Resumos
Os efeitos da calagem e da gessagem são amplamente conhecidos na literatura, mas a sua magnitude em relação aos efeitos no perfil do solo é dependente do tempo após a aplicação desses insumos. Dessa maneira, o objetivo deste trabalho foi avaliar em longo prazo a aplicação conjunta de gesso e calcário nos atributos químicos de um solo em rotação de culturas, no sistema de plantio direto. O experimento foi conduzido em uma propriedade rural no município de Jaguariaíva, PR, em um Latossolo Vermelho-Amarelo distrófico típico, de textura areia franca, durante os anos de 2002 a 2008. O experimento foi conduzido em blocos ao acaso sob esquema fatorial com 10 tratamentos, sendo cinco doses de gesso agrícola (0; 1,5; 3,0; 6,0; e 12,0 Mg ha-1) e duas doses de calcário (0 e 3,42 Mg ha-1), com três repetições. Foram avaliadas no decorrer dos 72 meses as espécies aveia-preta-comum (2004, 2006 e 2007), milho (2005/2006), trigo (2003) e soja (2003/2004, 2004/2005, 2006/2007 e 2007/2008). Realizaram-se amostragem e análise de solo nos anos de 2005 e 2008 até 100 cm de profundidade e de tecido foliar da soja, na safra de 2007/2008. A aplicação de calcário corrigiu o pH, aumentou a concentração de Ca e Mg e diminuiu o Al, nas camadas superficiais do solo. O gesso proporcionou incremento no pH e nas concentrações de Ca e S em profundidade, lixiviou Mg e não lixiviou o K. A calagem elevou a produtividade do milho, da soja (uma das quatro safras avaliadas) e da aveia- preta. O gesso favoreceu a produtividade do milho e do trigo e a da soja, somente quando houve deficiência hídrica. Quando, no entanto, não houve deficiência hídrica, altas doses de gesso prejudicaram a produtividade de grãos de soja por indução de deficiência de Mg.
lixiviação de íons; pH em profundidade; déficit hídrico
The effects of lime and gypsum are widely discussed in the literature, but their magnitude in relation to effects in the soil profile is dependent on the time since application of these inputs. Thus, the aim of this study is to evaluate the effect of long-term application of gypsum and lime on chemical properties of a soil in crop rotation in a no-till system. The experiment was carried out in Jaguariaíva, Paraná state, Brazil, in a sandy loam Latossolo Vermelho-Amarelo distrófico típico (Oxisol), from 2002 to 2008. A randomized block experimental design was used in a factorial arrangement with ten treatments, consisting of five doses of gypsum (0, 1.5, 3.0, 6.0 and 12.0 Mg ha-1) and two doses of lime (0 and 3.42 Mg ha-1) with three replications. The following crops were evaluated over a period of 72 months: black oat (2004, 2006 and 2007), maize (2005/2006), wheat (2003) and soybean (2003/2004, 2004/2005, 2006/2007 and 2007/2008). Soil sampling and soil analysis was carried out in 2005 and 2008 up to a depth of 100 cm, and leaf tissue analysis of the soybean crop in 2007/2008. Liming amended pH, increased the concentration of Ca and Mg and decreased Al in the surface layers of the soil. Gypsum brought about an increase in pH and in the concentrations of Ca and S at greater depth, leached Mg and did not leach K. Liming increased the yield of maize, soybean (one of the four crop seasons evaluated) and black oat. Gypsum favored yield in corn and wheat, and in soybean only when there was water deficit. However, when there was no water stress, high doses of gypsum decreased soybean yield through inducing Mg deficiency.
ion leaching; pH at soil depth; water deficit
DIVISÃO 3 - USO E MANEJO DO SOLO
COMISSÃO 3.1 - FERTILIDADE DO SOLO E NUTRIÇÃO DE PLANTAS
Efeitos em longo prazo da aplicação de gesso e calcário no sistema de plantio direto1 1 Recebido para publicação em 19 de fevereiro de 2013 e aprovado em 27 de novembro de 2013.
Long-term effects of the application of gypsum and lime in a no-till system
Volnei PaulettiI; Letícia de PierriII; Thiago RanzanII; Gabriel BarthIII; Antonio Carlos Vargas MottaI
IProfessor, Departamento de Solos e Engenharia Agrícola - DSEA, Universidade Federal do Paraná- UFPR. Rua dos Funcionários, 1540, Juvevê. CEP 80035-050 Curitiba (PR). E-mail: vpauletti@ufpr.br, mottaufpr@gmail.com
IIMestrando, Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, DSEA, UFPR. E-mail: lepierri@ufpr.br, thiagoranzan@gmail.com
IIIPesquisador, Fundação ABC para Assistência e Divulgação Técnica Agropecuária. Rodovia PR 151, km 288. Caixa Postal 1003. CEP 84165-700 Castro (PR). E-mail: gabrielbarth@fundacaoabc.org.br
RESUMO
Os efeitos da calagem e da gessagem são amplamente conhecidos na literatura, mas a sua magnitude em relação aos efeitos no perfil do solo é dependente do tempo após a aplicação desses insumos. Dessa maneira, o objetivo deste trabalho foi avaliar em longo prazo a aplicação conjunta de gesso e calcário nos atributos químicos de um solo em rotação de culturas, no sistema de plantio direto. O experimento foi conduzido em uma propriedade rural no município de Jaguariaíva, PR, em um Latossolo Vermelho-Amarelo distrófico típico, de textura areia franca, durante os anos de 2002 a 2008. O experimento foi conduzido em blocos ao acaso sob esquema fatorial com 10 tratamentos, sendo cinco doses de gesso agrícola (0; 1,5; 3,0; 6,0; e 12,0 Mg ha-1) e duas doses de calcário (0 e 3,42 Mg ha-1), com três repetições. Foram avaliadas no decorrer dos 72 meses as espécies aveia-preta-comum (2004, 2006 e 2007), milho (2005/2006), trigo (2003) e soja (2003/2004, 2004/2005, 2006/2007 e 2007/2008). Realizaram-se amostragem e análise de solo nos anos de 2005 e 2008 até 100 cm de profundidade e de tecido foliar da soja, na safra de 2007/2008. A aplicação de calcário corrigiu o pH, aumentou a concentração de Ca e Mg e diminuiu o Al, nas camadas superficiais do solo. O gesso proporcionou incremento no pH e nas concentrações de Ca e S em profundidade, lixiviou Mg e não lixiviou o K. A calagem elevou a produtividade do milho, da soja (uma das quatro safras avaliadas) e da aveia- preta. O gesso favoreceu a produtividade do milho e do trigo e a da soja, somente quando houve deficiência hídrica. Quando, no entanto, não houve deficiência hídrica, altas doses de gesso prejudicaram a produtividade de grãos de soja por indução de deficiência de Mg.
Termos de indexação: lixiviação de íons, pH em profundidade, déficit hídrico.
SUMMARY
The effects of lime and gypsum are widely discussed in the literature, but their magnitude in relation to effects in the soil profile is dependent on the time since application of these inputs. Thus, the aim of this study is to evaluate the effect of long-term application of gypsum and lime on chemical properties of a soil in crop rotation in a no-till system. The experiment was carried out in Jaguariaíva, Paraná state, Brazil, in a sandy loam Latossolo Vermelho-Amarelo distrófico típico (Oxisol), from 2002 to 2008. A randomized block experimental design was used in a factorial arrangement with ten treatments, consisting of five doses of gypsum (0, 1.5, 3.0, 6.0 and 12.0 Mg ha-1) and two doses of lime (0 and 3.42 Mg ha-1) with three replications. The following crops were evaluated over a period of 72 months: black oat (2004, 2006 and 2007), maize (2005/2006), wheat (2003) and soybean (2003/2004, 2004/2005, 2006/2007 and 2007/2008). Soil sampling and soil analysis was carried out in 2005 and 2008 up to a depth of 100 cm, and leaf tissue analysis of the soybean crop in 2007/2008. Liming amended pH, increased the concentration of Ca and Mg and decreased Al in the surface layers of the soil. Gypsum brought about an increase in pH and in the concentrations of Ca and S at greater depth, leached Mg and did not leach K. Liming increased the yield of maize, soybean (one of the four crop seasons evaluated) and black oat. Gypsum favored yield in corn and wheat, and in soybean only when there was water deficit. However, when there was no water stress, high doses of gypsum decreased soybean yield through inducing Mg deficiency.
Index terms: ion leaching, pH at soil depth, water deficit.
INTRODUÇÃO
Os métodos conservacionistas de manejo imprimem características químicas, físicas e biológicas distintas ao solo, modificando a distribuição e morfologia das raízes, com consequências diretas no crescimento da parte aérea e na produtividade das plantas, principalmente em razão da elevação da concentração de alguns nutrientes na camada superficial (Klepker & Anghinoni, 1995; Scherer et al., 2007). Em períodos de veranico, no entanto, a exploração do solo pelo sistema radicular pode estar limitada à camada superficial, principalmente em casos de baixos níveis de cálcio (Ca2+) em profundidade, diminuindo a absorção de água e nutrientes. A aplicação de gesso, portanto, pode ser uma alternativa para maior distribuição do sistema radicular no perfil do solo (Caires et al., 2001) por causa, principalmente, da melhoria do subsolo (Caires et al., 2003), ocasionando assim aumento da absorção de água e nutrientes (Carvalho & Raij, 1997). A importância da presença do Ca2+ em profundidade se deve à sua função no crescimento radicular, pela ação na divisão celular e por esse elemento ser imóvel na planta (Hawkesford et al., 2012) e também pela absorção significativa e quase exclusiva pela coifa da raiz (Taiz & Zeiger, 2009). Dessa maneira, o Ca2+ absorvido pelas raízes superficiais não atende as necessidades das raízes profundas, caso essas estejam em ambiente deficiente desse nutriente.
Já são amplamente conhecidos os efeitos do calcário na correção da acidez do solo (Pádua et al., 2008), na diminuição do efeito tóxico do Al (Zambrosi et al., 2007) e na elevação da saturação por bases (Soratto & Crusciol, 2008). Assim, a ação conjunta entre a gessagem e calagem é uma técnica que vem sendo aprimorada, visto que a ação individual do gesso pode apresentar a desvantagem de ocasionar a lixiviação de Mg2+ (Caires et al., 2004; Rampim et al., 2011) e de K+ (Rampim et al., 2011). Gramíneas geralmente são mais responsivas a aplicações de gesso e calcário, quando comparadas com leguminosas (Caires et al., 2010). Segundo Fernandes & Souza (2006), diferenças entre a capacidade de troca de cátions das raízes fazem com que as duas famílias tenham capacidades distintas em extrair cátions do solo. Caires et al. (2004) concluíram que a aplicação conjunta de gesso agrícola e calcário ocasionou acréscimos na produção de milho na ordem de 17 %, evidenciando ser importante ferramenta na maximização da produção de grãos dessa espécie.
A avaliação dos efeitos da calagem e da gessagem em plantio direto, especialmente na produtividade das espécies cultivadas e nos componentes químicos das camadas mais profundas do solo, deve considerar o tempo após aplicação do calcário e do gesso. Em decorrência da baixa solubilidade do calcário (Caires et al., 2006) e da lenta movimentação descendente de Ca2+ e Mg2+ no perfil (Rheinheimer et al., 2000), os efeitos da calagem observados e relatados na literatura geralmente se limitam às camadas superficiais do solo, o que pode estar relacionado ao curto tempo entre a aplicação e avaliação. De forma semelhante, a avaliação em longo prazo da aplicação de gesso sobre os atributos químicos do solo e sobre a produtividade das culturas é influenciada pela variação climática, tanto regional quanto temporal.
Dessa maneira, o objetivo deste trabalho foi avaliar em longo prazo a aplicação conjunta de gesso e calcário nos atributos químicos do solo em rotação de culturas no sistema de plantio direto.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido em uma propriedade rural no município de Jaguariaíva, PR, em um Latossolo Vermelho-Amarelo distrófico típico, textura areia franca, sob as coordenadas geográficas 24o 16' 18" S e 49o 38' 54" O, entre 2002 e 2008. O clima predominante na região é transicional entre subtropical (Cfa) e temperado (Cfb), segundo classificação de Köppen, com precipitação pluvial média anual de 1.400 a 1.600 mm e temperaturas médias anuais variando entre 19 e 20 oC (Caviglione et al., 2000). Foi realizada a caracterização química do solo até a profundidade de 1,0 m no ano da implantação do experimento, observando-se baixos teores de Ca2+, Mg2+ e pH, além de elevados teores de Al3+, com saturação por esse elemento acima de 50 % a partir de 10 cm de profundidade (Quadro 1).
O experimento foi conduzido em esquema fatorial com 10 tratamentos, sendo esses uma combinação entre cinco doses de gesso agrícola (0; 1,5; 3,0; 6,0; e 12,0 Mg ha-1) e duas doses de calcário (0 e 3,42 Mg ha-1), delineados em blocos ao acaso, com três repetições, em parcelas de 100 m2. Foi aplicado calcário com PRNT de 85 %, seguindo a recomendação de elevação da saturação por bases da camada arável (0-20 cm) para 70 %. As aplicações de corretivo e gesso ocorreram nos dias 20/06/2002 e 19/08/2002, respectivamente, em superfície e sem incorporação.
No início do experimento, foi semeada aveia-preta-comum para que todo o ensaio fosse conduzido em sistema plantio direto. A primeira safra de verão foi cultivada com milho Waxi (cultivar CE 03) com aplicação de 350 kg ha-1 da formulação 10-30-20 + 1 % Zn; no entanto, não foi realizada a colheita, por problemas de stand ocasionados por irregularidades na emergência e principalmente pelo ataque severo de lagarta rosca. No inverno de 2003, semeou-se o cultivar de trigo Avante com densidade de 70 plantas por metro linear, aplicando-se 350 kg ha-1 de 08-30-10 no sulco de semeadura e 20 dias após a semeadura, 200 kg ha-1 de ureia em cobertura. A aveia-preta-comum foi utilizada como espécie de cobertura de inverno nos demais anos (2004, 2005, 2006 e 2007), sem realização de adubação. Sementes de soja inoculadas com Bradyrhizobium sp. foram semeadas nas safras 2003/2004 (FT Abyara), 2004/2005 (EMBRAPA 60), 2006/2007 (BRS 232) e 2007/2008 (BRS 232), com densidade de 18 plantas por metro linear e com aplicação da formulação 00-15-30 (250 kg ha-1) na primeira e na segunda safra; e 00-25-25 (350 kg ha-1). Utilizou-se o híbrido de milho AG 8021 na safra de verão de 2005/2006, com adubação de semeadura com 08-30-16 (300 kg ha-1) e aplicação de 36-00-12 (300 kg ha-1), e ureia (67 kg ha-1) em cobertura, a lanço.
Realizaram-se amostragens do solo em 2005 e 2008, coletando-se 15 pontos por parcela para a elaboração da amostra composta, nas profundidades de 0-10, 10-20 e 20-40 cm, e oito pontos por parcela, nas de 40-60, 60-80 e 80-100 cm. Utilizou-se trado calador para a amostragem até 40 cm e trado holandês para a amostragem entre 40 e 100 cm de profundidade. As amostras de solo da coleta realizada após 36 meses da implantação do experimento (2005) foram analisadas segundo Raij et al. (2001) para pH em CaCl2, Al3+, Ca2+, Mg2+ e K+. Os mesmos atributos foram determinados após 72 meses da aplicação dos tratamentos (2008), por meio dos métodos descritos por Pavan et al. (1992). A determinação do S-SO4-2 para as diferentes profundidades, nos dois períodos de análise do solo, foi realizada utilizando-se fosfato de cálcio monobásico como extrator (Raij et al., 2001).
Na safra de verão de 2006/2007, coletaram-se 20 trifólios de soja por parcela (primeiro trifólio maduro a partir da ponta) na época do florescimento para a análise do tecido vegetal, em relação aos teores de N (Nelson & Sommers, 1996) e de P, K, Ca, Mg e S (Embrapa, 1999). Com exceção da aveia-preta em 2002 e 2005 e do milho Waxi em 2002/2003, foi determinada a produtividade de grãos de soja, milho e trigo e de biomassa seca aérea da aveia-preta, coletando-se uma área de 1 m2, para aveia no pleno florescimento; 11,05 m2, para o trigo; 6,4 m2, para a soja; e 12,8 m2, para o milho, no ponto de maturidade fisiológica de cada espécie. A umidade dos grãos foi corrigida para 13 %.
Os resultados das amostras de solo coletadas em 2005 e 2008 foram submetidos à análise de variância dentro de cada profundidade e, quando encontrada significância, procedeu-se à comparação das médias das doses de gesso pelo teste de Tukey a 5 %. Para avaliar o efeito das doses de gesso em relação aos teores foliares, ao rendimento de grãos e biomassa seca, realizou-se análise de regressão. Todos os dados foram analisados pelo software estatístico R®, versão 2.15.1, bem como os gráficos, elaborados pelo software gráfico SigmaPlot®.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Atributos químicos do solo
Os tratamentos não apresentaram interação em relação aos atributos químicos do solo. Dessa maneira, os dados são apresentados de acordo com o efeito individual de cada fator, gesso e calcário, nos dois períodos avaliados, de 36 e 72 meses após a aplicação.
Por se tratar de uma área de plantio direto e aplicação de calcário na superfície sem incorporação, a calagem proporcionou aumento do pH (CaCl2) somente na camada superficial do solo (Quadro 2). Esse aumento, no entanto, foi restrito à camada de 0-10 cm após 36 meses da aplicação do calcário e se deslocou também para a camada de 10-20 cm, conforme verificado aos 72 meses da aplicação. A correção do subsolo pela calagem superficial em sistema de plantio direto pode ocorrer em razão da movimentação de partículas finas de calcário por meio da porosidade contínua no perfil (Petrere & Anghinoni, 2001), da formação de par iônico entre sulfato ou nitrato com o Ca e Mg do corretivo (Foloni & Rosolem, 2006) ou ainda pela formação de complexos entre esses cátions e os compostos orgânicos solúveis liberados pela decomposição da biomassa vegetal depositada na superfície do solo (radicais carboxílicos e fenólicos) (Franchini et al., 2001).
A ação da calagem sem incorporação pode ficar restrita à camada superficial de solos ácidos, pois os ânions básicos provenientes da dissolução do calcário (OH- e HCO3-) se movimentam por fluxo de massa para as camadas mais profundas do solo, onde reagem com cátions ácidos (H+, Fe2+, Al3+ e Mn2+), fazendo com que as reações de alcalinização sejam cessadas (Miyazawa et al., 2002). Dessa maneira, a correção do subsolo só ocorreria efetivamente após a neutralização total desses cátions ácidos, o que acontece a pH acima de 5,6. Como neste trabalho o pH das camadas mais profundas do solo esteve entre 3,9 e 4,3, não se observou efeito de correção subsuperficial além dos 20 cm superficiais pela ação isolada do calcário (Quadro 2).
Em um Latossolo Vermelho de textura argilosa, Caires et al. (2003) encontraram maior reação do calcário aos 35 meses após a calagem, com aumento do pH (CaCl2) até a profundidade de 40 cm. Neste trabalho, no entanto, pôde-se perceber que um período maior de reação (72 meses) foi necessário para proporcionar o aumento do pH (CaCl2) e somente até a profundidade de 20 cm. Esse efeito menos pronunciado em profundidade pode estar relacionado com a dose aplicada, uma vez que os autores aplicaram até 4,5 Mg ha-1, enquanto neste trabalho a dose foi pouco superior a 3,0 Mg ha-1.
Assim como o pH, os teores de Al diminuíram e os de Ca aumentaram somente na camada de 0-10 cm aos 36 meses após a aplicação do calcário e até 20 cm de profundidade aos 72 meses após a calagem, evidenciando a baixa mobilidade do Ca no perfil do solo em razão da sua retenção nas cargas negativas das argilas e da matéria orgânica (Vitti et al., 2006) (Quadro 2). Os efeitos do calcário em reduzir o Al3+ e fornecer Ca são bem conhecidos (Petrere & Anghinoni, 2001; Zambrosi et al., 2007; Caires et al., 2008; Soratto & Crusciol, 2008).
Os teores de Mg foram maiores com a aplicação do calcário em todas as profundidades nas duas épocas de avaliação, com exceção da camada 80-100 cm aos 36 meses após a aplicação (Quadro 2). Além de o calcário ser fonte de Mg, esse nutriente tem menor preferência pelas cargas do solo em relação ao Ca, sendo deslocado no perfil. A aplicação de calcário não influenciou os teores de S e K no solo, fato esperado pela ausência desses nutrientes em sua composição.
A influência do gesso nos atributos químicos do solo foi semelhante nos dois períodos avaliados, 36 e 72 meses após a aplicação dos tratamentos (Figuras 1 e 2). Contudo, quanto maior o período entre a aplicação e análise do solo, mais acentuado foi o efeito. O Ca2+, em razão da sua baixa mobilidade no solo, acumulou-se na camada superficial de 0-10 cm, independentemente do tratamento aplicado. Porém, o gesso proporcionou incremento desse nutriente em todas as profundidades proporcionalmente às doses aplicadas (Figuras 1a e 2a), diferindo principalmente nas maiores profundidades, demonstrando que esse elemento deslocou-se no solo pela ação desse insumo. Observando os valores nos períodos de avaliação de 36 e 72 meses após a aplicação do gesso, percebe-se diminuição do teor superficial (0-10 cm) de valores acima de 3,5 cmolc dm-3 para valores menores que esse, mesmo nas maiores doses de gesso. Em contrapartida, as camadas mais profundas do solo (> 20 cm), que apresentavam teores de Ca2+ próximos ou inferiores a 0,6 cmolc dm-3, passaram a apresentar valores iguais e frequentemente superiores a este. Essa mobilidade do Ca proporcionada pelo uso do gesso, segundo Nava et al. (2012), se deve ao efeito do SO42- em anular a carga do Ca2+, o que leva à formação de um par iônico entre esses dois íons, evitando assim que o Ca2+ se ligue às cargas do solo, facilitando sua descida à camadas mais profundas.
Teores de Ca em subsuperfície superiores a 0,4 cmolc dm-3, considerados adequados para as espécies cultivadas, conforme o manual de adubação e calagem de São Paulo (Raij et al., 1996), somente foram obtidos em profundidade com as maiores doses de gesso (Figuras 1a e 2a). As funções do Ca estão relacionadas à divisão celular e ao crescimento de meristemas apicais (Prado & Natale, 2004; Yamamoto et al., 2011; Marschner, 2012), incluindo o radicular. Essa função, aliada à baixa mobilidade natural do Ca no perfil do solo, sua baixa mobilidade na planta impedindo que tecidos mais velhos supridos de Ca atendam a demanda de tecidos novos em formação, além de sua absorção quase exclusiva na coifa da raiz, faz com que esse deslocamento do Ca em profundidade, proporcionada pelo gesso, seja importante no aumento da tolerância das plantas a períodos de deficiência hídrica. Caires et al. (2001), Sousa et al. (2005) e Soratto & Crusciol (2008) atribuíram a esse efeito os resultados com a aplicação de gesso.
O teor de Mg no solo é baixo a partir da camada superficial, que, segundo Raij et al. (1996), é adequado quando os valores são superiores a 0,8 cmolc dm-3; entretanto, para Comissão (CQFSRS/SC, 2004), os valores adequados situam-se acima de 1,0 cmolc dm-3 (Figuras 1b e 2b). Para o Mg2+, observou-se o efeito da aplicação de gesso similar ao observado para o Ca2+. Nos primeiros 36 meses já se percebeu o efeito do gesso em deslocar o Mg da camada de 0-10 para a de 10-20 cm (figura 1b); porém, esse deslocamento foi mais pronunciado e ocorreu para camadas mais profundas com o passar do tempo, conforme observado aos 72 meses após a aplicação do gesso (Figura 2b). Notou-se também na avaliação do maior período após a aplicação dos tratamentos, que a dose de 12 Mg ha-1 de gesso proporcionou os menores teores de Mg, principalmente até 60 cm de profundidade, indicativo de forte efeito do gesso sobre a lixiviação desse nutriente. Essa lixiviação aliada a não aplicação de Mg pode induzir a deficiência em plantas cultivadas. A lixiviação de Mg pela aplicação de gesso também foi observada por outros autores (Quaggio et al., 1982; Rosolem & Machado, 1984; Caires et al., 2004; Rampim et al., 2011; Nava et al., 2012) e pode ser atribuída à competição do Mg2+ com o Ca2+ pelas cargas negativas do solo, de maneira que o Ca2+ tem preferência nos sítios de troca (Loyola Jr & Pavan, 1989). A alta concentração de Ca2+ no solo ocasionada tanto pela aplicação de gesso quanto de calcário favorece o deslocamento do Mg2+ dos sítios de troca, podendo formar par iônico com o SO42- ou ser lixiviado na forma de íons Mg2+, sendo esta a forma preferencial de deslocamento no perfil (Zambrosi et al., 2007).
Alguns autores observaram que a aplicação de gesso pode levar à lixiviação de K+ (Rampim et al., 2011), de forma semelhante entre solos com diferentes capacidades de troca catiônica (Maria et al., 1993). Porém esse efeito não foi observado tanto aos 36 (Figura 1c) quanto aos 72 meses (Figura 2c) após a aplicação do gesso, corroborando com os dados encontrados por Souza et al. (2012). A ausência de efeito da aplicação de gesso na lixiviação de K+ pode ser explicada pela baixa formação do par iônico K2SO40 (0,2 % do total solúvel) (Zambrosi et al., 2008).
Teores adequados de S-SO42- são aqueles superiores a 5 cmolc dm-3 para a maioria das espécies cultivadas e acima de 10 cmolc dm-3 para espécies exigentes como as leguminosas, brássicas e liliáceas (CQFSRS/SC, 2004), principalmente pelo alto teor de proteína acumulado por essas espécies (Rheinheimer et al., 2005; Alvarez V. et al., 2007). Os teores de S-SO42- no início do experimento eram baixos (Quadro 1) e, quando não houve aplicação de gesso, se mantiveram baixos em todo o perfil do solo até os 36 meses, após o início do experimento (Figura 1d). Após 72 meses, percebeu-se pequena elevação dos teores de S-SO42- no tratamento sem aplicação de gesso, o que pode ser consequência do cultivo e da adição de biomassa residual na superfície do solo, pois aproximadamente 75 % do S do solo estão na matéria orgânica (Bissani et al., 2008). Nas duas amostragens, percebeu-se elevação do teor de S na camada de 20-40 cm, como resultado de sua mobilidade no solo, o que indicou que essa camada deve ser amostrada para fins de interpretação e recomendação de adubação com esse nutriente.
A aplicação da menor dose de gesso já foi suficiente para elevar os teores de S do solo para níveis adequados a todas as espécies. Portanto, como fonte desse nutriente, baixas doses de gesso foram suficientes. Com a aplicação de gesso e proporcionalmente à dose aplicada, os teores de SO42- aumentaram em todas as profundidades (Figuras 1d e 2d), sendo esse aumento maior quanto maior a profundidade do solo avaliada, tanto aos 36 quanto aos 72 meses após a aplicação, comprovando a alta mobilidade desse elemento em solos de carga líquida negativa (Quaggio et al., 1993; Nogueira & Melo, 2003).
Houve diminuição dos teores de SO42- aos 72 meses, quando comparados com os valores de 36 meses após a aplicação do gesso, de maneira que, por se tratar de um solo com baixos teores de argila, provavelmente parte do SO42- deslocou-se para camadas mais profundas que 100 cm nesse intervalo de tempo, como possível efeito do elevado regime hídrico local (Nogueira & Melo, 2003) (Quadro 1). Essa lixiviação do SO42- se confirmou ao se observar as camadas superficiais de 0-10 e 10-20 cm, quando aos 36 meses após sua aplicação (Figura 1d) o gesso proporcionou aumentos significativos nos teores de SO42-, efeito não mais observado aos 72 meses (Figura 2d).
A aplicação de gesso não influenciou o pH(CaCl2) nas camadas superficiais, pois o gesso não é considerado um corretivo da acidez do solo (Pavan et al., 1984; Veloso et al., 1992; Maria et al., 1993) (Figuras 1e e 2e). Porém, houve aumento do pH do solo a partir de 60 cm de profundidade, principalmente na dose de 12 Mg ha-1, quando comparada com a ausência de aplicação de gesso, havendo um acréscimo de 0,17 e 0,15 aos 36 e 72 meses, respectivamente. Caires et al. (2003) atribuíram esse aumento no pH ao SO42- presente no gesso, que em profundidade desloca o OH- dos coloides do solo para a solução, assim fazendo com que o gesso tenha efeito indireto na correção do pH do solo em profundidade.
Os teores de Al3+ das camadas subsuperficiais não foram alterados pela aplicação de gesso, apresentando valores máximos de 1,1 e 1,2 cmolc dm-3, aos 36 e 72 meses, respectivamente, na camada de 20-40 cm. Porém, a saturação por Al (m %) diminuiu significativamente a partir da camada de 40-60 cm, redução que foi proporcional à dose de gesso aplicada (Figuras 1f e 2f). A redução da saturação por Al pode ser explicada pelo deslocamento do Ca para as camadas subsuperficiais, de modo que esse cátion desloca o Al para a solução, assim diminuindo sua saturação e seu efeito tóxico. Houve redução da saturação por Al, na camada de 40-60 cm, de 87 % na condição inicial do solo (Quadro 1), para valores pouco acima de 40 %, após 36 meses da aplicação do gesso (Figura 1f). Essa redução foi mais acentuada após o período de 72 meses de avaliação, alcançando valores inferiores a 20 % em todas as doses de gesso aplicadas (Figura 2f).
Produtividade
A aplicação de calcário aumentou significativamente a produtividade do milho, em aproximadamente 14 % (de 5.981 kg ha-1, sem aplicação do corretivo, para 6.948 kg ha-1, com aplicação). Esse aumento é pequeno ao se comparar com o resultado obtido por Fageria (2001), em que o aumento de produtividade foi de 23 %. Esse efeito significativo, porém menos expressivo da calagem, provavelmente está relacionado à necessidade de aumento da dose aplicada e, ou, de reaplicação desse insumo, uma vez que o milho foi cultivado quatro anos após a aplicação dos tratamentos. A produtividade do milho apresentou resposta quadrática à aplicação de gesso, não havendo interação com a aplicação de calcário (Figura 3a). Considerando-se a dose de máxima eficiência técnica (DMET) de 9,34 Mg ha-1, esse aumento de produtividade foi de aproximadamente 39 %, superior ao proporcionado pela calagem. Esse expressivo incremento de produtividade pode ser explicado pelos efeitos exercidos pelo gesso no favorecimento do crescimento radicular (Caires et al., 1999) em razão da disponibilização de Ca em profundidade, redução da saturação por Al e aumento dos teores de S-SO42- no solo, efeitos encontrados neste trabalho (Figuras 1 e 2). O que pode ter contribuído também foi que o milho, por apresentar baixa CTC radicular, apresentou preferência natural por íons monovalentes (Fernandes & Souza, 2006) e o aumento da disponibilidade de Ca favoreceu a sua absorção. Caires et al. (1999) encontraram uma DMET de gesso de 9,5 Mg ha-1, similar a deste trabalho.
A calagem aumentou a produtividade da soja somente na safra 2007/2008, quando a produtividade foi de 3.499 kg ha-1 (sem calagem) para 3.818 kg ha-1 (com calagem), sendo a mais alta entre as quatro safras de soja avaliadas. Esse efeito em anos de alta produtividade, o que significou condições ambientais favoráveis, demonstrou a importância da correção da acidez do solo para expressar o potencial máximo produtivo da soja. A aplicação de gesso, no entanto, apresentou efeitos distintos por causa dos anos de cultivo. Nas safras 2006/2007 e 2007/2008, a aplicação de gesso não interferiu na produtividade de grãos, com médias de 3.225 e 3.658 kg ha-1, respectivamente. Esse resultado concordou com a maioria dos trabalhos envolvendo gessagem nessa espécie (Quaggio et al., 1993; Caires et al., 1999, 2003; Rampim et al., 2011). Porém, nas safras 2003/04 e 2004/5, houve interação significativa entre a aplicação de gesso e calcário (Figura 3b). Observou-se que na safra 2004/05 a produtividade da soja foi inferior à safra anterior 2003/04, em consequência de estiagem ocorrida durante o desenvolvimento das plantas, o que justificou a variação dos resultados (Figura 3b). Na safra 2003/04, houve efeito negativo da aplicação de doses superiores a 3,19 Mg ha-1 (DMET) de gesso somente quando não houve aplicação de calcário, o que provavelmente está relacionado à redução da disponibilidade de Mg no solo (Figura 1b) e especialmente diminuição da absorção desse nutriente por causa da competição com a elevada quantidade de Ca (Vitti et al., 2006). Nesse caso, pela alta produtividade obtida, significando condições ambientais favoráveis, os benefícios do gesso em estimular o crescimento radicular em profundidade (Caires et al., 2001) não foram importantes.
Na safra 2004/05, houve efeito do gesso somente quando houve aplicação de calcário, e a DMET de gesso calculada foi de 8,75 Mg ha-1 (Figura 3b). Esse resultado provavelmente está relacionado à maior tolerância à deficiência hídrica proporcionada pelo gesso ao estimular o crescimento das raízes em profundidade. Quando não se aplicou calcário, a restrição ao efeito positivo do gesso provavelmente foi em razão da deficiência de Mg induzida pelos maiores teores de Ca proporcionados pelas maiores doses de gesso. Apesar de não ser na mesma safra, observou-se aumento do teor foliar de Ca e N pela gessagem, provavelmente como consequência do maior fornecimento do Ca e maior crescimento radicular, e efeito negativo no teor de Mg na folha da soja cultivada na safra 2006/07 (Figura 4). Os teores foliares de P, K e S não foram alterados pela aplicação de gesso, com valores médios de 2,75; 26,26; e 2,06 g kg-1, respectivamente. Esses valores estão adequados para a soja (CQFSRS/SC, 2004), com exceção do S, que se evidenciou pouco abaixo da faixa de suficiência. Considerando esses resultados e a variação de produtividade entre as safras, a aplicação de gesso foi importante para evitar perdas, mas não para aumentar a produtividade da soja em caso de deficiência hídrica.
Nenhuma das safras de aveia-preta foi influenciada pela aplicação de gesso, com produtividades médias de matéria seca de 6.176, 2.176 e 1.088 kg ha-1 (safras 2004, 2006 e 2007, respectivamente). Esse decréscimo da produtividade média provavelmente ocorreu por causa da diminuição do efeito residual do calcário aplicado no início do experimento (2002) ao longo das safras avaliadas (dois, quatro e cinco anos após a calagem, respectivamente). Em relação ao trigo, a resposta foi linear e significativa, porém considerando-se 10 % de probabilidade. Os dados confirmaram a relação existente entre gramíneas e gesso, pois como já comentado para o milho, as gramíneas absorvem com maior eficiência cátions monovalentes; assim, a presença de cátions divalentes em profundidade em razão da aplicação do gesso favoreceu a absorção desses e consequentemente o desenvolvimento dessas espécies. Rampim et al. (2011) também obtiveram resposta do trigo quando esse foi cultivado em solo de média fertilidade natural e com elevado teor de Al. Caires et al. (1999) citaram, no entanto, que os resultados com experimentos de gesso em trigo se apresentaram divergentes na literatura. O calcário aumentou a produtividade da aveia-preta na safra de 2006 em 19,5 % (de 1.940 para 2.411 kg ha-1) e não influenciou nas demais safras dessa cultura, assim como não influenciou o trigo.
CONCLUSÕES
1. A calagem alterou os atributos químicos do solo nos primeiros 10 cm superficiais, após três anos da aplicação, evoluindo para até 20 cm, seis anos após a aplicação.
2. A calagem aumentou a produtividade do milho, da soja (safra 2007/2008) e da aveia-preta (safra 2006) em solo com elevada acidez e baixos teores de Ca e Mg em subsuperfície (abaixo de 10 cm).
3. A aplicação de gesso reduziu a saturação por Al e aumentou os teores de Ca e S no perfil do solo, porém proporcionou lixiviação de Mg.
4. A aplicação de gesso não favoreceu a lixiviação do K.
5. A aplicação de gesso aumentou a produtividade das gramíneas (milho e trigo) e influenciou a leguminosa (soja) em safra com deficiência hídrica.
6. Na ausência de condições de deficiência hídrica, houve efeito negativo da aplicação de altas doses de gesso em soja, por provável indução de deficiência de Mg.
LITERATURA CITADA
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
18 Jun 2014 -
Data do Fascículo
Abr 2014
Histórico
-
Recebido
19 Fev 2013 -
Aceito
27 Nov 2013