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Contribuições interacionais de pessoas em situação de rua para a sustentabilidade urbana

Interactional contributions of homeless people to urban sustainability

Resumo

Será que é possível vislumbrar, no socialmente controverso tema do morar nas ruas, qualquer contribuição para a agenda das Nações Unidas (ONU) em prol da sustentabilidade urbana? Enfrentamos tal questão interpretativamente com base em procedimentos investigativos que potencializam o emprego de métodos qualitativos das Ciências Sociais em projetos transdisciplinares – de colaboração entre pesquisadoras/es e agentes da prática profissional –, acerca dos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS’s) da ONU. Argumentamos que as contribuições compreendem padrões de interação face a face por e acerca de pessoas em situação de rua nos espaços públicos urbanos. Em relação particularmente ao ODS 11, isto é, “tornar as cidades e assentamentos humanos mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”, na São Paulo pandêmica (2020-2022), as contribuições abrangem interações de três tipos, aquelas ambientalmente (i) sustentáveis e (ii) inclusivas por pessoas em situação de rua com objetos materiais, animais e plantas em ruas e praças; e aquelas (iii) socialmente inclusivas protagonizadas por profissionais que assistem quem mora nas ruas. Enquanto os dois primeiros tipos interacionais são contribuições já vigentes, atuais de pessoas em situação de rua para as metas 11.6 e 11.7 do ODS 11, o terceiro é possibilidade futura para a Meta 11.1 por parte de profissionais dedicadas/os a essas mesmas pessoas.

Palavras-chave:
interação social; morar nas ruas; sustentabilidade urbana (ODS 11); espaço interacional; transdisciplinaridade

Abstract

Is it possible to envisage within the socially controversial issue of homelessness any contributions for the United Nations (UN) urban-sustainability agenda? We address this question in interpretive terms based on methodological procedures that enhance the deployment of social-scientific qualitative methods in transdisciplinary research projects – i.e., collaborative projects between academics and practitioners – regarding the so-called UN Sustainable Development Goals (SDGs). We argue that the contributions comprise patterns of face-to-face interaction by and around homeless people in public spaces. Regarding particularly SDG 11 (“make cities and urban settlements inclusive, safe, resilient and sustainable”) in Covid-19 São Paulo (2020-2022), the contributions encompass three types of interaction: (i) environmentally sustainable and (ii) environmentally inclusive interactions by homeless people with material objects, animals, and plants in streets and squares; and (iii) socially inclusive interactions by practitioners who assist homeless people. While the first two interactional types are already ongoing, present-day involuntary contributions to SDG 11 Targets 11.6 and 11.7, the third type features as a future possibility by practitioners for Target 11.1.

Keywords:
social interaction; homelessness; urban sustainability (SDG 11); interactional space; transdisciplinarity

1. Introdução

Será que é possível vislumbrar, no socialmente controverso tema do morar nas ruas, qualquer contribuição para a agenda das Nações Unidas (ONU) em prol da sustentabilidade urbana? Em particular para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 11, relativo a “tornar as cidades e assentamentos humanos mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis” (UN, 2015, pUN. (2015), Transforming our world: The 2030 Agenda for sustainable development (A/RES/70/1). New York, UN.. 16)? Enfrentamos interpretativamente tal questão com base em procedimentos investigativos que potencializam o emprego de métodos qualitativos das Ciências Sociais em projetos transdisciplinares – isto é, forjados na colaboração entre pesquisadoras/es e agentes da prática profissional em instituições não universitárias, quer do poder público, quer do chamado terceiro setor – acerca dos ODS’s. Trata-se de uma caixa de ferramentas metodológicas desenvolvida no âmbito de um projeto-piloto transdisciplinar de pesquisa e implementação prático-empírica de métodos espaciais para a sustentabilidade urbana do Centro Global de Métodos Espaciais para Sustentabilidade Urbana – originalmente Global Center of Spatial Methods for Urban Sustainability (GCSMUS), ou SMUS (GCSMUS, 2023aGCSMUS (Global Center of Spatial Methods for Urban Sustainability). (2023a). SMUS Action 4 – Exchange: Pilot Project 2020-2022: “Spatial methods in action: everyday spatialities of homelessness for urban sustainability”. Disponível em https://gcsmus.org/action-4-exchange-2/, consultado em 11/08/2023.
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). Abrangendo dois conjuntos de técnicas investigativas qualitativas de natureza etnográfica, a chamada Caixa de Ferramentas SMUS (GCSMUS, 2021GCSMUS (Global Center of Spatial Methods for Urban Sustainability). (2021). SMUS Action 4 – exchange. Disponível em https://gcsmus.org/action-4-exchange/, consultado em 11/08/2023.
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) nos ajudou a investigar a vida cotidiana de homens, mulheres e crianças que moravam nas ruas e praças da maior metrópole da América Latina durante os primeiros dois anos da pandemia de Covid-19.

Amparadas/os nas implicações interpretativas do uso desse ferramental, argumentamos que as contribuições do morar nas ruas para a sustentabilidade urbana são de natureza interacional. Trata-se de padrões diários, “aqui e agora”, de interação face a face por parte e em torno de pessoas que “usam corporalmente” os espaços públicos urbanos (Frehse, 2016, pFREHSE, Fraya. (2016), “Da desigualdade social nos espaços públicos centrais brasileiros”. Sociologia & Antropologia, 6, 1: 129-158. DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752016v616.. 135) de modo específico: elas/es se deixam ficar ali fisicamente com mais ou menos regularidade, para fins de pernoite. De natureza simbólica, tais regras permeiam aquilo que uma de nós, em outro momento, denominou “morar nas ruas” (Frehse, 2020, pFREHSE, Fraya. (2020), “Introdução”, in F. Frehse; L. Kohara; C. Santana; M.A. da Costa Vieira. (org.), Relato Crítico – Seminário UrbanSus: Morar nas Ruas de São Paulo durante a Pandemia de Covid-19: Vivências, Intervenções, Pesquisas. São Paulo, IEA-USP. Disponível em https://gcsmus.org/wp-content/uploads/2020-Frehse_Kohara_Santana_Vieira-Relato-Critico-UrbanSus-I-PORT.pdf, consultado em 13/11/2023.
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. 2). É um padrão definido de uso corporal do espaço público urbano, categoria abstrata que sintetiza os lugares empiricamente dados que são mais acessíveis em termos físicos, legais e informacionais nas cidades: ruas e praças (Frehse, 2018, pFREHSE, Fraya. (2018), “On the Everyday History of Pedestrians’ Bodies in São Paulo’s Downtown amid Metropolization (1950-2000)”, in B. Freire-Medeiros; J. O’Donnell. (org.), Urban Latin America, London/New York, Routledge.. 33).

Quanto ao morar nas ruas notadamente na São Paulo pandêmica, suas contribuições para o ODS 11 compreendem três tipos de interações: aquelas ambientalmente (i) sustentáveis e (ii) inclusivas de pessoas em situação de rua com objetos materiais, animais e plantas em ruas e praças; e aquelas (iii) socialmente inclusivas protagonizadas por profissionais que assistem quem mora nas ruas. Enquanto os dois primeiros tipos interacionais são contribuições vigentes, atuais de pessoas em situação de rua para as metas 11.6 – “reduzir o impacto ambiental das cidades” (UN, 2015, pUN. (2015), Transforming our world: The 2030 Agenda for sustainable development (A/RES/70/1). New York, UN.. 24; grifo nosso) – e 11.7 – “fornecer acesso”, entre outros, “a espaços públicos e verdes inclusivos” (UN, 2015, pUN. (2015), Transforming our world: The 2030 Agenda for sustainable development (A/RES/70/1). New York, UN.. 24; grifo nosso) – do ODS 11; o terceiro tipo é contribuição futura possível que as/os agentes que atuam profissionalmente com a chamada população em situação de rua (PopRua) têm como oferecer para a Meta 11.1 – “garantir o acesso de todos” a, entre outros, moradia “adequada” (UN, 2015, pUN. (2015), Transforming our world: The 2030 Agenda for sustainable development (A/RES/70/1). New York, UN.. 24; grifo nosso) –, através do conhecimento que forjam em seu cotidiano profissional.1 1 São nossas as traduções para o português cujas/os autoras/es não aparecem na Bibliografia.

Demonstramos o triplo argumento em três passos. Em primeiro lugar, problematizamos respectivamente a conexão colaborativa entre o morar nas ruas e o ODS 11, e por que enfrentar tal questão recorrendo à Caixa de Ferramentas SMUS. Na sequência, situamos academicamente e sintetizamos esta metodologia transdisciplinar, que se propõe como um par de “óculos” qualitativos para investigações intra e extramuros universitários acerca das espacialidades cotidianas do morar nas ruas. Em um terceiro momento, colocamos os “óculos” em ação interpretativa em prol da questão em foco. Conclusivamente, sintetizamos o que as interações identificadas revelam sobre pessoas em situação de rua, agentes profissionais que as assistem, ativistas do ODS 11 e a própria agenda da sustentabilidade urbana.

2. Um Vínculo Contraintuitivo

No cenário acadêmico internacional, a chamada homelessness é entendida amplamente como ameaça à Agenda 2030 da ONU, sendo considerada um fenômeno a ser “prevenido” (Speak, 2013SPEAK, Suzanne. (2013), “‘Values’ as a tool for conceptualising homelessness in the global south”. Habitat International, 38: 143-149. DOI: https://doi.org/10.1016/j.habitatint.2012.05.009.), “eliminado” (Farha, 2019FARHA, Leilani. (2019), Guidelines for the Implementation of the Right to Adequate Housing (A/HRC/43/43). Geneva, United Nations. Disponível em https://digitallibrary.un.org/record/3872412, consultado em 16/8/2023.
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), “erradicado” (Morris, 2020MORRIS, Stephen. (2020), “Disaster Planning for Homeless Populations: Analysis and Recommendations for Communities”. Prehospital and Disaster Medicine, 35, 3: 322-325. DOI: https://doi.org/10.1017/s1049023x20000278.), “acabado” e “combatido” (FEANTSA, 2023FEANTSA. (2023), “About Us – What is FEANTSA”. Disponível em https://www.feantsa.org/en/about-us/what-is-feantsa, consultado em 17/8/2023.
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). Antes da pandemia, a relação da homelessness com a agenda da sustentabilidade urbana tinha sido pouco explorada (para uma exceção, cf. Salcedo, 2019SALCEDO, Jesús. (2019), “Homelessness & the SDGs”. PowerPoint presentation. UN-HABITAT Housing Unit.). Isto mudou em 2020. Além de tornar-se uma preocupação explícita dos ODS’s (Casey e Stazen, 2021CASEY, Louise; STAZEN, Lydia. (2021), “Seeing Homelessness through the Sustainable Development Goals”. European Journal of Homelessness, 15, 3: 63-71.), a homelessness aparece em um conjunto de resoluções da Assembleia Geral da ONU, de dezembro de 2021, como:

condição de uma pessoa ou família que não possui um espaço habitável seguro, o que pode comprometer sua capacidade de fruir as relações sociais, e inclui pessoas que vivem nas ruas, em outros espaços abertos ou edifícios não destinados à habitação humana; em acomodações temporárias ou abrigos para pessoas experienciando a homelessness; ademais, conforme a legislação nacional, pode incluir, entre outros, pessoas que vivem em acomodações severamente inadequadas, sem segurança de posse e acesso a serviços básicos (UN, 2022, pUN. (2022), Resolution adopted by the General Assembly on 16 December 2021 (A/RES/76/133). New York, UN.. 4; cf. também Casey e Stazen, 2021, pCASEY, Louise; STAZEN, Lydia. (2021), “Seeing Homelessness through the Sustainable Development Goals”. European Journal of Homelessness, 15, 3: 63-71.. 68).

Transcenderia os limites deste artigo adentrar a politicamente crucial discussão terminológica sobre o termo, suas acepções e críticas recentes no Brasil (cf., entre outros, Schuch e Gehlen, 2012SCHUCH, Patrice; GEHLEN, Ivaldo. (2012), “A ‘situação de rua’ para além de determinismos: Explorações conceituais”, in A.E. Dornelles; J. Obst; M.B. Silva. (org.), A Rua em Movimento. Belo Horizonte, Didática.; Robaina, 2015, pROBAINA, Igor. (2015), Entre Mobilidades e Permanências. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.. 24-38). Interessa-nos nessa categoria o fato de remeter a um fenômeno socioespacial, o morar nas ruas. Este não se confunde com suas/seus protagonistas, que as Ciências Sociais brasileiras dedicadas ao tema têm privilegiado, como “população em situação de rua” e, antes, “moradores de rua”, “povo da rua” etc. (cf., entre outros, Schuch e Gehlen, 2012SCHUCH, Patrice; GEHLEN, Ivaldo. (2012), “A ‘situação de rua’ para além de determinismos: Explorações conceituais”, in A.E. Dornelles; J. Obst; M.B. Silva. (org.), A Rua em Movimento. Belo Horizonte, Didática.; Lucca, 2007LUCCA, Daniel. (2007), A Rua em Movimento. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo.; Vieira et al., 1992VIEIRA, Maria Antonieta; BEZERRA, Eneida; ROSA, Cleisa. (1992), População de rua: Quem é, como vive, como é vista. São Paulo, Hucitec.). O morar nas ruas sensibiliza a/o pesquisadora/or para a dimensão espaço-temporal do aqui-agora, que impregna padrões corporais de uso do espaço público urbano.

Sob este prisma conceitual, sugerimos contrapontisticamente que uma das razões para a suposição de incompatibilidade entre homelessness e sustentabilidade urbana é a temporalidade implícita no conceito de “desenvolvimento sustentável” subjacente à Agenda 2030. Sustentabilidade remete, ali, a “iniciativas” individuais ou coletivas, que vão de (inter)ações a políticas, passando por relações e práticas sociais, em prol de uma futura subsistência equilibrada dos recursos ambientais, econômicos e sociais do planeta, para o porvir de gerações humanas e não humanas.2 2 O historicamente decisivo Relatório Brundtland da ONU define desenvolvimento sustentável como aquele "que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades" (WCED, 1987, p. 43; cf. também UN, 2023). A definição torna tentador associar a vida cotidiana dos chamados pobres urbanos, cuja expressão extrema é quem experiencia homelessness, a insustentabilidade.

Historicamente, estudiosas/os da pobreza urbana enfatizam o papel estrutural que o imediato e a improvisação no tempo presente desempenham no cotidiano de pessoas pobres nas cidades. Conceitos relativos a essa temporalidade fugaz abrangem de “estratégias de sobrevivência” (“survival strategies”), para lidar inclusive com a violência estatal e das ruas (Deckard e Auyero, 2022DECKARD, Faith; AUYERO, Javier. (2022), “Poor People’s Survival Strategies: Two Decades of Research in the Americas”. Annual Review of Sociology, 48: 373–395. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-soc-031021-034449.), à “persistência” (“endurance”) como sinônimo de práticas diárias que “se fundem com e excedem” a norma de mera sobrevivência (Simone, 2019aSIMONE, AbdouMaliq. (2019a), Improvised Lives. Cambridge/Medford, Polity.).3 3 Consideramos que o termo português “persistência” traduz melhor “endurance” do que “resistência” (Simone, 2019b). Isto para não mencionar “resiliência social” (“social resilience”), isto é, adaptações urbanas sistêmicas a “choques crônicos” (Fahlberg et al., 2020FAHLBERG, Anjuli; VICINO, Thomas; FERNANDEZ, Ricardo; POTIGUARA, Viviane. (2020), “Confronting chronic shocks: Social resilience in Rio de Janeiro's poor neighborhoods”. Cities, 99. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cities.2020.102623.), e “viração”, categoria que abarca tanto “identidades” quanto “regras de interação” de pessoas que moram nas ruas, em meio a suas estratégias cotidianas para, justamente, se virar nos espaços públicos de São Paulo (Gregori, 2000GREGORI, Maria Filomena. (2000), Viração. São Paulo, Companhia das Letras.; Frangella, 2009FRANGELLA, Simone. (2009), Corpos Urbanos Errantes. São Paulo, Annablume/Fapesp.; Frehse, 2013FREHSE, Fraya. (2013), “A rua no Brasil em questão (etnográfica)”. Anuário Antropológico, 38, 2: 99-129. DOI: https://doi.org/10.4000/aa.572.).

Ora, em contraponto à bibliografia que assume valorativamente “desenvolvimento sustentável” como pressuposto investigativo, ressaltamos a ênfase dos estudos acima na capacidade projetiva, de orientação para o futuro, dos pobres para lidar com os choques estruturais que perfazem o seu dia a dia urbano. Ao tematizar o cuidado (“care”) entre “residentes” (pobres), Simone (2019a, pSIMONE, AbdouMaliq. (2019a), Improvised Lives. Cambridge/Medford, Polity.. 20) sintetiza essa habilidade como “algo que torna possível a persistência, não necessariamente a sua própria como objetos humanos, mas aquela do cuidado, independentemente do que ou quem quer que ela abarque”.

Tal característica sinaliza para a possibilidade de que práticas cotidianas de pessoas pobres nas cidades sejam urbanamente sustentáveis. Isso se nós assumirmos sustentabilidade urbana não como parâmetro valorativo do futuro urbano socialmente desejável, mas como atributo de ações, interações ou relações sociais atuais nas cidades, cuja marca é contribuir, voluntária ou involuntariamente, para aquilo que o sempre inspirador Antonio Candido (1979, pCANDIDO, Antonio. ([1964] 1979), Os Parceiros do Rio Bonito. São Paulo, Duas Cidades.. 25) sintetizou, há muito tempo, como um equilíbrio entre “o ajuste ao meio [físico]” – no nosso caso, ambiente de humanos e não humanos no mundo urbano – e “a organização social” de gerações futuras de humanos e não humanos. Pelo que notamos, essa dimensão permanece pouco explorada nos debates tanto acadêmico quanto de políticas públicas acerca da interface entre homelessness e sustentabilidade urbana. Já a Agenda da ONU associa contribuições nesse sentido à atividade social de coleta de lixo (Dias, 2016DIAS, Sonia. (2016), “Waste pickers and cities”. Environment & Urbanization, 28, 2: 375-390. DOI: https://doi.org/10.1177/0956247816657302.; Gutberlet, 2021GUTBERLET, Jutta. (2021), “Grassroots waste picker organizations addressing the UN sustainable development goals”. World Development, 138.). Como veremos, embora a coleta de material reciclável seja relevante, há mais contribuições do morar nas ruas para o ODS 11 em jogo quando o olhar investigativo é etnográfico, transdisciplinar e voltado às interações sociais cotidianas de e em torno de pessoas em situação de rua nos espaços públicos urbanos.

Nosso interesse pela questão emergiu no âmbito do projeto anteriormente mencionado, cujo objetivo acadêmico foi “elucidar como métodos espaciais podem aprimorar a relação entre o morar nas ruas e a sustentabilidade urbana” (GCSMUS, 2023aGCSMUS (Global Center of Spatial Methods for Urban Sustainability). (2023a). SMUS Action 4 – Exchange: Pilot Project 2020-2022: “Spatial methods in action: everyday spatialities of homelessness for urban sustainability”. Disponível em https://gcsmus.org/action-4-exchange-2/, consultado em 11/08/2023.
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). Referimo-nos a métodos de pesquisa empírica forjados em torno da concepção sociológica de que o espaço não existe independentemente de relações sociais humanas, pois compreende o conjunto de relações simultâneas de seres humanos com objetos materiais, simbólicos e outros seres vivos (para sínteses, cf. Lefebvre, 2000LEFEBVRE, Henri. ([1974] 2000), La production de l’espace. Paris, Anthropos.; Löw, 2001LÖW, Martina. (2001), Raumsoziologie. Frankfurt am Main, Suhrkamp.).

Perseguindo inicialmente objetivos investigativos interdisciplinar es e, na sequência, transdisciplinares de métodos espaciais com a ajuda da Caixa de Ferramentas SMUS, sob a supervisão de uma/um de nós (Frehse), oito estudantes de pós-graduação de programas de Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, com trajetórias de pesquisa e prática profissional com PopRua, incluindo duas/dois de nós (Reis e Patitucci) – doravante referenciadas/os como “nossa equipe” –, mobilizamos um conjunto de métodos espaciais etnográficos para investigar as espacialidades cotidianas do morar nas ruas em São Paulo em tempos de Covid-19 (2020-2022). Adotando a etnografia como perspectiva epistemológica – a “perspectiva etnográfica” (Frehse, 2006, pFREHSE, Fraya. (2006), “Potencialidades de uma etnografia das ruas do passado”. Cadernos de Campo, 15, 14-15: 299-317. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v15i14-15p299-317.. 300) –, nossa equipe simultaneamente tornou estranho o familiar e familiar o estranho, enquanto interagia face a face com pessoas em situação de rua e agentes da prática envolvidas/os no trabalho social relativo ao morar nas ruas. Nosso objeto de estranhamento etnográfico foram justamente as espacialidades cotidianas do morar nas ruas, isto é, os arranjos corporais regulares que homens, mulheres e crianças fazem dos lugares públicos onde moram, enquanto atribuem significados a suas próprias interações face a face com terceiros, instituições, objetos, animais e plantas ali (Frehse, 2022, pFREHSE, Fraya. (2022), “Introdução”, in F. Frehse; C. Reis; I. Castillo Ulloa. (org.), Relato Crítico – Seminário UrbanSus “Everyday Spatialities of Dwelling in the Streets of Covid-19 São Paulo: Articulating Research and Practice”. São Paulo, IEA-USP. Disponível em https://gcsmus.org/wp-content/uploads/2022-Frehse_Ulloa_Reis-Relato-Critico-UrbanSus-II-PORT-2.pdf, consultado em 13/11/2023.
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. 5; cf. também GCSMUS, 2023aGCSMUS (Global Center of Spatial Methods for Urban Sustainability). (2023a). SMUS Action 4 – Exchange: Pilot Project 2020-2022: “Spatial methods in action: everyday spatialities of homelessness for urban sustainability”. Disponível em https://gcsmus.org/action-4-exchange-2/, consultado em 11/08/2023.
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).

A natureza da perspectiva etnográfica é fomentar a sensibilidade interacional de quem a mobiliza para conceituar a homelessness. Assim, há como buscar, na conceituação do morar nas ruas, elementos alternativos às ausências e faltas implícitas na anteriormente citada definição da ONU. O morar nas ruas se evidencia como fenômeno socioespacial. De fato, a etimologia de “morar” é o inglês medieval dwellen: “demorar-se, viver, permanecer, persistir fisicamente” (Frehse, 2020, pFREHSE, Fraya. (2020), “Introdução”, in F. Frehse; L. Kohara; C. Santana; M.A. da Costa Vieira. (org.), Relato Crítico – Seminário UrbanSus: Morar nas Ruas de São Paulo durante a Pandemia de Covid-19: Vivências, Intervenções, Pesquisas. São Paulo, IEA-USP. Disponível em https://gcsmus.org/wp-content/uploads/2020-Frehse_Kohara_Santana_Vieira-Relato-Critico-UrbanSus-I-PORT.pdf, consultado em 13/11/2023.
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. 2). Morar nas ruas é padrão de uso corporal dos espaços públicos próprio de uma “sociedade urbana” (lefebvriana) que se produz e reproduz espacialmente no planeta através, entre outros, de tal fenômeno (Frehse, 2020, pFREHSE, Fraya. (2020), “Introdução”, in F. Frehse; L. Kohara; C. Santana; M.A. da Costa Vieira. (org.), Relato Crítico – Seminário UrbanSus: Morar nas Ruas de São Paulo durante a Pandemia de Covid-19: Vivências, Intervenções, Pesquisas. São Paulo, IEA-USP. Disponível em https://gcsmus.org/wp-content/uploads/2020-Frehse_Kohara_Santana_Vieira-Relato-Critico-UrbanSus-I-PORT.pdf, consultado em 13/11/2023.
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. 3; cf. ainda Harvey, 2012, pHARVEY, David. (2012), Rebel Cities. London/New York, Verso.. 23-35).

Por tudo isso, a perspectiva etnográfica nos insere de modo peculiar também em um debate caro à Ciência Política e à Saúde Coletiva no Brasil. Enfocando políticas públicas notadamente de saúde e assistência social para a PopRua, no âmbito do campo mais amplo de estudos sobre a burocracia (Lotta e Santiago, 2017LOTTA, Gabriela; SANTIAGO, Ariadne. (2017), “Autonomia e discricionariedade: Matizando conceitos-chave para o estudo de burocracia”. BIB, 83, 1: 21-42.; Fernandez e Guimarães, 2020FERNANDEZ, Michelle; GUIMARÃES, Natália. (2020), “Caminhos teórico-metodológicos para a análise da burocracia de nível de rua”. Revista Brasileira de Ciência Política, 32: 283-322. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-335220203208.), esse debate tem se voltado ao modo como características institucionais dos serviços e políticas coadunam com o cotidiano profissional dos chamados “burocratas de nível de rua” – que atuam na implementação prática de tais serviços e políticas junto ao seu público-alvo. Os estudos identificam, assim, competências (Machado e Rabello, 2018MACHADO, Marcelo; RABELLO, Elaine. (2018), “Competências para o trabalho nos Consultórios na Rua”. Physis, 28, 4, e280413. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312018280413.) e atitudes individuais (Viana, 2016VIANA, Rosane. (2016), A implementação do serviço especializado para pessoas em situação de rua em Santo André/SP. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do ABC, Santo André.; Wijk e Mângia, 2017WIJK, Lívia; MÂNGIA, Elisabete. (2017), “O cuidado a pessoas em situação de rua: a experiência da Rede de Atenção Psicossocial da Sé”. Saúde Debate, 41, 115: 1130-1142. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104201711511.; Guimarães, 2018GUIMARÃES, Natália. (2018), Profissionais no olho do furacão. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Pernambuco, Recife.; Santos e Almeida, 2021SANTOS, Amanda; ALMEIDA, Patty. (2021), “Coordenação do cuidado no Consultório na Rua no município do Rio de Janeiro: Romper barreiras e construir redes”. Saúde Debate, 45, 129: 327-339. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202112906.) das/os agentes da prática, procedimentos institucionais (Londero et al., 2014LONDERO, Mário; CECCIM, Ricardo; BILIBIO, Luiz Fernando. (2014), “Consultório de/na rua: Desafio para um cuidado em verso na saúde”. Interface, 18, 49. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0738.; Silva et al., 2015SILVA, Carolina; CRUZ, Marly; VARGAS, Eliane. (2015), “Práticas de cuidado e população em situação de rua: O caso do Consultório na Rua”. Saúde Debate, 38, esp.: 246-256. DOI: https://doi.org/10.5935/0103-1104.2015S005270.; Engstrom e Teixeira, 2016ENGSTROM, Elyne; TEIXEIRA, Mirna. (2016), “Equipe ‘Consultório na Rua’ de Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil: práticas de cuidado e promoção da saúde em um território vulnerável”. Ciência & Saúde Coletiva, 21, 6: 1839-1848. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232015216.0782016.) e estratégias de coordenação intersetorial (Monteiro, 2019MONTEIRO, Marcela. (2019), A dimensão da intersetorialidade nas práticas do Consultório na Rua. Dissertação de Mestrado. Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.; Canato e Bichir, 2021CANATO, Pamella; BICHIR, Renata. (2021), “Intersetorialidade e redes sociais: a implementação de projetos para população em situação de rua em São Paulo”. Revista de Administração Pública, 55, 4: 995-1016. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-761220200688.).

Ora, a perspectiva etnográfica instiga uma questão alternativa, ainda pouco explorada (para uma exceção, cf. Alvarez et al., 2011ALVAREZ, Aparecida; ALVARENGA, Augusta; SOMMERMAN, Américo; RINA, Sílvia. (2011), “Pesquisa-Ação-Formação Inter e Transdisciplinar com Pessoas Envolvidas com a Questão do Morador de Rua”. Saúde e Sociedade, 20, 2: 300-313. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-12902011000200004.): quais as potencialidades e limitações metodológicas da troca de conhecimentos entre pesquisadoras/es e burocratas de nível de rua acerca do público-alvo das políticas que tais agentes da prática implementam? O projeto-piloto subjacente a este artigo investigou o papel de métodos espaciais tais como a Caixa de Ferramentas SMUS nesse (des)encontro transdisciplinar.

Quando vinculada a tal ferramental, a perspectiva etnográfica permite ainda mais: desdobrar o nosso triplo argumento acerca das contribuições do morar nas ruas para o ODS 11. Para tanto, nada como retomar brevemente o nosso percurso metodológico (cf. GCSMUS, 2023aGCSMUS (Global Center of Spatial Methods for Urban Sustainability). (2023a). SMUS Action 4 – Exchange: Pilot Project 2020-2022: “Spatial methods in action: everyday spatialities of homelessness for urban sustainability”. Disponível em https://gcsmus.org/action-4-exchange-2/, consultado em 11/08/2023.
https://gcsmus.org/action-4-exchange-2/...
). Foi em dados etnográficos ali gerados que forjamos nosso argumento.

3. Situando e sintetizando a Caixa de Ferramentas SMUS

Pesquisas etnográficas sobre o morar nas ruas são recorrentes nas Ciências Sociais desde o estudo de Nels Anderson sobre os “andarilhos [hobos]” de Chicago (Anderson, 1967ANDERSON, Nels. ([1923] 1967), The Hobo. Chicago/London, The University of Chicago Press.). Não importa que técnicas investigativas historicamente próprias da etnografia como método antropológico sejam referenciadas de modo apenas indireto, como ocorreu com o próprio Anderson. Sua introdução à reedição do livro apenas menciona a coorientação de Robert Park e seu conselho: “[r]egistrar por escrito apenas o que você vê, ouve e sabe, como um repórter jornalístico” (Anderson, 1967, pANDERSON, Nels. ([1923] 1967), The Hobo. Chicago/London, The University of Chicago Press.. 12). De fato, Park reivindicou de modo pioneiro que a Sociologia mobilizasse a “observação” de primeira mão, comum à antropologia e ao jornalismo, para compreender o “comportamento humano em ambiente urbano” (Park, 1967, pPARK, Robert. ([1925] 1967), “The City: Suggestions for the Investigation of Human Behavior in the Urban Environment”, in R. Park & E. Burgess (ed.), The City, Chicago/London, University of Chicago Press.. 3).

Bem menos comum é o uso da etnografia em projetos transdisciplinares, de interface entre os mundos da pesquisa e da prática, com o objetivo de preencher lacunas de conhecimento entre a ciência e a “mão na massa” profissional (Zscheischler et al., 2022ZSCHEISCHLER, Jana; BRUNSCH, Reiner; ROGGA, Sebastian; SCHOLZ, Roland. (2022), “Perceived risks and vulnerabilities of employing digitalization and digital data in agriculture – Socially robust orientations from a transdisciplinary process”. Journal of Cleaner Production, 358, 132034. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2022.132034.; von Schönfeld et al., 2023VON SCHÖNFELD, Kim; ROBERTI, Ana Clara; LOPES, Bruno; CONCEIÇÃO, Gisele. (2023), “(Re-)valuing and co-creating cultures of water: a transdisciplinary methodology for weaving a live tapestry of Blue Heritage”. International Journal of Heritage Studies, 29, 10: 1110-1127. DOI: https://doi.org/10.1080/13527258.2023.2234349.). Tendência análoga se aplica à etnografia como método de pesquisa espacial. Projetos investigativos são mais usuais (por exemplo, Low, 2017LOW, Setha. (2017), Spatializing Culture. New York, Routledge.; Genz e Tschoeppe, 2021GENZ, Carolin; TSCHOEPPE, Aylin. (2021), “Zur Erforschung von Räumen und Raumpraktiken”, in A. J. Heinrich, S. Marguin, A. Million & J. Stollmann (ed.), Handbuch qualitative und visuelle Methoden der Raumforschung, Stuttgart, UTB.; Wetzels, 2021WETZELS, Michael. (2021), “(Raum-)Fokussierte Ethnographie”, in A. Heinrich & S. Marguin & A. Million & J. Stollmann (ed.), Handbuch qualitative und visuelle Methoden der Raumforschung, Stuttgart, UTB.; no Brasil, Kasper, 2006KASPER, Christian. (2006), Habitar a Rua. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Campinas.; Frangella, 2009FRANGELLA, Simone. (2009), Corpos Urbanos Errantes. São Paulo, Annablume/Fapesp.; Frehse, 2013FREHSE, Fraya. (2013), “A rua no Brasil em questão (etnográfica)”. Anuário Antropológico, 38, 2: 99-129. DOI: https://doi.org/10.4000/aa.572.; Patriota de Moura e Januzzi, 2019PATRIOTA DE MOURA, Cristina; JANUZZI, Vinicius. (2019), “Brasília classificada. Novos espaços de classe média na capital federal”. Tempo Social, 31, 1. DOI: https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2019.151261.) do que iniciativas transdisciplinares – sobretudo em relação à Agenda 2030 (para exceções, cf. Kagan, 2019KAGAN, Sacha. (2019), “Retracing My Steps: A 10-YEAR Journey to Walking-Based Transdisciplinary Research”. World Futures, 75, 4: 242-259. DOI: https://doi.org/10.1080/02604027.2018.1557977.; Dymitrow e Ingelhag, 2019DYMITROW, Mirek; INGELHAG, Karin. (2019), Anatomy of a 21st-century sustainability project. Gothenburg, Mistra Urban Futures/Chalmers University of Technology.; Low, 2023LOW, Setha. (2023), Why Public Space Matters. New York, Oxford University Press.).

Baseadas/os neste debate, argumentamos que, quando assumida notadamente como perspectiva epistemológica, a etnografia possui uma versatilidade operacional única para enfrentar a questão em foco. Para tanto, o nosso caso-modelo é precisamente o percurso metodológico tetrafásico do projeto-piloto SMUS (Figura 1).

Figura 1
– A dinâmica tetrafásica do projeto-piloto

A versatilidade investigativa da perspectiva etnográfica foi decisiva na Fase 1. Estranhamos empiricamente as espacialidades cotidianas do morar nas ruas paulistanas pandêmicas recorrendo a técnicas investigativas de natureza qualitativa, próprias de pesquisas etnográficas: observação participante, entrevistas semiestruturadas e ferramentas visuais (a produção de croquis, fotografias, desenhos e mapas). Tal fase compreendeu um curso de capacitação interdisciplinar de três meses (entre novembro de 2020 e janeiro de 2021) em “coleta de dados” (Figura 1) e métodos espaciais, que Frehse e Castillo Ulloa ministraram para as/os anteriormente mencionadas/os pós-graduandas/os em Sociologia, Ciências Humanas, Arquitetura, Planejamento Urbano, Psicologia Social e Enfermagem, sendo quatro delas/es também agentes da prática profissional com PopRua.

Na Fase 2, a perspectiva etnográfica evidenciou sua relevância analítica (Figura 1). Entre os meses de março e setembro de 2021, duas/dois de nós (Frehse e Reis) triamos qualitativamente, através do software MaxQDA, as informações textuais e visuais previamente colhidas, em busca de indícios de espacialidades cotidianas do morar nas ruas. Tal análise subsidiou Frehse na seleção dos métodos espaciais que integrariam a Caixa de Ferramentas SMUS para projetos transdisciplinares em prol do ODS 11. Conforme elucidado alhures (GCSMUS, 2023bGCSMUS (Global Center of Spatial Methods for Urban Sustainability). (2023b), SMUS Action 4 – Exchange: PEIPs 2022-2023. Disponível em https://gcsmus.org/peips-2022-202/, consultado em 11/08/2023.
https://gcsmus.org/peips-2022-202/...
), o ferramental compreende, de um lado, um conjunto de técnicas de observação etnográfica das espacialidades cotidianas dos sujeitos pesquisados, ou seja, observação direta e participante, e entrevistas em movimento, as chamadas go-along interviews. De outro lado, a caixa agrega técnicas de visualização etnográfica dessas mesmas espacialidades, isto é, mapeamentos via croquis, fotografias, desenhos, incluindo gravações de WhatsApp e quaisquer outros dispositivos técnicos análogos.

Na sequência, Frehse se amparou na flexibilidade transdisciplinar da perspectiva etnográfica. Na Fase 3 do projeto (Figura 1), entre outubro e dezembro de 2021, a Caixa de Ferramentas SMUS se converteu metaforicamente em par de “óculos”, que tanto pesquisadoras/es quanto agentes da prática profissional com PopRua foram convidadas/os a colocar, para experienciar uma visão alternativa de suas próprias questões científicas e práticas.

Entrou em cena a versatilidade pedagógica da perspectiva etnográfica. Por quatro semanas, nossa equipe ofereceu um curso de capacitação sobre “Métodos espaciais para a prática profissional com população em situação de rua” a 26 agentes da prática de quatro instituições que assistem o morar nas ruas da área central da cidade, onde se concentrava então espacialmente (60%) a população em situação de rua (Qualitest, 2021aQUALITEST. (2021a), Censo da População em Situação de Rua do Município de São Paulo – 2021: Produto V – Relatório completo. São Paulo, Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo.): (i) a organização comunitária Movimento Estadual da População em Situação de Rua do Estado de São Paulo (MEPSRSP); (ii) o Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS), que, administrado pela Prefeitura paulistana e implementado por uma organização da sociedade civil (OSC), identifica e integra pessoas em situação de rua na rede municipal de serviços; (iii) o Núcleo de Convivência São Martinho, equipamento socioassistencial espacialmente fixo administrado pela Prefeitura e implementado por uma OSC; e (iv) o Consultório na Rua, serviço espacialmente móvel realizado pela mesma OSC, sob a administração municipal, que assiste a saúde física e mental de quem mora nas ruas via abordagem direta. Nossa equipe vinha interagindo com tais instituições desde a Fase 1 do projeto.

Aliamos o aprendizado etnográfico das fases anteriores ao método de Paulo Freire, de formulação de problemas de ensino localmente enraizados (Freire, 1967FREIRE, Paulo. (1967), Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra.). Assim, convertemos as espacialidades cotidianas previamente identificadas (Fase 2) em oito tópicos que duplas de estudantes propuseram às/aos agentes de cada instituição que participaram voluntariamente do curso. Durante oito “encontros de troca”, as duplas incentivaram interacionalmente as/os participantes a partilhar suas impressões verbais, visuais ou textuais acerca dos seguintes temas relacionados à PopRua, abordados sequencialmente: (i) PopRua (no início do curso); (ii) seu cotidiano dentro e fora das respectivas instituições; (iii) as espacialidades de suas moradias passadas, presentes e futuras; (iv) seus lugares de circulação cotidiana; (v) a violência na vida da PopRua; (vi) o papel de objetos pessoais, animais de estimação, plantas, de amizades e família; (vii) o lazer; (viii) PopRua (ao término do curso). Assim, estudantes e agentes da prática acabaram por estranhar etnograficamente suas próprias (pré)concepções acerca de pessoas em situação de rua antes e após seus respectivos cursos.

A Fase 4 do projeto foi avaliativa (Figura 1). Ela centrou-se nos achados prático-empíricos resultantes da troca etnográfica de olhares por meio dos “óculos” do SMUS, debatidos em um seminário transdisciplinar realizado em abril de 2022 (GCSMUS, 2023cGCSMUS (Global Center of Spatial Methods for Urban Sustainability). (2023c), Pilot Project (2020-2022): everyday spatialities of homelessness. Disponível em https://gcsmus.org/output-media/everyday-spatialities-of-homelessnes/, consultado em 11/08/2023.
https://gcsmus.org/output-media/everyday...
).

Cientes das implicações de pesquisa e extensão universitária mais amplas do projeto (GCSMUS, 2022GCSMUS (Global Center of Spatial Methods for Urban Sustainability). (2022). SMUS Output/Media: Action 4 – Exchange. Disponível em https://gcsmus.org/output-media/actions/action-4/, consultado em 11/08/2023.
https://gcsmus.org/output-media/actions/...
), importam aqui, para os fins de nossa questão balizadora, oito cadernos de campo que as/os estudantes produziram, respectivamente, em suas fases 1 e 3.

4. Pelas “Lentes” do SMUS: Interações Urbanas Sustentáveis

Os 16 cadernos compõem uma sequência cronológica de 237 relatos etnográficos e 596 materiais audiovisuais, englobando croquis, fotografias, desenhos, mapas, vídeos e áudios de WhatsApp.4 4 Incentivamos as/os agentes da prática a produzirem os mais variados materiais, para potencializarmos a identificação analítica de mudanças qualitativas no conhecimento que intermediou suas interações em campo, em torno das espacialidades cotidianas do morar nas ruas. Esses materiais figuram nos cadernos (Bernardino, 2020-2021, 2021-2022; Bernardino e Santos, 2021-2022; Cunha, 2020-2021, 2021-2022; Gil, 2020-2021; Gil e Silva, 2021-2022; Patitucci, 2020-2021, 2021-2022; Quintão, 2020-2021, 2021-2022; Quintão e Cunha, 2021-2022; Reis, 2020-2021, 2021-2022; Santos, 2020-2021; Silva, 2020-2021). Tal corpus carrega pistas de interações verbais e não verbais que nossa equipe travou com pessoas em situação de rua (Fase 1) e agentes da prática, respectivamente, que se dedicaram a tais pessoas (Fase 3) nas ruas, praças e calçadas paulistanas durante o período em que as rotinas já estruturalmente improvisadas dessas pessoas foram desafiadas de modo único pelas vulnerabilidades conjunturais, socioeconômicas e de saúde suscitadas pela pandemia.

O Brasil foi gravemente afetado pela Covid-19. Ao término do projeto-piloto SMUS, em abril de 2022, o país registrava 663,5 mil mortes e quase 30,5 milhões de infecções (Brasil, 2022BRASIL, Ministério da Saúde. (2022), Boletim Epidemiológico Especial Doença pelo Novo Coronavírus – Covid-19 Nº 111 - Boletim COE Coronavírus. Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/covid-19/2022/boletim-epidemiologico-no-111-boletim-coe-coronavirus/view, consultado em 9/8/2023.
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
; 2023BRASIL, Ministério da Saúde. (2023), Painel Coronavírus. Disponível em https://covid.saude.gov.br/, consultado em 16/8/2023.
https://covid.saude.gov.br/...
). No entanto, o pico de mortes diárias (4.200) ocorrera um ano antes, na esteira do aumento histórico de 29% no número de famílias inteiras em situação de rua em São Paulo entre os anos de 2019 e 2021 (Qualitest, 2021a, pQUALITEST. (2021a), Censo da População em Situação de Rua do Município de São Paulo – 2021: Produto V – Relatório completo. São Paulo, Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo.. 25). A pandemia exacerbou o desmantelamento político-social que a historicamente recente, mas ampla estrutura de assistência social do país já enfrentava nos níveis municipal, estadual e federal desde 2019.

O vigor interacional de nosso material etnográfico aparece em dados relativos a nove espacialidades cotidianas do morar nas ruas. Nos cadernos de campo, os espaços públicos de movimentação diária de pessoas em situação de rua são lugares de (i) rotinas diárias rígidas de interações (não) verbais dessas pessoas para transcender, tanto quanto possível, “mínimos vitais e sociais” (Candido, 1979, pCANDIDO, Antonio. ([1964] 1979), Os Parceiros do Rio Bonito. São Paulo, Duas Cidades.. 27); (ii) interações cotidianas de tais pessoas para fins de moradia; (iii) interações de trabalho implícitas em atividades que vão da mendicância à coleta de materiais recicláveis; (iv) circulações físicas entre abrigos e instituições de assistência social; (v) interações física e/ou simbolicamente violentas com pares e terceiros; (vi) interações afetuosas com animais; (vii) interações afetuosas com plantas; (viii) interações de base familiar com pares; (ix) interações lúdicas com pares e terceiros.

Sendo mais específicas/os, os cadernos de campo evidenciam a dimensão interacional face a face das espacialidades cotidianas do morar nas ruas, se as exploramos à luz das referências corporais e materiais da abordagem de Erving Goffman sobre a imediaticidade situacional da interação social face a face (Frehse, 2021a, pFREHSE, Fraya. (2021a), “The Historicity of the Refiguration of Spaces under the Scrutiny of the Pre-Covid São Paulo Homeless Pedestrians”, in A. Million; C. Haid; I. Castillo Ulloa; N. Baur. (org.), Spatial Transformations, New York, Routledge.. 50). As espacialidades cotidianas sinalizam para “padrões de espacialização da interação social” (Frehse, 2021a, pFREHSE, Fraya. (2021a), “The Historicity of the Refiguration of Spaces under the Scrutiny of the Pre-Covid São Paulo Homeless Pedestrians”, in A. Million; C. Haid; I. Castillo Ulloa; N. Baur. (org.), Spatial Transformations, New York, Routledge.. 50). Tal noção remete a regularidades simbólicas (ou seja, regras) envolvidas na imediaticidade temporal das interações (não) verbais, corporal e materialmente mediadas, que seres humanos mantêm com outros seres vivos e/ou bens materiais e simbólicos em lugares, no âmbito das fronteiras espaciais que delimitam “situações” de interação face a face (Goffman, 1963, pGOFFMAN, Erving. (1963), Behavior in Public Places. New York, The Free Press.. 18; cf. também Frehse, 2021a, pFREHSE, Fraya. (2021a), “The Historicity of the Refiguration of Spaces under the Scrutiny of the Pre-Covid São Paulo Homeless Pedestrians”, in A. Million; C. Haid; I. Castillo Ulloa; N. Baur. (org.), Spatial Transformations, New York, Routledge.. 50). Os cadernos de campo não apenas sugerem que pessoas em situação de rua e agentes da prática mobilizaram padrões de espacialização das interações com nossa equipe nos espaços públicos, como também sinalizam que tais padrões se espacializaram nas referências textuais e visuais às espacialidades cotidianas do morar nas ruas ali contidas.

Concebidas nesses termos, as nove espacialidades cotidianas revelam três tipos de interação espacializada, ou melhor, de interações face a face urbanamente sustentáveis por parte e acerca de pessoas em situação de rua nos espaços públicos. Dois desses tipos são contribuições interacionais atuais, vigentes, e a terceira futura, possível, para o ODS 11.

4.1. Espaços Públicos Atuais Ambientalmente Inclusivos e Sustentáveis

Três das nove espacialidades revelam interações sociais ambientalmente (i) sustentáveis e (ii) inclusivas. Para tanto, dialogamos com a definição da ONU de meio ambiente como “ambiente físico ou biota” que engloba “ecossistemas naturais e gerenciados” (UN, 1992, pUN. (1992), “Convention on Climate Change”. Estudos Avançados, 6, 15: 161-192.. 162). Mas também o contemplamos sob o prisma do equilíbrio entre “ajuste ao meio físico” e “organização social”, proposto por Candido (1979, pCANDIDO, Antonio. ([1964] 1979), Os Parceiros do Rio Bonito. São Paulo, Duas Cidades.. 25). Assim, não apenas a coleta de resíduos sólidos – cf. Meta 11.6 do ODS 11 (UN 2015, pUN. (2015), Transforming our world: The 2030 Agenda for sustainable development (A/RES/70/1). New York, UN.. 24) – por pessoas em situação de rua, mas o seu cuidado com animais e plantas aparecem sob uma nova luz.

No corpus de 27 relatos de campo, 17 fotografias e 5 croquis com referências (não) verbais a pessoas em situação de rua que estiveram envolvidas em questões ambientais enquanto interagiam com membros de nossa equipe, onze anotações se deixam agrupar analiticamente em torno de uma espacialidade cotidiana específica. Espaços públicos são locais de trabalho diário de dez homens cisgênero e uma mulher transgênero, respectivamente envolvidos/a na reciclagem de resíduos sólidos que as/os autoras/es dos relatos denominaram “materiais recicláveis” – e, uma vez, “lixo” e “latinhas”.

O que mais varia é o lugar referencial das interações face a face implícitas no trabalho de reciclagem. Três anotações de campo remetem a “praças” – dotadas de ajuntamentos de barracas e/ou carrinhos de mão pertencentes a pessoas em situação de rua. Patitucci, por exemplo, assinalou em janeiro de 2021 que a mulher transgênero “Eva5 5 Utilizamos pseudônimos, para fins de privacidade. tinha uma pequena mesa em frente à sua barraca”, na praça do centro histórico onde morava. Ali, “empilhava os materiais reciclados que havia conseguido coletar” (Caderno de campo [CC], Patitucci, 2020-2021, p. 68, referente a 08/01/2021). Tal registro se refere a uma sexta-feira, entre 8h e 10h, quando as pessoas em situação de rua acordam e engendram uma rotina que Patitucci definiu como “trabalhosa”. Equipes do serviço de zeladoria urbana da Prefeitura costumam lavar a praça em questão, obrigando quem mora ali, sob uma ampla marquise, a retirar “pertences, barracas, animais etc.”, sob pena de confisco ou destruição de pertences. Dentre estes, sugere Patitucci, Eva inclui também os materiais recicláveis recolhidos para venda.

Já em outras oito anotações dos cadernos, a “cidade” é o lugar referencial. No mesmo mês, o estudante Santos, de nossa equipe, anotou que “o trabalho de Valter [com materiais recicláveis] o leva para lugares muito distantes” geograficamente da praça em que morava. A fim de trabalhar, “ele diz não fazer nenhum tipo de planejamento prévio de rota, [mas] simplesmente circular pela cidade”. Portanto, “às vezes durmo na rua mesmo, porque estou muito longe de casa. Às vezes nem sei onde estou” (CC Santos, 2020-2021, p. 18, referente a 14/01/2021). A coleta de materiais transcorria mediante deslocamentos a pé, durante muitas horas, com a ajuda de pesados carrinhos de mão ou sacos plásticos, onde os materiais eram reunidos para posterior venda. A intensidade corporal da interação com o espaço público parece fazer o referencial espacial transcender ruas e praças específicas, englobando a cidade toda.

Ora, a Meta 11.6 do ODS 11 tem como indicadores a coleta regular e o “descarte final adequado” dos “resíduos sólidos urbanos gerados pelas cidades”. As interações espacializadas mencionadas até aqui alçam pessoas em situação de rua instantaneamente a colaboradoras desta mesma meta. Não importa que o termo “sustentabilidade urbana” esteja ausente dos relatos verbais que tais sujeitos fizeram à nossa equipe acerca de suas atividades diárias de trabalho. Sob o prisma goffmaniano, o caráter (in)consciente da “performance” importa menos do que a natureza situacional das “condutas” padronizadas implícitas na interação face a face (cf., entre outros, Goffman, 1959, pGOFFMAN, Erving. (1959), The Presentation of Self in Everyday Life. New York, Anchor.. 29; 1963, p. 28).

Sendo qualitativos, nossos dados não permitem identificar contribuições quantificáveis de pessoas em situação de rua para a Meta 11.6 da ONU. Contudo, sinalizam que as interações ambientalmente sustentáveis, implícitas na coleta de resíduos por pessoas em situação de rua nos espaços públicos paulistanos, podem ter impactado na cifra de “700.000 toneladas de resíduos recicláveis” que “catadores autônomos” coletaram na cidade em 2019 (Cseh et al., 2022, pCSEH, Amanda; CARVALHO, Isabela; VALLIN, Isabella; GONÇALVES-DIAS, Sylmara. (2022), “A coleta seletiva no município de São Paulo”, in S. Gonçalves-Dias; L. Ziglio; A. Cseh. (org.), Coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos, São Paulo, Blucher.. 128). De fato, catadoras/es envolvidas/os na venda independente de resíduos coletados em condições econômicas adversas responderam, então, por 90% de todas/os as/os envolvidas/os na coleta de resíduos recicláveis de São Paulo (Cseh et al., 2022, pCSEH, Amanda; CARVALHO, Isabela; VALLIN, Isabella; GONÇALVES-DIAS, Sylmara. (2022), “A coleta seletiva no município de São Paulo”, in S. Gonçalves-Dias; L. Ziglio; A. Cseh. (org.), Coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos, São Paulo, Blucher.. 128).

Enquanto a espacialidade cotidiana dos espaços públicos como lugares de trabalho diário de pessoas em situação de rua explicita uma contribuição interacional atualmente vigente de tais sujeitos para o ODS 11, tudo é menos evidente nas espacialidades relativas aos espaços públicos como palcos cotidianos de interações afetuosas de pessoas em situação de rua, respectivamente com animais e plantas. Treze anotações de campo trazem referências verbais às interações afetuosas que (sete) homens cisgênero, (duas) mulheres cis e (duas) transgênero, bem como (duas) crianças, nutriram com animais – principalmente cães (doze vezes) e um gato –, diante de membras/os de nossa equipe. Praças e calçadas apareceram no corpus (três vezes) como lugares habituais de criação de cães, sempre flagrados ao redor dos donos e dos lugares onde eles então pernoitavam (Figura 2).

Figura 2
– Pessoas em situação de rua e cães na frente de um ajuntamento de barracas – Praça do Patriarca, sexta-feira, 11/12/2020

O papel explicitamente afetuoso dos animais na vida cotidiana de pessoas em situação de rua aparece, entre outros, no relato de Eva a Patitucci (2020-2021, p. 68, referente a 08/01/2021). Concebendo sua gata como “minha filhinha”, ela preferiu permanecer nas ruas a se mudar sem o animal para um abrigo municipal voltado a mulheres e famílias. Tal preferência se expressou não apenas no diálogo com Patitucci, mas na disposição física dos pertences de Eva: a mesma mesinha que reunia os materiais reciclados reservava “espaço definido para o gato, com uma caminha” (CC Patitucci, 2020-2021, p. 68, referente a 08/01/2021).

Outras quatro expressões (não) verbais explícitas de cuidado registradas por nossa equipe se dirigiram a cães, quer em praças do centro histórico (três vezes), quer na calçada de um parque do chamado centro expandido paulistano. Patitucci presenciou uma cena pungente no mais antigo local da cidade, o Pátio do Colégio, enquanto conversava com Rita na frente de sua barraca, durante um crepúsculo de novembro de 2020. Ao receber das mãos de um homem em situação de rua duas marmitas, a mulher as abriu as e alocou no chão, para que “os 4 cachorros que dormiam dentro das barracas” comessem “quando acordassem” (CC Patitucci, 2020-2021, p. 22, referente a 18/11/2020).

Uma última faceta da dinâmica interacional em foco concerne a expressões corporais explícitas de afeição para com animais (três vezes), que nossa equipe flagrou em praças. Ao meio-dia de um dia de semana daquele mesmo primeiro de novembro pandêmico, Silva flagrou, na Praça da Sé, um homem “recém-saído da barraca [que] voltou a ela, brincou com um cachorro que ali se encontrava preso a uma coleira, colocou água em um pote rosa para que ele bebesse e saiu pela praça caminhando” (CC Silva, 2020-2021, p. 11, referente a 16/11/2020).

Espacialidade análoga se destaca em apontamentos relativos às interações afetuosas que particularmente homens nutriam com plantas nas calçadas (três vezes). Ainda em novembro, só que em uma manhã de dia de semana no distrito da Mooca, Santos notou plantas verdes em “ambos os lados da rua [João Tobias]”. Cultivadas “em vasos e outras em latas”, elas conferiam “uma estética mais aconchegante ao local, romperam com o cinza da calçada e do asfalto e ornaram o colorido das barracas” (CC Santos, 2020-2021, p. 24, referente a 27/11/2020).

Quase dois meses depois, o mesmo Santos registrou a “felicidade” de Martim quando ele o questionou sobre uma amoreira ao lado de sua barraca (Figura 3).

Figura 3
– Barraca e plantas de Martim, calçada na Mooca, quinta-feira 14/01/2021

Martim respondeu: “'Esse é o meu benzinho, o amor da minha vida'. Ele conversava com as plantas enquanto me mostrava o que tinha nos vasos” (CC Santos, 2020-2021, p. 67, referente a 14/01/2021).

Além de desempenhar um papel afetivo no dia a dia de Martim, o alocar de plantas em frente e ao redor da barraca cumpre uma tarefa ambientalmente protetiva. Quando Santos pediu a Martim que desenvolvesse sua reflexão sobre a alocação, este contou que “é por causa do lixo que muitas pessoas jogavam”. Entendendo que “as árvores demonstram o cuidado com o lugar”, pessoas se absteriam de jogar lixo perto da barraca, onde ele teria começado a plantar dois anos antes, quando ali chegou (CC Santos, 2020-2021, p. 67-68, referente a 14/01/2021).

Tais observações etnográficas convergem com referências qualitativas outras. Estas remetem à relevância que plantas e animais têm na rotina diária de pessoas em situação de rua (cf. respectivamente Frehse, 2021bFREHSE, Fraya. (2021b), Street Architecture in Covid-19 São Paulo [Filme]. Architekturmuseum der Technische Universität München. 23 min. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=a-o3aaE22mM&ab_channel=ArchitekturmuseumderTUM, consultado em 13/11/2023.
https://www.youtube.com/watch?v=a-o3aaE2...
, partes 2 e 3; Bailey et al., 2023BAILEY, Chelsie; HOCKENHULL, Jo; ROONEY, Nicola. (2023), “'A part of me': The value of dogs to homeless owners and the implications for dog welfare”. Zoophilologica. Polish Journal of Animal Studies, special issue: 1-32. DOI: https://doi.org/10.1002/vetr.3372.; Cleary et al., 2020CLEARY, Michelle; VISENTIN, Denis; THAPA, Deependra; WEST, Sancia; RAEBURN, Toby; KORNHABER, Rachel. (2020), “The homeless and their animal companions: an integrative review”. Administration and Policy in Mental Health and Mental Health Services Research, 47: 47-59. DOI: https://doi.org/10.1007/s10488-019-00967-6.). Para os fins deste artigo, a espacialização interacional da afeição por animais e plantas nos espaços públicos ilumina uma segunda dimensão, ainda inexplorada, da sustentabilidade ambiental. Em suas interações afetivas diárias de cuidado com seres não humanos, tais como animais e plantas, pessoas em situação de rua inadvertidamente promovem interações ambientalmente inclusivas.

As interações afetuosas aqui em foco também concernem à Meta 11.7, que se concentra na promoção de “espaços públicos inclusivos e verdes”. Nesse caso, os destinatários da inclusão são antes sujeitos ambientais não humanos do que “mulheres e crianças, idosos e pessoas com deficiência”. Vale lembrar que a definição da ONU de “inclusão social” remete ao “processo de aprimorar os termos de participação, na sociedade, de pessoas em desvantagem com base em idade, sexo, deficiência, raça, etnia, origem, religião e status econômico ou outro, através de oportunidades aprimoradas, acesso a recursos, voz e respeito aos direitos” (UN, 2016, pUN. (2016), Leaving no one behind: The imperative of inclusive development. Report on the World Social Situation 2016 (ST/ESA/362). New York, UN.. 20). Em suma, a inclusão social abrange todo o espectro planetário de diferenças (não) humanas. Por meio das interações diárias que travam com animais e plantas nos espaços públicos paulistanos em meio a suas profundas vulnerabilidades, pessoas em situação de rua demonstram de modo inequívoco sua contribuição tácita, embora proativa, para uma expansão do escopo antropológico da noção de inclusão social mobilizada pela ONU. Elas alçam a dimensão ambiental da inclusão social nos espaços públicos a uma questão de sustentabilidade urbana.

4.2. Espaços Públicos Futuros Socialmente Inclusivos

Enquanto os dados etnográficos produzidos na Fase 1 do projeto evidenciam duas contribuições ambientais já vigentes do morar nas ruas para o ODS 11, aqueles forjados no curso das/os 26 agentes da prática (Fase 3) trazem uma perspectiva futura de espaços públicos mais inclusivos. Para tanto, são analiticamente relevantes três outras espacialidades.

Uma vez incentivadas/os pelas duplas de nossa equipe a estranhar suas próprias pré-concepções sobre pessoas em situação de rua enquanto refletiam, a cada “encontro”, sobre temas relativos às nove espacialidades em foco, oito agentes produziram 16 comentários cruciais para os fins deste artigo. As observações de três assistentes sociais mulheres e cinco homens evidenciam uma notável reflexividade acerca do próprio conhecimento, ensejada pelas trocas transdisciplinares favorecidas pelo ferramental SMUS.

A primeira espacialidade abordada no curso foi o ordenamento social do espaço público como lugar de moradia. A retomada do tema durante os encontros subsequentes levou um membro de nossa equipe a registrar em seu caderno:

Quando [a psicóloga, coordenadora do SEAS,] Regiane, indicou-me o Bar do Peixe e lembrou-me da história de Juca, que contara na semana anterior [e que girava em torno da briga que esse homem em situação de rua iniciara com o bar e uma igreja pentecostal alocada do outro lado da calçada onde costumava dormir, pelo fato de quererem tirá-lo de lá], perguntei a ela o que era aquele espaço para Juca, que o fazia comprar aquela briga com a igreja e o bar. “É a casa dele”, respondeu ela (CC Reis, 2021-2022, p. 34, referente a 02/12/2021).

Na semana anterior, durante o primeiro encontro da capacitação, na sede do SEAS onde trabalhava, Regiane mencionara a Reis e Patitucci que Juca vivia na referida esquina, mas em momento algum se referira a tal lugar como sua “casa”. Naquele momento, ela se preocupava com as reiteradas recusas de Juca às ofertas de vagas em centros de acolhida que ela própria e sua equipe lhe faziam, ao mesmo tempo em que fazia denúncias constantes à Ouvidoria da Prefeitura. Mencionou, então, que Juca alegava “sofrer agressões e perseguições dos pastores e, sobretudo, dos seguranças da igreja, que estariam, segundo Juca, associados aos funcionários de um bar do outro lado da esquina, chamado Bar do Peixe” (CC Reis, 2021-2022, p. 28, referente a 25/11/2021). Já durante o segundo encontro conosco, referenciado na citação acima, ao nos apontar visualmente a esquina onde Juca vivia, Regiane associou espontaneamente a mesma ao que seria a “casa” de Juca.

Na imediaticidade da interação corporal e materialmente mediada, a equipe flagrou um insight cognitivo em Regiane, quanto às espacialidades cotidianas do morar nas ruas. Seu idioma corporal nos revelou ali e então o momento exato em que lhe “caiu a ficha” sobre o porquê da insistência de Juca em permanecer na referida esquina (CC Reis, 2021-2022, p. 34, referente a 02/12/2021).

Dois outros fragmentos textuais também evidenciam o fortalecimento interacional de uma concepção sobre os espaços públicos que até então não tínhamos captado entre as/os respectivas/os agentes: seriam lugares de moradia de pessoas em situação de rua. Em momentos e locais distintos, as/os assistentes sociais Patrícia e Emerson comentaram subitamente com membras/os de nossa equipe que pertences pessoais de pessoas em situação de rua constituiriam sua “casa”. Espontaneamente, Patrícia afirmou “que a barraca, por exemplo, é casa para eles”, e Emerson admitiu: “eu nunca tinha me dado conta, mas recentemente eu percebi que aquilo que eles carregam nas costas é a casa deles, tudo que eles têm está naquela mochila”. Tais falas não apenas tangenciam toda a riqueza antropológica da “casa” no Brasil (DaMatta, 1997DAMATTA, Roberto. ([1985] 1997), A Casa & a Rua. Rio de Janeiro, Rocco.; CC Quintão e Cunha, 2021-2022, p. 20, referente a 03/12/2021; CC Patitucci, 2021-2022, p. 52, referente a 21/12/2021), como também sugerem que a dinâmica interacional fomentada pela Caixa de Ferramentas SMUS contribuiu para uma ampliação perceptível do horizonte cognitivo das/os agentes da prática acerca do uso corporal diário que pessoas em situação de rua fazem dos espaços públicos por meio de suas interações com objetos materiais.

Evidentemente, não se trata de pressupor uma relação causal entre o uso do ferramental e mudanças interacionais das/os agentes da prática. Não pretendemos, aqui, qualquer avaliação de instrumentos de política pública. Sabemos que avaliações do gênero implicam expectativas pré-definidas em relação aos resultados, enquanto a perspectiva etnográfica, por se basear epistemologicamente na busca de um “diálogo para valer” com o outro (Viveiros de Castro, 2002, pVIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2002). A Inconstância da Alma Selvagem. São Paulo, Cosac&Naify.. 486), dispensa expectativas: o conhecimento é forjado nos resultados desse diálogo (Frehse, 2011, pFREHSE, Fraya. (2011), Ô da rua. São Paulo, EDUSP.. 35). Interessa-nos menos uma mudança permanente na prática profissional regular dessas/es agentes do que o caráter propriamente interacional do insight.

Quatro outros trechos de campo remetem aos espaços públicos como lugares de interações pautadas em laços familiares. O impacto do “encontro” sobre o tema em Regiane se evidenciou no dia subsequente, quando Reis recebeu a seguinte fotografia legendada, que incluiu em seu diário de campo (Figura 4).

Figura 4
– “[E]ssa imagem reflete uma das formas como é visto família pop rua.... Instalados em barracas como se fosse uma vila, como se fossem vizinhos, uma vez classificados como ‘quem está do meu lado cuida de mim’” – Praça da República, quinta-feira 16/12/2021

Tal material é indissociável de um diálogo que a agente manteve com Reis na véspera, enquanto ambas/os se deslocavam por uma histórica avenida do centro paulistano:

Regiane pareceu surpresa e intrigada com os questionamentos sobre família. Afirmou que as famílias de rua se uniam e se dissociavam “de um dia para o outro”. E ponderou que essas famílias de rua eram compostas por “amigos conhecidos na rua”. Provoquei: “aquilo que nós chamamos de família é marcado sobretudo por vínculos de sangue. Qual você acha que é a natureza do vínculo que define o que seja família pra PopRua?”. [...]. “Acho que é o cuidado”, lançou. “Enquanto um cuida do outro, é família”, completou (CC Reis, 2021-2022, p. 84, referente a 15/12/2021; grifos nossos).

Embora de origens sociais bem distintas daquela de Regiane, três agentes do Movimento Estadual da População em Situação de Rua do Estado de São Paulo (MEPSRSP) com trajetórias pessoais prévias de moradia nas ruas adotaram argumentação análoga, durante o “encontro” sobre o tema na sede da associação comunitária. Em interação verbal com a dupla de nossa equipe, João, Robson e José, respectivamente, ressaltaram que nas ruas a família se forma independentemente dos “laços de sangue”, por pessoas que “vivem juntas”; portanto, “a gente pode escolher [a própria] família” (CC Quintão e Cunha, 2021-2022, p. 36, referente a 26/12/2021).

Muitas vezes tal raciocínio veio acompanhado de alusões a conflitos passados ou presentes com as respectivas famílias biológicas. Isso não surpreende quando se considera que, em outubro de 2021, quase 35% das pessoas em situação de rua de São Paulo citaram “conflitos familiares” como principal motivo para morar nas ruas ou abrigos municipais (Qualitest, 2021b, pQUALITEST. (2021b), Censo da População em Situação de Rua do Município de São Paulo – 2021: Produto IX – Perfil Socioeconômico. São Paulo, Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo.. 35). Por outro lado, morar nas ruas implica se vincular diariamente com “famílias de rua”, dotadas de marcadores identitários específicos (Frehse, 2013, pFREHSE, Fraya. (2013), “A rua no Brasil em questão (etnográfica)”. Anuário Antropológico, 38, 2: 99-129. DOI: https://doi.org/10.4000/aa.572.. 120; 2021a, p. 53).

Em três de quatro casos, o raciocínio se entrelaçou à terceira e última espacialidade em foco – já mencionada anteriormente: os espaços públicos como lugares de interações afetuosas com animais. Patrícia resumiu: “o bicho às vezes é família também”, além de “proteção” (CC Patitucci, 2021-2022, p. 52, referente a 21/12/2021; Patitucci, 2021-2022, p. 38, referente a 15/12/2021). Já Emerson e Robson associaram animais a “companheiros” de pessoas em situação de rua (CC Santos, 2021-2022, p. 28, referente a 08/12/2021; CC Quintão e Cunha, 2021-2022, p. 35, referente a 16/12/2021).

Assim, o conhecimento forjado em encontros de troca etnográfica amparada em métodos espaciais específicos carrega outras implicações cognitivas. Se as/os agentes da prática aplicam esse conhecimento em sua rotina profissional com e em relação a pessoas em situação de rua, se tornam agentes ativas/os do ODS 11, sobretudo da Meta 11.1, que gira em torno de iniciativas para uma moradia “adequada”. Afinal, a própria natureza do conhecimento em foco é socialmente inclusiva. Se levado a sério em políticas públicas e projetos arquitetônicos de moradia, ele ampliaria simultaneamente o espectro dos (i) perfis sociais de pessoas em situação de rua elegíveis para moradias sociais e (ii) desafios a serem enfrentados pelo programa arquitetônico e pelo trabalho social. Pelas “lentes” do ferramental SMUS, uma moradia adequada necessariamente inclui espaço para pertences pessoais e carrinhos de mão, animais de estimação e famílias formadas na rua.

Daí porque afirmamos que a contribuição socialmente inclusiva das/os agentes da prática com pessoas em situação de rua para o ODS 11 reside no futuro. A fim de que esse conhecimento socialmente inclusivo impacte a política pública, é imperativo que ele se torne evidente não apenas para autoridades públicas, mas para a comunidade acadêmica.

Nosso projeto transdisciplinar pretende dar um passo metodológico nesta direção.

5. Conclusão

Nossos resultados interpretativos devem tudo ao percurso investigativo acerca das espacialidades cotidianas do morar nas ruas que palmilhamos com a ajuda da Caixa de Ferramentas SMUS. Menos do que detalhar aqui suas potencialidades metodológicas e prático-empíricas (cf. a respeito Frehse, Reis, e Patitucci, em preparação), importa sintetizar o que as interações ambientalmente sustentáveis e inclusivas, além daquelas socialmente inclusivas implícitas no morar nas ruas, revelam sobre:

a) pessoas em situação de rua:

(i) Elas contribuem para o ODS 11 através de suas interações ambientalmente sustentáveis e inclusivas nos espaços públicos urbanos.

(ii) Seu engajamento notadamente na coleta de recicláveis arranja estruturalmente suas rotinas na rua. Então, interações ambientalmente sustentáveis ligadas à venda de resíduos transcendem em muito a dimensão socioeconômica da atividade, ao mesmo tempo em que tencionam a preservação ambiental. Afinal, o senso comum acerca da presença de resíduos (não) recicláveis nas ruas os associa a “lixo”.

(iii) O vigor da mediação física de tais materiais no morar nas ruas é indissociável de práticas de produção de domesticidade ali (Frehse, 2021bFREHSE, Fraya. (2021b), Street Architecture in Covid-19 São Paulo [Filme]. Architekturmuseum der Technische Universität München. 23 min. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=a-o3aaE22mM&ab_channel=ArchitekturmuseumderTUM, consultado em 13/11/2023.
https://www.youtube.com/watch?v=a-o3aaE2...
; Fraiman, 2017FRAIMAN, Susan. (2017), Extreme Domesticity. New York, Columbia University Press.; Banerjee, 2023BANERJEE, Paroj. (2023), “Making-home from below: Domesticating footpath and resisting “homelessness” in Mumbai”. Antipode, 55, 1: 5-26. DOI: https://doi.org/10.1111/anti.12889.).

b) agentes da prática com pessoas em situação de rua:

(i) Elas/es têm como contribuir para o ODS 11 por meio de um conhecimento socialmente inclusivo relativo às perspectivas de moradia de tais pessoas, se incentivadas/os metodologicamente a uma sensibilidade espacial enraizada na perspectiva etnográfica.

c) ativistas do ODS 11:

(i) Impõe-se-lhes um desafio público-político peculiar de “reconhecimento” da justiça social (Honneth, 2004HONNETH, Axel. (2004), “Recognition and Justice: Outline of a Plural Theory of Justice”. Acta Sociologica, 47, 4: 351-364. DOI: https://doi.org/10.1177/0001699304048668.), dada a transitoriedade temporal e espacial do fenômeno social implícito, aqui, nas três contribuições interacionais de pessoas em situação de rua evidenciadas para a sustentabilidade urbana. Qual a potencialidade política de padrões de interação face a face e conhecimentos forjados nos provisórios e improvisados limites situacionais do espaço interacional?

d) o ODS 11:

(i) Ele conta com uma dimensão interacional-espacial. As contribuições para o ODS 11 mais enraizadas localmente e baseadas em evidências se dão no fluxo transitório e situacional das interações face a face.

(ii) Carrega um desafio temporal peculiar. A noção de “agenda” pressupõe a concepção de que um futuro urbano sustentável depende do avanço de iniciativas contemporâneas contra o morar nas ruas. Porém, e se o morar nas ruas não apenas perdurar, mas se expandir – como vem fazendo já desde a década de 2010, quando se tornou um fenômeno global? (Frehse, 2021aFREHSE, Fraya. (2021a), “The Historicity of the Refiguration of Spaces under the Scrutiny of the Pre-Covid São Paulo Homeless Pedestrians”, in A. Million; C. Haid; I. Castillo Ulloa; N. Baur. (org.), Spatial Transformations, New York, Routledge.) Como lidar de modo efetivo com a reprodução diária do morar nas ruas enquanto o futuro sustentável “não chega”?

e) a agenda da sustentabilidade urbana:

(i) deixa de ser um valor ideológico para virar parâmetro metodológico para a compreensão de como interações cotidianas aparentemente insignificantes contribuem (ou não) para o equilíbrio entre o meio ambiente e a organização social de gerações futuras de humanos e não humanos. A própria noção de “inclusão social” implícita na sustentabilidade urbana (UN, 1996UN. (1996), Report of the World Summit for Social Development. New York, UN.) e expressa na Meta 11.7 se torna empiricamente mais versátil e, também, “inclusiva” às contribuições que pessoas em situação de rua oferecem a “espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes”, em cidades marcadas por abissais desigualdades sociais, como são as brasileiras (UN, 2015, pUN. (2015), Transforming our world: The 2030 Agenda for sustainable development (A/RES/70/1). New York, UN.. 24).

Agradecimentos

Agradecemos ao SMUS por financiar as/os estudantes Ana Gil, Anna Silva, Ednan Santos, Giovanna Bernardino, Paula Quintão e Tales Cunha, afora Caio Reis e Giulia Patitucci. Sob a orientação de Fraya Frehse, elas/es realizaram o trabalho de campo etnográfico subjacente a este artigo no âmbito da Ação 4 do SMUS, coordenada por Frehse.66 Disponível em https://gcsmus.org/action-speakers-for-action-4/, consultado em 15/05/2024.6
Disponível em https://gcsmus.org/action-speakers-for-action-4/, consultado em 15/05/2024.
Nossa gratidão se estende ainda a cada membra/o da equipe e às pessoas em situação de rua e agentes da prática que participaram do projeto; ademais, à Valéria Jurado por contribuir com uma fotografia de campo e a Ignacio Castillo Ulloa, coordenador científico da Ação 4 do SMUS. O SMUS é financiado pelo Ministério Alemão de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (BMZ) por meio do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) – Projeto No. 57526630. Enfim, somos gratas/o às/aos pareceristas da Revista Brasileira de Ciências Sociais pelas estimulantes sugestões.
  • Cadernos de campo

    Bernardino. 2020-2021. São Paulo: manuscrito digitado, 134 páginas.
    Bernardino. 2021-2022. São Paulo: manuscrito digitado, 41 páginas.
    Bernardino e Santos. 2021-2022. São Paulo: manuscrito digitado, 40 páginas.
    Cunha. 2020-2021. São Paulo: manuscrito digitado, 99 páginas.
    Cunha. 2021-2022. São Paulo: manuscrito digitado, 26 páginas.
    Gil. 2020-2021. São Paulo: manuscrito digitado, 130 páginas.
    Gil e Silva. 2021-2022. São Paulo: manuscrito digitado, 77 páginas.
    Patitucci. 2020-2021. São Paulo: manuscrito digitado, 99 páginas.
    Patitucci. 2021-2022. São Paulo: manuscrito digitado, 55 páginas.
    Quintão. 2020-2021. São Paulo: manuscrito digitado, 67 páginas.
    Quintão. 2021-2022. São Paulo: manuscrito digitado, 78 páginas.
    Quintão e Cunha. 2021-2022. São Paulo: manuscrito digitado, 58 páginas.
    Reis. 2020-2021. São Paulo: manuscrito digitado, 81 páginas.
    Reis. 2021-2022. São Paulo: manuscrito digitado, 129 páginas.
    Santos. 2020-2021. São Paulo: manuscrito digitado, 87 páginas.
    Silva. 2020-2021. São Paulo: manuscrito digitado, 80 páginas.
  • 1
    São nossas as traduções para o português cujas/os autoras/es não aparecem na Bibliografia.
  • 2
    O historicamente decisivo Relatório Brundtland da ONU define desenvolvimento sustentável como aquele "que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades" (WCED, 1987, pWCED. (1987), Report of the World Commission on Environment and Development. New York, UN Secretary-General.. 43; cf. também UN, 2023UN. (2023), “What is Sustainable Development”. Disponível em https://www.un.org/sustainabledevelopment/blog/2023/08/what-is-sustainable-development-2/, consultado em 13/11/2023.
    https://www.un.org/sustainabledevelopmen...
    ).
  • 3
    Consideramos que o termo português “persistência” traduz melhor “endurance” do que “resistência” (Simone, 2019bSIMONE, AbdouMaliq. (2019b), “O Inabitável”. Trad. B. Jaguaribe. Revista Eco-Pós, 22, 3. DOI: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v22i3.27411.).
  • 4
    Incentivamos as/os agentes da prática a produzirem os mais variados materiais, para potencializarmos a identificação analítica de mudanças qualitativas no conhecimento que intermediou suas interações em campo, em torno das espacialidades cotidianas do morar nas ruas. Esses materiais figuram nos cadernos (Bernardino, 2020-2021, 2021-2022; Bernardino e Santos, 2021-2022; Cunha, 2020-2021, 2021-2022; Gil, 2020-2021; Gil e Silva, 2021-2022; Patitucci, 2020-2021, 2021-2022; Quintão, 2020-2021, 2021-2022; Quintão e Cunha, 2021-2022; Reis, 2020-2021, 2021-2022; Santos, 2020-2021; Silva, 2020-2021).
  • 5
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Bibliografia

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2023
  • Aceito
    03 Maio 2024
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