtividade, nesse contexto, significa, grosso modo, que há uma conexão ininterrupta na trajetória que vai da causa ao resultado.
  • 13
    Na primeira versão do livro, eles dividem em apenas três, a quarta versão adicionada foi revisão de teoria (Beach; Pedersen, 2013BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2013.). Por serem mais sucintos na sua primeira edição, em alguns momentos deste artigo serão utilizados trechos dessa primeira edição.
  • 14
    Segundo os autores, “estudos de caso podem testar teorias dedutivas e sugerir novas variáveis que precisam ser incorporadas [à teoria]” (George; Bennett, 2005GEORGE, Alexander L.; BENNETT, Andrew. Case studies and theory development in the social sciences. Cambridge, Mass: MIT Press, 2005., p. 86).
  • 15
    Tecnicamente, partindo-se do pressuposto da lógica Bayesiana, nunca seria possível afirmar com 100% de certeza que a parte não encontrada não existe, já que dificilmente se poderia ter acesso a todas as evidências possíveis no caso. O que se utiliza é então uma linguagem específica, como a de substancial enfraquecimento nas chances de a parte teorizada existir. Cf. capítulo 5 de Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019..
  • 16
    Dado o limite de espaço, não aprofundaremos essas questões, de todo modo, remetemos o leitor ao capítulo 10 da obra organizada por Bennett e Checkel (2015)BENNETT, Andrew; CHECKEL, Jeffrey T. (orgs.). Process tracing: from metaphor to analytic tool. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 2015., o qual traz boas práticas acerca da coleta de evidências e outros aspectos.
  • 17
    Essa foi, em certa medida, a estratégia utilizada por Tannenwald (1999)TANNENWALD, Nina. The nuclear taboo: The United States and the normative basis of nuclear non-use. International Organization, Cambridge, v. 53, n. 3, p. 433-468, 1999. Disponível em: https://doi.org/10.1162/002081899550959. Acesso em: 22 maio 2024.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1162/...
    no seu estudo sobre tabu nuclear, no qual, alternativamente à teoria testada sobre o tabu, ela avaliou a plausibilidade ou não da explicação alternativa de dissuasão nuclear.
  • 18
    O termo original é lock-in.
  • 19
    Utilizaremos as letras derivadas do inglês, Cause (C) e Outcome (O) (Beach e Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods: foundations and guidelines. Second Edition. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2019.). Preferimos utilizar essas letras ao invés de X e Y, para que não seja confundida com variáveis, tendo em vista a ontologia diferenciada.
  • 20
    De acordo com Marsden (2008, p. 3-5)MARSDEN, Lee. For God’s sake: the Christian right and US foreign policy. Londres, Nova York: Zed Books, 2008., o termo “Direita Cristã” pode ser empregado para descrever os católicos e evangélicos conservadores no Partido Republicano, cujas convicções religiosas determinam suas atitudes em relação a questões políticas. Esse grupo é constituído por organizações, políticos e apoiadores, unidos em oposição ao aborto, eutanásia, pesquisas com células-tronco, homossexualidade, casamento entre pessoas do mesmo sexo, secularismo e um grande papel do governo. O autor ressalta também a necessidade de distinguir a Direita Cristã da Direita Religiosa, como um todo, a qual inclui indivíduos pertencentes a um grande número de denominações cristãs, bem como membros de outras religiões, como judeus, hindus, muçulmanos e budistas que se encontram à direita no espectro político (Marsden, 2008MARSDEN, Lee. For God’s sake: the Christian right and US foreign policy. Londres, Nova York: Zed Books, 2008.).
  • 21
    Sobre como usar uma explicação alternativa, remetemos o leitor ao artigo de Tannenwald (1999)TANNENWALD, Nina. The nuclear taboo: The United States and the normative basis of nuclear non-use. International Organization, Cambridge, v. 53, n. 3, p. 433-468, 1999. Disponível em: https://doi.org/10.1162/002081899550959. Acesso em: 22 maio 2024.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1162/...
    .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2023
  • Aceito
    23 Fev 2024
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