<i>Desmonte da Política de Assistência Social no Brasil pós 2016: uma tragédia anunciada</i>

O artigo analisa o processo de desmonte das políticas de assistência social no Brasil a partir de 2016 e com mais intensidade a partir de 2019, identificando as formas como tal desmonte se manifestou e as estratégias utilizadas. Foi realizada uma revisão bibliográfica e uma roda de conversa com três servidoras públicas federais atuantes no órgão gestor federal da política no período analisado. Os resultados apontam que o desmonte foi programático e, ao mesmo tempo, pautado por intenções de afetar sistemicamente a política. Foram utilizados os quatro tipos de estratégias de desmonte, observando que estas afetaram a política e suas ofertas, tanto em termos de densidade quanto de intensidade. Notam-se as consequências perversas do desmonte para a provisão dos serviços nos níveis municipais, em um contexto de agravamento da fome e das vulnerabilidades sociais.

Palavras chave:
desmonte de políticas públicas; assistência social; proteção social não contributiva; vulnerabilidades; pobreza

Autoria

Carla Bronzo

Pesquisadora e Docente da graduação e do Programa de Mestrado em Administração Pública da Escola de Governo Prof. Paulo Neves de Carvalho, da Fundação João Pinheiro, Minas Gerais, Brasil E-mail: carla.bronzo@fjp.mg.gov.brFundação João PinheiroBrasilMinas Gerais, Brasil Pesquisadora e Docente da graduação e do Programa de Mestrado em Administração Pública da Escola de Governo Prof. Paulo Neves de Carvalho, da Fundação João Pinheiro, Minas Gerais, Brasil E-mail: carla.bronzo@fjp.mg.gov.br

https://orcid.org/0000-0001-7585-3655

Edgilson Tavares de Araújo

Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia/ Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Gestão Social, Bahia, Brasil. E-mail: edgilson.araujo@mds.gov.brUniversidade Federal da BahiaBrasilBahia, Brasil Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia/ Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Gestão Social, Bahia, Brasil. E-mail: edgilson.araujo@mds.gov.br

https://orcid.org/0000-0002-2145-8796

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Tabelas

Tabelas (4)

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Quadro 1.
Tipos de contenção, de Pierson

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Quadro 2.
Dimensões do desmonte, por Bauer et al.

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Quadro 3.
Estratégias do desmonte, por Bauer et al.

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Quadro 04.
Síntese das ações de contenção e desmonte da política de assistência social nos governos Temer e Bolsonaro, a partir das categorias teóricas.

Quadro 1. Tipos de contenção, de Pierson

Tipos de contenção	Programática	- Redução de despesas no curto prazo, com cortes de benefícios ou na sua duração
Tipos de contenção	Sistêmica	Mudanças nas regras fiscais, desfinanciamento Mudança da opinião pública (valores de mérito, escolha individual etc.) Alteração de regras e estruturas institucionais Enfraquecimento dos grupos sociais de suporte e legitimação

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de Jensen, Wenzelburger e Zohlnhöfer (2019)JENSEN, Carsten; WENZELBURGER, Georg; ZOHLNHÖFER, Reimut. Dismantling the Welfare State? after twenty-five years: what have we learned and what should we learn? Journal of European Social Policy, v. 29, n. 5, p. 681- 691, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0958928719877363. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/... .

Quadro 2. Dimensões do desmonte, por Bauer et al.

Dimensões do desmonte	Densidade	Política: redução ou extinção de programas Instrumentos: mudanças nos instrumentos da política
Dimensões do desmonte	Intensidade	Substantiva: redução de benefícios ou alcance do público-alvo Formal: mudanças nas capacidades administrativas e operacionais

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de Bauer et al. (2012)BAUER, Michael W.; JORDAN, Andrew; GREEN-PEDERSEN, Christoffer; HÉRITIER, Adrienne (orgs.). Dismantling public policy: preferences, strategies, and effects. Oxford: Oxford University Press, 2012..

Quadro 3. Estratégias do desmonte, por Bauer et al.

Estratégias de desmonte	Decisão	Visibilidade
Estratégias de desmonte	Explícito	Não explícito
Ativa	Desmonte ativo	Desmonte por mudança de arena
Não ativa	Desmonte simbólico	Desmonte por omissão

Fonte: elaborada pelos autores a partir de Bauer et al. (2012BAUER, Michael W.; JORDAN, Andrew; GREEN-PEDERSEN, Christoffer; HÉRITIER, Adrienne (orgs.). Dismantling public policy: preferences, strategies, and effects. Oxford: Oxford University Press, 2012.).

Quadro 04. Síntese das ações de contenção e desmonte da política de assistência social nos governos Temer e Bolsonaro, a partir das categorias teóricas.

Tipos de contenção	Programática	“Redução de despesas no curto prazo, com cortes de benefícios ou na sua duração”: redução drástica dos recursos orçamentários; descontinuidade dos repasses financeiros para os entes federativos; mudanças institucionais que expressam esvaziamento da pauta da assistência no governo; falta de investimentos para manutenção e expansão dos serviços socioassistenciais.
Tipos de contenção	Sistêmica	“Ataque aos fundamentos do sistema de bem-estar, com efeitos mais no longo prazo”: Emenda Constitucional nº 95; Portaria nº 2.362/2019 que altera forma de financiamento da política; desmobilização das instâncias de pactuação e de controle social (CIT e CNAS). “Mudanças nas regras fiscais, mudança da opinião pública, alteração de regras e estruturas institucionais, enfraquecimento dos grupos sociais”: vocalização, por parte do presidente, de uma visão assistencialista e populista do PBF, deslegitimando o programa; tentativa de desmobilização das instâncias e formas de participação do SUAS (Fóruns Gestores, CIT, CNAS...).
Dimensões do desmonte	Densidade	“Política: redução ou extinção de programas”: desfinanciamento do SUAS; alteração do PBF para Auxílio Brasil; tentativa de restrição ao acesso (BF, BPC). “Instrumentos: mudanças nos instrumentos da política”: Portaria nº 2.362/2019 que altera forma de financiamento da política; Operação Pente Fino; alteração da inserção institucional do Cadastro Único; criação do Programa Criança Feliz, sequestrando recursos que deveriam ser alocados no SUAS.
Dimensões do desmonte	Intensidade	“Substantiva: redução de benefícios ou alcance do público alvo”: mudanças nos critérios de elegibilidade do BPC. “Formal: mudanças em capacidades administrativas e operacionais”: alteração ministerial, com junção de políticas; alteração gestão Cadastro Único; esvaziamento de recursos humanos, com estratégias de assédio e cooptação.
Estratégias do desmonte	Omissão	“Desajustes entre instrumentos da política”: esvaziamento das instâncias de pactuação interfederativa (CIT) e de controle social (CNAS), colocando-as à margem do debate e das decisões sobre a política; não consideração do Plano Decenal para planejamento; apagamento da SAGI e da Vigilância Socioassistencial.
	Simbólico	“Intenção de desmonte, sem efetivar”: Tentativa de enquadrar a assistência na lógica assistencialista (voluntariado e primeiro damismo); mudança do PBF para Auxílio Brasil, com fragmentação de benefícios, perspectiva fiscalista e meritocrática.
	Ativo	“Interesse real em extinguir e enfraquecer programas (tanto em densidade quanto em intensidade)”: EC 95; cortes radicais no orçamento da assistência, desde 2017; redução recursos para Bolsa Família e crescimento na fila de espera do Programa; reorganização da forma de financiamento da política, reduzindo fluxo recursos para estados e municípios; extinção de instâncias de participação social; desconvocação da Conferência Nacional; redução recursos para BPC e piora na provisão (tempo de espera e número de requerimentos aguardando perícia); esvaziamento do quadro de servidores e do espaço físico da Secretaria Nacional de Assistência Social; uso Cadastro Único para redução do acesso (Operação Pente Fino) e criminalização dos pobres; queda na qualidade do Cadastro e do acompanhamento de condicionalidades; criação do Auxílio Brasil em substituição ao PBF.
	Mudança de arena	“Altera agências responsáveis / enfraquecimento capacidades administrativas”: Lei nº 14.018/2020, que desvinculou recursos para ILPIs do Ministério da Cidadania, passando sua vinculação ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos; alterações no ministério, com junção de outras políticas (esporte e cultura); mudança na gestão do Cadastro Único (desvinculado da SENARC); alteração do lócus do Cadastro na estrutura do Ministério da Cidadania.

Fonte: elaborada pelos autores.

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