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O juiz, as partes e as provas no sistema de julgamento penal italiano: contributo à reforma no Brasil

The judge, the parties and the evidence in the Italian criminal trial system: contribution to the reform in Brazil

Resumo

Com o julgamento das ADIs nº. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, pelo Plenário do STF, expressou-se uma clara resistência a um processo penal marcado por características acusatórias no Brasil. Dada a afinidade histórico-legislativa do processo penal brasileiro com a Itália e o fato de que a reforma para o modelo acusatório italiano apresentou questões semelhantes às levantadas no julgamento referido, mostra-se relevante entender como se articulam o juiz, as partes e as provas no modelo italiano atual. Para tanto, através da análise do direito positivo italiano confrontado com perspectivas doutrinárias sobre os temas pertinentes, descrevem-se as relações entre a organização das iniciativas instrutórias e princípio dispositivo, “duplos autos”, livre convencimento do juiz, imparcialidade do juiz, contraditório processual e acordos sobre o conteúdo do caderno processual.

Palavras-chaves
juiz; partes; prova; poderes instrutórios; processo acusatório

Abstract

With the judgment of ADIs nº. 6,298, 6,299, 6,300 and 6,305, by the STF’s Plenary, a clear resistance was expressed to a criminal process marked by accusatory characteristics in Brazil. Given the historical-legislative affinity of the Brazilian criminal process with Italy and the fact that the reform to the Italian accusatory model presented issues similar to those raised in the aforementioned judgment, gains relevance understanding how the judge, the parties and the evidence articulate themselves on the current Italian model. To this end, through the analysis of the Italian positive law faced with doctrinal perspectives on the pertinent topics, the relationships between the organization of the proof initiative and dispositive principle, “double acts”, free conviction of the judge, impartiality of the judge, procedural contradiction and agreements on the content of the procedural records are described.

Keywords
judge; parties; evidence; instructional power; accusatory process

Sumário: Introdução; 1. Princípio dispositivo; 2. “Duplos autos”; 3. Distribuir os poderes instrutórios; 4. Poder instrutório e imparcialidade do juiz; 5. Poderes instrutórios e contraditório processual; 6. Acordos sobre o conteúdo do caderno processual; Considerações finais; Referências.

Introdução

Na sessão de 24 de agosto de 2023, a Ministra Rosa Weber, Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), proclamou o resultado do julgamento das 4 (quatro) Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, que questionavam algumas das alterações, que propunham uma série de reformas em tema de justiça penal, da Lei nº. 13.964BRASIL. Lei nº. 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 03 abr. 2021, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13964.htm, acesso em: 14 set. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
, de 24 de dezembro de 20193 3 BRASIL. Lei nº. 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 03 abr. 2021, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13964.htm, acesso em: 14 set. 2023. , ao Código de Processo Penal Brasileiro (CPP)4 4 Daqui em diante, todas as vezes que se empregar a sigla CPP, refere-se ao Código de Processo Penal Brasileiro vigente, isto é, BRASIL. Decreto-Lei nº. 3.689, de 03 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). Brasília, DF: Diário Oficial da União, 13 out. 1941, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm, acesso em: 07 abr. 2024. . Entre as alterações questionadas, as mais relevantes para o objeto deste artigo são: a adoção expressa por processo penal acusatório – com a vedação de iniciativa probatória do juiz na investigação e de substituição da atuação probatória do órgão de acusação – (art. 3-A, do CPP), a criação do Juiz das Garantias com competência até o juízo de admissibilidade da acusação (art. 3º-B, do CPP) e a adoção de um modelo de duplos (art. 3º-C, §§ 3º e 4º, do CPP). O resultado do julgamento foi uma verdadeira contrarreforma5 5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ações Diretas de Inconstitucionalidade de nº. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, Tribunal Pleno, Min. Luiz Fux, Brasília, julgado em 24 ago. 2023, publicação em 19 dez. 2023, disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=773560651, acesso em: 07 abr. 2024. Para uma análise crítica do julgamento das ADIs referidas, cfr. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; MILANEZ, Bruno; CUNHA SOUZA, Bruno. O futuro do juiz das garantias. In: SANCHES, Juliana, et al (org.). Processo e justiça na contemporaneidade: estudos em homenagem aos 50 anos do professor André Nicolitt. Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2023, p. 227-238. .

Em síntese, eis o que ocorreu:

  • (i) ao art. 3º-A – cujo texto original era “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.” –, por maioria – vencidos os Ministros Cristiano Zanin e Edson Fachin –, atribuiu-se “interpretação conforme” para “[...] assentar que o juiz, pontualmente, nos limites legalmente autorizados, pode determinar a realização de diligências suplementares, para o fim de dirimir dúvida sobre questão relevante para o julgamento do mérito”;

  • (ii) ao art. 3º-B, XIV – cujo texto original era “O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: [...] XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código” –, por maioria (vencido o Min. Edson Fachin), declarou-se a inconstitucionalidade e se atribuiu “interpretação conforme” para definir que “[...] a competência do juiz das garantias cessa com o oferecimento da denúncia”;

  • (iii) ao art. 3º-C, §§ 3º e 4º – cuja redação original era “A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código. [...] § 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado. § 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias.” –, por unanimidade, declarou-se a inconstitucionalidade com redução de texto dos §§ 3º e 4º e se atribuiu “interpretação conforme” a fim de “[...] entender que os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias serão remetidos ao juiz da instrução e julgamento”.

Através de “interpretação conforme”, o Plenário do STF reescreveu parte significativa dos dispositivos transformando-os num texto com sentido contrário ao original. Isto é, o que era realmente reformador da estrutura do processo penal brasileiro foi apagado e reescrito pelo STF: ao invés de adotar um processo acusatório, manteve-se um processo misto – essencialmente inquisitório – que autoriza a iniciativa probatória do juiz a qualquer tempo; ao invés de criar um Juiz das Garantias com a competência até o juízo de admissibilidade da acusação, esvaziou-se o propósito de sua criação com a alteração do momento em que cessa sua competência ao oferecimento da acusação; ao invés de adotar um modelo de duplos autos – que expressa fisicamente a opção epistemológica sobre a qual se funda o modelo processual penal italiano6 6 Cfr. BRONZO, Pasquale. Il fascicolo per il dibattimento. Poteri delle parti e ruolo del giudice. Padova: CEDAM, 2017, p. 1 e ss. –, perpetuou-se a possibilidade de acesso e uso ao juiz da instrução e julgamento dos atos investigativos7 7 Sobre isso, veja-se o art. 155, do CPP, “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.” .

Nesse contexto, considerando a afinidade de natureza histórico-legislativa entre os dois países, pode ser frutífero ao Brasil voltar os olhos à experiência do processo acusatório à italiana8 8 Nesse sentido, para uma aproximação entre os modelos processuais brasileiro e italiano, cfr. CUNHA SOUZA, Bruno; TOMA, Emanuele. Il contraddittorio, il giudice e i fascicoli nei sistemi processuali penali del Brasile e d’Italia. Revista Antinomias, Ponta Grossa: Open Journal Systems, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 8-25, 2023. para compreender como se articulam o juiz, as partes e as provas no modelo italiano atual. Por isso, analisando as discussões que seguiram à adoção do modelo acusatório na Itália, bem como discutindo as razões que motivaram tais opções de política legislativa, discutem-se, através da análise do direito positivo italiano confrontado com algumas perspectivas doutrinárias sobre os temas pertinentes, as relações entre a organização das iniciativas instrutórias e princípio dispositivo, “duplos autos”, livre convencimento do juiz, imparcialidade do juiz, contraditório processual e acordos e o conteúdo do caderno processual.

Em outras palavras, busca-se discutir, à luz do modelo italiano, como articular o poder instrutório dos juízes e a (in)disponibilidade do conteúdo do processo, constituir os autos do processo a fim de preservar ao máximo a imparcialidade do julgamento, relacionar o princípio do livre convencimento do juiz e a seleção dos materiais que podem ser utilizados na decisão, compatibilizar a imparcialidade e os poderes instrutórios oficiosos do juiz, aplicar as ideias de princípio dispositivo e princípio inquisitivo em função de uma jurisdição cognitiva e enquadrar acordos no processo penal em face do princípio do contraditório.

1. Princípio dispositivo

Quando os compiladores do código de processo penal vigente enxertaram em nosso tradicional modelo de processo burocrático ‘à francesa’ as características próprias do estilo acusatório, alguns sustentaram9 9 Por exemplo, afirmando o acolhimento do princípio dispositivo no novo modelo processual penal italiano: DI BITONTO, Maria Lucia. Profili dispositivi dell’accertamento penale. Torino: Giappichelli, 2004, p. 89 e ss., FURGIUELE, Alfonso. Concetto e limiti dell’acquiescenza nel processo penale. Napoli: Jovene, 1998, p. 163 e LOZZI, Gilberto. Lezioni di procedura penale. 15 ed. Torino: Giappichelli, 2003, p. 630. que a escolha de confiar às partes a seleção das provas, limitando fortemente os poderes oficiosos em relação ao rito de 1930, significava adotar um ‘princípio dispositivo em matéria de prova’, que é enumerado entre os postulados do modelo processual acusatório10 10 No Brasil, sustentam o princípio dispositivo como princípio orientador do sistema processual penal acusatório: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. O papel do novo juiz no processo penal, in: SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da; PAULA, Leonardo Costa de (Org.). Observações sobre os sistemas processuais penais: escritos do Prof. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Vol. 1. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 25-62; POLI, Camilin Marcie de. Sistemas processuais penais. 2. ed. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2019, e LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 19 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 48 e ss. .

A este ponto, a atenção dos observadores se concentrou na previsão do Código que concede ao juiz o poder de integrar a produção probatória quando, ao final da instrução, verificar a «necessidade absoluta» (art. 507, do Código de Processo Penal Italiano11 11 Daqui em diante, será empregada a sigla CPPI para se referir ao Código de Processo Penal Italiano, de 1988, vigente atualmente na Itália, isto é, ITALIA. Codice di Procedura Penale – Decreto del Presidente della Reppublica 22 settembre 1988, n. 447, Roma: Gazzetta Ufficiale n. 250, Suppl. Ordinario n. 92, pub. 24 out. 1988, disponível em: https://www.gazzettaufficiale.it/sommario/codici/codiceProceduraPenale, acesso em: 07 abr. 2024. ). A disposição imediatamente se tornou terreno de confronto entre diferentes formas de compreender do processo penal: e o radicalismo e os estereótipos muitas vezes complicaram a leitura.

Os poderes instrutórios do juiz remetem à mente a antiga ‘bulimia’ do juiz inquisidor e, assim, imediatamente, uma parte da jurisprudência, não tranquilizada pelos limites expressos, começa a postular várias preclusões, forçando-se a uma espécie de autocontenção; o juiz não pode agir em caso de decadência ou inatividade das partes: se as partes são inertes, o juiz não pode produzir provas de ofício; se uma parte decai do direito à prova, tal prova não pode ser recuperada de ofício.

Para esclarecer a questão, uma decisão foi proferida pelas Seções unidas da Corte de Cassação, que acolheu uma leitura extensiva: o poder instrutório de ofício deve ser entendido como residual, mas não “excepcional”12 12 BRONZO, Pasquale. Il ‘principio dispositivo in tema di prova’ nel processo penale. Rivista italiana per le scienze giuridiche, Napoli, v. X, n. especial (I principi nell’esperienza giuridica - Atti del Convegno della Facoltà di Giurisprudenza della Sapienza), p. 411-424, 2014 (BRONZO, Pasquale. O princípio dispositivo em matéria de prova no processo penal. (tradução de Marco Aurélio Nunes da Silveira) In: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; PAULA, Leonardo Costa de; SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da (org.). Mentalidade inquisitória e processo penal no Brasil: estudos sobre a reforma do CPP no Brasil. v. 4. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 81-96) e IACOVIELLO, Francesco Mauro. Processo di parti e poteri probatori del giudice, in Cass. pen., Milano: Giuffrè, 1993, p. 286. . Seu exercício não é precluso nem mesmo em situações muito particulares, como em relação a meios de prova dos quais as partes decaíram, caso em que a iniciativa do juiz parece particularmente invasiva ou no caso – extremo – de um processo desprovido de qualquer requerimento instrutório de parte.

Os comentadores13 13 Por todos, ver: GIARDA, Angelo. “Astratte modellistiche” e principi costituzionali del processo penale, Riv. it. dir. proc. pen., an. 36 (1993), Milano: Giuffrè, fasc. 3, p. 889-905. ficaram escandalizados, denunciaram o massacre do sistema adversary, a lesão do novo ‘princípio dispositivo em matéria de prova’ e do princípio da imparcialidade do juiz. Mas, na realidade, a norma sobre os poderes instrutórios do juiz deve ser analisada sem condicionamentos ideológicos: estes condicionamentos levam, de fato, a buscar na norma significados coerentes com este ou aquele arquétipo de processo, arriscando perder a função real do instituto. Quem contestava14 14 Por todos, ver: MARAFIOTI, Lucca. L’art. 507 c.p.p. al vaglio delle Sezioni Unite: un addio al processo accusatorio e all’imparzialità del giudice dibattimentale. RIVISTA ITALIANA DI DIRITTO E PROCEDURA PENALE, Milano: Giuffrè, p. 929-949, 1993. a leitura ampla do poder instrutório do juiz penal dizia: esta exegese destoa do “princípio dispositivo probatório”! E desde que existe este princípio dispositivo – na disposição que diz que as provas são admitidas a requerimento de parte (art. 190, do CPPI) –, as previsões legais que conferem ao juiz um poder instrutório, como normas de exceção, são de interpretação estrita. O que se respondia a tal crítica? Que não pode existir um princípio dispositivo probatório em um ordenamento em que a ação é obrigatória. Mas, isto também é ‘ideologia’.

A ambas as abordagens é fácil rebater sublinhando a autonomia entre as técnicas de acertamento processual (que pode ser entregue nas mãos das partes ou, ao invés, confiado ao juiz) e as características da tutela jurisdicional (que pode ser totalmente condicionada pela escolha das partes ou funcionar em modo indefectível e automático). Então, é necessário distinguir: a) o «senhorio da parte ao pôr em andamento o processo e determinar seu conteúdo» (Dispositionsprinsip), que diz respeito aos modos pelos quais se pode requerer a tutela de uma situação substancial; b) a dependência do juiz da parte no que diz respeito apenas à obtenção do material de fato e dos meios para prová-lo (Verhandlungsmaxime), que se refere à técnica processual, ao método de acertamento. Tal diferenciação vem a refutar a abordagem – dos estudiosos do processo civil do início dos anos 1800 – que reconhece que a ratio do princípio do dispositivo probatório esteja na tendencial disponibilidade do processo15 15 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. Napoli: Jovene, 1928, p. 732. .

Piero Calamandrei16 16 CALAMANDREI, Piero. Il giudice e lo storico. Rivista di diritto processuale civile, Padova, CEDAM, v. XVI, I, p. 115, 1939. dizia que interpretar a disponibilidade da prova no processo civil como uma projeção dos poderes dispositivos atribuídos aos indivíduos no direito substancial significa desconhecer a natureza publicística do direito processual – de todo o direito processual, podemos acrescentar. Eis porque, no processo civil atual, o juiz não é, de fato, desprovido de poderes instrutórios, e não apenas em matérias caracterizadas por uma tendencial indisponibilidade dos interesses envolvidos (como a trabalhista ou a tutelar), mas também no juízo ordinário de cognição: pois o papel ativo do juiz não incide sobre a indisponibilidade do objeto do processo, desde que suas iniciativas se refiram aos fatos alegados pelas partes17 17 FERRUA, Paolo. I poteri probatori del giudice dibattimentale: ragionevolezza delle Sezioni unite e dogmatismo della Corte costituzionale. Rivista italiana di diritto processuale penale, Milano: Giuffrè, n. 3, p. 1065-1084, 1994. .

Em suma, o que nos ensina a teoria diferenciadora? A tendencial autonomia entre tutela jurisdicional e técnica instrutória. Este ensinamento é útil também em matéria penal: como de um processo de objeto disponível (como o civil) não deriva a necessidade de excluir iniciativas instrutórias do juiz, assim a indisponibilidade da res iudicanda penal é perfeitamente compatível com uma rigorosa limitação do poder probatório do juiz18 18 De maneira semelhante, DI BITONTO, Maria Lucia. Profili dispositivi dell’accertamento penale. Torino: Giappichelli, 2004, p. 73 e ss. .

No entanto, trata-se sempre de uma autonomia tendencial: se raciocinamos ‘por princípios’, e dizemos que existe um princípio dispositivo probatório, como monopólio das partes na seleção das provas, então, os termos da questão mudam. Atribuir ao juiz poderes instrutórios é compatível com a disponibilidade da res iudicanda: é possível um processo cujo objeto esteja no âmbito da disponibilidade das partes e, apesar disso, a responsabilidade instrutória seja atribuída ao juiz, até mesmo totalmente. As partes, em acordo, poderiam renunciar “aos atos do juízo” ou “impedir” a decisão permanecendo inertes, não participando das audiências (tratar-se-ia de um modelo de acertamento processual discutível, mas a tutela jurisdicional permaneceria disponível).

Mas, se a res iudicanda é indisponível, o fornecimento probatório não pode ser monopólio das partes. No processo penal, cuja indisponibilidade deriva – mais e antes que da indisponibilidade do dever de punir – da necessidade de uma jurisdição ‘cognitiva’, isto é, interessada no acertamento dos fatos (e uma jurisdição cognitiva se faz necessária pela presunção de inocência), uma total exclusão do juiz das atividades instrutórias seria não só inoportuna, mas, além disso, incompatível com aquela indisponibilidade19 19 Nesse sentido, CORDERO, Franco. Procedura penale. 9 ed. Milano: Giuffrè, 2012, p. 617. .

O ponto é que o problema da distribuição dos poderes probatórios no processo foi resolvido pelos legisladores modernos com soluções articuladas, que fogem ao destacamento teórico entre princípio dispositivo e princípio inquisitivo, e respondem ao invés disso a critérios de oportunidade técnica20 20 No Brasil, em sentido semelhante: BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 10 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 111-113. . Marcadamente, a distribuição dos poderes responde a um critério epistêmico: adota-se o regime que melhor garante o valor da precisão do acertamento, irrenunciável em qualquer tipo de processo.

Se olharmos para o processo penal, afirmar um princípio dispositivo parece ainda mais questionável. É verdade que, no Código, encontramos proclamada a regra (art. 190) segundo a qual «as provas são admitidas a pedido de parte», e do poder instrutório judicial se fala de forma excepcional («a lei especifica os casos em que as provas são admitidas de ofício»).

Todavia, um daqueles ‘casos’ — o previsto no art. 507, do CPPI — tem um tal alcance que coloca em crise o esquema clássico do princípio dispositivo: «Terminada a aquisição21 21* Tradução empregada anteriormente (GIOSTRA, Glauco. Primeira lição sobre a justiça penal. Trad. de Bruno Cunha Souza. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021), o procedimento probatório na Itália se desenvolve em admissão [ammisione], produção [assunzione] ou aquisição [acquisizione] e valoração [valutazione]. Distinguem-se produção e aquisição, pois esta se refere a provas já constituídas. * das provas pelas partes, o juiz, se resultar absolutamente necessário, pode determinar também de ofício a produção de novos meios de prova». Que, no atual procedimento penal, a formação da prova dependa das partes desde o momento da escolha do material resulta da circunstância de que cabe a cada uma delas, formulada sua própria hipótese reconstrutiva, produzir os materiais idôneos para verificá-la. Os requerimentos podem ser filtrados pelo juiz apenas nos estreitíssimos termos da não manifesta irrelevância e não manifesta superfluidade e, em relação ao juiz demais rigoroso, o “direito à prova” vem tutelado de maneira forte, inclusive em Cassação22 22 Cfr. CAMON, Alberto. Le prove, p. 279-386, in: CAMON, A. et al. Fondamenti di procedura penale. 2 ed. Milano: CEDAM, 2020, p. 283 e ss. . Pode-se recorrer, em Cassação, por violação da lei em caso de «ausência de produção de uma prova decisiva, quando a parte a solicitou, mesmo durante o curso da instrução processual (dibattimentale), limitadamente aos casos» de prova contrária23 23 Cfr. IACOVIELLO, Francesco Mauro. Processo di parti e poteri probatori del giudice. Cassazione penale, Milano: Giuffrè, n. 2, p. 286-292, 1993, p. 286. .

2. “Duplos autos”

As partes têm um poder enorme, e também uma séria responsabilidade, uma vez que as defaillances da parte são dificilmente remediadas pela intervenção socorrente do juiz, atualmente desprovido daquele conhecimento autônomo dos fatos que, no rito anterior, lhe assegurava a plena disponibilidade de todos os atos preparatórios, ou seja, dos atos da istruzione formale (investigação preliminar), anteriores ao dibattimento (fase instrutória do processo), que faziam parte dos autos do processo.

Hoje, de fato, vige em nosso processo o sistema de “duplos autos”, que impede ao juiz do processo o conhecimento, bem como a disponibilidade material, dos velhos autos processuais, distribuindo os documentos processuais entre dois autos: um do Ministério Público e outro para o processo. Esta é a verdadeira novidade do nosso sistema atual, juntamente com a regra de que as provas são admitidas a pedido de parte, e é ainda mais importante que esta regra24 24 No Brasil, tentou-se adotar um modelo de “duplos autos”, com a introdução do art. 3º-C, §§ 1º a 4º, no CPP, mas o julgamento das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 esvaziou a iniciativa. É interessante notar, como a tentativa de reforma da Lei nº. 13.964/19 – que introduziu no CPP o artigo mencionado – foi, justamente, além daquilo que se previa no art. 16, §§ 1º a 3º, do Anteprojeto de Código de Processo Penal (BRASIL. Senado. Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. Anteprojeto. Brasília: Senado Federal, 2009, p. 29) que se discute no legislativo e, apesar de prever o juiz das garantias, não adota um modelo de “duplos autos”, mantendo a tradicional formação dos autos do processo de um modelo processual misto. .

Hoje em nosso processo penal italiano os atos da investigação realizada gradualmente na fase anterior ao juízo e os atos da audiência preliminar terminam em um ‘caderno do Ministério Público’, que continua por todo o processo na exclusiva disponibilidade das partes e que ao juiz é proibido o acesso. No final da audiência preliminar forma-se, para o processo (dibattimento), um caderno diferente, destinado a reunir os atos do processo [giudizio], que no início do processo contém apenas – da investigação preliminar – os resultados dos excepcionais incidentes probatórios realizados na presença das partes, bem como de alguns atos de investigação irrepetíveis.

O juiz, portanto, pode realizar a leitura somente dos atos do ‘próprio’ fascículo; enquanto apenas as partes podem requerer a leitura – e, portanto, a juntada ao encarte oficial – de atos que pertencem ao ‘seu’ fascículo, isto é, ao caderno do Ministério Público, quando os elementos já registrados por elas durante as investigações se tornam, por vários motivos, – após a sua realização – irrepetíveis no processo. Salvo nestes casos, a leitura durante o julgamento de qualquer ato da investigação é proibida.

A escolha de privar o juiz do processo da possibilidade de conhecer os atos da investigação quer superar a onisciência assegurada pelos velhos autos processuais, constituído «por acumulação» de todos os atos do procedimento, da notitia criminis em diante, graças ao qual o órgão processual herdava todas as informações coletadas durante a fase investigativa. Os perigos decorrentes de tal conhecimento são bem conhecidos pela experiência do sistema misto: nesse tipo de processo, apesar da afirmação do princípio da validade apenas preparatória (informativa) dos atos da investigação, o pleno conhecimento dos fatos e atos realizados antes do juízo condicionava a produção das provas no processo (dibattimento).

O juiz, embora pudesse usar apenas uma parte dos documentos de investigação e apenas em determinadas condições, tinha os autos processuais por inteiro; o presidente do tribunal ou da Corte d´Assise, além disso, deveria ‘estudá-lo’, antes do processo, para se preparar ao debate instrutório: era fácil que ‘absorvesse’ a impostação impressa na investigação preliminar e esperasse, então, durante o processo, uma confirmação de tal impostação.

Isto diminuía o valor do processo e aumentava o peso da fase anterior, por dois motivos: (1) o juiz do processo estava pouco inclinado a ‘ouvir’ as partes em sua própria reconstrução e seus próprios requerimentos de prova. O juiz era rigoroso na apreciação da relevância dos pedidos de prova apresentados pelas partes: bloqueava as iniciativas que não lhe pareciam relevantes, valorando, assim, as provas antes de sua produção. De fato, o juiz era titular de um poder de controle preventivo de todas as provas que as partes requeriam ao juízo, de modo a dar seguimento apenas aos pedidos que considerasse úteis. A utilidade das produções de prova era apreciada, não tanto na perspectiva do requerente e com base na reconstrução fática proposta pelas partes, mas com fundamento em sua própria reconstrução do caso, adquirida a partir do conhecimento dos atos da investigação; (2) o juiz era muito atraído pelas perspectivas de recuperação das informações pré-constituídas. A recuperação dos atos da investigação ocorria por várias vias: (a) ampliavam-se em via interpretativa os casos de leituras permitidas de depoimentos testemunhais dados na investigação preliminar, que estavam previstos de forma taxativa, como derrogação de uma proibição geral de leitura; (b) a sanção de nulidade, desde logo sanável, foi diluída pela possibilidade de saneamento por aquiescência, verificada mesmo em hipóteses muito questionáveis (o art. 471, do CPPI, impunha a exceção antes da conclusão do ato ou imediatamente depois); (c) era difusa a escamotage das leituras per relationem: aproveitando o princípio da legibilidade de cada ato diverso dos termos de depoimento de testemunha, dava-se a leitura do relatório policial e, por tal via, consideravam-se obtidas e fruíveis para a decisão todas as declarações lá reportadas.

Em suma, podemos dizer, em linhas gerais, que o método processual do Código de 1930 não assegurava suficientemente a imparcialidade do juiz, que era comprometida: (1) pelo conhecimento prévio das informações recolhidas pelo acusador; (2) de sua tarefa como seletor do material de prova para a decisão. Nosso legislador de 1988 respondeu ao primeiro problema pelo sistema de duplos autos, ou seja, excluindo o conhecimento e a disponibilidade dos protocolos das atividades preliminares das partes pelo juiz do processo. Ao segundo problema, respondeu pelo princípio dispositivo, segundo o qual a seleção do material para a decisão cabe às partes.

As duas opções são correlatas e, em alguns aspectos, a última é uma consequência da primeira: uma vez que o juiz foi privado da possibilidade de alcançar os documentos da fase preliminar, não seria mais possível conferir a ele a responsabilidade pela seleção das provas: entrando em contato com os fatos do processo apenas na abertura do dibattimento (instrução processual), não saberia que passos dar. Portanto, a coleção instrutória só poderia ocorrer de acordo com um esquema de tipo dispositivo, isto é, confiada às partes do processo.

Em suma, ao juiz é proibido não só usar, mas também conhecer os feitos das investigações. É por isso que a responsabilidade pela coleta de provas é quase exclusivamente das partes, cuja visão é proibida ao juiz. Devemos, porém, salientar que, na Itália, não temos um processo a la Perry Mason, ou seja, “à americana”, em que o juiz é totalmente passivo na coleta das provas.

De fato, no encerramento da instrução, quando todas as provas requeridas pelas partes já foram adquiridas no processo, o juiz do dibattimento pode determinar a produção de qualquer prova ulterior que seja útil à decisão: este poder não está sujeito a nenhum limite em relação ao tipo de meio, ou a uma particular necessidade instrutória. A cláusula de “absoluta necessidade” é pouco mais do que um sinal didático: no final da instrução, resulta ‘absolutamente necessária’ qualquer prova que sirva para esclarecer um aspecto da quaestio facti que, em tal ponto, ainda esteja obscura.

Praticamente, o único limite posto ao poder probatório de ofício é o limite cronológico, em virtude do qual o juiz, antes de intervir, é obrigado a aguardar até que todas as exigências probatórias dos contendentes tenham sido atendidas: «terminada a aquisição das provas» requeridas pelas partes. Este é um limite importante, porque garante a contenção das intervenções oficiosas dentro dos vazios instrutórios deixados pelas partes e, portanto, reduz a ingerência judicial em termos inversamente proporcionais ao ativismo das partes.

Este limite cronológico às integrações judiciais da prova faz com que o “direito à prova” reconhecido às partes seja caracterizado com uma grande amplitude. Esta amplitude é impensável em um sistema em que as iniciativas do juiz estejam em concorrência com as das partes – como acontecia no Código italiano de 1930 e como acontece hoje no Código brasileiro –, na medida em que ao primeiro é permitido, como no antigo rito, atuar em qualquer momento do processo (dibattimento). Num sistema em que o juiz pode dispor de provas autonomamente e em qualquer momento durante o processo, a dialética instrutória corre o constante risco de ser comprometida e desagregadas as estratégias dos antagonistas, aos quais interessa escolher também em que modo e com quais meios provar suas próprias premissas, e em que ordem provar os fatos e organizar as provas que embasam cada fato individual.

Nosso dibattimento é organizado de acordo com o esquema de “turnos” instrutórios, como nos processos “à americana”: primeiro, as provas da acusação são adquiridas; depois, as provas das outras partes e, finalmente, a prova da defesa; e, dentro de cada turno, a ordem das provas é estabelecida pela parte. Contudo, este limite cronológico serve para tornar o papel do juiz residual em relação ao papel primário das partes, mas não excepcional. Tanto mais que este momento de integração da prova pode também ser solicitado pela parte que mais tarde revele certa necessidade instrutória ou assinale exigências decorrentes do happening processual.

Em suma, espontâneo ou provocado pelas partes, o suplemento da instrução pelo juiz é sempre permitido, sem que as partes possam questionar-lhe as razões ou a utilidade; o único aspecto controlável, no âmbito da motivação, diz respeito à decisão negativa em face de solicitação de um dos contendentes. Todavia, o limite mais importante ao poder oficioso não está posto em nenhuma particular disposição normativa, mas é bastante intrínseco, e deriva do sistema do código: a circunstância de ser o juiz desprovido de qualquer conhecimento autônomo dos fatos e (ressalvados os poucos atos presentes ab initio nos autos do processo) de ser deixado no escuro durante todo o processo (dibattimento) em relação às investigações realizadas pelas partes reduz a possibilidade de selecionar provas com base em suas próprias reconstruções autônomas. Sobretudo, aquele limite temporal garante que suas iniciativas sejam inspiradas pelas informações que as partes já trouxeram ao processo.

Mais que um princípio dispositivo temperado por intervenções inquisitórias, é mais correto dizer que nosso sistema vigente, ainda que seja de tipo acusatório, está caracterizado por uma distribuição do poder instrutório entre o juiz e as partes, operada segundo escolhas técnicas de ordem epistemológica.

3. Distribuir os poderes instrutórios

Aqui se mostra necessário explicar as razões epistemológicas do sistema italiano de distribuição do poder de produzir provas. Em primeiro lugar, confia-se às partes o papel principal na seleção probatória, porque se pretende (a) salvaguardar a imparcialidade do juiz e (b) usar o confronto entre as partes como uma ferramenta instrutória, já que, quando a investigação é obra de sujeitos diversos, cada um com sua própria hipótese de trabalho, (b.1) multiplicam-se proficuamente as informações e (b.2) os antagonistas desenvolvem uma atividade de controle recíproco, pelo qual cada um tende a ressaltar as circunstâncias que o outro visa a esconder, porque prejudica suas próprias premissas. P. Calamandrei, em uma obra famosa chamada O juiz e o historiador, dizia: são “instrumentos de investigação mais sensíveis e mais diligentes do que a sabedoria de qualquer juiz, os vigilantes interesses das partes contrapostas, cada uma das quais, para pôr em evidência a parte de verdade que a beneficia, está pronta a assumir para si própria, com zelo incomparável, a tarefa de investigação”25 25 CALAMANDREI, Piero. Il giudice e lo storico. Rivista di diritto processuale civile, Padova, CEDAM, v. XVI, I, p. 115, 1939. .

Contudo, em segundo lugar, as prerrogativas instrutórias de ofício não são incompatíveis com este primado, exceto na medida em que alterem as características essenciais da disputa: direito à prova e ao contraditório; por exemplo, resultaria diminuído o papel atribuído às partes se, diante das aquisições ope iudicis, não tivessem a possibilidade de discutir o resultado ou deduzir provas contrárias. E, também, o envolvimento do juiz na seleção probatória não é o resíduo de um sistema inquisitório, mas fruto de uma opção ditada por critérios de “oportunidade técnica” e por considerações de ordem epistêmica. Se é verdade que o confronto entre as partes é epistemologicamente frutífero, isto não implica que a seleção do material para a decisão possa ser totalmente remetida aos contendentes, por duas razões principalmente.

Primeira razão: mesmo sem pensar sobre o caso-limite da fraude [combine] processual, cada contendente – mesmo no processo penal – apresenta ao juízo as provas em arrimo de sua própria perspectiva, de modo que a exclusão do juiz da seleção envolve o risco de uma seleção arbitrária dos dados relevantes; e é um pouco ingênua a ideia de que o juiz pode decidir sintetizando os aspectos do fato de que cada um deles destaca «em uma espécie de jogo de montagem no qual se combinam as verdades das partes»26 26 M. TARUFFO, in CARRATTA-TARUFFO, Dei poteri del giudice. Commentario del c.p.c., I, Disposizioni generali: artt. 112-120, a cura di S. Chiarloni, Zanichelli, Bologna, 2011, p. 357. . Portanto, o juiz deve ter a possibilidade de intervir.

Segunda razão: a necessidade de integrar a prova proveniente do juiz está ligada ao sistema da oralidade e ao conexo princípio do livre convencimento. Se as sentenças não são fruto de regras decisórias pré-constituídas, de provas legais como as confissões, os juramentos ou as presunções – que, para nós, na Itália, estão presentes no processo civil –, mas em sentenças que são fruto de um “livre” convencimento do julgador. O nexo entre poderes instrutórios do juiz e ‘livre convencimento’ é ressaltado: o princípio do livre convencimento, corretamente entendido como repúdio de uma metodologia vinculante na gênese lógica do juízo sobre o fato, implica efetivamente um particular papel do juiz: se o juiz não é – não é mais – um passivo conjugador de regras decisórias pré-estabelecidas pela lei, não pode estar desinteressado em relação ao “êxito” da instrução, e deve estar envolvido na formação do material probatório.

Num processo em que a atividade instrutória das partes é sobretudo obra informativa, e não somente obra argumentativa, é fundamental que o circuito comunicativo entre elas e o juiz funcione sempre corretamente. Às vezes, isto não acontece – o circuito não funciona –, malgrado a parte tenha fornecido todas as informações consideradas necessárias para verificar sua própria hipótese. Não houve nenhuma inércia instrutória: aquele material produzido pelas partes vem integrado.

A importância de poderes que permitam ao juiz tais integrações da prova podem ser particularmente apreciadas – ainda que seja estranho dizer, para um processo de partes – em nosso rito italiano penal vigente: o inconveniente mencionado pode derivar, de fato, do diferente nível de conhecimento que as partes e o juiz têm sobre os fatos em causa. A ignorância em que este último se encontra com relação aos atos que precederam o processo (dibattimento), graças ao já descrito sistema de “duplos autos”, envolve o risco de que, devido à diversa bagagem de conhecimento, as partes considerem ter provado suficientemente aspectos do evento que permanecem obscuros para o julgador, ou mesmo considerem inútil provar as circunstâncias que, erroneamente, dão por demonstradas

4. Poder instrutório e imparcialidade do juiz

O maior temor em relação aos poderes instrutórios oficiosos é a perda da imparcialidade do juiz; mas, é um efeito supervalorizado. Michele Taruffo27 27 TARUFFO, Michele. La semplice verità: il giudice e la costruzione dei fatti. Roma-Bari: Laterza, 2009, p. 176. julga um ingênuo psicologismo o relevo segundo o qual quem busca recolher informações sobre um fato perde imediatamente a capacidade de valorar corretamente o conteúdo e a confiabilidade das informações que adquire.

O perigo que gera a atribuição ao juiz dos poderes instrutórios não é o da perda de imparcialidade na decisão, mas sim a perda de neutralidade durante o processo (dibattimento). Ou seja, o verdadeiro perigo é que o juiz atue como um investigador, usando suas próprias prerrogativas probatórias para buscar a confirmação de suas próprias hipóteses. Mas o perigo deriva do conhecimento que já possui em relação aos fatos do caso no momento em que tais fatos emergem das reconstruções propostas pelos contendentes: um juiz que conhece a todos e, imediatamente, no transcurso do procedimento amadurece «sua própria compreensão dos fatos e das pessoas, antes e fora das perspectivas dialéticas das partes».

Verificam-se dois remédios ou – pelo menos – dois são os remédios oferecidos pelo nosso sistema processual italiano, e estes remédios representam um dado útil para um sistema que – como o brasileiro – queira evoluir de esquemas e mentalidade de tipo inquisitório para esquemas e lógicas de tipo acusatório. Um remédio é preventivo, o outro é corretivo.

O remédio preventivo está na virgin mind, isto é – mais uma vez – no sistema de duplos autos. Isto porque a imparcialidade do juiz não é afetada tanto pela titularidade de poderes instrutórios, como pela atitude psicológica do juiz, que é correlata ao conhecimento prévio dos fatos que tem de forma autônoma em relação às partes. No Codice Rocco, de 1930, eram os autos processuais onicompreensivos que transformavam o juiz em “investigador”, que busca, com suas próprias iniciativas instrutórias, uma confirmação de suas próprias hipóteses reconstrutivas. Depois, há um remédio corretivo, que é o contraditório, ao qual, como mencionado, em nosso sistema estão sujeitas as provas adquiridas ex officio não menos do que as requeridas pelas partes. As partes podem – sempre – discutir o resultado das provas ordenadas de ofício pelo juiz, e podem sempre deduzir provas contrárias àquelas adquiridas por determinação do juiz.

5. Poderes instrutórios e contraditório processual

Note-se como, às vezes, a necessidade de integrar as provas requeridas pelas partes não depende de um deficit informativo, mas do próprio desenvolvimento de nossa instrução penal, à qual o estilo acusatório impõe modos e tempos rigidamente estabelecidos. O impulso instrutório das partes não é expresso em iniciativas livres: para a tutela do correto desenvolvimento do contraditório processual, o código prevê a ordenação inicial das provas requeridas por cada um e as canaliza em um procedimento, subdividido em fases: a «fase preliminar», a «da decisão», a «da integração do provimento de admissão».

Após a fase preliminar, constituída por algumas formalidades preparatórias (a apresentação do rol de testemunhas), a fase decisória é aberta pelos ‘requerimentos de prova’, formulados no início do processo (dibattimento), prossegue com um contraditório entre as partes e é concluída pela decisão com a qual o juiz admite as provas. Depois, há uma fase, ulterior e eventual, «de integração do provimento de admissão», que pode responder a duas diversas necessidades: (a) o juiz, ouvidas as partes, pode excluir — a qualquer momento — provas já admitidas e admitir as excluídas (art. 495, § 4º, do CPPI); (b) o juiz pode — terminada a instrução — admitir, «novas provas», id est provas não requeridas nos atos introdutórios, motu proprio ou a pedido de uma das partes (art. 507, do CPPI).

A necessidade de enriquecer o material originalmente selecionado está longe de ser anormal, mas é quase fisiológica. E não se diz que dependa da negligência de alguém ou de uma material superveniência: toda prova, além de fornecer um resultado cognitivo, é também um ‘fator de descoberta’, por isso é possível que o novo experimento seja sugerido pelos exames já realizados. O estopim de todas as exigências decorrentes do happening processual é colocado no resultado das oitivas, numa específica subfase na qual a prova pode ser integrada, à luz dos resultados já emersos; e em relação a cada prova admitida, todos terão direito à contraposição: uma verdadeira e própria reintrodução da investigação.

A disciplina deste suplemento instrutório favorece a concentração e a continuidade do processo (dibattimento), evitando o risco de contínuas interrupções do fluxo das oitivas. Isto propicia a celeridade do processo, que seria comprometida pelos incidentes dirigidos à admissão das provas novas e à correlata admissão das provas contrárias. A varredura temporal afasta táticas protelatórias e evita atrasos que poderiam resultar a posteriori injustificados: as exigências probatórias surgidas no curso do processo ou a utilidade das provas esquecidas no momento dos requerimentos iniciais, poderiam, de fato, ser superadas pelo resultado das oitivas já programadas.

Nem mesmo em relação a tais hipóteses, a fórmula da “absoluta necessidade” descreve adequadamente o alcance do poder-dever do julgador: a admissibilidade dos pedidos da parte é examinada, aqui, de modo mais rigoroso do que aqueles formulados in limine litis, com base em todas as informações já adquiridas no processo, mas o juiz não pode deixar de adquirir qualquer prova que resulte – a despeito da realização da oitiva de todas as provas produzidas pelas partes – ainda útil. Trata-se sempre de uma valoração de não manifesta irrelevância e não manifesta superfluidade da prova requerida pela parte (não da sua “suficiência”), ainda que tal valoração terá maior espessura e força do que aquela efetuada em relação às provas necessárias ao início do processo, dados os maiores conhecimentos possuídos pelo juiz (em relação à relevância) e a quantidade de provas já presentes nos autos do processo (no que diz respeito à superfluidade). Mas, trata-se ainda de um direito de cada parte à prova dos fatos alegados, em relação ao qual a parte não está à mercê de um juiz “instrutor”.

Falou-se — mesmo para o processo penal — de um princípio dispositivo ‘atenuado’, afirmou-se que o princípio dispositivo probatório no rito penal vigente tem somente uma função «expansiva dos poderes das partes» e não «preclusiva do acertamento dos fatos». Na verdade, é difícil reconhecer no atual sistema de relações entre juiz e partes a expressão de um ‘princípio do dispositivo’, ainda que entendido na mínima acepção da tendencial exclusão do juiz das alavancas instrutórias.

A organização do poder instrutório parece, todavia, regida por duas ‘regras’ diversas, que estabelecem outros tantos canais pelos quais as provas entram no processo: um gerido pelas partes, às quais é reconhecida a mais ampla possibilidade de produzir provas; o outro pelo juiz, ao qual é atribuído um dever discricionário residual, mas — potencialmente — igualmente amplo: «não existe um ‘bolo’, constituído pelos poderes instrutórios, a ser dividido entre partes e juiz, de modo que a fatia que cabe ao juiz implique uma proporcional redução na fatia que toca às partes, e vice-versa»28 28 TARUFFO, Michele. Poteri probatori delle parti e del giudice in Europa. Rivista trimestrale di diritto e processo civile, Milano: Giuffrè, p. 451-482, 2006, p. 479. . Assim, se não é possível conceber hierarquicamente a posição do “princípio do dispositivo” em relação ao “inquisitivo”, é necessário admitir, mais prosaicamente, que as duas normas se dividem na instrução criminal em posição de paridade técnica, em função de uma jurisdição cognitiva.

6. Acordos sobre o conteúdo do caderno processual

O sistema de distribuição das tarefas de seleção das provas estudado pelo legislador de 1988 era equilibrado, mas não perfeito. Apesar da inteligência do mecanismo dos duplos autos, produziu uma certa intolerância ao longo dos anos pela rigidez com que a barreira entre a fase de investigação e a dos debates (dibattimenti) garantia a oralidade da prova. Às vezes, nessa intolerância, um refluxo inquisitório era claramente visível.

O método oral muitas vezes parecia muito dificilmente praticável, pelos longos intervalos entre os fatos e o processo (dibattimento), pelo risco de deterioração das provas, especialmente nos procedimentos sobre crime organizado. Assim, tivemos sentenças da Corte Constitucional que aumentaram o valor das declarações feitas durante a investigação em caso de testemunhos deformes e ampliaram os casos de leitura de atos de investigação. Essas intervenções ampliaram as possibilidades, para o MP, de recuperar as investigações caso o método oral se mostre inviável, provocando a crise da oralidade que só foi superada com uma reforma constitucional que inseriu o princípio do contraditório entre as garantias constitucionais do processo.

Porém maturou, ao longo dos anos, também um outro tipo de intolerância em relação ao sistema probatório de 1988: o método oral foi muitas vezes visto como pouco útil e, portanto, injustificadamente custoso, em comparação com alguns resultados investigativos, que nenhuma das partes sentia a necessidade de adquirir no julgamento [dibattimanto]. Com efeito, a proibição de fazer conhecer ao juiz e de utilizar como prova atos não formados em contraditório entre as partes era uma proibição rígida, derrogável – além dos casos excepcionais da superveniente impossibilidade de construir a prova oralmente – apenas para algumas informações, por causa do tipo de ato de investigação com que são recolhidas, ou seja, os atos que são impossíveis de repetir no processo [dibattimento], ou não é possível fazê-lo sem fazer a prova perder a sua genuinidade (inspeções, buscas, apreensões, interceptações, avaliações técnicas não repetíveis). Mas essa ‘passagem’, pelo muro, deixa passar atos pelos quais a repetição em julgamento seria possível (sem que a prova perca credibilidade) e, contudo, resulta inútil no caso concreto, porque nenhuma das partes tem interesse em contestar a informação que esse ato traz.

Nesses casos, no entanto, era necessário adquirir as provas novamente. Pensamos nos aspectos contábeis do relatório do administrador judicial [curatore] em procedimentos para crimes falimentares: o exame cruzado do administrador judicial sobre esses dados dificilmente fornece conhecimentos ulteriores ou melhores do que aqueles obtidos do relatório escrito. Pensamos na avaliação técnica foi realizada durante as investigações sobre a natureza da substância estupefaciente do pó branco apreendido do traficante, quando a defesa não tem intenção ou interesse em contestar o resultado. Em casos semelhantes, a oralidade se tornou – ou pelo menos vivia – como um formalismo. E muitas vezes, na prática, a regra era conscientemente violada: os atos foram, no entanto, adquiridos nos autos do processo [fascicolo per il dibattimento] e, com o consentimento das partes, qualquer patologia processual era considerada superada.

Assim, a fim de responder a esses problemas, introduzimos os acordos sobre o conteúdo dos autos do processo: desde 1999, as partes foram autorizadas a concordar em incluir nos autos atos diferentes e ulteriores em relação aos irrepetíveis. Desse modo, a regra rígida tornou-se elástica.

Se, por um lado, o legislador constitucional, com a reforma que transformou o princípio do contraditório em princípio constitucional, tornou inderrogável o contraditório na formação da prova, e sobretudo o tornou não mais evitável pelo Ministério Público com as leituras dos termos ou com a objeção a testemunhas, durante o exame oral, das declarações feitas no âmbito da investigação, por outro lado – apropriadamente – o legislador ordinário considerou que, quando as partes estejam de acordo, a oralidade da prova pode ser objeto de renúncia29 29 Sobre a diferença entre disponibilidade [disponibilità] e negociabilidade [negoziabilità], Cfr. GIALUZ, Mitja. Applicazione della pena su richiesta delle parti, in: Enciclopedia del diritto, Annali II.1, Milano: Giuffrè, 2008, p. 13-47. .

Com relação ao princípio do contraditório na formação da prova30 30 Sobre o tema, Cfr. GIOSTRA, Glauco. Primeira lição sobre a justiça penal. Trad. de Bruno Cunha Souza. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021, p. 58-86, e GIOSTRA, Glauco. Valori ideali e prospettive metodologiche del contraddittorio in sede penale. Politica del diritto, Bologna: Il Mulino, n. 1, p. 13-50, 1986. , podemos considerar esse acordo como um modo um modo particular de explicar esse método: as partes participam de todo modo na geração do dado informativo, mas de maneira não conflituosa. Elaborar uma prova em contraditório exige a possibilidade de ambas as partes influenciarem a formação da prova: mas, uma vez que tal possibilidade seja concedida, a participação na sua formação pode ocorrer de uma vasta gama de formas, que vão desde a cross examination à escolha consensual de utilizar como prova um ato recolhido por somente uma das partes.

A introdução deste instituto tem gerado diversas perplexidades: atribuir às partes, desde que concordem, a possibilidade de excepcionar uma regra probatória parece perigoso para a qualidade da prova e a precisão do acertamento judicial. Além disso, a regra do repúdio do valor probatório dos atos de investigação baseia-se precisamente na consideração da menor confiabilidade das informações coletadas fora do processo. Quem defende o instituto observando como, nesses mecanismos, uma parte supervisiona a outra: é própria dos sistemas acusatórios a ideia de party control.

Este argumento não é decisivo, porém. Os motivos do acordo podem ser os mais variados, e na verdade pode até ter a ver com a falta de qualidade da informação investigativa: muitas vezes uma das partes concorda com a aquisição do ato desfavorável porque é carente e lacunoso. Neste caso, o consentimento da parte não tem valor epistemológico, na verdade, poderíamos dizer que esse consenso é anti-epistêmico.

Não há necessidade de obter o acordo em caso de fraude ao juiz: podemos simplesmente notar que nenhuma das partes tem interesse na “verdade”, mas cada uma numa verdade própria, como já mencionado. E, todavia, deve-se destacar que o legislador não deixou de considerar que o contraditório serve ao juiz mais ainda que às partes, e, portanto, permitiu ao juiz determinar, sempre e em qualquer caso, a aquisição da prova oral correspondente aos termos inseridos no processo graças ao acordo entre as partes. Portanto, se o termo parece lacunoso, o relatório da polícia pouco perspícua, o juiz pode sempre determinar a aquisição do testemunho ou oitiva do oficial, e, desse modo, pode reivindicar, do seu ponto de vista, a necessidade ou mesmo somente a utilidade da oralidade a que as partes renunciaram.

Considerações finais

Sobre a relação poder instrutório e princípio dispositivo. São perfeitamente compatíveis tanto a indisponibilidade da res iudicanda penal com uma rigorosa limitação do poder probatório do juiz, quanto a disponibilidade da res iudicanda e a atribuição ao de poderes instrutórios. No processo penal, a res iudicanda é indisponível, em razão da necessidade de uma jurisdição ‘cognitiva’, interessada no acertamento dos fatos (o que é necessário pela presunção de inocência), e uma total exclusão do juiz das atividades instrutórias seria inoportuna e incompatível com tal indisponibilidade. O problema da distribuição dos poderes probatórios no processo foi resolvido pelos legisladores modernos – fugindo ao destacamento teórico entre princípio dispositivo e princípio inquisitivo – com base em critérios de oportunidade técnica, em um critério epistêmico: adota-se o regime que melhor garante o valor da precisão do acertamento, irrenunciável em qualquer tipo de processo. O processo penal italiano atual, para garantir a imparcialidade do juiz, conferiu às partes o poder de seleção do material de prova para a decisão, limitando fortemente os poderes instrutórios do juiz.

Sobre o poder instrutório e os “duplos autos”. Ainda mais importante que a regra de que as provas são admitidas a pedido de parte, o sistema de “duplos autos” – que impede ao juiz do processo o conhecimento, bem como a disponibilidade material, dos velhos autos processuais, distribuindo os documentos processuais entre dois autos: um do Ministério Público e outro para o processo – é a verdadeira novidade do sistema italiano atual. No rito anterior, os autos processuais se constituíam por acumulação, da notícia de crime em diante, e o juiz, embora pudesse usar apenas uma parte dos documentos de investigação e somente em determinadas condições, tinha os autos processuais por inteiro. E isso condicionava a produção das provas no processo, diminuindo-lhe o valor e aumentando o peso da fase anterior, porque o juiz do processo estava pouco inclinado a ‘ouvir’ as partes nas suas próprias reconstruções dos fatos e em seus próprios requerimentos de prova, bem como era muito atraído pelas perspectivas de recuperação das informações pré-constituídas. Buscando resolver esses problemas e melhor garantir a imparcialidade do juiz, o processo penal italiano atual optou pelo sistema de duplos autos.

Sobre o poder instrutório e o livre convencimento do juiz. Confiou-se às partes o papel principal na seleção probatória para salvaguardar a imparcialidade do juiz e para usar o confronto entre as partes como uma ferramenta instrutória, pois, quando a investigação é obra de sujeitos diversos, cada um com sua própria hipótese de trabalho, multiplicam-se proficuamente as informações e os antagonistas desenvolvem uma atividade de controle recíproco, pelo qual cada um tende a ressaltar as circunstâncias que o outro visa a esconder, por prejudicar suas próprias premissas. Todavia, as prerrogativas instrutórias de ofício são incompatíveis com esse primado somente quando violem as características essenciais da disputa, isto é, o direito à prova e ao contraditório: o envolvimento do juiz na seleção probatória não é o resíduo de um sistema inquisitório, mas fruto de uma opção ditada por critérios de “oportunidade técnica” e por considerações de ordem epistêmica. A seleção do material para a decisão não pode ser totalmente remetida às partes, porque a exclusão do juiz da seleção envolve o risco de uma seleção arbitrária dos dados relevantes e a necessidade de integrar a prova proveniente do juiz está ligada ao sistema da oralidade e ao conexo princípio do livre convencimento. Por princípio do livre convencimento entende-se o repúdio de uma metodologia vinculante na gênese lógica do juízo sobre o fato e isso implica que o juiz, como não é mais um passivo conjugador de regras decisórias estabelecidas pela lei, deve estar envolvido na formação do material probatório.

Sobre o poder instrutório e a imparcialidade do juiz. A perda da imparcialidade do juiz pelo exercício de poderes instrutórios oficiosos é um efeito supervalorizado. O perigo que gera a atribuição ao juiz dos poderes instrutórios não é o da perda de imparcialidade na decisão, mas sim a perda de neutralidade durante o processo (dibattimento). Dois são os remédios oferecidos pelo sistema processual italiano – úteis para o Brasil evoluir de esquemas e mentalidade de tipo inquisitório para esquemas e lógicas de tipo acusatório –: o sistema de duplos autos, que assegura a virgin mind, é o remédio preventivo e o contraditório, o remédio corretivo.

Sobre o poder instrutório e o contraditório processual. O estilo acusatório impõe ao desenvolvimento da instrução modos e tempos rigidamente estabelecidos. Para a tutela do correto desenvolvimento do contraditório processual, código italiano prevê a ordenação inicial das provas requeridas pelas partes e as canaliza em um procedimento: (a) fase preliminar, constituída por algumas formalidades preparatórias (apresentação do rol de testemunhas); (b) de decisão, que é aberta pelos requerimentos de prova, segue com um contraditório entre as partes e se conclui com a decisão do juiz sobre a admissão das provas; e (c) de integração do provimento de admissão, fase ulterior e eventual, em que o juiz pode, (c.1) ouvidas as partes, excluir – a qualquer momento – provas já admitidas e admitir as excluídas e (c.2) terminada a instrução, admitir provas não requeridas nos atos introdutórios, de ofício ou a pedido de uma das partes. A necessidade de enriquecer o material originalmente selecionado é quase fisiológica: toda prova, além de fornecer um resultado cognitivo, é também um ‘fator de descoberta’, por isso é possível que o novo experimento seja sugerido pelos exames já realizados. Não é possível conceber hierarquicamente a posição do “princípio do dispositivo” em relação ao “inquisitivo”, as duas normas se dividem na instrução criminal em posição de paridade técnica, em função de uma jurisdição cognitiva.

A respeito dos acordos sobre o conteúdo do caderno processual. O sistema de duplos autos, que separava rigidamente a fase de investigação e dos debates, garantia a oralidade na produção da prova. A disciplina original do código de 1988 sofreu resistência: sentenças da Corte Constitucional aumentaram o valor das declarações feitas durante a investigação em caso de testemunhos deformes e ampliaram os casos de leitura de atos de investigação, provocando a crise da oralidade que só foi superada com uma reforma constitucional que inseriu o princípio do contraditório entre as garantias constitucionais do processo. Por um lado, o legislador constitucional, com a reforma que transformou o princípio do contraditório em princípio constitucional, tornou inderrogável o contraditório na formação da prova, e sobretudo o tornou não mais evitável pelo Ministério Público com as leituras dos termos ou com a objeção a testemunhas, durante o exame oral, das declarações feitas no âmbito da investigação, por outro lado – apropriadamente – o legislador ordinário considerou que, quando as partes estejam de acordo, a oralidade da prova pode ser objeto de renúncia.

Portanto, parece que, pelo menos no que diz respeito à distribuição de poderes entre juiz e partes, o sistema que na Itália foi elaborado, embora com grande dificuldade, é hoje bastante equilibrado ao conciliar as exigências do acertamento penal e da repressão penal com as garantias dos imputados. Certamente o estilo acusatório não é privado de problemas, e não é apto a tratar de “todos” os procedimentos penais, sobretudo se os números são muito elevados, mas é certamente o mais alinhado com um ordenamento democrático e liberal. Essas coisas, todo ordenamento que quer realizar um processo acusatório – como se está estudando há muitos anos no Brasil –, são úteis de se levar em conta. Não há motivos para ter medo do processo acusatório.

  • 3
    BRASIL. Lei nº. 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 03 abr. 2021, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13964.htm, acesso em: 14 set. 2023.
  • 4
    Daqui em diante, todas as vezes que se empregar a sigla CPP, refere-se ao Código de Processo Penal Brasileiro vigente, isto é, BRASIL. Decreto-Lei nº. 3.689BRASIL. Decreto-Lei nº. 3.689, de 03 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). Brasília, DF: Diário Oficial da União, 13 out. 1941, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm, acesso em: 07 abr. 2024.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de...
    , de 03 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal)
    . Brasília, DF: Diário Oficial da União, 13 out. 1941, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm, acesso em: 07 abr. 2024.
  • 5
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ações Diretas de Inconstitucionalidade de nº. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, Tribunal Pleno, Min. Luiz Fux, Brasília, julgado em 24 ago. 2023, publicação em 19 dez. 202BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ações Diretas de Inconstitucionalidade de nº. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, Tribunal Pleno, Min. Luiz Fux, Brasília, julgado em 24 ago. 2023, publicação em 19 dez. 2023, disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=773560651, acesso em: 07 abr. 2024.
    https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pa...
    3, disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=773560651, acesso em: 07 abr. 2024. Para uma análise crítica do julgamento das ADIs referidas, cfr. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; MILANEZ, Bruno; CUNHA SOUZA, Bruno. O futuro do juiz das garantias. In: SANCHES, Juliana, et al (org.). Processo e justiça na contemporaneidade: estudos em homenagem aos 50 anos do professor André Nicolitt. Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2023, p. 227-238MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; MILANEZ, Bruno; CUNHA SOUZA, Bruno. O futuro do juiz das garantias. In: SANCHES, Juliana, et al (org.). Processo e justiça na contemporaneidade: estudos em homenagem aos 50 anos do professor André Nicolitt. Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2023, p. 227-238..
  • 6
    Cfr. BRONZO, Pasquale. Il fascicolo per il dibattimento. Poteri delle parti e ruolo del giudice. Padova: CEDAM, 2017, p. 1 e ssBRONZO, Pasquale. Il fascicolo per il dibattimento: Poteri delle parti e ruolo del giudice. Padova: CEDAM, 2017..
  • 7
    Sobre isso, veja-se o art. 155, do CPP, “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”
  • 8
    Nesse sentido, para uma aproximação entre os modelos processuais brasileiro e italiano, cfr. CUNHA SOUZA, Bruno; TOMA, Emanuele. Il contraddittorio, il giudice e i fascicoli nei sistemi processuali penali del Brasile e d’Italia. Revista Antinomias, Ponta Grossa: Open Journal Systems, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 8-25, 2023CUNHA SOUZA, Bruno; TOMA, Emanuele. Il contraddittorio, il giudice e i fascicoli nei sistemi processuali penali del Brasile e d’Italia. Revista Antinomias, Ponta Grossa: Open Journal Systems, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 8-25, 2023..
  • 9
    Por exemplo, afirmando o acolhimento do princípio dispositivo no novo modelo processual penal italiano: DI BITONTO, Maria Lucia. Profili dispositivi dell’accertamento penale. Torino: Giappichelli, 2004, p. 89 e ss.DI BITONTO, Maria Lucia. Profili dispositivi dell’accertamento penale. Torino: Giappichelli, 2004., FURGIUELE, Alfonso. Concetto e limiti dell’acquiescenza nel processo penale. Napoli: Jovene, 1998, p. 163FURGIUELE, Alfonso. Concetto e limiti dell’acquiescenza nel processo penale. Napoli: Jovene, 1998. e LOZZI, Gilberto. Lezioni di procedura penale. 15 ed. Torino: Giappichelli, 2003, p. 630LOZZI, Gilberto. Lezioni di procedura penale. 15 ed. Torino: Giappichelli, 2003..
  • 10
    No Brasil, sustentam o princípio dispositivo como princípio orientador do sistema processual penal acusatório: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. O papel do novo juiz no processo penal, in: SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da; PAULA, Leonardo Costa de (Org.). Observações sobre os sistemas processuais penais: escritos do Prof. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Vol. 1. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 25-62MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. O papel do novo juiz no processo penal, in: SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da; PAULA, Leonardo Costa de (Org.). Observações sobre os sistemas processuais penais: escritos do Prof. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Vol. 1. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 25-62.; POLI, Camilin Marcie de. Sistemas processuais penais. 2. ed. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2019POLI, Camilin Marcie de. Sistemas processuais penais. 2. ed. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2019., e LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 19 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 48 e ss.LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 19 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.
  • 11
    Daqui em diante, será empregada a sigla CPPI para se referir ao Código de Processo Penal Italiano, de 1988, vigente atualmente na Itália, isto é, ITALIA. Codice di Procedura Penale – Decreto del Presidente della Reppublica 22 settembre 1988, n. 447, Roma: Gazzetta Ufficiale n. 250, Suppl. Ordinario n. 92, pub. 24 out. 1988ITALIA. Codice di Procedura Penale – Decreto del Presidente della Reppublica 22 settembre 1988, n. 447, Roma: Gazzetta Ufficiale n. 250, Suppl. Ordinario n. 92, pub. 24 out. 1988, disponível em: https://www.gazzettaufficiale.it/sommario/codici/codiceProceduraPenale, acesso em: 07 abr. 2024.
    https://www.gazzettaufficiale.it/sommari...
    , disponível em: https://www.gazzettaufficiale.it/sommario/codici/codiceProceduraPenale, acesso em: 07 abr. 2024.
  • 12
    BRONZO, Pasquale. Il ‘principio dispositivo in tema di prova’ nel processo penale. Rivista italiana per le scienze giuridiche, Napoli, v. X, n. especial (I principi nell’esperienza giuridica - Atti del Convegno della Facoltà di Giurisprudenza della Sapienza), p. 411-424, 2014 (BRONZO, Pasquale. Il ‘principio dispositivo in tema di prova’ nel processo penale. Rivista italiana per le scienze giuridiche, Napoli, v. X, n. especial (I principi nell’esperienza giuridica - Atti del Convegno della Facoltà di Giurisprudenza della Sapienza), p. 411-424, 2014.BRONZO, Pasquale. O princípio dispositivo em matéria de prova no processo penal. (tradução de Marco Aurélio Nunes da Silveira) In: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; PAULA, Leonardo Costa de; SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da (org.). Mentalidade inquisitória e processo penal no Brasil: estudos sobre a reforma do CPP no Brasil. v. 4. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 81-96)BRONZO, Pasquale. O princípio dispositivo em matéria de prova no processo penal. (tradução de Marco Aurélio Nunes da Silveira) In: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; PAULA, Leonardo Costa de; SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da (org.). Mentalidade inquisitória e processo penal no Brasil: estudos sobre a reforma do CPP no Brasil. v. 4. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 81-96. e IACOVIELLO, Francesco Mauro. Processo di parti e poteri probatori del giudice, in Cass. pen., Milano: Giuffrè, 1993, p. 286IACOVIELLO, Francesco Mauro. Processo di parti e poteri probatori del giudice. Cassazione penale, Milano: Giuffrè, n. 2, p. 286-292, 1993..
  • 13
    Por todos, ver: GIARDA, Angelo. “Astratte modellistiche” e principi costituzionali del processo penale, Riv. it. dir. proc. pen., an. 36 (1993), Milano: Giuffrè, fasc. 3, p. 889-905GIARDA, Angelo. “Astratte modellistiche” e principi costituzionali del processo penale, Riv. it. dir. proc. pen., an. 36 (1993), Milano: Giuffrè, fasc. 3, p. 889-905..
  • 14
    Por todos, ver: MARAFIOTI, Lucca. L’art. 507 c.p.p. al vaglio delle Sezioni Unite: un addio al processo accusatorio e all’imparzialità del giudice dibattimentale. RIVISTA ITALIANA DI DIRITTO E PROCEDURA PENALE, Milano: Giuffrè, p. 929-949, 1993MARAFIOTI, Lucca. L’art. 507 c.p.p. al vaglio delle Sezioni Unite: un addio al processo accusatorio e all’imparzialità del giudice dibattimentale. RIVISTA ITALIANA DI DIRITTO E PROCEDURA PENALE, Milano: Giuffrè, p. 929-949, 1993..
  • 15
    CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. Napoli: Jovene, 1928, p. 732CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. Napoli: Jovene, 1928..
  • 16
    CALAMANDREI, Piero. Il giudice e lo storico. Rivista di diritto processuale civile, Padova, CEDAM, v. XVI, I, p. 115, 1939CALAMANDREI, Piero. Il giudice e lo storico. Rivista di diritto processuale civile, Padova, CEDAM, v. XVI, I, p. 115, 1939..
  • 17
    FERRUA, Paolo. I poteri probatori del giudice dibattimentale: ragionevolezza delle Sezioni unite e dogmatismo della Corte costituzionale. Rivista italiana di diritto processuale penale, Milano: Giuffrè, n. 3, p. 1065-1084, 1994FERRUA, Paolo. I poteri probatori del giudice dibattimentale: ragionevolezza delle Sezioni unite e dogmatismo della Corte costituzionale. Rivista italiana di diritto processuale penale, Milano: Giuffrè, n. 3, p. 1065-1084, 1994..
  • 18
    De maneira semelhante, DI BITONTO, Maria Lucia. Profili dispositivi dell’accertamento penale. Torino: Giappichelli, 2004, p. 73 e ssBRASIL. Senado. Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. Anteprojeto. Brasília: Senado Federal, 2009..
  • 19
    Nesse sentido, CORDERO, Franco. Procedura penale. 9 ed. Milano: Giuffrè, 2012, p. 617CORDERO, Franco. Procedura penale. 9 ed. Milano: Giuffrè, 2012, p. 942..
  • 20
    No Brasil, em sentido semelhante: BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 10 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 111-113BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 10 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022..
  • 21*
    Tradução empregada anteriormente (GIOSTRA, Glauco. Primeira lição sobre a justiça penal. Trad. de Bruno Cunha Souza. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021GIOSTRA, Glauco. Primeira lição sobre a justiça penal. Trad. de Bruno Cunha Souza. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021), o procedimento probatório na Itália se desenvolve em admissão [ammisione], produção [assunzione] ou aquisição [acquisizione] e valoração [valutazione]. Distinguem-se produção e aquisição, pois esta se refere a provas já constituídas.
  • 22
    Cfr. CAMON, Alberto. Le prove, p. 279-386, in: CAMON, A. et al. Fondamenti di procedura penale. 2 ed. Milano: CEDAM, 2020, p. 283 e ssCAMON, Alberto. Le prove, in: CAMON, A. et al. Fondamenti di procedura penale. 2 ed. Milano: CEDAM, 2020, p. 279-386..
  • 23
    Cfr. IACOVIELLO, Francesco Mauro. Processo di parti e poteri probatori del giudice. Cassazione penale, Milano: Giuffrè, n. 2, p. 286-292, 1993, p. 286IACOVIELLO, Francesco Mauro. Processo di parti e poteri probatori del giudice. Cassazione penale, Milano: Giuffrè, n. 2, p. 286-292, 1993..
  • 24
    No Brasil, tentou-se adotar um modelo de “duplos autos”, com a introdução do art. 3º-C, §§ 1º a 4º, no CPP, mas o julgamento das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 esvaziou a iniciativa. É interessante notar, como a tentativa de reforma da Lei nº. 13.964/19 – que introduziu no CPP o artigo mencionado – foi, justamente, além daquilo que se previa no art. 16, §§ 1º a 3º, do Anteprojeto de Código de Processo Penal (BRASIL. Senado. Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. Anteprojeto. Brasília: Senado Federal, 2009, p. 29BRASIL. Senado. Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. Anteprojeto. Brasília: Senado Federal, 2009.) que se discute no legislativo e, apesar de prever o juiz das garantias, não adota um modelo de “duplos autos”, mantendo a tradicional formação dos autos do processo de um modelo processual misto.
  • 25
    CALAMANDREI, Piero. Il giudice e lo storico. Rivista di diritto processuale civile, Padova, CEDAM, v. XVI, I, p. 115, 1939CALAMANDREI, Piero. Il giudice e lo storico. Rivista di diritto processuale civile, Padova, CEDAM, v. XVI, I, p. 115, 1939..
  • 26
    M. TARUFFO, in CARRATTA-TARUFFO, Dei poteri del giudice. Commentario del c.p.c., I, Disposizioni generali: artt. 112-120, a cura di S. Chiarloni, Zanichelli, Bologna, 2011, p. 357TARUFFO, Michele, in CARRATTA-TARUFFO. Dei poteri del giudice. Commentario del c.p.c., I, Disposizioni generali: artt. 112-120, a cura di S. Chiarloni, Zanichelli, Bologna, 2011..
  • 27
    TARUFFO, Michele. La semplice verità: il giudice e la costruzione dei fatti. Roma-Bari: Laterza, 2009, p. 176TARUFFO, Michele. La semplice verità: il giudice e la costruzione dei fatti. Roma-Bari: Laterza, 2009..
  • 28
    TARUFFO, Michele. Poteri probatori delle parti e del giudice in Europa. Rivista trimestrale di diritto e processo civile, Milano: Giuffrè, p. 451-482, 2006, p. 479TARUFFO, Michele. Poteri probatori delle parti e del giudice in Europa. Rivista trimestrale di diritto e processo civile, Milano: Giuffrè, p. 451-482, 2006..
  • 29
    Sobre a diferença entre disponibilidade [disponibilità] e negociabilidade [negoziabilità], Cfr. GIALUZ, Mitja. Applicazione della pena su richiesta delle parti, in: Enciclopedia del diritto, Annali II.1, Milano: Giuffrè, 2008, p. 13-47GIALUZ, Mitja. Applicazione della pena su richiesta delle parti, in: Enciclopedia del diritto, Annali II.1, Milano: Giuffrè, 2008, p. 13-47..
  • 30
    Sobre o tema, Cfr. GIOSTRA, Glauco. Primeira lição sobre a justiça penal. Trad. de Bruno Cunha Souza. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021, p. 58-86GIOSTRA, Glauco. Primeira lição sobre a justiça penal. Trad. de Bruno Cunha Souza. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021, e GIOSTRA, Glauco. Valori ideali e prospettive metodologiche del contraddittorio in sede penale. Politica del diritto, Bologna: Il Mulino, n. 1, p. 13-50, 1986GIOSTRA, Glauco. Valori ideali e prospettive metodologiche del contraddittorio in sede penale. Politica del diritto, Bologna: Il Mulino, n. 1, p. 13-50, 1986..

Acknowledgement

Bruno Cunha Souza (tradutor do texto).

  • Declaration of originality: the authors assure that the text here published has not been previously published in any other resource and that future republication will only take place with the express indication of the reference of this original publication; they also attest that there is no third party plagiarism or self-plagiarism.

How to cite (ABNT Brazil):

  • BRONZO, Pasquale. O juiz, as partes e as provas no sistema de julgamento penal italiano. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, vol. 10, n. 2, e959, mai./ago. 2024. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v10i2.959

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2023
  • Revisado
    10 Jan 2024
  • Revisado
    16 Fev 2024
  • Revisado
    16 Fev 2024
  • Revisado
    17 Mar 2024
  • Corrigido
    07 Abr 2024
  • Aceito
    18 Abr 2024
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