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Aborto por anencefalia na Câmara dos Deputados do Brasil

Abortion due to anencephaly in Brazil's Chamber of Deputies

Resumo:

O aborto por anencefalia se tornou assunto público a partir da década de 1990, especialmente em virtude dos avanços da medicina fetal, assim como pela inexistência de terapias viáveis para reversão do quadro clínico. Neste cenário, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 de 2004, ação movida no Supremo Tribunal Federal (STF), visou requerer o direito ao aborto nesses casos. Entre 2004 e 2012, a ADPF nº 54 passou pelo processo de apreciação, deliberação e decisão pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de reconhecer o direito da gestante a interromper a gestação de fetos anencéfalos. O objetivo deste artigo é analisar a forma como o aborto por anencefalia repercutiu na Câmara dos Deputados do Brasil. Para isso, como metodologia da pesquisa, o artigo utilizou de análise de conteúdo dos pronunciamentos dos deputados federais, entre os anos de 2004 e 2013. A pergunta que orientou a redação foi: “quais as posições e argumentos mobilizados pelos/as parlamentares para se pronunciarem sobre o aborto por anencefalia?”. Os resultados apontam para a proeminência de posições regressivas em comparação àquelas a favor da ampliação do direito ao aborto nesta circunstância, bem como a constituição de uma base argumentativa assentada em premissas irredutíveis quanto ao direito à vida desde a concepção, fundamentada em premissas religiosas, conspiratórias e negacionistas com relação à ciência.

Palavras-chave:
anencefalia; aborto; Câmara dos Deputados; discursos; Brasil

Abstract:

Abortion due to anencephaly became a public issue from the 1990s onwards, especially due to advances in fetal medicine, as well as the lack of viable therapies to reverse the clinical condition. In this scenario, the Claim of Non-Compliance with Fundamental Precepts (ADPF) No. 54 of 2004, an action filed in the Federal Supreme Court (STF), aimed to request the right to abortion in these cases. Between 2004 and 2012, ADPF nº 54 went through the process of assessment, deliberation, and decision by the Federal Supreme Court, in order to recognize the right of pregnant women to terminate the pregnancy of anencephalic fetuses. The objective of this article is to analyze the way in which abortion due to anencephaly had repercussions in the Brazilian Chamber of Deputies. To this end, as a research methodology, the article used content analysis of the statements made by federal deputies, between the years 2004 and 2013. The question that guided the writing was: “what are the positions and arguments mobilized by parliamentarians to pronounce on abortion due to anencephaly?” The results point to the prominence of regressive positions in comparison to those in favor of expanding the right to abortion in this circumstance, as well as the constitution of an argumentative basis based on irreducible premises regarding the right to life from conception, based on religious, conspiratorial premises and denialists regarding science.

Keywords:
anencephaly; abortion; House of Representatives; speeches; Brazil

1. Introdução1 1 Agradeço imensamente a colaboração e as sugestões realizadas pelas/os pareceristas anônimas/os da RBCS. Agradeço à equipe editorial da RBCS, em especial às professoras Danusa Marques e Rayza Sarmento, pela atenção e compreensão em todo o processo envolvido até aprovação do texto, assim como à Lanna Ribeiro, revisora da RBCS, pelas contribuições na correção, adequação e aprimoramento do texto. Agradeço também às agências de fomento à pesquisa CAPES, CNPq, FAPERGS e FAPDF, por possibilitarem de diferentes formas a realização desta investigação.

Desde o início dos anos 2000 o Brasil iniciou um processo profundo, tenso e prolongado de discussão, a saber: a possibilidade de aborto em fetos diagnosticados com anencefalia. A anencefalia é uma má-formação congênita no tubo neural de um feto, provocando morte cerebral, verificável nas primeiras semanas da gestação. Nestes casos, o feto pode já nascer morto (natimorto) ou sobreviver apenas por poucas horas ou dias. Não há cura, apenas tratamentos para atenuar os efeitos (Penna, 2005PENNA, Maria Lúcia Fernandes. (2005), “Anencefalia e morte cerebral (neurológica)”.Physis: Revista de Saúde Coletiva, 15, 1:95-106. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312005000100006.).

O aborto por anencefalia se tornou assunto público a partir dos avanços da medicina fetal, assim como pela inexistência de terapias viáveis para reversão do quadro clínico (Penna, 2005PENNA, Maria Lúcia Fernandes. (2005), “Anencefalia e morte cerebral (neurológica)”.Physis: Revista de Saúde Coletiva, 15, 1:95-106. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312005000100006.). Sendo assim, a difusão e disseminação de aparelhos capazes de realizar exames de ecografia, sobretudo em hospitais públicos, com o propósito de visualizar estruturas e órgãos do corpo humano, possibilitou a realização de diagnósticos irrefutáveis de gestações de fetos anencéfalos em fases iniciais. A partir disso, desde 1992 o Poder Judiciário autorizou em torno de 3.000 abortos de fetos diagnosticados com anencefalia (Diniz, 2003DINIZ, Debora. (2003), “Antecipação terapêutica do aborto: uma releitura bioética do aborto por anomalia fetal”, in D. Diniz; D.C. Ribeiro. (org.), Aborto por anomalia fetal. Brasília, Letras Livres.).

Neste cenário, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, em conjunto com o ANIS, Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, elaboraram a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 de 2004 para requerer o direito ao aborto nesses casos, em ação movida no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2004, o ministro Marco Aurélio Mello do STF, relator da ADPF nº 54, expediu uma liminar que reconhecia o direito da gestante a interromper a gestação de fetos anencéfalos, além de suspender processos criminais relacionados ao assunto. Isto com base nos danos psicológicos e nos riscos à saúde das mulheres devido à gestação de um feto inviável. Em outubro do mesmo ano, os ministros do STF decidiram cassar tal liminar. Em 2008, o STF realizou Audiência Pública, em quatro sessões, para debater a questão. Nesta ocasião participaram entidades e especialistas da área científica e da saúde, movimentos sociais, entidades religiosas e representantes políticos do Poder Legislativo e Executivo. Em abril de 2012, por oito votos a dois, os ministros do STF acompanharam o voto do relator, Ministro Marco Aurélio Mello, pela autorização do aborto em casos de anencefalia (Brasil, 2012hBRASIL. (2012h), Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54. Relator: MELLO, M. A. de. Publicado no DJ de 12/04/2012, p. 433.; Luna, 2021LUNA, Naara. (2021), “O direito ao aborto em caso de anencefalia: uma análise antropológica do julgamento da ADPF 54 pelo Supremo Tribunal Federal”. Mana, 27, 3:1-37. DOI: http://doi.org/10.1590/1678-49442021v27n3a207.; Diniz e Velez, 2008DINIZ, Debora; VÉLEZ, Ana. (2008), “Aborto na Suprema Corte: O caso da anencefalia no Brasil”. Estudos Feministas, 16, 2:647-652. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2008000200019.).

No Brasil, o Código Penal de 1940, promulgado pelo Decreto-Lei n° 2.848, enquadrou o aborto entre os crimes contra a pessoa e a vida, com punições ao aborto provocado pela gestante e por terceiros. As exceções de punibilidade para esta lei são quando não há outro meio para salvar a vida da gestante e quando a gestação é resultado de estupro. Portanto, a descriminalização do aborto de fetos diagnosticados com anencefalia, pelo STF, se converteu em ação histórica até os dias atuais, ao incorporar outra exceção de punibilidade à legislação.

Na literatura acadêmica, há um conjunto relativamente amplo de estudos acerca do trâmite da petição sobre o aborto de anencéfalos no Poder Judiciário, através das sessões e das audiências públicas. No entanto, praticamente inexistem estudos sobre a forma como o assunto repercutiu no Poder Legislativo. Neste sentido, o objetivo do artigo é analisar a forma como o aborto por anencefalia foi discutido na Câmara dos Deputados do Brasil, entre os anos de 2004 e 2013. O interesse em realizar a investigação, com este enfoque, foi motivado pela identificação de intensas mobilizações na Câmara dos Deputados sobre a matéria.

A metodologia da pesquisa se baseou na análise dos pronunciamentos sobre o aborto por anencefalia, proferidos pelos parlamentares que compõem a Câmara dos Deputados do Brasil entre os anos de 2004 e 2013. Logo, todas as manifestações de fala realizadas em plenário durante a tramitação da ADPF n° 54 no Supremo Tribunal Federal. A pergunta que orientou a redação desta pesquisa foi: “quais as posições e argumentos mobilizados pelos parlamentares para se pronunciarem sobre o aborto por anencefalia?”.

Para isso, o texto foi organizado em três seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira seção explicamos os principais elementos metodológicos adotados, sobretudo os procedimentos de coleta e análise dos pronunciamentos. Na segunda seção analisamos as posições assumidas pelos parlamentares e, na terceira, os argumentos mobilizados para sustentar as posições sobre o aborto por anencefalia. Os resultados apontam para a proeminência de posições regressivas em comparação às progressistas. Na análise dos argumentos identificamos a constituição de uma base discursiva assentada em premissas inegociáveis quanto ao direito à vida desde a concepção, fundamentada em elementos religiosos, morais, conspiratórios e negacionistas.

2. Metodologia da pesquisa

A metodologia aplicada nesta pesquisa consistiu na análise dos pronunciamentos sobre o aborto, proferidos pelos parlamentares entre os anos de 1985 e 2016. Este trabalho integra um conjunto de investigações com foco neste material, empreendidas pelo grupo de pesquisa Democracia e Desigualdades, da Universidade de Brasília (UnB), no âmbito do projeto intitulado “Direito ao aborto e sentidos da maternidade: atores e posições em disputa no Brasil contemporâneo”.2 2 Financiado pelo edital MCTI/CNPq/SPM-PR/ MDA n. 32/2012, coordenado pela professora Flávia Biroli e pelo professor Luis Felipe Miguel.

A partir disso, esta pesquisa coletou e analisou 1.078 pronunciamentos, isto é, somente aqueles com algum tipo de enfoque sobre o tema do aborto. Os discursos foram proferidos pelos deputados federais. Também analisamos, como material suplementar, os Projetos de Lei e Emendas Constitucionais entre os anos de 1985 e 2016. A observação das proposições políticas tem como papel primordial auxiliar na compreensão da deliberação.

Para escrever este artigo, efetuamos um recorte temático e temporal na base de dados. O recorte temático foi aplicado com o intuito de analisar apenas os pronunciamentos dos parlamentares sobre o aborto por anencefalia, contabilizando 80 pronunciamentos. O quadro com informações sobre o nome do parlamentar, número de discurso, partido e posição predominante estão no Anexo 1. O recorte temporal aplicado compreende o período de janeiro de 2004 até dezembro de 2013, período em que a ADPF nº 54 foi objeto de ação e discussão no Poder Judiciário. O recorte temporal se justifica por haver poucos registros de discursos acerca da anencefalia em períodos anteriores a 2004 e posteriores a 2013, informação que pode ser verificada no mecanismo de busca da Câmara dos Deputados.3 3 Disponível em https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/discursos-e-notas-taquigraficas, consultado em 08/04/2024.

A ideia inicial era incorporar o Senado Federal nesta investigação a fim de integralizar os dados sobre a anencefalia no Poder Legislativo, porém a consulta no site do Senado Federal identificou apenas dois discursos sobre o assunto,4 4 Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos, consultado em 08/04/2024. proferidos pela senadora Marta Suplicy (PT-SP) e pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Logo, o corpus de discursos se mostrou insuficiente para sustentar uma investigação.

Sendo assim, o primeiro passo da pesquisa foi a seleção dos pronunciamentos que compõem a base de análise. Para isso, foram definidos um conjunto de palavras-chave que permitisse coletar as diferentes formas de elaboração da fala. Após testes no mecanismo de busca no site da Câmara dos Deputados do Brasil, a conclusão foi que os termos mais apropriados seriam os seguintes: “aborto”, “abortamento”, “anencéfalos”, “anencefalia”, “fetos anencéfalos”, “inviabilidade fetal”, “interrupção voluntária da gravidez”, “interrupção da gravidez”, “interrupção voluntária da gestação” e “interrupção da gestação”.

Após o processo de seleção, todos os pronunciamentos foram lidos e analisados. Para cada discurso foi preenchida uma ficha no software estatístico Sphinx Léxica, com trinta e duas variáveis de classificação. A utilização deste instrumento foi de suma importância à sistematização das informações, realizada em três etapas. A primeira etapa consistiu na documentação da fala parlamentar, com o registro de página, expediente e data do discurso nos Diários da Câmara dos Deputados (DCD). Na segunda etapa foram registradas as informações de identificação do parlamentar pronunciante, tais como nome, sexo, filiação partidária, Unidade Federativa pelo qual foi eleito e o número de Mandatos que estava exercendo. A última etapa consistiu em classificar o conteúdo expresso em cada discurso, tais como as palavras-chave mencionadas na fala, a centralidade com que o tema do aborto foi tratado no pronunciamento, a posição sobre o assunto, posição específica (tipo de ampliação ou restrição ao aborto), os argumentos empregados para sustentar sua posição, o argumento principal da fala, o(s) argumento(s) que o parlamentar buscou contestar e/ou refutar, a autoidentificação utilizada como argumento de autoridade para pontuar um lugar de fala (por exemplo, mãe, mulher, médico, sacerdote etc.), a especificação de algum fato do momento sobre o qual o pronunciamento se baseou e, por fim, o arquivamento do discurso e observações sobre ele (sobre aspectos metodológicos ver nota da pesquisa em Silva, 2017SILVA, Luis Gustavo Teixeira da. (2017), Desenho da Pesquisa: o debate legislativo sobre o aborto no Brasil e no Uruguai (1985-2016). Teoria & Pesquisa Revista de Ciência Política, 26, 2:235-251. DOI: http://dx.doi.org/10.31068/tp.26309.).

A utilização do software estatístico Sphinx Léxica tornou exequível a sistematização e cruzamento dos dados obtidos. Do mesmo modo, a construção de panoramas qualitativos e quantitativos de um material composto essencialmente por textos.

Dessa forma, salientamos que vamos explorar os resultados obtidos por variáveis específicas na classificação dos pronunciamentos. A primeira variável é o discurso se coloca, que por definição serviu para esmiuçar a posição em cada discurso. Esta variável é composta por sete categorias que abrangem os distintos posicionamentos sobre a matéria. Para cada fala foi possível assinalar até duas categorias, são elas: 1) a favor da ampliação do aborto legal; 2) a favor da manutenção da lei; 3) a favor da restrição do aborto legal; 4) contra o aborto (genérico); 5) por novas medidas punitivas e/ou de controle; 6) pela educação sexual e/ou planejamento familiar; 7) não se posiciona.

As outras duas variáveis exploradas foram tipos de argumentos assumidos pelo orador, em que era necessário apontar quais argumentos foram adotados pelo parlamentar para alicerçar a construção do raciocínio empreendido em sua fala; e qual argumento é o principal?, ou seja, entre todos os argumentos empregados, aquele (apenas um) que havia sido utilizado como base de sustentação ao discurso. Estas duas variáveis serviram para caracterizar quais as ideias e perspectivas os parlamentares se filiaram para embasar seus pronunciamentos.

As categorias de classificação para identificar os argumentos gerais e o argumento principal nas falas foram as seguintes: 1) argumentos religiosos; 2) argumentos científicos; 3) aborto é questão de saúde pública; 4) liberdade individual; 5) controle da mulher sobre o próprio corpo; 6) argumentos jurídicos; 7) argumentos econômicos (macroeconômicos); 8) inviolabilidade do direito à vida; 9) injustiça social; 10) argumentos morais (não explicitamente religiosos); 11) argumentos vinculados à opinião pública; 12) aborto/controle da natalidade como estratégia imperialista; 13) usurpação das funções do Legislativo; 14) laicidade do Estado; 15) terror do aborto; 16) aborto eugênico; 17) precedência do aborto; 18) outro; 19) nenhum.

As variáveis e categorias de classificação das posições e argumentos foram construídas paulatinamente através do método indutivo, em que após a leitura de todos os pronunciamentos, aqueles mais recorrentes, acima de trinta citações, foram sistematizados em variáveis e categorias. Esse processo de investigação foi iniciado em 2012 e realizado por ampla gama de pesquisadores de iniciação científica, mestrandos, doutorandos e professores universitários vinculados ao grupo de pesquisa Democracia e Desigualdades, da Universidade de Brasília (UnB), no âmbito do projeto intitulado “Direito ao aborto e sentidos da maternidade: atores e posições em disputa no Brasil contemporâneo”.

Esta exposição teve por propósito elucidar os procedimentos de coleta e classificação dos pronunciamentos, assim como o conteúdo das variáveis e categorias utilizadas no processo. Na etapa seguinte exploramos os resultados obtidos através do cruzamento de informações entre as variáveis, apresentando quadros quantitativos e qualitativos sobre o posicionamento das parlamentares.

3. As posições nos discursos sobre a anencefalia na Câmara dos Deputados

O aborto por malformação fetal se tornou assunto no Poder Legislativo a partir de 1972, quando, pela primeira vez na história, um projeto de lei foi apresentado com o intuito de descriminalizar o aborto nestes casos. De acordo com Debora Diniz (2005), oDINIZ, Debora. (2005), “Aborto e inviabilidad fetal: el debate brasileño”. Cad. Saúde Pública, 21, 2:634-639. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000200032. Projeto de Lei 632 de 1972, de autoria do deputado federal Araújo Jorge (MDB-RJ), tinha propósito notadamente eugenista, ou seja, impedir o nascimento de pessoas com deficiência e coibir a reprodução de pessoas com deficiência. A partir disso, houve intensa mobilização de setores da medicina, instâncias jurídicas, movimentos sociais e parlamentares em oposição a este argumento para a autorização do aborto de fetos diagnosticados com malformação.

De 1972 até 2003 foram apresentados outros cinco projetos de lei sobre o aborto em casos de inviabilidade fetal. A maioria dos projetos tinha o objetivo de regulamentar o aborto por malformação incompatível com a vida como, por exemplo, o PL 1956 de 1996, de autoria da deputada federal Marta Suplicy (PT-SP). Estes projetos se baseavam na apelação ética da autonomia reprodutiva, tendo como suporte a certeza científica da inviabilidade fetal. Neste quadro, a exceção é o PL 1459 de 2003, de autoria do deputado Severino Cavalcanti (PPB-PE), que ampliava as penas de reclusão previstas no Código Penal para o aborto de fetos com malformação, e qualificava o ato como “aborto eugênico” (Diniz, 2005DINIZ, Debora. (2005), “Aborto e inviabilidad fetal: el debate brasileño”. Cad. Saúde Pública, 21, 2:634-639. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000200032.).

Assim, o aborto por inviabilidade fetal vai se tornar assunto recorrente no Poder Legislativo a partir da apreciação pelo STF da ADPF n° 54. Antes disso, apenas proposições políticas pontuais, sobretudo após os anos de 1990, quando o diagnóstico assertivo sobre a inviabilidade fetal se popularizou no Brasil, assim como o princípio de reação contrária relacionando-o com o aborto por motivações eugenistas. A partir desse quadro, apresentamos abaixo a Tabela 1, onde consta a distribuição das posições dos parlamentares.

Tabela 1
– Distribuição dos discursos (quantidade e porcentagem de citações) de acordo com a posição dos parlamentares sobre o aborto por anencefalia entre 2004 e 2013

Ao analisar a Tabela 1 notamos que a posição a favor da ampliação do aborto legal foi assumida em uma quantidade relevante de pronunciamentos, proferidos, sobretudo, pelo deputado federal Dr. Pinotti (PFL/DEM-SP) e pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), conforme pode ser visto no Anexo 1. De forma geral, os pronunciamentos neste espectro da discussão pontuaram a legitimidade da ação enquanto decisão pertinente à liberdade individual da mulher em prosseguir, ou não, a gestação de um feto inviável, não sendo papel do Estado obrigar a manutenção dessa gestação. Selecionamos dois discursos para demonstrar a forma de construção desses pronunciamentos:

Jandira Feghali (PCdoB-RJ): O Supremo Tribunal Federal cassou a liminar do Ministro Marco Aurélio Mello, que dava às mulheres, nesses casos, o direito de interromper a gravidez. (...) É um absurdo manter argumentos religiosos para obrigar a mulher a levar a termo a gravidez quando sabe que não poderá conviver com seu filho. Quem quiser levar a gravidez adiante que a leve, é um direito; a lei não obriga o contrário. Mas a mulher precisa ter o direito de interrompê-la nesses casos, para preservar sua saúde física e mental e sua vida (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 18/11/2004BRASIL. (2004a), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Jandira Feghali, 18 de novembro, p. 49556., p. 49556).

Dr. Pinotti (PFL/DEM-SP): Houve uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal a respeito da interrupção da gestação com feto anencéfalo. Espero que ela tenha sido bastante produtiva, porque houve consenso total e absoluto da comunidade científica no que se refere a duas afirmações: de que o diagnóstico de feto anencéfalo, na 12ª semana de gestação, é preciso; e de que não há possibilidade de sobrevivência do feto anencéfalo. O que se deseja é apenas uma coisa: não mais obrigar, como estamos fazendo hoje – por meio de lei penal de 1940, época anterior aos avanços científicos –, as mulheres a levarem adiante uma gestação com feto anencéfalo (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 04/09/2012, p. 40853).

A posição a favor da manutenção da lei serviu para classificar discursos que defendiam a legislação vigente. Esta posição foi defendida de maneira difusa no debate amplo sobre o aborto (Silva, 2021SILVA, Luis Gustavo Teixeira da. (2021), O debate sobre o aborto nas Câmaras dos Deputados do Brasil e do Uruguai (1985-2016). Revista Brasileira De Ciências Sociais, 36, 106, e3610607. DOI: https://doi.org/10.1590/3610607/2021.). Isto dito, serviu para respaldar colocações progressistas, no sentido de impedir recuos na legislação, como a supressão das atenuantes sobre o aborto ou ampliação das penas, mas também para indicar resistências quanto a ampliações na legislação. Na discussão sobre a anencefalia, a posição a favor da manutenção da lei foi mobilizada, sem exceção, da segunda forma, isto é, sustentar resistências a esta ampliação no direito ao aborto, ainda que de maneira moderada. Estes discursos foram proferidos por parlamentares reconhecidos pela atuação reacionária no tocante ao aborto, são eles: João Campos (PSDB-GO), Luiz Bassuma (PT-BA), Dr. Talmir (PV-SP) e Lincoln Portella (PR-MG).

A posição a favor da restrição do aborto legal, empregada em situações que o deputado se posicionava pela extinção de uma ou mais exceções de aborto legal, ou ainda pela possibilidade de inclusão de novas atenuantes, foi majoritariamente defendida, sendo mobilizada por 47,5% dos pronunciamentos sobre a anencefalia, sobretudo pelos parlamentares Osmânio Pereira (PTB-MG), Elimar Máximo Damasceno (PRONA-SP), Luiz Bassuma (PT-BA), Dr. Talmir (PV-SP), Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) e Roberto de Lucena (PV-SP). Desde já, esse dado oferece um indicador preliminar relevante sobre a característica marcadamente regressiva em que se sustentou a discussão na Câmara dos Deputados.

Já a posição por novas medidas punitivas e/ou de controle foi defendida em apenas dois pronunciamentos, proferidos pelos deputados: Luiz Bassuma (PT-BA) e Jonas Donizette (PSB-SP). Esta posição serviu para classificar aqueles pronunciamentos que defendiam que, nas situações em que o aborto já era crime, as penas deveriam ser mais rigorosas ou haver maior controle para que ele não fosse realizado. Por sua vez, a posição contra o aborto (genérico) identificou as falas contrárias ao aborto, mas que não falavam da legislação, nem defendiam mudanças nela. Foram enquadrados onze discursos (13%), proferidos pelos deputados Miguel Martini (PHS-MG), Roberto de Lucena (PV-SP), Osmânio Pereira (PTB-MG), Pastor Eurico (PSB-PE), Sibá Machado (PT-AC), Angela Guadagnin (PT-SP), Luiz Bassuma (PT-BA), Aureo (PRTB-RJ) e Dr. Talmir (PV-SP).

Por fim, a posição pela educação sexual e/ou planejamento familiar foi defendida uma única vez pelo deputado federal, Dr. Pinotti (PFL/DEM-SP), enquanto ação conjunta a ampliação no direito ao aborto no Brasil. Já a categoria não se posiciona foi utilizada para classificar três discursos, os quais foram enquadrados nesta categoria por apenas pontuar fatos e trâmites relacionados ao assunto como, por exemplo, a instância de discussão da ADPF nº 54 no rito processual do Judiciário, sem expressar posição evidente.

A demonstração das posições nos apresenta um quadro em que é possível aferir a hegemonia de posições regressivas e contrárias ao aborto, em comparação com posições mais progressistas com relação à anencefalia. No entanto, é também importante desagregar os dados para compreender o modo como os pronunciamentos, e suas respectivas posições, se distribuíram na série histórica. Abaixo, apresentamos, no Gráfico 1, essas informações, subdivididas temporalmente, conforme os eventos ocorridos no STF, quer dizer: liminar, audiência pública e decisão, assim como as reações a estes acontecimentos.

Gráfico 1
– Distribuição dos discursos contrários ao aborto, a favor da ampliação do aborto legal, a favor da manutenção da lei e pela educação sexual e/ou planejamento familiar no Brasil, entre 2004 e 2013 | Nota: para obter o número de posições contrárias ao aborto foram fundidas três categorias: contra o aborto (genérico), a favor da restrição do aborto legal e por novas medidas punitivas e/ou de controle. | Fonte: elaboração própria, com base nos dados do projeto “Direito ao aborto e os sentidos da maternidade: atores e posições em disputa no Brasil contemporâneo”, financiado pelo edital MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA n. 32/2012.

A distribuição dos discursos apresenta novas possibilidades de compreensão sobre a discussão do aborto de anencéfalos. A mobilização dos parlamentares da posição a favor da ampliação do aborto legal durante a liminar, em seu processo de concessão e cassação, atingiu patamares elevados, sendo capaz de gerar uma divisão de percepções e adesão no ambiente legislativo, em comparação às posições contrárias. Não obstante, durante a audiência pública e a decisão do STF, a posição a favor da ampliação do aborto legal se tornou progressivamente periférica. Por outro lado, as posições contrárias permaneceram entre as mais defendidas neste período, desproporcionais em relação às demais. Em termos de comparação, apresentamos no Gráfico 2 as posições parlamentares em uma série histórica.

Gráfico 2
– Distribuição dos discursos contrários ao aborto (três posições contrárias fundidas), a favor da ampliação do aborto legal, a favor da manutenção da lei e pela educação sexual e/ou planejamento familiar por legislatura no Brasil entre 1985-2016 | Fonte: elaboração própria, com base nos dados do projeto “Direito ao aborto e os sentidos da maternidade: atores e posições em disputa no Brasil contemporâneo”, financiado pelo edital MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA n. 32/2012.

O cenário identificado no debate sobre o aborto por anencefalia é confluente com os dados sobre a discussão geral sobre o aborto, em que é possível observar, a partir de 2003, a elevação exponencial de perspectivas regressivas e (ultra)conservadoras na Câmara dos Deputados e, na mesma proporção, a diminuição significativa da posição a favor da ampliação do aborto legal. Dados apresentados por Luna (2014)LUNA, Naara. (2014), “Aborto no Congresso Nacional: o enfrentamento de atores religiosos e feministas em um Estado laico”. Revista Brasileira Ciência Política, 14:83-109. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0103-335220141404., Machado (2017)MACHADO, Lia Zanotta. (2017), “O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador”.Cadernos Pagu, 50, e17504. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201700500004. e Miguel et al. (2017)MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia; MARIANO, Rayani. (2017), “O direito ao aborto no debate legislativo brasileiro: a ofensiva conservadora na Câmara dos Deputados”.Opinião Pública, 23, 1:230-260. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-01912017231230. também apontam para essa direção.

Sendo assim, acreditamos ser possível estabelecer uma correlação entre a ascensão de posições (ultra)conservadoras na Câmara dos Deputados sobre o aborto a partir da discussão sobre o aborto por anencefalia. A correlação se sustenta em dois pilares de compreensão. O primeiro deles advém, obviamente, da ascensão das manifestações em plenário e da conotação nos discursos, em que o aborto nos casos de fetos anencéfalos representaria o início de um processo para a descriminalização plena do aborto. A pesquisadora Debora Diniz (2003)DINIZ, Debora. (2003), “Antecipação terapêutica do aborto: uma releitura bioética do aborto por anomalia fetal”, in D. Diniz; D.C. Ribeiro. (org.), Aborto por anomalia fetal. Brasília, Letras Livres. sintetizou esta narrativa a partir da premissa da ladeira escorregadia, quer dizer, da percepção de que a maior tolerância conduz a opinião pública à flexibilização moral, logo, culminando necessariamente na imoralidade. Para os adeptos da premissa da ladeira escorregadia, a atitude (ultra)conservadora deve ser sempre a resposta, apesar dos fatos novos criados pelo desenvolvimento científico, como o diagnóstico da anencefalia nas fases iniciais da gestação (Penna, 2005PENNA, Maria Lúcia Fernandes. (2005), “Anencefalia e morte cerebral (neurológica)”.Physis: Revista de Saúde Coletiva, 15, 1:95-106. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312005000100006.; Diniz, 2003DINIZ, Debora. (2003), “Antecipação terapêutica do aborto: uma releitura bioética do aborto por anomalia fetal”, in D. Diniz; D.C. Ribeiro. (org.), Aborto por anomalia fetal. Brasília, Letras Livres.). Abaixo apresentamos dois excertos para demonstrar a formulação dessa narrativa nas falas parlamentares:

Pastor Marco Feliciano (PSC-SP): Uso a tribuna para manifestar meu repúdio à decisão da Comissão de revisão do Código Penal no Senado Federal, que sugere a descriminalização do aborto de anencéfalo. Argumento até a exaustão que na carona da legalização do aborto do feto portador de anencefalia virão a legalização ou mesmo as condições para que se pratiquem abortos de crianças portadoras das mais diversas anomalias. Volto a pedir, deixe a natureza com a mão de Deus agir (...) (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 24/05/2012, p. 18612).

Lael Varella (PFL/DEM-MG): De acordo com Padre Pedro Stepien, a ADPF nº 54 é uma estratégia sofisticada para legalizar o aborto livre no Brasil a partir do aborto de anencefálicos. “Depois serão as crianças com má formação, até chegar ao ponto que aborto seja direito humano, um verdadeiro absurdo. Pela liberdade de expressão e pela liberdade religiosa vamos nos manifestar, não podemos ficar omissos. Esperemos que os ministros do Supremo ouçam o clamor do povo brasileiro e não fiquem indiferentes (...) (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 12/04/2012, p. 11202).

O segundo eixo, advindo da premissa de ladeira escorregadia, diz respeito à mobilização política ocorrida após a liminar sobre os anencéfalos, com o intuito de frear o avanço dessa agenda e imprimir recuos na legislação vigente. O eixo está baseado, por um lado, na recorrente convocação nas falas para a mobilização daqueles que defendem a “vida”, por outro, nas ações realizadas em anos seguintes. Selecionamos dois discursos para ilustrar esse apelo convocatório realizado pelos parlamentares:

Luiz Bassuma (PT-BA): Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, hoje à tarde, às 17h, haverá o lançamento da 2ª Marcha Nacional da Cidadania pela Vida. Essa marcha é importante neste momento em que o Supremo Tribunal Federal está para julgar a legalização do aborto de anencéfalos. Como eu disse em audiência no Supremo, se os ministros entenderem que uma pessoa com essa deficiência – que é uma deficiência grave – deve ser assassinada, amanhã nós caminharemos para garantir o assassinato de seres humanos com outras deficiências, como Síndrome de Down, a que todo ser humano está sujeito (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 04/09/2008BRASIL. (2008b), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Luiz Bassuma, 04 de setembro, p. 40902., p. 40902).

Eros Biondini (PTB-MG): Sr. Presidente, eu vim aqui fazer um alerta e, ao mesmo tempo, uma convocação em nome da Frente Parlamentar em Defesa da Vida, da bancada católica. Esta semana é fundamental em decisões do nosso País. O Supremo Tribunal Federal amanhã votará a descriminalização do aborto para fetos considerados com diagnóstico de anencefalia. Hoje, a CNBB e todos os segmentos sociais estão se manifestando, através de vigília, a partir das 18 horas, até a votação do Supremo Tribunal, contrários totalmente à aprovação, à descriminalização do aborto em caso de anencefalia (...) (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 11/04/2012, p. 10957).

A mobilização desses deputados se institucionalizou, após 2005, por meio da formação de associações suprapartidárias, como as Frentes Parlamentares de oposição ao aborto, conforme pode ser verificado no Quadro 1.

Quadro 1
– Frentes Parlamentares sobre aborto na Câmara dos Deputados

Fonte: elaboração própria, com base nos dados do projeto “Direito ao aborto e os sentidos da maternidade: atores e posições em disputa no Brasil contemporâneo”, financiado pelo edital MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA n. 32/2012.

Entre as ações das Frentes Parlamentares estão a realização dos Seminários em Defesa da Vida, que acontecem com certa regularidade todos os anos, desde 2005, na própria Câmara dos Deputados, reunindo lideranças políticas, da sociedade civil e ativistas “pró-vida”. As Frentes também auxiliaram na organização dos Encontros de Legisladores e Governantes pela Vida, os diferentes encontros ocorrem com certa regularidade desde 2007 no âmbito regional, nacional e mundial. A iniciativa legislativa mais conhecida desse grupo foi apresentada pelos deputados Osmânio Pereira (PTB-MG) e Elimar Máximo Damasceno (PRONA-SP), o Projeto de Lei 6150/2005, mais conhecido como Estatuto do Nascituro, que dispõe sobre o direito a nascer do ser humano já concebido, tornando a prática do aborto crime hediondo (Miguel et al., 2017MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia; MARIANO, Rayani. (2017), “O direito ao aborto no debate legislativo brasileiro: a ofensiva conservadora na Câmara dos Deputados”.Opinião Pública, 23, 1:230-260. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-01912017231230.; Machado, 2017MACHADO, Lia Zanotta. (2017), “O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador”.Cadernos Pagu, 50, e17504. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201700500004.).

A conjunção dessas forças políticas no cenário institucional resultou na criação, em 2006, do Movimento Nacional Brasil sem Aborto, cuja finalidade é promover maior coordenação nas ações e mobilizar a população contra proposições políticas para flexibilizar a legislação sobre o aborto. Exemplo disso foi a realização da I Marcha em Defesa da Vida, contra a legalização do aborto em 2007, na cidade de Brasília, a qual passou a ocorrer em quase todos os anos subsequentes a sua criação.

Não é razoável supor que esta reação na Câmara dos Deputados tenha ocorrido exclusivamente em virtude do aborto por anencefalia. Houve outras circunstâncias que estimularam esse quadro, entre elas: 1) a norma técnica do Ministério da Saúde, de 2005, intitulada Atenção Humanizada ao Abortamento, cujo propósito era retirar a exigência do boletim de ocorrência e laudo do médico para comprovação da violência sexual para realização do aborto; 2) a criação da comissão tripartite (composta por integrantes do Poder Executivo, Legislativo e sociedade civil), instalada a partir da recomendação da 1º Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em 2004. O propósito da comissão era rever a legislação punitiva contra as mulheres que tenham se submetido a abortos ilegais; e 3) a tramitação do PL 1135/1991, cujo objetivo era descriminalizar o aborto, de autoria do deputado Eduardo Jorge (PT-SP), na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) e na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC).

Apesar da relevância desses acontecimentos, consideramos que o aborto por anencefalia foi, em grande medida, a principal discussão sobre a mudança na legislação brasileira, tendo em vista que os demais casos, com exceção da norma técnica, se conformaram em espaços de deliberação, cujo peso de grupos (ultra)conservadores era considerável. Por esses motivos é plausível aferir uma correlação significativa entre sua inserção na agenda do Poder Judiciário e a ascensão de posições e mobilizações regressivas na Câmara dos Deputados e na sociedade sobre o aborto.

4. Os argumentos mobilizados sobre o aborto de anencéfalos

Os argumentos mobilizados no debate parlamentar têm por função oferecer sustentação às posições assumidas nos discursos, que são respaldadas, nesse e em outros casos, por um conjunto relativamente amplo de argumentos. Neste sentido a investigação sistematizou os argumentos mobilizados, com o intuito de quantificar essas menções e avaliar os contextos em que foram enunciadas. Na Tabela 2, apresentamos os resultados obtidos acerca do argumento principal e dos argumentos gerais.

Tabela 2
– Distribuição dos discursos de acordo com o argumento principal e os argumentos gerais sobre o aborto por anencefalia entre 2004 e 2013

As posições a favor da ampliação do aborto legal e pela educação sexual e/ou planejamento familiar foram sustentadas, principalmente, pelos argumentos: liberdade individual, aborto é questão de saúde pública e argumentos científicos. Ainda, em menor escala, injustiça social, laicidade do Estado, argumentos jurídicos e controle da mulher sobre o próprio corpo.

De modo geral, os argumentos aborto é uma questão de saúde pública e os argumentos científicos foram mobilizados para ressaltar a importância dos direitos reprodutivos como forma impedir os riscos à saúde física e psicológica das mulheres ao prosseguir a gestação de um feto comprovadamente inviável, cujo diagnóstico de inviabilidade é consenso na comunidade científica. De maneira conjunta, a liberdade individual e o controle da mulher sobre o próprio corpo foram evocados para defender que o Estado não poderia obrigar as mulheres a prosseguir uma gestação a partir desse diagnóstico, sendo a decisão de prosseguir, ou não, com a gestação de um feto anencéfalo um direito da gestante. O argumento injustiça social foi mobilizado para pontuar as assimetrias de recursos entre as mulheres pobres e ricas, sobretudo no acesso à justiça para pleitear o direito ao aborto nesses casos. Por fim, os argumentos jurídicos e a laicidade do Estado serviram, majoritariamente, para defender a ausência de legitimidade de premissas religiosas na discussão do assunto, já que a pluralidade crenças é uma premissa constitucional, impedindo que uma crença seja imposta às demais cidadãs. Selecionamos outros dois excertos de pronunciamentos para demonstrar a construção desses argumentos nos discursos:

Alice Portugal (PCdoB-BA): O Ministro fez um mergulho profundo nessa análise, que é uma análise humana, uma análise humanista, uma análise efetivamente calcada nas questões de saúde, a sua principal argumentação. É uma situação difícil a mulher sair da maternidade para enterrar a criança cuja vida dura de 24 horas a 48 horas. O Ministro foi sensível a essa condição, exarou seu voto sob o aplauso das mulheres conscientes deste país que defendem a maternidade saudável e a opção que a mulher tem nessa situação (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 12/04/2012, p. 11198).

Roberto Gouveia (PT-SP): Lembro uma situação que merece referência: uma mulher está grávida e é diagnosticada a anencefalia fetal. Não há viabilidade de vida extra-uterina para o feto. Essa gravidez é de alto risco e a mulher não pode ser obrigada a suportar todos os riscos, todos os sofrimentos físicos e mentais e inconvenientes de uma gravidez nessas circunstâncias; portanto, nessa hipótese, a prática do abortamento é admissível, porque não se pode exigir dela, juridicamente, conduta diversa, porque não se pode censurar ou reprovar o abortamento nessas circunstâncias (...) (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 22/10/2004BRASIL. (2004b), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Roberto Gouveia, 22 de outubro, p. 45690., p. 45690).

As posições a favor da restrição do aborto legal, por novas medidas punitivas e/ou de controle, contra o aborto (genérico) e a favor da manutenção da lei foram sustentadas com base em conjunto relativamente amplo e coeso de argumentos. Alterando a conotação dos posicionamentos, pela ordem, são eles: inviolabilidade do direito à vida, usurpação dos poderes do Legislativo, argumentos jurídicos, argumentos religiosos, aborto eugênico, precedência do aborto e, em menor escala, argumentos morais (não explicitamente religiosos), argumentos vinculados à opinião pública, aborto/controle da natalidade como estratégia imperialista, argumentos científicos e terror ao aborto.

A análise destes argumentos será realizada a partir de linhas argumentativas, conforme a convergência entre os argumentos. De antemão, queremos ressaltar que a análise dos pronunciamentos e a construção de seus argumentos revelaram uma similaridade com o debate nacional acerca da pandemia e do Governo Bolsonaro (2019-2021).

A primeira linha argumentativa abrange os argumentos: inviolabilidade do direito à vida, argumentos religiosos, argumentos morais (não explicitamente religiosos) e argumentos vinculados à opinião pública. O fundamento desta linha se assenta na premissa de que a defesa da vida é um valor supremo, absoluto e inegociável, neste caso, desde a concepção. Logo, após a constatação da concepção, o aborto, sob qualquer circunstância, seria um assassinato. Por esse motivo, os parlamentares utilizam os seguintes termos para se referir ao feto: bebê, criança ou pessoa, com o propósito de demonstrar que ele é um indivíduo detentor de direitos como qualquer outro. Esta construção argumentativa não possibilita uma ponderação entre os vários direitos que estão imbricados, mas sim uma defesa intransigente da pessoa-embrião em detrimento dos direitos das mulheres (Machado, 2017MACHADO, Lia Zanotta. (2017), “O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador”.Cadernos Pagu, 50, e17504. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201700500004.). A defesa incondicional da vida desde a concepção encontra duas raízes nos pronunciamento. Por um lado, o reflexo de premissas religiosas cristãs, cuja ideia central é que só deus dá a vida e só ele pode tirá-la, assim como em muitas passagens bíblicas, muitas delas metafóricas, mas lidas literalmente, as quais afirmam haver relacionamento de deus com o ser humano antes de seu nascimento. Boa parte dos parlamentares não são apenas devotos a essas premissas, mas representantes políticos eleitos e organizados em bancadas confessionais, como a evangélica e a católica, para defendê-las. Por outro lado, a segunda raiz diz respeito à defesa de preceitos morais entendidos como essenciais à sociedade, ameaçados pelo contexto de liberalização dos costumes que o aborto poderia promover, nocivos à moralização da sexualidade e à família, por exemplo. Algumas falas também evocaram pesquisas de opinião pública e percepções pessoais de que esses valores seriam representativos de ampla maioria da sociedade brasileira. Logo, eles seriam porta-vozes do povo ao defender, sob essas bases, a oposição ao aborto de fetos anencéfalos. Apresentamos dois excertos de discursos para ilustrar essa linha:

Dr. Talmir (PV-SP): Como orientação às mães, peço-lhes que deixem as crianças nascerem, pois elas não são um monstro. A criança vai falecer naturalmente. Há possibilidade até de doação de órgãos da criança deficiente para salvar outras vidas. É claro que no Brasil essa técnica não é muito apurada, mas é possível. Que a mãe deixe a criança nascer, dê-lhe a bênção, batize-a, faça uma oração por ela e tire uma fotografia colocando um capuz em sua cabeça. (...) Portanto, não concordamos, de maneira alguma, com essa forma de abortamento no Brasil (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 29/10/2008BRASIL. (2008a), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Dr. Talmir, 29 de outubro, p. 47849., p. 47849).

João Campos (PSDB-GO): No Brasil, mais de 90% da população é contrária ao aborto. Não podemos permitir que uma minoria radical feminista, financiada por grandes interesses internacionais, consiga apregoar suas tendências abortistas e de interesses de controle demográfico, porque repudiamos todas as ideologias que enquadrem o aborto como sendo a mãe versus seu filho; defendemos ambos: somos pró-mulher e pró-filho. (...) Há uma permissividade moral cada vez maior, veiculada mormente por meios de comunicação social que agridem a família e desorientam a juventude (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 29/03/2011, p. 14259).

Para além de uma defesa intransigente de ideais, a atuação parlamentar contrária à ampliação do direito ao aborto por anencefalia parece, em boa medida, almejar a preservação da hegemonia de seus valores sobre toda a sociedade, a despeito do consenso científico e da certeza sobre o diagnóstico da inviabilidade fetal. Nesta circunstância, a estratégia é pressionar os representantes eleitos e as esferas do Estado para materializar seu discurso no âmbito legal, contrapondo-os à “opinião pública” e ao poder de mobilização desses grupos (Luna, 2014LUNA, Naara. (2014), “Aborto no Congresso Nacional: o enfrentamento de atores religiosos e feministas em um Estado laico”. Revista Brasileira Ciência Política, 14:83-109. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0103-335220141404.; Machado, 2017MACHADO, Lia Zanotta. (2017), “O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador”.Cadernos Pagu, 50, e17504. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201700500004.). Quando isso se torna efetivo, o Estado é utilizado como suporte para legitimar uma perspectiva específica, com intuito de reprimir e criminalizar as mulheres que abortam, mesmo quando elas não acreditam que o embrião é uma pessoa desde a concepção e/ou que a maternidade é missão divina.

A segunda linha argumentativa abrange os argumentos: aborto eugênico, precedência do aborto e terror ao aborto. Neste enquadramento, os discursos realizam um esforço de equivalência entre a anencefalia e outras deficiências compatíveis com a sobrevida plena após o parto, ainda que com algumas limitações, entre elas: síndrome de Down e lábio leporino. Dessa forma, há a associação entre o aborto de fetos anencéfalos aos propósitos nazistas de eliminação das pessoas com algum tipo de deficiência, na busca de uma “raça perfeita”. Como explicitado antes, a anencefalia é construída como ponto inicial de transformações mais profundas, a precedência do aborto, que culminariam na eliminação dos deficientes até a descriminalização plena do aborto. Agrega-se a isso o terror ao aborto, mediante a descrição de técnicas sobre a realização de abortos, assim como fotografias de fetos anencéfalos e até mesmo de crianças com vida “consideradas” anencéfalas. Selecionamos uma amostra de trechos para exemplificar essa construção:

Dr. Talmir (PV-SP): O aborto eugênico significa o aborto de uma criança malformada ou visando à eugenia, em busca da raça perfeita, [assim] como Hitler queria durante o período do nazismo, sacrificando até soldados da raça ariana que retornavam mutilados durante os combates da 2ª Guerra Mundial. Essa prática é inconstitucional no Brasil e não deve ser aceita. Parabéns, Marcela de Jesus, sinal vivo de esperança! Que todas as mães se espelhem na D. Cacilda e na sua filhinha. Não façam abortos (...) (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 22/11/2007BRASIL. (2007), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Dr. Talmir, 22 de novembro, p. 62313., p. 62313).

Roberto de Lucena (PV-SP): Estamos permitindo que os indesejáveis anencéfalos sejam descartados. Amanhã vamos descartar os indesejáveis com Síndrome de Down. Depois vamos descartar os indesejáveis com doenças físicas ou com defeitos físicos. E vai chegar o momento, Deputado Izalci, em que descriminalizaremos o aborto e, quando nascerem crianças não saudáveis ou com defeitos físicos, assim como fazem algumas etnias indígenas do país, nós as eliminaremos também (...) (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 02/06/2012, p. 20068).

A elaboração desses argumentos tende a relacionar a deliberação no Judiciário e a decisão sobre o assunto enquanto ato de crueldade contra inocentes, desconsiderando o fator primordial que é a impossibilidade de o feto sobreviver após o parto em decorrência da anencefalia. O estabelecimento de uma falsa equivalência entre o aborto por anencefalia com outras deficiências compatíveis com a existência do ser humano após o parto produz pânico moral,5 5 O conceito de pânico moral foi elaborado pela Sociologia e pela Psicologia Social, especialmente nos escritos do teórico Stanley Cohen. Em linhas gerais, o pânico moral é um fenômeno ocasionado por reações, por vezes exageradas, a possíveis ameaças a ordem moral e a consensos sociais (Machado, 2004; Miskolci, 2007). na medida em que esse discurso tende a conquistar certa capilaridade social, principalmente em setores da sociedade carentes de informações, sobretudo de caráter técnico. Este processo contribui para a difusão de informações falsas e sem amparo científico, cujo resultado é a materialização de parte do debate público baseado em constatações enviesadas.

Este aspecto nos remete à terceira linha argumentativa, construída principalmente a partir dos argumentos: aborto/controle da natalidade como estratégia imperialista e argumentos científicos. Aqui a constituição de certo pânico moral encontra seu polo antagonista, a saber: as instituições de pesquisa e as fundações de amparo. Essa fundamentação se sustenta em uma ideia conspiratória de que fundações ao redor do mundo, como a Fundação Ford, Rockfeller e MacArthur, financiariam cientistas, juristas, ONGs e movimentos sociais para pressionar os governos e as esferas do poder para ampliar as atenuantes na legislação sobre o aborto. Nos discursos, as razões para essa atuação são indefinidas, geralmente, por interesses escusos, como controlar a natalidade impedindo que o Brasil se torne uma grande potência.

Essa premissa conspiratória não se produziu no vácuo, ela tem como alicerce as ações de esterilização de mulheres pobres no Nordeste do país, entre os anos de 1970 e 1980, promovidas por organizações internacionais com anuência da ditadura militar. O combate a estas ações foi organizado pelo movimento feminista e negro, resultando no estabelecimento da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Esterilizações, em 1992 (Mariano e Biroli, 2017MARIANO, Rayani; BIROLI, Flávia. (2017), “O debate sobre aborto na Câmara dos Deputados (1991-2014): posições e vozes das mulheres parlamentares”. CadernosPagu, 50, e175013. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201700500013.). Apesar disso, entendemos haver um elemento conspiratório pelo fato de no cenário contemporâneo não existir qualquer evidência de uma atuação nesse sentido, tampouco paralelo de comparação. Isto dito, por um lado, as agências e fundações de fomento à pesquisa, nacionais e estrangeiras, financiam investigações em todos os campos científicos, algumas no campo da saúde reprodutiva. Por outro lado, os esforços de investigação, assim como de médicos e juristas, se direcionam no sentido de apontar um problema de saúde pública facultando, assim, à mulher a decisão em realizar, ou não, a interrupção da gestação de um feto inviável. Esta situação é diferente de realizar um procedimento sem estar baseado no consentimento da mulher, como ocorria no caso das laqueaduras involuntárias.

Esta tese conspiratória fundamenta o negacionismo científico, já que o diagnóstico da inviabilidade do feto, apesar de ser amplo consenso na comunidade científica, é tratado pelos parlamentares como opinião de cientistas e médicos filiados a essas organizações. Além disso, mais recorrente foi a tentativa em apresentar casos de crianças que seriam portadoras de anencefalia e sobreviveram por algum tempo, como o caso das crianças Joana Croxato e Marcela de Jesus.6 6 As reportagens do período apontam que: no caso de Marcela de Jesus, se constatou que ela era portadora de acrânia; enquanto Joana Croxato era diagnosticada por alguns médicos como portadora de anencefalia, outros de anencefalia incompleta e outros a diagnosticaram com acrania. Mesmo a partir de diagnósticos inconclusivos a respeito de ambos os casos, os parlamentares mobilizaram estas circunstâncias, que poderiam ser exceções, como prova contundente de que a ciência estaria equivocada ao afirmar a impossibilidade de existência após o parto. Nos trechos abaixo ilustramos essa configuração argumentativa:

Severino Cavalcanti (PP/PPB/PPR-PE): Mas, Sr. Presidente, o que motivou essa infame ADPF-54? Que interesses estão por trás disso? É o que passo a examinar agora. O grande interesse é instituir no Brasil o aborto eugênico e depois o aborto a pedido. Não conseguindo aprovar projetos de lei do aborto, em tramitação nesta Casa, os grupos antivida investem agora no Poder Judiciário, a exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos com a decisão da Suprema Corte em 1973, que tornou legal o aborto naquele país. Todos sabemos, e temos como comprovar, que a Sra. Débora Diniz, que orientou a elaboração daquela ADPF-54 é bolsista da Fundação MacArthur, pela qual recebe um subsídio de 18 mil dólares anuais. Também preside a ANIS, uma ONG apoiada por entidades internacionais promotoras do aborto, da eutanásia e do controle de população (...) (Brasil. Diários da Câmara dos Deputados, 14/12/2004BRASIL. (2004c), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Severino Cavalcanti, 14 de dezembro, p. 54282., p. 54282).

Miguel Martini (PHS-MG): Nós, da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, estamos permanentemente em vigilância. Visitamos o Supremo Tribunal Federal e conversamos com os Srs. Ministros para mostrar-lhes a importância de resguardar e de salvar a vida, em vez de retirá-la. Oito meses após o nascimento de Marcela, criança anencéfala que viveu 1 ano e 8 meses em São Paulo, os médicos ainda tinham dúvidas se sofria de anencefalia. Imaginem, V.Exas., uma criança no ventre materno. Não há nenhuma garantia de que a criança no ventre materno é anencéfala. Ainda que seja, não cabe ao Estado autorizar o seu assassinato. É assassinato, é covardia, até porque ninguém pode atestar a hora da morte. (...) Muitos anencéfalos nascem e vivem por 1 ano, ou 1 ano e 2 meses, ou 1 ano e 6 meses. Não importa quanto tempo vivam, o certo é que só Deus pode dar a vida e só a Ele cabe retirá-la. Não cabe ao homem fazê-lo. (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 29/10/2008BRASIL. (2008c), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Miguel Martini, 29 de outubro, p. 47849., p. 47849).

Essa compreensão não pressupõe que visões distintas sobre o assunto possam estar baseadas em fundamentos e princípios aceitáveis, com intenções genuínas na resolução de um problema de natureza pública. Neste contexto, a ação se concentra na deslegitimação de resultados de investigações científicas, instrumentos de diagnóstico, organizações acadêmicas e profissionais, cujas recomendações estão em direção oposta aos seus pressupostos. Ao mesmo tempo, é preciso ressaltar que são aclamados alguns profissionais, médicos e juristas, os quais reforçam as perspectivas defendidas. Sendo assim, sua base de existência está na formulação do antagonismo com outros setores que ameaçam seus princípios, assim como na exclusão de sua aceitabilidade em participar do debate público.

Por fim, a quarta linha argumentativa abarcou os argumentos: usurpação dos poderes do legislativo e argumentos jurídicos. Sua composição se organiza em torno da compreensão de que o Poder Judiciário não estaria habilitado legalmente para decidir sobre esses assuntos, os quais seriam de competência do Poder Legislativo. Nesta circunstância, os parlamentares sustentam que o Poder Judiciário estaria exercendo a função de legislar, com isso violando o princípio constitucional da separação dos Três Poderes. Mais do que isso, também se identificou a desqualificação dos Ministros do STF, por vezes com termos pejorativos, em discutir o assunto por não terem sido eleitos pelo voto popular, assim como pelo fato de alguns deles, no entender dos parlamentares, utilizarem sua posição para exercer um ativismo em prol de causas. Este cenário de tensão e desqualificação do Poder Judiciário foi constante durante a tramitação da ADPF nº 54, oscilando entre discursos mais moderados e outros mais agressivos em ataque ao “ativismo judicial”. Abaixo apresentamos dois excertos das falas para demonstrar essa construção argumentativa:

Roberto de Lucena (PV-SP): Essa decisão fere normas jurídicas e constitucionais de proteção à vida. Joga por terra, Deputado Amauri Teixeira, o Tratado de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, e avilta frontalmente este Parlamento na medida em que o Poder Judiciário transcende suas competências e passa a legislar em flagrante menosprezo e até mesmo, eu diria, desprezo às atribuições desta Casa (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 17/04/2012, p. 12029).

Elimar Máximo Damasceno (PRONA-SP): Qualquer alteração do Código Penal seria de competência do Legislativo. Na tarde de ontem, 27 de abril, o Supremo Tribunal Federal realizou uma sessão para discutir a admissibilidade da ADPF nº 54: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental para o caso de anencéfalos. (...) Essa interpretação oblíqua visa usurpar a competência desta Casa para discutir o assunto, quer seja alterando ou não a legislação vigente (Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 29/04/2005BRASIL. (2005), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Elimar Máximo Damasceno, 29 de abril, p. 15610., p. 15610).

A percepção unilateral dos Três Poderes desconsidera, por um lado, o papel do Poder Judiciário enquanto entidade cuja atribuição é impedir a violação de direitos, assim como, por outro, a legitimidade do ingresso e deliberação no Poder Judiciário ao invés do Poder Legislativo de muitas destas demandas, as quais refletem tendência nas últimas duas décadas na América Latina e em outros continentes. Na maioria dos casos, com o intuito de refletir sobre as normas restritivas de acesso a interrupção da gravidez (Ruibal, 2020RUIBAL, Alba. (2020), A controvérsia constitucional do aborto no Brasil: inovação na interação entre movimento social e Supremo Tribunal Federal. Revista Direito E Práxis, 11, 2:1166–1187. DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2020/50431.).

A função do Poder Judiciário, no sistema dos Três Poderes, é salvaguardar os princípios constitucionais. Neste sentido, sua inserção na dinâmica de funcionamento da democracia, sobretudo nestes casos, ocorre quando os valores e desejos da maioria, julgados como consensuais, tendem a prevalecer, privando certos grupos minoritários de usufruir de determinados direitos. É por esse motivo que, em boa medida, os Poderes Legislativo e Executivo tendem a se eximir da incumbência de apreciação e sanção sobre assuntos como o direito ao aborto, em virtude da filiação dos representantes eleitos aos valores da maioria e pelos custos políticos a serem contraídos na defesa da legitimidade de tais demandas.

Neste cenário, o Poder Judiciário se converteu em uma arena alternativa para o debate público sobre temas que o sistema político evita, pois as regras estão fundamentadas pela interpretação do regime constitucional ao invés do cálculo eleitoral e da pressão de organizações sociais, civis e religiosas. Desse modo, o âmbito jurídico se tornou o principal vetor político no reconhecimento da autonomia moral das mulheres para decidir, ou não, pela interrupção voluntária da gravidez e da igualdade da união entre pessoas do mesmo sexo, direitos inalienáveis relacionados às liberdades democráticas, aos quais as pessoas eram privadas (Milot, 2008MILOT, Micheline. (2008), “La laicización y la secularización en Canadá: dos procesos distintos”, in R. Blancarte. (org.), Los retos de la laicidad y la secularización en el mundo contemporáneo. Cidade do México, El Colegio de México.; Ruibal, 2020RUIBAL, Alba. (2020), A controvérsia constitucional do aborto no Brasil: inovação na interação entre movimento social e Supremo Tribunal Federal. Revista Direito E Práxis, 11, 2:1166–1187. DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2020/50431.).

Por fim, as linhas argumentativas empregadas pelos parlamentares para tratar do aborto por anencefalia se estruturam em torno da defesa, de maneira irredutível, de determinados pressupostos, nesse caso a inviolabilidade do direito à vida. Para efetuar defesa, se verificou a utilização de recursos retóricos que envolvem o estabelecimento de pânico moral, como, por exemplo, o aborto de crianças deficientes ou a descriminalização plena do aborto. A mobilização de teorias conspiratórias teve por função respaldar o pânico moral, especialmente o apelo de organizações internacionais e cientistas em promover o aborto. Por fim, esta estratégia discursiva emprega como fundamento a deslegitimação de instituições, como o Poder Judiciário, ou de procedimentos e comunidades, como a ciência, quando estes divergem de seu entendimento sobre algum assunto, neste caso específico o aborto por anencefalia.

Do mesmo modo, também se constata a utilização da opinião de alguns profissionais, médicos e juristas, e de casos clínicos inconclusos, para fomentar o descrédito às instituições, procedimentos e comunidade científica. Por essas razões, entendemos haver certa similaridade na composição da narrativa sobre o aborto por anencefalia com a utilizada durante a Pandemia do Covid-19. Obviamente o volume do material analisado é restrito e circunscrito ao aborto de fetos anencéfalos, mas as evidências apresentadas permitem inferir, ou ao menos abrir a discussão, para refletir que as bases de um discurso regressivo e irredutível, conspiratório e negacionista em relação à ciência possuem raízes mais consolidadas no debate público brasileiro, cujo epifenômeno foi o Governo de Jair Bolsonaro.

5. Considerações finais

Neste artigo discutimos os dados obtidos pela investigação, cujo resultado foi um diagnóstico acerca do debate sobre o aborto por anencefalia na Câmara dos Deputados. Demonstramos a proeminência de posições regressivas em comparação às progressistas. Além disso, a constatação da diminuição progressiva de posições a favor da ampliação do aborto legal a partir de 2004 e, por conseguinte, a elevação de posições (ultra)conservadoras no mesmo período. Com base nestes dados, aferimos, em grande medida, a correlação entre a ascensão da mobilização regressiva sobre o aborto na Câmara dos Deputados com a possibilidade de decisão favorável ao aborto por anencefalia no Supremo Tribunal Federal.

Posteriormente, o texto se concentra em analisar os argumentos mobilizados para referendar as posições assumidas. Inicialmente nos concentramos nos argumentos utilizados na assunção da posição a favor da ampliação do aborto legal, posteriormente, nas posições regressivas a partir de quatro linhas argumentativas. Neste processo identificamos, no debate parlamentar sobre a anencefalia, alguns elementos de uma estratégia discursiva com aspectos similares a que se tornou comum no Brasil durante a Pandemia do Covid-19 e o mandato de Jair Bolsonaro na Presidência da República.

Anexo 1 – Distribuição de acordo com o parlamentar pronunciante, número de discursos, partido de filiação, período das falas e posição predominante

Parlamentar N de discursos Partido Período Posição predominante
José Divino 1 PMDB 2004 A favor da ampliação do aborto legal
Osmânio Pereira 5 PTB/PSDB 2004 A favor da restrição do aborto legal
João Batista 1 PFL/DEM 2004 A favor da ampliação do aborto legal
Luciana Genro 1 Sem Partido 2004 A favor da ampliação do aborto legal
Enéas Carneiro 1 PRONA 2004 A favor da restrição do aborto legal
Roberto Gouveia 1 PT 2004 A favor da ampliação do aborto legal
Wagner Lago 1 PP/PPB/PPR 2005 A favor da restrição do aborto legal
Elimar Máximo Damasceno 6 PRONA 2004 A favor da restrição do aborto legal
Milton Cardias 1 PTB 2004 A favor da restrição do aborto legal
Dr. Pinotti 6 PFL/DEM 2004-2008 A favor da ampliação do aborto legal
Neucimar Fraga 1 PL 2004 A favor da restrição do aborto legal
Jandira Feghali 3 PCdoB 2004 -2012 A favor da ampliação do aborto legal
Salvador Zimbaldi 1 PTB 2004 A favor da restrição do aborto legal
Angela Guadagnin 1 PT 2004 Contra o aborto (genérico)
Almir Moura 1 PL 2004 A favor da ampliação do aborto legal
Cida Diogo 1 PT 2007 A favor da ampliação do aborto legal
Luiz Bassuma 6 PT 2004-2008 A favor da restrição do aborto legal
Dr. Talmir 8 PV 2004-2008 A favor da restrição do aborto legal
Antonio Bulhões 1 PMDB 2007 A favor da ampliação do aborto legal
Severino Cavalcanti 1 PP/PPB/PPR 2004 A favor da restrição do aborto legal
Miguel Martini 3 PHS 2008 A favor da restrição do aborto legal
Pastor Pedro Ribeiro 1 PMDB 2008 A favor da restrição do aborto legal
Paes de Lira 1 PTC 2009 Não se posiciona
João Campos 4 PSDB 2011-2012 A favor da restrição do aborto legal
Sibá Machado 1 PT 2011 Contra o aborto (genérico)
Lael Varela 1 PFL/DEM 2012 A favor da restrição do aborto legal
Eros Biondini 1 PTB 2012 A favor da restrição do aborto legal
Alice Portugal 1 PCdoB 2012 A favor da ampliação do aborto legal
Pastor Marco Feliciano 4 PSC 2012 A favor da restrição do aborto legal
Ronaldo Fonseca 1 PR 2012 A favor da restrição do aborto legal
Rodrigo Maia 1 PFL/DEM 2012 A favor da restrição do aborto legal
Lincoln Portela 1 PR 2012 A favor da manutenção da lei
Jonas Donizete 1 PSB 2012 A favor da restrição do aborto legal
Roberto de Lucena 4 PV 2012 A favor da restrição do aborto legal
Janete Rocha Pietá 1 PT 2012 A favor da ampliação do aborto legal
Aureo 1 PRTB 2012 Contra o aborto (genérico)
Pastor Eurico 1 PSB 2012 Contra o aborto (genérico)
Sandes Júnior 1 PP/PPB/PPR 2012 A favor da ampliação do aborto legal
Silas Câmara 1 PSD 2012 A favor da restrição do aborto legal
João Dado 1 PV 2012 A favor da restrição do aborto legal
Francisco Floriano 1 PDT 2013 A favor da restrição do aborto legal
  • Fonte: elaboração própria com base nos dados do projeto “Direito ao aborto e os sentidos da maternidade: atores e posições em disputa no Brasil contemporâneo”, financiado pelo edital MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA n. 32/2012.
    • 1
      Agradeço imensamente a colaboração e as sugestões realizadas pelas/os pareceristas anônimas/os da RBCS. Agradeço à equipe editorial da RBCS, em especial às professoras Danusa Marques e Rayza Sarmento, pela atenção e compreensão em todo o processo envolvido até aprovação do texto, assim como à Lanna Ribeiro, revisora da RBCS, pelas contribuições na correção, adequação e aprimoramento do texto. Agradeço também às agências de fomento à pesquisa CAPES, CNPq, FAPERGS e FAPDF, por possibilitarem de diferentes formas a realização desta investigação.
    • 2
      Financiado pelo edital MCTI/CNPq/SPM-PR/ MDA n. 32/2012, coordenado pela professora Flávia Biroli e pelo professor Luis Felipe Miguel.
    • 3
    • 4
      Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos, consultado em 08/04/2024.
    • 5
      O conceito de pânico moral foi elaborado pela Sociologia e pela Psicologia Social, especialmente nos escritos do teórico Stanley Cohen. Em linhas gerais, o pânico moral é um fenômeno ocasionado por reações, por vezes exageradas, a possíveis ameaças a ordem moral e a consensos sociais (Machado, 2004MACHADO, Carla. (2004), “Pânico Moral: Para uma Revisão do Conceito”.Interações: Sociedade E As Novas Modernidades, 7:60-80.; Miskolci, 2007MISKOLCI, Renato. (2007), “Pânicos morais e controle social: reflexões sobre o casamento gay”. Cadernos Pagu, 28:101–128. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332007000100006.).
    • 6
      As reportagens do período apontam que: no caso de Marcela de Jesus, se constatou que ela era portadora de acrânia; enquanto Joana Croxato era diagnosticada por alguns médicos como portadora de anencefalia, outros de anencefalia incompleta e outros a diagnosticaram com acrania.

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    • BRASIL. (2012b), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Dr. Pinotti, 04 de setembro, p. 40853.
    • BRASIL. (2012c), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Eros Biondini, 11 de abril, p. 10957.
    • BRASIL. (2012d), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Lael Varella, 12 de abril, p. 11202.
    • BRASIL. (2012e), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Pastor Marco Feliciano, 24 de maio, p. 18612.
    • BRASIL. (2012f), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Roberto de Lucena, 17 de abril, p. 12029.
    • BRASIL. (2012g), Diários da Câmara dos Deputados. Trecho de pronunciamento de Roberto de Lucena, 02 de junho, p. 20068.
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    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2024
    • Data do Fascículo
      2024

    Histórico

    • Recebido
      04 Fev 2023
    • Aceito
      15 Mar 2024
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