Resumos
O N é o nutriente requerido em maior quantidade pelas culturas agrícolas em geral e, normalmente, é o maior limitante de seu rendimento. Neste estudo, objetivou-se avaliar o efeito de sistemas de culturas no estoque de N total do solo e na disponibilidade deste nutriente. O estudo foi desenvolvido em um experimento de longa duração (22 anos), em um Argissolo Vermelho distrófico típico localizado na Estação Experimental Agronômica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (30 ° 50 ' 52 '' sul e 51 ° 38 ' 08 '' oeste), em Eldorado do Sul, RS. Este experimento iniciou-se em 1983 e está sendo realizado desde sua implantação sob sistema plantio direto, com dez sistemas de culturas (solo descoberto, pousio/milho, aveia/milho, pangola, aveia + ervilhaca/milho com solo corrigido e revolvido até 70 cm em 1992, aveia + ervilhaca/milho, aveia + ervilhaca/milho + caupi, guandu + lablabe, lablabe + milho e guandu + milho) e duas doses de N (0 e 180 kg ha-1) aplicadas no milho. Foram avaliados os estoques de N total do solo na camada de 0-20 cm em 2005 e estimadas as quantidades de N fixadas pelas leguminosas e perdidas do adubo nitrogenado mineral em 22 anos. Adicionalmente, foi avaliado o N acumulado pela aveia cultivada em sucessão ao milho em 2006. O estoque de N total, que era de 3.040 kg ha-1 em 1983, variou em 2005 de 2.500 a 4.800 kg ha-1, sendo os maiores estoques encontrados nos sistemas com leguminosas e adubação nitrogenada. A quantidade estimada de N fixado pelas leguminosas variou de 800 a 1.980 kg ha-1 e, na média, 48 % do N mineral aplicado no milho (3.180 kg ha-1) foi perdido do sistema solo-planta. Os maiores estoques de N total refletiram-se nas maiores quantidades de N acumulado pela aveia que variaram de 17 a 100 kg ha-1.
sistemas de culturas; leguminosas; plantio direto; plantas de cobertura
Nitrogen is the nutrient required in the largest quantity by plants and is generally the most limiting nutrient for crop yield. The objective of this research was to evaluate the effect of cropping systems on N accumulation and availability in the soil. A long-term experiment (22 years) was conducted on a Paleudult soil at an experimental station of the Federal University of Rio Grande do Sul (30 º 50 ' 52 '' S and 51 º 38 ' 08 '' W), in Eldorado do Sul, Brazil, established in 1983. The experiment consisted of ten no-till cropping systems (bare soil, fallow/maize, oat/maize, Digitaria, oat + vetch/maize limed and mobilized to a depth of 70 cm in 1992, oat + vetch/maize, oat+vetch/maize+cowpea, pigeon pea+lablab, lablab+maize, pigeon pea+maize,) and two N rates applied to maize as urea (0 and 180 kg ha-1). Soil was sampled in 2005 from the 0-20 cm layer and N stocks were determined. The amounts of biologically fixed N by legumes and N lost from fertilizer (urea) in 22 years were estimated. The N uptake by oat grown in succession to maize in 2006 was also evaluated. The N stock amounted to 3,040 kg ha-1 in 1983 and ranged from 2,500 to 4,800 kg ha-1 in 2005. The legume-based cropping systems resulted in the highest N stocks. Biological N fixation ranged from 800 to 1,980 kg ha-1, and on average 48 % of 3,180 kg ha-1 of N applied to maize was lost from the soil-plant system. The greatest N stocks in soil under legume-based systems resulted in the greatest oat N uptake, which ranged from 17 to 100 kg N ha-1.
cropping systems; legumes; no-tillage; cover crops
SEÇÃO VI - MANEJO E CONSERVAÇÃO DO SOLO E DA ÁGUA
Estoque e disponibilidade de nitrogênio no solo em experimento de longa duração(1 (1 ) Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor. )
Soil nitrogen stock and availability in a long-term experiment
Mirla Andrade WeberI; João MielniczukII
IDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Av. Bento Gonçalves 7712, Caixa Postal 776, CEP 91540-000 Porto Alegre (RS). E-mail: alrimbr@yahoo.com.br
IIProfessor do Departamento de Solos, UFRGS. Bolsista CNPq. E.mail: 00002273@ufrgs.br
RESUMO
O N é o nutriente requerido em maior quantidade pelas culturas agrícolas em geral e, normalmente, é o maior limitante de seu rendimento. Neste estudo, objetivou-se avaliar o efeito de sistemas de culturas no estoque de N total do solo e na disponibilidade deste nutriente. O estudo foi desenvolvido em um experimento de longa duração (22 anos), em um Argissolo Vermelho distrófico típico localizado na Estação Experimental Agronômica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (30 ° 50 ' 52 '' sul e 51 ° 38 ' 08 '' oeste), em Eldorado do Sul, RS. Este experimento iniciou-se em 1983 e está sendo realizado desde sua implantação sob sistema plantio direto, com dez sistemas de culturas (solo descoberto, pousio/milho, aveia/milho, pangola, aveia + ervilhaca/milho com solo corrigido e revolvido até 70 cm em 1992, aveia + ervilhaca/milho, aveia + ervilhaca/milho + caupi, guandu + lablabe, lablabe + milho e guandu + milho) e duas doses de N (0 e 180 kg ha-1) aplicadas no milho. Foram avaliados os estoques de N total do solo na camada de 0-20 cm em 2005 e estimadas as quantidades de N fixadas pelas leguminosas e perdidas do adubo nitrogenado mineral em 22 anos. Adicionalmente, foi avaliado o N acumulado pela aveia cultivada em sucessão ao milho em 2006. O estoque de N total, que era de 3.040 kg ha-1 em 1983, variou em 2005 de 2.500 a 4.800 kg ha-1, sendo os maiores estoques encontrados nos sistemas com leguminosas e adubação nitrogenada. A quantidade estimada de N fixado pelas leguminosas variou de 800 a 1.980 kg ha-1 e, na média, 48 % do N mineral aplicado no milho (3.180 kg ha-1) foi perdido do sistema solo-planta. Os maiores estoques de N total refletiram-se nas maiores quantidades de N acumulado pela aveia que variaram de 17 a 100 kg ha-1.
Termos para indexação: sistemas de culturas, leguminosas, plantio direto, plantas de cobertura.
SUMMARY
Nitrogen is the nutrient required in the largest quantity by plants and is generally the most limiting nutrient for crop yield. The objective of this research was to evaluate the effect of cropping systems on N accumulation and availability in the soil. A long-term experiment (22 years) was conducted on a Paleudult soil at an experimental station of the Federal University of Rio Grande do Sul (30 º 50 ' 52 '' S and 51 º 38 ' 08 '' W), in Eldorado do Sul, Brazil, established in 1983. The experiment consisted of ten no-till cropping systems (bare soil, fallow/maize, oat/maize, Digitaria, oat + vetch/maize limed and mobilized to a depth of 70 cm in 1992, oat + vetch/maize, oat+vetch/maize+cowpea, pigeon pea+lablab, lablab+maize, pigeon pea+maize,) and two N rates applied to maize as urea (0 and 180 kg ha-1). Soil was sampled in 2005 from the 0-20 cm layer and N stocks were determined. The amounts of biologically fixed N by legumes and N lost from fertilizer (urea) in 22 years were estimated. The N uptake by oat grown in succession to maize in 2006 was also evaluated. The N stock amounted to 3,040 kg ha-1 in 1983 and ranged from 2,500 to 4,800 kg ha-1 in 2005. The legume-based cropping systems resulted in the highest N stocks. Biological N fixation ranged from 800 to 1,980 kg ha-1, and on average 48 % of 3,180 kg ha-1 of N applied to maize was lost from the soil-plant system. The greatest N stocks in soil under legume-based systems resulted in the greatest oat N uptake, which ranged from 17 to 100 kg N ha-1.
Index terms: cropping systems, legumes, no-tillage, cover crops.
INTRODUÇÃO
A matéria orgânica do solo (MOS) constitui a principal fonte de N para as plantas. Entretanto, ela não consegue atender a alta demanda de N pelas culturas comerciais, principalmente em solos degradados, onde o baixo conteúdo de MOS torna a disponibilidade de N ainda menor. Por essa razão, a adição de fertilizantes nitrogenados minerais ou a utilização de leguminosas torna-se necessária para aumentar a disponibilidade de N em agroecossistemas (Peoples et al., 1995).
As leguminosas destacam-se como plantas de cobertura ou adubos verdes pela redução da erosão do solo, conservação da água no solo e reciclagem de nutrientes. Porém, o grande benefício do cultivo de leguminosas no aumento do rendimento das culturas tem sido atribuído ao aumento da disponibilidade de N às culturas cultivadas em sucessão (Fugita et al., 1992; Da Ros & Aita, 1996; Rao & Mathuva, 2000; Aita et al., 2001), permitindo a redução dos custos com fertilizantes nitrogenados minerais (Bohlool et al., 1992) e dos impactos ambientais gerados pela produção industrial desses fertilizantes, o que envolve alto consumo de combustíveis fósseis, com significativa emissão de gases para a atmosfera (Amado et al., 2001; Zanatta et al., 2007). A utilização de leguminosas em sistemas de culturas associada ao sistema plantio direto também contribui para o aumento dos estoques de N total do solo (Poudel et al., 2001; Diekow et al., 2005) como resultado da maior entrada de N no solo pela fixação biológica realizada pelas leguminosas somada à menor taxa de mineralização do N orgânico em sistema plantio direto (Bayer & Mielniczuk, 1997; Lovato et al., 2004), podendo recuperar a capacidade de fornecimento de N pelo solo às culturas. Sainju et al. (2002) encontraram, após três anos, acúmulo de 430 kg ha-1 até 20 cm de profundidade no estoque de N total do solo com a utilização de ervilhaca e tomate em sistema plantio direto. Já no mesmo sistema, porém sem leguminosas, houve queda de 250 kg ha-1 de N.
Como observado em estudos anteriores, o acúmulo de N total no solo ocorre lentamente. Por isso, para a observação do impacto de práticas de manejo, como a utilização de sistemas de culturas, sobre a disponibilidade e acúmulo de N no solo são necessários experimentos de longa duração.
Diante do exposto, este estudo teve como objetivo avaliar o efeito do uso de diferentes sistemas de culturas de gramíneas e leguminosas sobre a disponibilidade e estoque de N no solo e o rendimento de grãos de milho em um experimento realizado por 22 anos, em um Argissolo Vermelho distrófico típico, em condições edafoclimáticas da região da Depressão Central do Rio Grande do Sul. Além disso, objetivou-se estimar a quantidade de N exportada pela colheita de grãos, a fixada pelas leguminosas e a perdida do adubo mineral aplicado no milho nesse período.
MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo foi desenvolvido em um experimento de longa duração instalado em 1983 num Argissolo Vermelho distrófico típico (Embrapa, 1999), que se encontrava degradado pelo cultivo de colza e girassol em preparo convencional (Medeiros, 1985), localizado na Estação Experimental Agronômica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (30 ° 50 ' 52 '' sul e 51 ° 38 ' 08 '' oeste), no município de Eldorado do Sul, na região da Depressão Central do RS, a uma altitude média de 46 m. O clima predominante é o subtropical úmido de verão quente do tipo fundamental Cfa, conforme a classificação de Köppen (Moreno, 1961). O delineamento experimental foi de blocos casualizados, com parcelas subdividas e três repetições. Nas parcelas principais, de 8 x 5 m, foram cultivados dez sistemas de culturas em semeadura direta (Quadro 1) e, nas subparcelas, de 4 x 5 m, foram aplicadas duas doses de N na forma de uréia na cultura do milho. As doses de N constituíram-se de 0 e 120 kg ha-1 de 1983 a 1993 e, a partir de 1994, a dose de 120 foi elevada para 180 kg ha-1, totalizando 3.180 kg ha-1 de N aplicados na cultura do milho nos sistemas P/M, A/M, A+V/M, A+V/M+C, G+M e LL+M (Quadro 1). Nos sistemas G+LL, Pan e Desc foi cultivado milho nas safras 1988/1989, 1993/1994, 1995/1996 e 1996/1997, os quais receberam N mineral apenas nesses anos. Já no sistema A+V/M rev, o milho foi cultivado a partir da safra 1988/1989, recebendo aplicação de N a partir desta data. Durante o desenvolvimento da cultura do milho, foram realizadas irrigações.
Em 2005 foram coletadas amostras de solo nas profundidades de 0-10 e 10-20 cm em todas as parcelas. O solo amostrado foi submetido à análise de N total, segundo Tedesco et al. (1995). Os estoques de N total foram calculados utilizando o método da massa equivalente (Bayer, 2003), tendo como referência as densidades do solo obtidas em campo nativo adjacente ao experimento, 1,54 e 1,63 Mg m-3 para as camadas de 0-10 cm e 10-20 cm, respectivamente (Lovato, 2001). Este método foi escolhido para se evitar a superestimativa do acúmulo de N total nos tratamentos com maior densidade. Neste método de cálculo, a massa de solo do campo nativo, obtida por meio de sua densidade de solo nas camadas de 0-10 e de 10-20 cm de profundidade, é considerada como referência, sendo denominada massa equivalente. A partir da massa equivalente e das densidades de solo das camadas de cada tratamento não referência, obtidas neste experimento por Bayer (1996), calcularam-se as espessuras das camadas de solo requeridas para atingir uma massa equivalente à massa de solo do sistema de referência, objetivando igualar as massas de solo de cada tratamento. Detalhes do procedimento de cálculo desse método encontram-se em Ellert & Bettany (1995). O estoque inicial do solo, 3.040 kg ha-1 de N na camada 0-20 cm (Lovato, 2001), foi utilizado para calcular a variação no estoque em 22 anos.
A partir dos dados de rendimento de grãos de milho das safras de 1984/1985 a 2004/2005 (Weber, 2008), exceto nos sistemas G+LL, Pan e Desc, foram estimadas as quantidades de N exportadas pela colheita dos grãos de milho em todo o período experimental por meio de um valor médio obtido por dois métodos. O primeiro método estimou o N exportado pela colheita de grãos por meio da equação apresentada por Lovato (2001):
em que é a quantidade de N absorvido pelos grãos de milho até a maturação fisiológica, que foi exportada pela colheita, em kg ha-1, e x é o rendimento de grãos de milho, em Mg ha-1.
Já no segundo método, utilizaram-se as concentrações de N no grão do milho de cada tratamento, no momento da colheita da safra 2005/2006 (Weber, 2008), para estimar a quantidade de N exportado pelas safras anteriores.
Para se estimar o N fixado pelas leguminosas e o N perdido do adubo mineral em todo o período experimental, primeiramente estimou-se a quantidade de N exportado absorvida da camada abaixo de 20 cm, nos tratamentos A/M e P/M sem adubação nitrogenada mineral, pois nesses tratamentos a quantidade de N exportada pelos grãos foi maior do que o decréscimo do estoque de N total na camada de 0-20 cm em 22 anos. Para este cálculo, utilizou-se a seguinte equação:
em que N+20cm é o N exportado pelos grãos que foi absorvido abaixo de 20 cm, em kg ha-1; Nexp é o N total exportado pelos grãos, em kg ha-1; e ΔNT é a variação no estoque de N total, em kg ha-1, calculada da seguinte maneira:
em que NT2005 é o estoque de N total até 20 cm em 2005, em kg ha-1, e NT1983 é o estoque de N total até 20 cm em 1983, em kg ha-1.
Posteriormente, foram estimadas as quantidades de N fixado pelas leguminosas nos tratamentos A+V/M rev, A+V/M, A+V/M+C, G+M e LL+M sem adubação nitrogenada mineral e as perdidas do adubo mineral aplicado no milho nos tratamentos A/M e P/M. Para isso, foram realizados os seguintes cálculos:
em que Nfix é a quantidade de N fixada pelas leguminosas em kg ha-1; Nperd é a quantidade de N que foi perdida do adubo nitrogenado aplicado no milho, em kg ha-1; e Napl é a quantidade de N que foi aplicada na cultura do milho (3.180 kg ha-1). Essas quantidades são referentes a todo o período experimental.
O N+20cm obtido nos tratamentos P/M e A/M sem adição de adubação nitrogenada mineral foi de 200 kg ha-1, quantidade referente a 21 colheitas de grãos ocorridas nesses dois sistemas. Este valor de N+20cm, 200 kg ha-1, foi utilizado para se estimar o N fixado pelos sistemas A+V/M e A+V/M+C, conforme a equação 4. Entretanto, nos sistemas A+V/M rev, G+M e LL+M, por terem ocorrido 15, 16 e 19 colheitas, respectivamente, e não 21 como nos sistemas P/M e A/M, foram utilizados os valores de 140, 150 e 180 kg ha-1, respectivamente, proporcionais ao número de colheitas, como a quantidade de N exportado pelos grãos proveniente da camada abaixo dos 20 cm de profundidade, para se estimar a quantidade de N fixada pelas leguminosas desses três sistemas. O menor número de safras dos tratamentos G+M e LL+M deve-se a problemas de desenvolvimento da cultura do milho em alguns anos que acarretaram na ausência de colheita de grãos. Para estimar as perdas de N do fertilizante aplicado no milho também foi utilizado o valor de 200 kg ha-1 como a quantidade de N exportada proveniente da camada abaixo dos 20 cm de profundidade (Equação 5).
O efeito residual dos diferentes sistemas de culturas na disponibilidade de N foi avaliado por meio da quantidade de N que foi reciclada pela parte aérea da aveia-preta cultivada em sucessão ao milho da safra 2005/2006 nas parcelas de todos os tratamentos sem histórico de aplicação de adubo nitrogenado mineral na cultura do milho. A aveia foi coletada numa área de 0,5 m2 em setembro de 2006, quando se encontrava no final do florescimento. A concentração de N no tecido da aveia foi determinada pelo método de Tedesco et al. (1995) e a absorção de N pela biomassa da parte aérea da aveia calculada em kg ha-1.
O efeito dos diferentes sistemas de culturas e doses de N sobre os estoques de N total no solo tiveram sua significância avaliada pela análise de variância e a diferença entre médias de tratamentos foi obtida pelo teste de Tukey a 5 %, para os sistemas de culturas, e a 10 % para as doses de N dentro de cada sistema de cultura. Para a equação de regressão, o coeficiente de determinação teve sua significância testada pelo teste F a 1 %. Em relação ao rendimento de grãos de milho, média de todas as safras, os tratamentos tiveram sua significância avaliada pela análise de variância e a diferenças entre médias pelo teste de Tukey a 5 %. Para esta análise, os anos foram considerados como repetições, pois, como se trata de um experimento de longa duração (22 anos), em alguns anos não se dispõe de repetições, mas apenas médias de cada tratamento. Para a análise estatística dos dados foi utilizado o programa computacional SANEST (Zonta & Machado, 1984).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
N exportado pela colheita de milho e rendimento de grãos
Diferenças significativas foram observadas entre os sistemas de culturas e as doses de N no rendimento médio de grãos de milho, sendo observada interação entre os dois fatores. Na ausência de adubação nitrogenada mineral, os sistemas com leguminosas apresentaram maiores rendimentos de grãos na média do período 1984-2005 (Figura 1a). Com a aplicação de adubação nitrogenada mineral na cultura do milho, houve aumento no rendimento de grão. Entretanto, nesta situação não houve diferença estatística entre os sistemas de culturas no rendimento de grãos. O sistema A+V/M rev, em ambas as doses de N, foi o sistema que apresentou tendência clara de maior rendimento de grãos. Nesse sistema, o revolvimento do solo até 70 cm de profundidade em 1992, somado à calagem e à adição de P, proporcionou melhorias nas condições do solo no ambiente radicular, determinando que a cultura do milho expressasse melhor seu potencial produtivo (Fernandes, 1998).
A colheita dos grãos de milho determinou que parte do N que entrou no sistema solo-planta, por fixação biológica de N2 (FBN) ou adubação mineral, fosse exportada (Figura 1b). À semelhança dos rendimentos de grãos, as maiores exportações aconteceram nos sistemas com maior disponibilidade de N, com leguminosas e, ou, adubação nitrogenada mineral. Nos sistemas A/M e P/M sem adubação nitrogenada, houve exportação de mais de 400 kg ha-1 de N em todo o período experimental, N este proveniente exclusivamente do estoque de N total do solo. Já nos sistemas A/M, P/M, A+V/M e A+V/M+C com adubação nitrogenada, a exportação chegou a ultrapassar 1.800 kg ha-1 de N, proveniente do solo e do adubo nos dois primeiros e nos demais das três fontes: solo, adubo mineral e FBN.
Estoques de N total
Os sistemas de culturas e as doses de N aplicadas determinaram diferenças significativas nos estoques de N total em 2005, não sendo observada interação significativa entre esses dois fatores (Figura 2). Houve acúmulo de N total nos sistemas com leguminosas em relação ao início do experimento, resultado da adição de N por esses sistemas via FBN realizada pelas leguminosas.
A adição de N pelas leguminosas nestes sistemas é observada na maior quantidade de N acumulado pela biomassa das culturas de inverno e verão desses sistemas em relação àqueles constituídos apenas por gramíneas. Burle et al. (1997) encontraram quantidades de N acumulado pelas culturas de inverno e verão de 53, 143 e 234 kg ha-1 ano-1 , média dos 10 primeiros anos do experimento deste estudo, respectivamente, para os sistemas constituídos apenas por gramíneas, com leguminosas de inverno e com leguminosas de verão, todos sem adubação nitrogenada mineral. A diferença entre essas quantidades foi atribuída à FBN realizada pelas leguminosas, observando-se maior destaque para as leguminosas de ciclo estival. A adição de N pela FBN nestes sistemas também pode ser observada por meio da maior produção de biomassa vegetal desses sistemas, como observado por Vieira (2007), que encontrou adições de C pela biomassa vegetal dos sistemas com leguminosas de 6,56 Mg ha-1 ano-1 contra 3,60 Mg ha-1 ano-1 dos sistemas constituídos apenas por gramíneas, na média dos 19 anos deste experimento. Mais adições de N pelas culturas resultaram em mais acúmulo de N total no solo em sistema plantio direto (R2 = 0,97), em estudo desenvolvido por Lovato et al. (2004), no qual observou-se que 50 % do N adicionado pelas culturas foi retido como N total no solo.
Dentre as leguminosas, as estivais apresentaram destaque no acúmulo de N total no solo. Os sistemas sem adubação nitrogenada LL+M, G+LL e G+M acumularam no solo, em relação ao início do experimento, 770, 870 e 1.270 kg ha-1 de N, o que equivale a uma taxa anual de acúmulo de 35, 40 e 58 kg ha-1 ano-1 de N, respectivamente. Esses estoques estão próximos ou já ultrapassaram aqueles do campo nativo. Já os sistemas com leguminosas de inverno apresentaram, em média, uma taxa de acúmulo de 9 kg ha-1 ano-1 de N.
O maior efeito das leguminosas de verão sobre os estoques de N total, comparativamente às de inverno, também foi observado por Amado et al. (2001). Os autores encontraram taxas de acúmulo de 160 kg ha-1 ano-1 de N no sistema mucuna + milho em relação ao sistema pousio/milho, após oito anos de uso em Santa Maria, RS. Já os sistemas aveia+ervilhaca/milho e tremoço (azevém+ervilhaca)/milho apresentaram uma taxa de 81 e 75 kg ha-1 ano-1 de N, respectivamente. Esses resultados foram atribuídos à maior adição anual de N ao solo pela parte aérea das culturas do sistema mucuna+milho (217 kg ha-1), comparativamente aos sistemas com leguminosas de inverno anteriormente citados (141 e 117 kg ha-1, respectivamente). Bayer et al. (2003) encontraram taxas de acúmulo de 240 kg ha-1 ano-1 de N, em cinco anos de utilização nos sistemas milho + mucuna e milho + feijão de porco em relação ao início do experimento conduzido em preparo reduzido, em Chapecó, SC. Na Austrália, em pastagens com trevo subterrâneo, foram encontradas taxas de acúmulo variando de 25 a 100 kg ha-1 ano-1 de N (Peoples et al., 1995).
Diante desses resultados, torna-se evidente o papel das leguminosas em determinar balanços positivos de N no sistema solo-planta. Entretanto, nem todos os sistemas que utilizam leguminosas determinam balanços positivos de N. No estudo de Alves et al. (2005), em que a leguminosa utilizada foi a soja, o balanço de N foi próximo da neutralidade devido a alta exportação de N pelos grãos desta cultura. Fugita et al. (1992) relataram que o sistema de cultura milho/caupi determinou balanço negativo de 14 kg ha-1 de N, proveniente da alta demanda de N pelo milho e exportação de N pela colheita de grãos desta cultura, enquanto o sistema constituído somente por caupi apresentou um balanço positivo de 36 kg ha-1 de N.
A adubação nitrogenada promoveu acúmulo de N total no solo em relação à sua ausência, porém este aumento (13 %) foi significativo apenas nos sistemas P/M, LL+M, Pan e G+M (Figura 2). Lovato et al. (2004) também observaram aumento de 15 %, nos estoques de N total com esta prática. Nos sistemas P/M e A/M (Figura 2) sem aplicação de adubo nitrogenado, houve um decréscimo médio, em relação a 1983, de 250 kg ha-1 de N, proveniente da exportação de N pela colheita do grão. Porém, com a adição de N, os sistemas acumularam 60 kg ha-1 de N, o que promoveu a manutenção do estoque inicial de N total. Este fato evidencia a importância da adubação nitrogenada em sistemas baseados exclusivamente em gramíneas a fim de evitar o esgotamento desse nutriente no solo.
No sistema Desc, a queda no estoque de N total, de 470 kg ha-1, não se deve somente à exportação pela colheita, pois esta ocorreu apenas em quatro anos, mas, em parte, ao processo de erosão do solo, pois este sistema foi mantido descoberto em grande parte do período, e, principalmente, à lixiviação. Como neste sistema não houve plantas em desenvolvimento para acumular N em sua biomassa, o N mineralizado da MOS foi levado para camadas mais profundas pelo movimento de percolação da água.
N fixado pelas leguminosas
A quantidade estimada de N fixado pelas leguminosas em 22 anos variou de 800 a 1.980 kg ha-1 (Quadro 2), com as maiores quantidades encontradas nos sistemas com leguminosas estivais. Estas quantidades demonstram o importante papel das leguminosas, principalmente as estivais, no aporte de N em sistemas agrícolas. Segundo Aita (1997), as leguminosas de verão na produção de matéria seca e quantidade de N acumulado são superiores às leguminosas de inverno, devido a sua rusticidade, que permite produzir expressivas quantidades de biomassa mesmo em condições de acidez e baixa fertilidade natural.
As quantidades estimadas correspondem a uma fixação de 36 a 90 kg ha-1 ano-1 de N, menores que as quantidades encontradas na literatura para as leguminosas deste estudo (Calegari et al., 1993; Peoples et al., 1995; Moreira & Siqueira, 2006). Estas diferenças devem-se, em parte, às diferenças das condições edafoclimáticas dos ambientes estudados. Segundo Ledgard & Steele (1992) e Moreira & Siqueira (2006), a quantidade de N fixado pelas leguminosas depende das espécies, das condições climáticas e de solo. A temperatura e a umidade são os fatores climáticos mais importantes, enquanto o pH, elementos tóxicos, teor de nutrientes, quantidade de N mineral e salinidade são os fatores edáficos que mais alteram a FBN. Entretanto, neste estudo não houve fatores químicos limitantes ao crescimento e desenvolvimento vegetal (Vieira, 2007).
Este método, entretanto, subestimou a quantidade de N fixado, pois ele não considerou a quantidade de N perdida por meio dos vários processos de perdas a que o N está sujeito e o N fixado que foi acumulado na MOS abaixo dos 20 cm de profundidade. Em estudo realizado neste mesmo experimento, Diekow et al. (2005) investigaram o acúmulo de N total pelos diferentes sistemas de culturas até a profundidade de 107,5 cm. Em relação ao sistema A/M com adubação mineral, considerado o sistema que reproduziu a condição original do experimento, o sistema LL+M sem adubação acumulou 100 kg ha-1 de N, abaixo dos 20 cm de profundidade. Porém, o sistema G+M sem adubação acumulou 1.210 kg ha-1 de N em subsuperfície, o que correspondeu a 42 % do total acumulado na camada de 0-107,5 cm.
N perdido do adubo mineral
Dos 3.180 kg ha-1 de N aplicados na cultura do milho nos sistemas P/M e A/M, estimou-se que 1.560 e 1.490 kg ha-1 foram perdidos, respectivamente (Quadro 2). Esses valores revelam que o sistema solo-planta recuperou, em média, 52 % do N aplicado via fertilizante mineral. A planta de milho recuperou 49,5 % por meio dos grãos, enquanto o solo recuperou apenas 2,5 % do N do fertilizante mineral.
Os valores estimados correspondem aos valores mundiais de recuperação pela planta do N aplicado, que estão em torno de 50-60 % (Cantarella, 2007). Entretanto, em estudo conduzido por Alves et al. (2005) no Mato Grosso do Sul, em um cultivo de milho, o sistema solo-planta recuperou 70,5 % dos 70 kg ha-1 do N aplicado na forma de sulfato de amônio, sendo que 24,3 % do N adicionado em cobertura encontrava-se na camada 0-20 cm após a colheita de milho. Gava et al. (2006) encontraram valores semelhantes: 45 % e 30 % dos 100 kg ha-1 de N aplicados no milho na forma de uréia foram recuperados pela planta e pelo solo, respectivamente, até 50 cm de profundidade. A menor recuperação do N aplicado neste estudo, em relação aos de Alves et al. (2005) e Gava et al. (2006), deve-se à maior dose de N utilizada. Segundo Cantarella (2007), menores doses de N determinam maiores recuperações de N.
Os menores valores encontrados neste estudo poderiam estar relacionados à não-contabilização do N aplicado, que pode ter sido imobilizado pelo solo e acumulado na MOS, abaixo de 20 cm. Segundo Alves et al. (2005), as raízes abaixo desse limite podem recuperar parte do N, não significando propriamente perdas. Entretanto, no estudo de Diekow et al. (2005), não houve diferença entre as doses 0 e 180 kg ha-1 de N no acúmulo de N total abaixo de 20 cm no sistema A/M, o que indica que parte do N aplicado pelo fertilizante mineral não foi acumulado abaixo desta profundidade. Dessa forma, 48 % do N aplicado no milho saiu do sistema solo-planta por meio das diversas formas de perdas a que o N está sujeito em sistemas agrícolas. Entretanto, como se trata de um experimento de longa duração, os processos de perdas podem ter atuado de forma diferente ao longo dos anos.
O método utilizado neste estudo, apesar de não obter resultados exatos, forneceu a magnitude da quantidade de N fixada nos diferentes sistemas de culturas e da quantidade de N que foi perdida do fertilizante mineral.
N reciclado
A aveia-preta cultivada em 2006, em todos os sistemas de culturas sem N, apresentou diferentes quantidades de N acumulado em sua biomassa aérea, variando de 17 no Desc a 100 kg ha-1 no G+M. As maiores quantidades de N acumulado pela aveia foram encontradas nos sistemas com maiores estoques de N total, demonstrando o efeito residual das leguminosas no aumento da disponibilidade de N às gramíneas (Figura 3). Esse efeito também foi demonstrado por Amado (1997), que observou que o histórico de nove anos de uso de leguminosas refletiu-se positivamente na absorção de N pelo milho cultivado em parcelas sem resíduos vegetais. O autor observou que o sistema aveia + ervilhaca/milho + caupi proporcionou um aumento de 11 kg ha-1 de N absorvido pelo milho quando comparado ao sistema aveia/milho. Pal & Shehu (2001) também observaram efeito positivo do cultivo de quatro anos de lablabe sobre o rendimento e a quantidade de N acumulado pelo milho em relação ao cultivo também de quatro anos de sorgo.
CONCLUSÕES
Na avaliação de 22 anos de uso de diferentes sistemas de culturas sobre o balanço de N, além do rendimento de grãos de milho, nas condições edafoclimáticas de um Argissolo Vermelho distrófico típico da região da Depressão Central do RS, conclui-se que:
1. A utilização de leguminosas aumenta o rendimento de grãos de milho quando da ausência de adubação nitrogenada mineral.
2. A utilização de sistemas de culturas em plantio direto com leguminosas promove acúmulos de N no solo em relação a sistemas constituídos apenas por gramíneas.
3. A adubação nitrogenada promove aumento nos estoques de N total, porém com efeito menor do que em relação à adoção de leguminosas.
4. Maior estoque de N total determina mais quantidade de N acumulado pela aveia-preta.
5. O aumento da disponibilidade de N, pela utilização de leguminosas ou pela aplicação de adubo nitrogenado mineral, promove aumento na quantidade de N exportado pela colheita de grãos de milho.
6. As leguminosas estivais apresentaram maior quantidade estimada de N fixado, que variou de 69 a 90 kg ha-1 ano-1 , do que as leguminosas de inverno, que apresentaram uma fixação média de 38 kg ha-1 ano-1 de N.
7. Houve perda de 48 % do N aplicado via fertilizante mineral na cultura do milho em 22 anos.
LITERATURA CITADA
Recebido para publicação em julho de 2008 e aprovado em janeiro de 2009.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Jun 2009 -
Data do Fascículo
Abr 2009
Histórico
-
Recebido
Jul 2008 -
Aceito
Jan 2009