Open-access Acordo de Não Persecução Penal (ANPP): aspectos gerais e observações sobre a confissão extrajudicial

Criminal Non-Prosecution Agreement: general aspects and comments about the extrajudicial confession

Resumo

Com a introdução do Acordo de Não Persecução Penal na lei processual penal pela Lei nº 13.964, de 2019, o sistema de justiça consensual criminal passou a contar com mais um importante instituto. Embora previsto inicialmente na Resolução CNMP nº 181, de 2017, a sua previsão legal afastou de vez as críticas direcionadas à sua implementação por meio de ato infralegal. Além de explorar a natureza jurídica do ANPP, a possibilidade de sua aplicação em variados crimes, a sua relação com o direito constitucional ao silêncio, bem como a necessidade de o Investigado conhecer as provas produzidas contra ele para melhor avaliar o acordo proposto, o estudo analisa a confissão extrajudicial como requisito essencial para a sua celebração e homologação pelo Judiciário, inclusive com a exposição dos entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que se formam sobre o tema, para ao final, à vista dos precedentes pesquisados, buscar responder às seguintes indagações: o STF e o STJ exigem determinados requisitos para validar a confissão extrajudicial? Entendem ser relevante a sua apreciação pelo Judiciário?

Palavras-Chave acordo de não persecução penal; confissão; lei anticrime

Abstract

With the introduction of the Criminal Non-Prosecution Agreement in the criminal procedural law by L. 13.964, of 2019, the criminal consensual justice system now has yet another important institute. Although initially provided for in CNMP Resolution n. 181, of 2017, its legal provision permanently removed the criticisms directed at its implementation through an infralegal act. In addition to exploring the legal nature of the ANPP, the possibility of its application in various crimes, its relationship with the constitutional right to silence, as well as the need for the Investigated to know the evidence produced against him to better evaluate the proposed agreement, the study analyzes the extrajudicial confession as an essential requirement for its celebration and approval by the Judiciary, including the exposition of the understandings of the Federal Supreme Court and the Superior Court of Justice that are formed on the subject. In the end, in view of the researched precedents, we seek to answer the following questions: do the STF and the STJ require certain requirements to validate the extrajudicial confession? Do you understand that judicial appreciation is relevant?

Keywords Criminal Non-Prosecution Agreement; confession; anti-crime law

Introdução

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) foi inicialmente previsto na Resolução nº 181, de 7 de agosto de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que dispõe sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público. A inserção no ordenamento jurídico por meio de ato infralegal sofreu forte resistência na doutrina3 e no âmbito do próprio Ministério Público, que, em alguns Estados brasileiros, determinou a Promotores e Procuradores de Justiça que não aplicassem a Resolução CNMP nº 181/17 (Vasconcellos, 2021, p.142).

A inconstitucionalidade do ANPP, nos moldes da regulamentação pelo CNMP, foi arguida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.790, na qual a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) sustentou haver violação ao artigo 5º, incisos II, XXXV, LIII, LIV, LV, LVI, LXI, LXII e LXV; e ao artigo 22, inciso I, da Constituição Federal. Com a edição da Lei nº 13.964/19, é forçoso reconhecer o esvaziamento dos principais argumentos da AMB – contrariedade ao princípio da reserva legal (art.5º, II, da CF/88) e usurpação da competência privativa da União para legislar sobre direito penal e processual (art.22, I, da CF/88). Em razão do tratamento da matéria pela Lei nº 13.964/19, o Ministro Cristiano Zanin reconheceu, em 22/8/2023, a perda superveniente do objeto de tal ADI4, decisão que deverá ser adotada na ADI nº 5.793, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil5.

O Pacote Anticrime originou-se dos Projetos de Lei nº 10.372, de 2018 (“Projeto Alexandre de Moraes”) e nº 882, de 2019, apresentado pelo então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. De acordo com sua a ementa, buscou-se:

[...] introduzir modificações na legislação penal e processual penal para aperfeiçoar o combate ao crime organizado, aos delitos de tráfico de drogas, tráfico de armas e milícia privada, aos crimes cometidos com violência ou grave ameaça e crimes hediondos, bem como para agilizar e modernizar a investigação criminal e a persecução penal6.

Na respectiva Exposição de Motivos, informava-se que se pretendia estabelecer tratamento racional, proporcional, entre o combate à macrocriminalidade, de um lado, e à criminalidade individual, levando-se em conta que 1/3 (um terço) da população carcerária havia cometido crimes sem violência ou grave ameaça. Com a ideia buscava-se imprimir celeridade na resolução destes delitos e deslocar esforços para casos mais complexos:

[...] Trata-se de inovação que objetiva alcançar a punição célere e eficaz em grande número de práticas delituosas, oferecendo alternativas ao encarceramento e buscando desafogar a Justiça Criminal, de modo a permitir a concentração de forças no efetivo combate ao crime organizado e às infrações penais mais graves.

Outra não foi a intenção do então Ministro Sérgio Moro ao apresentar o PL nº 882/2019, apensado ao PL nº 10.372/18, conforme se depreende da Exposição de Motivos nº 00014/2019 MJSP, de 31 de janeiro de 2019:

[...] O art. 28-A estende a possibilidade de acordo quando o acusado confessa o crime de pena máxima inferior a quatro anos, praticado sem violência ou grave ameaça. A tendência ao acordo, seja lá qual nome receba, é inevitável. O antigo sistema da obrigatoriedade da ação penal não corresponde aos anseios de um país com mais de 200 milhões de habitantes e complexos casos criminais. [...] O acordo descongestiona os serviços judiciários, deixando ao Juízo tempo para os crimes mais graves.

O Presidente da Câmara, Dep. Rodrigo Maia, por meio do Ato do Presidente de 14/3/2019, instituiu Grupo de Trabalho para analisar e debater tais propostas, dada a conexão entre os textos e a necessidade de harmonizá-los7. O Substitutivo8 ao PL nº 10.372/18, resultado de tal estudo, contemplou quase a totalidade da redação do “Projeto Sérgio Moro”, à exceção da previsão para os crimes de ação penal de iniciativa privada e da avaliação quanto aos antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime. Por outro lado, durante a discussão no Congresso Nacional, já na apresentação do Substitutivo, excluiu-se a possibilidade de celebração do acordo aos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor (art.28-A, §2º, IV, do CPP). Tal Substitutivo foi aprovado sem alterações pelo Senado Federal.

A instituição do ANPP, pela Lei nº 13.964, de 24/12/2019, faz parte do movimento de incremento da justiça consensual criminal9 no Brasil, a exemplo dos institutos da transação penal (art.76 da Lei nº 9.099/95) e da suspensão condicional do processo (art.89 da Lei nº 9.099/95).

Tendo como foco as infrações de médio potencial ofensivo, cometidas sem violência ou grave ameaça, para as quais são previstas penas mínimas inferiores a quatro anos, “serve para os crimes em que as pessoas não iriam ou não deveriam ir parar na cadeia” (Haidar, 2021).

O objetivo deste estudo não se estende à inteireza do delineamento normativo do ANPP, mas restringe-se a reflexões sobre a (im) prescindibilidade da confissão para a sua celebração, à luz da doutrina e de decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, obtidas a partir de pesquisa nos sites de tais tribunais, com o emprego de determinadas expressões-chaves, como se verá adiante.

1. Aspectos gerais do ANPP

O ANPP, inserido no conjunto de modificações que romperam no país a tradição exclusivamente punitiva do Direito Penal, volta-se para as infrações de médio potencial ofensivo, quais sejam, aquelas com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, cometidas sem violência ou grave ameaça.

De acordo com a sistemática adotada pelo art.28-A do CPP, consiste em negócio jurídico10 de natureza extrajudicial (Lima, 2020, p.218). Para Cunha (2020, p.127), trata-se de: “[...] ajuste obrigacional celebrado entre o órgão de acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente homologado pelo juiz, no qual o indigitado assume sua responsabilidade, aceitando sempre cumprir, desde logo, condições menos severas do que a sanção aplicável ao fato a ele imputado”.

Configura verdadeira negociação11 entre o Ministério Público (Estado-acusação) e o investigado, com necessária assistência de seu advogado e controle pelo Estado-juiz após a sua celebração. Impacta sobre o exercício da ação penal pública, sendo sua eficácia condicionada à homologação judicial (Aras, 2020, p.179).

Para Milhomem e Suxberger (2021, p.13), “o acordo de não persecução penal é uma diversificação possível à velha fórmula de privação de liberdade. Por sua natureza consensual, o acordo fatalmente implica em um maior controle estatal”.

O ANPP imprime rapidez na solução de conflitos menos severos, permitindo, com isso, canalizar esforços para o combate a delinquentes contumazes e crimes graves, que provocam danos importantes ao tecido social (Barros, 2021, p.139), e esvazia também o interesse socialmente relevante que justificaria a incidência da resposta penal quanto a crimes de menor gravidade (Suxberger, 2021, p.166).

Em que pese o investigado não ter direito subjetivo à celebração do acordo, não lhe pode ser sonegada uma negativa motivada (Aras, 2020, pp. 193-194). De acordo com o art.28-A, caput, do CPP, nota-se uma discricionariedade regrada do Ministério Público para propor o ANPP, pois deverá avaliar a sua necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção do crime.

Se presentes todos os requisitos legais, não pode o órgão ministerial simplesmente, por mero capricho, deixar de propor o acordo, sob pena de desprezar completamente as razões que levaram o legislador a inserir o ANPP no ordenamento jurídico pátrio12.

O investigado tem direito à resposta do Estado-acusação sobre eventual impossibilidade de negociação. Não à toa, o legislador contemplou no art.28-A, §14, do CPP a seguinte previsão, que possibilita ao órgão superior do correspondente Ministério Público rever a negativa do membro ministerial: “No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código”.

Se um dos objetivos do ANPP é evitar o início do processo penal e, com isso, otimizar a persecução penal13, concentrando esforços do aparato estatal no combate a crimes de média gravidade, que ofendem bens jurídicos mais caros à sociedade, e evitando, por consequência, o incremento da população carcerária, parece intuitivo poder ser celebrado, salvo vedação legal expressa, com investigados que cometam qualquer “infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos”, desde que “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”, nos termos do art.28-A, caput, do CPP.

O Projeto de Lei nº 10.372/18, no parágrafo segundo, incisos II e III, previa as seguintes vedações à celebração do acordo, não contempladas na redação final:

Art. 28-A. Não sendo o caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstanciadamente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça, e com pena mínima inferior a quatro anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições, ajustadas cumulativa ou alternativamente:

.....

§ 2º Não será admitida a proposta nos casos em que:

.....

II – o crime for hediondo ou equiparado (Lei 8.072/1990), de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (Lei n. 9.613/1998), praticado por funcionário público contra a administração pública (Código Penal, Título XI, Capítulo I) ou nos casos de incidência da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006;

III – o crime for praticado por militar e afete a hierarquia e a disciplina das Forças Armadas ou Polícias Militares;

IV - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva.

O fato de terem sido retiradas da Lei nº 13.964/19 as vedações14 quanto aos crimes hediondos ou equiparados (Lei 8.072/90), de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (Lei n. 9.613/98), praticados por funcionário público contra a administração pública (Código Penal, Título XI, Capítulo I) ou praticados por militar, desde que afetem a hierarquia e a disciplina das Forças Armadas ou Polícias Militares, indica que o legislador não visou excluir tais crimes do ANPP. Se o legislador ordinário resolveu excluir da possibilidade de acordo tão-somente os crimes “praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor” (art. 28-A, §2º, IV, do CPP), é porque, em tese, não o vedou quanto aos demais. Sem a proibição expressa, o Ministério Público poderá propô-lo, desde que presentes os requisitos legais, independentemente de a jurisdição ser comum ou especial.

Outro não é o entendimento de Aras (2020, p.193): “[...] Não há proibição de celebrar ANPP em crimes contra a Administração Pública ou em crimes eleitorais. A aferição da suficiência da resposta estatal para prevenção ou repressão do crime deve fazer-se com base no caput do art.28-A do CPP. A lei também não reproduziu a proibição de ajustes deste tipo na jurisdição militar. O §12 do art.18 da Resolução 181/2017 do CNMP contém vedação expressa, que não se justifica e que se tornou ilegal.”

Assim, à exceção dos crimes “praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor”, e, a princípio, dos crimes militares praticados por militares, sendo que quanto a estes, a tradição é que não se aceite qualquer tipo de acordo, pois se submetem aos princípios constitucionais da hierarquia e disciplina, não há qualquer impedimento à celebração do ANPP para os demais crimes, desde que, por óbvio, estejam presentes os requisitos previstos no art.28-A do CPP.

2.A confissão como requisito para a celebração do Acordo de Não Persecução Penal

A confissão é um dos importantes requisitos do ANPP. Diferentemente de outros institutos previstos na Lei nº 9.099/95, para a celebração do ANPP exige-se, nos termos do art.28-A, caput, do CPP, que o investigado haja “confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal”.

No caso da composição dos danos civis, apenas se exige que o acordo celebrado entre os interessados seja homologado pelo juiz e, na hipótese de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação, o ajuste acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação (art.74 da Lei nº 9.099/95).

O art.76 da Lei nº 9.099/95 também não exige a confissão: “[...] Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.”

De igual forma, para a proposição da suspensão condicional do processo, cabível para os crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o legislador não exigiu a confissão, nos termos do art.89 da Lei nº 9.099/95: “[...] o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.” A rigor, a negociação com órgãos de investigação, que envolve a confissão de determinados fatos, não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro.

A Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, ao dispor sobre os crimes hediondos, acrescentou o parágrafo quarto ao art.159 do Código Penal, cuja redação dada pela Lei nº 9.269, de 2 de abril de 1996, possibilita a redução da pena de um a dois terços, em crime de extorsão mediante sequestro cometido em concurso, ao concorrente que denuncie os demais agentes, facilitando a libertação do sequestrado. A mesma Lei dos Crimes Hediondos prevê, em seu artigo 8º, parágrafo único, que “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”.

A Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995, que dispunha sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, previa, em seu artigo 6º: “a pena será reduzida, de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria”.

Nos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, a Lei nº 9.080, de 19 de julho de 1995, incluiu o parágrafo único ao art.16 da Lei nº 8.137, de 27 de novembro de 1990, para contemplar com redução de pena de um a dois terços o coautor ou partícipe que, através de confissão espontânea, nos crimes cometidos em quadrilha ou coautoria, revele toda trama delituosa à autoridade policial ou judicial. A mesma Lei nº 9.080/1995 também previu tal “prêmio” aos coautores ou partícipes, que cometerem, em quadrilha ou coautoria, crimes contra o sistema financeiro nacional, previstos na Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986 (art.25, §2º).

De acordo com o art.1º, §5º, da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro), com a redação dada pela Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012:

[...] A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

A Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, que “estabelece normas para a organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas”, inovou ao contemplar o benefício do perdão judicial ao colaborador primário (art.13) e a adoção de “medidas especiais de segurança e proteção” aos colaboradores (art.15), tendo ainda previsto a possibilidade de redução de pena de um a dois terços ao: “[...] indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime (art.14)”.

O art. 41 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, Lei de Drogas, prevê redução de pena de um a dois terços, ao “indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime”.

A Lei Antitruste (Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011) prevê a extinção automática da punibilidade aos agentes que regularmente cumprirem o acordo de leniência nos termos do seu art.87, parágrafo único.

Por fim, mencione-se a Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que, ao tratar da “colaboração premiada” nas investigações criminais relacionadas a organizações criminosas, estabelece, nos termos do seu art.4º, que “O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substitui-la por restritiva de direitos”, desde que o colaborador “tenha colaborado efetiva e voluntariamente com investigação e com o processo criminal” e, ainda, que da colaboração advenha determinados resultados previstos na lei, a exemplo da “identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas”, da “revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa”, da “prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa”, da “recuperação total ou parcial do produto ou do do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa” e da “localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada”.

Não obstante o ANPP ser um instituto relativamente recente, colhem-se na doutrina entendimentos divergentes acerca da constitucionalidade ou mesmo da necessidade da confissão.

Mencione-se Fuller (2020, p.153), para quem a exigência da confissão violaria a prerrogativa da não autoincriminação (art.5º, LXIII, da CF), assegurada ainda pela Convenção Americana de Direitos Humanos (art.8º, n.2, alínea g). Martinelli (2021, pp.313-314), para quem a confissão seria desnecessária na hipótese de haver justa causa para a ação penal, igualmente entende pela inconstitucionalidade da exigência:

[...] Se o intuito do acordo de não persecução penal é evitar que o investigado seja processado criminalmente quando houver elementos suficientes para uma provável condenação, a confissão, enquanto requisito, nada acrescentaria à legitimidade da denúncia.

A inconstitucionalidade do requisito da confissão para a celebração do acordo também é defendida por Franco (2021, p.436):

[...] O 1º requisito – necessidade de confissão – parece-nos inconstitucional e divorciado de nossa tradição jurídica. Antes de tudo, nem se poderia falar em confissão, instituto processual. Se não existe denúncia, isto é, imputação formal de fatos delituosos atribuídos ao autor no seio de uma relação jurídica regida pelo contraditório e pela ampla defesa, de “confissão” não se trata, especialmente porque ainda não há processo.

Por outro lado, sustenta Cabral (2021, p.278) que a confissão, por não ser produzida em virtude de ameaça ou pressão que afete a liberdade e a voluntariedade do investigado, não representa violação ao direito do investigado ao silêncio.

Para Lima (2020, p.231), é constitucional o art.28-A do CPP no tocante à exigência de confissão: “[...] essa confissão constitui a contribuição que o investigado faz à investigação criminal e eventual futuro processo penal (em caso de descumprimento das condições pactuadas). Desde que o investigado seja formalmente advertido quanto ao direito de não produzir prova contra si mesmo e não seja constrangido a celebrar o acordo, parece não haver nenhuma incompatibilidade entre esta primeira obrigação do investigado, prevista no art.28-A, caput, do CPP, e o direito ao silêncio (CF, art.5º, LXIII)”.

De igual forma, defende Aras (2020, p.197): “[...] O investigado só faz acordo se quiser. Logo, não está obrigado a confessar. Pode optar por não negociar acordo algum e enfrentar a ação penal, sem necessidade de renunciar ao seu direito ao silêncio. A confissão faz parte do compromisso de tipo restaurativo e é compatível com as finalidades do instituto e com a acomodação dos interesses da vítima. Não há sequer prejuízo para a presunção de inocência porque no ANPP não se tem condenação criminal, e a confissão é retratável a qualquer tempo, nos termos do art. 200 do CPP”.

É simplório o argumento supracitado, de que o “investigado só faz o acordo se quiser”, dada a desigualdade substancial existente entre as partes envolvidas na negociação. O Estado-Acusação detém grandes poderes frente ao investigado e, para evitar que a celebração do acordo decorra do receio de uma eventual condenação, com comprometimento da autonomia da vontade do investigado, é que será fundamental a efetiva participação do Judiciário na sindicabilidade do ANPP.

Concorda-se com o entendimento de que a confissão ocorra somente ao término da investigação, pois é nesse momento que o representante do Ministério Público poderá avaliar se o caso enseja ou não arquivamento, quando oportunizará ao investigado avaliar adequadamente os elementos carreados aos autos (BEM, 2021, pp.254-255):

[...] A postergação da confissão para o último ato da audiência encontra duas justificativas: a) como a investigação preliminar é só estatal, ainda que a defesa possa estar presente em alguns atos, dela não participa ativamente, ou seja, não há a realização de investigação defensiva oficial; b) diante dessa realidade, por analogia, deve-se seguir o que já se verifica no interrogatório judicial (CPP, art.400), como último ato da instrução, momento em que o réu pode confessar.

A confissão, em conjunto com o material probatório produzido, deve obrigatoriamente permitir uma segura opinio delicti contrária ao arquivamento e assegurar uma clara definição, na dinâmica delitiva, dos papeis desempenhados por todos os envolvidos (Guaragni, 2021, p.299).

Como requisito legal do ANPP15, trata-se a confissão de um ato de fala do investigado que aceita o discurso produzido pelo acusador oficial (Santiago, 2021, pp.183-214).

Apesar de, a princípio, não ser contra a confissão para fins de celebração do ANPP, Oliveira (2021, pp.8-9) alerta para a possibilidade de retratação:

[...] Não se apresenta óbvio que se possa usar a confissão feita em procedimento extrajudicial para imprimir, em instrução judicial pós-ANPP(quando houve a sua rescisão), relevância probatória maior da que hoje já se confere à confissão extrajudicial nas instruções ordinárias, a ponto de impedir a retratação do acusado em fase judicial. Primeiro porque poderia conflitar com o direito ao silêncio (nemo tenetur se ipsum acusare), na medida em que o acordo terminaria por recair em um ardil para confissões irreversíveis.

Muito provavelmente também não haverá consenso sobre as consequências advindas da confissão em sede de ANPP, como por exemplo, sobre a possibilidade de seu aproveitamento em outros processos judiciais e administrativos. Também serão motivo de debate questões relacionadas à confissão em sede policial, que, em razão da delimitação do tema do presente estudo, não serão aqui aprofundadas. Concorda-se com Cabral (2021b, p.122), quanto advoga que a confissão deve ocorrer quando da celebração do acordo, não sendo válida, a princípio, para fins de celebração do ANPP, a anteriormente realizada em inquérito policial ou em procedimento investigatório criminal.

Conforme visto acima, é necessário que o investigado tenha conhecimento, em sua inteireza, do acervo probatório produzido, para poder avaliá-lo adequadamente e decidir, se for o caso, pela celebração do acordo, o que comumente não acontece em sede policial, quando, não raras vezes, a confissão ocorre no início do inquérito16. Por óbvio que se for realizada quando todos os elementos de prova sejam se conhecimento do investigado, a confissão será válida17.

Embora reconheçam que o ANPP representa uma válida ampliação dos espaços de consenso no processo penal, Vasconcellos e Reis (2021, p.4) acertadamente alertam para o risco de o Estado incorrer em arbitrariedade com o acordo:

[...] Considera-se que a inserção e a ampliação de possibilidades de acordos na justiça criminal acarretam violações a premissas fundamentais do direito penal e do processo penal, o que finda por abrir brechas para arbitrariedades e violações de direitos fundamentais, além de potencializar o risco de condenação de inocentes ao afastar a necessidade de produção de provas em contraditório para verificação da acusação.

Tal inquietação não passou despercebida pela Sexta Turma do STJ (HC 657.165/RJ), quando pontuou18:

[...] A exigência de que a confissão ocorra no inquérito para que o Ministério Público ofereça o acordo de não persecução penal traz, ainda, alguns inconvenientes que evidenciam a impossibilidade de se obrigar que ela aconteça necessariamente naquele momento. Deveras, além de, na enorme maioria dos casos, o investigado ser ouvido pela autoridade policial sem a presença de defesa técnica e sem que tenha conhecimento sobre a existência do benefício legal, não há como ele saber, já naquela oportunidade, se o representante do Ministério Público efetivamente oferecerá a proposta de ANPP ao receber o inquérito relatado. Isso poderia levar a uma autoincriminação antecipada realizada apenas com base na esperança de ser agraciado com o acordo, o qual poderá não ser oferecido pela ausência, por exemplo, de requisitos subjetivos a serem avaliados pelo membro do Parquet.

Caso o indiciado tenha deixado de confessar em sede policial, quando não vigente a possibilidade de celebração do ANPP, caberá ao Ministério Público, ao final do inquérito policial, oportunizar a confissão para fins de celebração do acordo. Se o investigado admitir o cometimento da infração no âmbito policial, na expectativa de receber a proposta de ANPP e, por alguma razão, o Ministério Público não a formalize, a confissão extrajudicial será avaliada, como normalmente acontece, por exemplo, para fins de recebimento da Denúncia19, em conjunto com os demais elementos produzidos no curso da investigação, pois para um juízo definitivo em seu desfavor será necessário avaliar as provas produzidas perante a autoridade judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, inclusive o interrogatório.

2.1 Conteúdo da confissão

O art.28-A, caput, do CPP dispõe que para fazer jus ao acordo, o investigado deve ter confessado “formal e circunstancialmente” a prática da infração penal, cometida sem violência ou grave ameaça, cuja pena mínima seja inferior a quatro anos.

De acordo com a Resolução CNMP nº 181/17, deveria o investigado confessar formal e circunstanciadamente a prática do crime (art.18, caput). De igual forma, dispunha o art. 2º do PL nº 10.372/18 (“Projeto Alexandre de Morais”) 20, embora o termo “circunstancialmente” haja prevalecido no Substitutivo, do qual se originou a Lei nº 13.964/19.

De acordo com o Dicionário Online de Português21, a palavra “circunstancial” adjetiva algo que, apesar de importante, não se mostra extremamente necessário; juridicamente, em se tratando de confissão, revela uma prova circunstancial, pautada em deduções ou indícios, não na evidência concreta do fato. Já o termo “circunstanciado” encerra uma exposição minuciosa, detalhada, pormenorizada, que expõe todas as circunstâncias de algo.

Ora, é notório que os legisladores, não raras vezes, deixam um pouco de lado o rigor técnico. Um bom exemplo de má técnica redacional, que demanda esforços para se chegar a uma interpretação plausível22, encontra-se no próprio caput do art.28-A do CPP. Ao prever que o investigado deve cumprir determinadas condições, o legislador empregou a conjunção “e”, em vez de “ou” (“condições ajustadas cumulativa e alternativamente”), apesar desta constar do PL nº 10.372/18 e do PL nº 882/19.

Note-se que as condições acertadas entre o Ministério Público, o investigado e seu defensor, podem ser todas aquelas previstas expressamente nos incisos I a V do art.28-A do CPP (“cumulativamente”) ou alguma delas (“alternativamente”), de sorte que não podem ser ao mesmo tempo ajustadas de forma “cumulativa e alternativamente”.

Diferentemente da Resolução CNMP nº 181/17 e das redações originais dos PL nº 10.372/18 e PL nº 882/19, segundo as quais a confissão deveria ser formal e “circunstanciadamente”, a Lei nº 13.964/19 optou pelo advérbio “circunstancialmente”.

Curiosamente, o art.16 da mesma Lei nº 13.964/19, ao incluir o parágrafo terceiro ao art.1º da Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, que dispõe sobre os processos de competência originária dos tribunais, empregou o vocábulo “circunstanciadamente”, em vez de “circunstancialmente”. Apesar de os termos terem acepções distintas, sendo este aparentemente mais brando do que aquele, não há razão para exigir que o investigado, ao celebrar o ANPP, apenas confesse o cometimento de uma infração penal de maneira fortuita, ocasional, pontual ou esparsa. Em troca de benefícios que evitarão, mesmo à vista de justa causa, o início de uma ação penal, espera-se que seja detalhista quanto aos fatos relacionados à infração penal.

É o que se nota em vários dispositivos legais que premiam o colaborador.

A Lei nº 9.080/1995, que alterou a Lei nº 7.492/86 e a Lei nº 8.137/90, exige que o coautor ou partícipe revele toda trama delituosa à autoridade policial ou judicial.

A Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro), com a redação dada pela Lei nº 12.683/12, dispõe que o autor, coautor ou partícipe devem prestar “esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime” (art.1º, §5º).

A Lei nº 9.807/99, que “Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas”, igualmente reclama que da colaboração do investigado ou acusado resulte “a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa”, “a localização da vítima com a sua integridade física preservada” e “a recuperação total ou parcial do produto do crime” (art.13).

Segundo a Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas), deve o indiciado ou acusado colaborar com a investigação policial e o processo criminal “na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime” (art.41).

O próprio Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/19), que conferiu nova roupagem ao instituto da “colaboração premiada”, ao alterar a Lei nº 12.850/13, manteve a necessidade de os benefícios penais se justificarem a partir de uma atitude positiva do colaborador que deve contribuir, nos termos do art.4º, “efetiva e voluntariamente com investigação e com o processo criminal” e, ainda, que da colaboração advenham os seguintes resultados: “identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa”, “revelação da estrutura hierárquica e a divisão de tarefas da organização criminosa”, “prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa”, “recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa” ou, ainda, “localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada”.

À vista de tantos dispositivos legais editados no decorrer de mais de uma década, que estabelecem negociações com os investigados e acusados, exigindo destes um auxílio efetivo, a confissão prevista no art.28-A, caput, do CPP, deve ser entendida como sendo aquela pormenorizada, a confirmar as demais provas diretas e indiretas sobre a autoria e materialidade delitivas que já justificariam o oferecimento da Denúncia pelo proponente do acordo. A confissão, para possibilitar a celebração do ANPP, não pode ser entendida como mera comunicação de uma infração penal. Nela, “devem estar detalhados todos os fatos, de maneira pormenorizada e sem margem para quaisquer dúvidas, atentando-se sempre para que tenha sido feita sem coação de nenhuma natureza” (Moreira, 2021, p. 208).

Quando o art.28-A, caput, do CPP dispõe que a confissão deve ser formal e circunstancialmente, na realidade demanda do investigado, em que pese o equívoco redacional, uma exposição minuciosa, detalhada, com a necessária descrição de todas as circunstâncias relacionadas à prática da infração penal. Por isso, não se concorda com entendimentos de que bastaria uma confissão simples, como mera formalidade para a celebração do acordo. Ainda que a intenção do investigado seja esta e que a confissão não possa ser considerada isoladamente para o oferecimento de eventual denúncia pelo Ministério Público, exige-se que haja um relato detalhado dos fatos, “circunstanciado”.

Como bem expuseram Silva e Penteado (2022, p.316):

[...] em se tratando de confissão, pela própria natureza e definição, não há como ignorar que deva versar necessariamente sobre a totalidade da imputação e ser, por assim dizer, completa, ou em outras palavras, circunstanciada, envolvendo todas as circunstâncias objeto do fato apurado, como o agente (quis), os meios empregados (quibus auxiliis), o resultado (quid), os motivos (cur), a maneira como foi praticado (quomodo), o lugar (ubi) e o tempo (quando).

De acordo com o art.28-A, §3º, do CPP, o ANPP deve ser formalizado por escrito. Apesar de não constar da redação final da Lei nº 13.964/19, o PL nº 10.372/18 previa que as tratativas e a confissão detalhada deveriam ser gravadas:

[...] A confissão detalhada dos fatos e as tratativas do acordo serão registrados pelos meios ou recursos de gravação audiovisual, destinados a obter maior facilidade das informações, e o investigado deve estar sempre acompanhado de defensor.

Tal omissão, contudo, não inibe a adoção de importante ferramenta, o que se mostra recomendável, pois a gravação audiovisual certamente confere maior legitimidade ao acordo, podendo ser objeto de escrutínio, principalmente pelo juiz competente para homologar o ANPP.

2.2 A necessidade da confissão sob a ótica do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça

No presente estudo pretendeu-se compreender o entendimento do STF e do STJ acerca da necessidade da confissão no ANPP. Para tanto, utilizou-se como critério de pesquisa em seus s sites a expressão-chave “acordo de não persecução penal” e a palavra-chave “confissão”. O objetivo foi restringir a análise a julgados que, em tese, estariam relacionados com o requisito confissão, para poder verificar se tais tribunais já haviam enfrentado a questão da constitucionalidade de tal exigência prevista no art.28-A do CPP.

Quanto ao STF, foram analisados os acórdãos – e não somente as respectivas ementas - do Plenário e de suas duas Turmas, enquanto, no STJ, julgados da Terceira Seção e das Quinta e Sexta Turmas, independentemente das espécies de ação e recurso.

Com essa pesquisa empírica, realizada em 9/8/2023, procurou-se extrair o entendimento de tais Cortes superiores sobre a necessidade do requisito confissão para a celebração do ANPP e o seu delineamento jurídico (por exemplo, se a confissão é considerada mero requisito formal ou, ao contrário, como se concluiu no subitem anterior, se deve ser circunstanciada a englobar os fatos apontados pelo Ministério Público que possam levar o investigado a responder a uma ação penal).

2.2.1 Supremo Tribunal Federal

A Primeira Turma do STF, embora ressalvando a pendência do julgamento, pelo Plenário, do HC nº 185.913, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, entende, segundo a atual jurisprudência da Corte, que o ANPP pode ser proposto até a prolação da sentença na ação penal, pois posteriormente a tal fase processual inexistirá benefício a ser extraído em favor do órgão ministerial (AgR no HC 220.513/PR, AgR no HC 225.118/SP). Em tais julgados, o ANPP não foi proposto pelo Ministério Público, pois já havia sido oferecida a Denúncia quando entrou em vigência a Lei nº 13.964/19, entendimento que foi revertido sob o seguinte fundamento:

[...] A possibilidade de negociação do acordo de não persecução penal em ações penais propostas, mas ainda não sentenciadas, traduz mecanismo para redução das instruções penais e prolongamentos de ações criminais em curso, o que se coaduna com a lógica de aprimoramento da eficiência do sistema de justiça criminal.

.....

A utilidade do acordo de não persecução penal, portanto, manifesta-se tanto para o Ministério Público quanto para o acusado até a prolação da sentença, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus n. 74.463 quanto à suspensão condicional do processo.

.....

Considerando a finalidade do instituto, o acordo de não persecução penal desnatura-se após a sentença condenatória, pois não haverá benefício a ser extraído em favor do órgão ministerial.

(AgR no HC 220.513/PR)

Para a Primeira Turma do STF, relativamente aos processos que estavam em andamento quando da entrada em vigor da Lei nº 13.964/19, é possível, desde que não haja sentença, a celebração do ANPP.

Em tais acórdãos, a Primeira Turma do STF não faz qualquer ressalva quanto ao requisito confissão, o que autoriza concluir que a considera necessária para a celebração do acordo, podendo ser realizada, inclusive, no curso da ação penal.

Por sua vez, a Segunda Turma do STF, com um entendimento mais elástico sobre a retroatividade ao art.28-A do CPP, compreende que o ANPP se aplica aos processos iniciados antes da vigência da Lei nº 13.964/19, desde que a sentença condenatória não tenha transitado em julgado e mesmo que ausente a confissão do réu até o momento de sua proposição23:

[...] com base no referido precedente da Segunda Turma [HC 180.421/SP] desta Suprema Corte, que, em caso análogo, reconheceu a retroação de norma processual penal mais benéfica em ações penais em curso até o trânsito em julgado, e na mais atual doutrina do processo penal, entendo que o acordo de não persecução penal é aplicável também aos processos iniciados em data anterior à vigência da Lei 13.964/2019, desde que ainda não transitados em julgados e mesmo que ausente a confissão do réu até o momento de sua proposição.

(HC 206660 AgR-Segundo/SC)

Apesar da divergência quanto ao alcance da retroatividade benéfica, ambas as Turmas do STF, apesar de não adentrarem nas particularidades da confissão, entendem pela sua validade durante o processo. Dos acórdãos analisados, depreende-se que, preenchidos os requisitos legais no curso da ação penal, o acordo pode ser oferecido, ainda que, por exemplo, o investigado não haja confessado na fase inquisitorial. A ausência de condicionantes nos acórdãos autoriza tal conclusão.

Tramita no STF o HC 185.913/DF24, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, no qual se sustenta a retroatividade do ANPP aos casos em andamento. Considerando a “potencial ocorrência de tal debate em número expressivo de processos e a potencial divergência jurisprudencial sobre questão de tal magnitude”, o Relator afetou o julgamento ao Plenário “de modo a assegurar-se a segurança jurídica e a previsibilidade das situações processuais”, tendo fixado as seguintes “questões-problemas” a serem equacionadas pelo Plenário:

a) O ANPP pode ser oferecido em processos já em curso quando do surgimento da Lei 13.964/19? Qual é a natureza da norma inserida no art. 28-A do CPP? É possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado? b) É potencialmente cabível o oferecimento do ANPP mesmo em casos nos quais o imputado não tenha confessado anteriormente, durante a investigação ou o processo?

É possível que em tal julgamento paradigmático possa o STF não se limitar a responder ao segundo questionamento acima mencionado, mas estender a análise para outras questões relacionadas à confissão no ANPP, próprias do processo penal ou extrapenais, dada a repercussão na esfera jurídica do investigado ou acusado.

O único acórdão oriundo do Plenário do STF (352º RD no Inq 4921/DF), que contemplou os parâmetros de busca “acordo de não persecução penal” e “confissão”, foi recentemente proferido no Inquérito nº 4.921/DF, que trata das investigações relacionadas aos acontecimentos de 8/1/2023 na Praça dos Três Poderes em Brasília (DF). De acordo com o voto condutor do Min. Alexandre de Moraes, apenas se fixou a tese de que “o posicionamento do Ministério Público de não oferecer o benefício do ANPP, sob o argumento de não se mostrar suficiente para a reprovação e prevenção dos crimes, se mostra razoável e impassível de censura”. Quanto aos requisitos legais para a celebração do ANPP, o Plenário do STF entendeu que devem estar presentes:

[...] As condições descritas em lei são requisitos necessários para o oferecimento do acordo de não persecução penal, porém não suficientes para concretizá-lo, pois mesmo que presentes, poderá o Ministério Público entender que, na hipótese específica, o acordo de não persecução penal não se mostra necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

Mencionem-se, ainda, a título exemplificativo, algumas outras decisões do STF relacionadas ao ANPP com a ampliação do parâmetro de busca, empregando-se apenas a expressão “acordo de não persecução penal”.

A Primeira Turma deixou de admitir Recurso Extraordinário em razão de a questão referente ao ANPP não ter sido ventilada na decisão recorrida proferida pelo STJ, bem como pela ausência de prequestionamento, nos termos das Súmulas STF nºs 282 e 356 (AgR nos ED do AgR do AgR do RE 1.273.501/PR). Tratou-se de insurgência do Acusado quanto à não apreciação do pedido de negociação de ANPP, que buscava o reconhecimento da retroatividade benigna da Lei nº 13.964/19. O colegiado destacou a manifestação do Ministério Público Federal sobre o não preenchimento dos requisitos para a celebração do acordo, dente os quais a confissão do réu:

[...] De mais a mais, instado a se manifestar sobre eventual propositura do acordo de não persecução penal, o Ministério Público Federal entendeu por “não preenchidos os requisitos para a aplicação da medida despenalizadora” (Doc. 55), razão pela qual deixou de oferecer ao agravante a proposta de acordo. Transcrevo a manifestação do membro do Parquet Federal:

..... 27. Por fim, não se observa dos autos a necessária confissão formal do réu, condição para o acordo que se busca firmar, conforme dicção do art.28-A, caput, do CPP.

O art.28-A, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei 13.964/2019, estabelece que: “Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática da infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições (...).”

Destaco que as condições descritas em lei são requisitos necessários para o oferecimento do acordo de não persecução penal. A ausência do preenchimento é impeditivo legal para o oferecimento de acordo por parte do Ministério Público.

Observa-se, assim, que a Primeira Turma reafirma a necessidade de confissão para a celebração do ANPP.

Em razão do objeto do presente estudo, vale mencionar que as Turmas declararam obiter dictum que o cabimento do ANPP é possível desde que preenchidos os requisitos legais do art. 28-A do CPP, sem, contudo, realizarem qualquer juízo expresso sobre a constitucionalidade da exigência da confissão para a celebração do acordo25. De toda forma, ao menos à vista das decisões analisadas, conclui-se que não se dispensa o requisito da confissão para a celebração do ANPP. Quanto ao teor da confissão e à possibilidade de sua utilização para fins de oferecimento de denúncia pelo Parquet em caso de descumprimento das condições do acordo ou, por exemplo, em processos administrativos e ações de improbidade, os acórdãos analisados não trataram de tais relevantes questões26.

2.2.2 Superior Tribunal de Justiça

Ao restringir a pesquisa, no sítio eletrônico do STJ, à expressão-chave “acordo de não persecução penal” e à palavra-chave “confissão”, concomitantemente, a ferramenta de busca de jurisprudência apontou, em 9/8/2023, 36 (trinta e seis) acórdãos. A exemplo da análise realizada quanto ao STF, o resultado de tal consulta não significa que os órgãos colegiados da Corte tenham enfrentado o tema do ANPP em somente 36 (trinta e seis) ocasiões. A restrição da busca decorreu do objeto da presente pesquisa, voltado à análise da exigência da confissão para a celebração do ANPP. Quando se amplia a pesquisa, valendo-se, por exemplo, apenas do parâmetro de busca “acordo de não persecução penal”, obtêm-se 403 (quatrocentos e três) acórdãos.

Para ambas as Turmas criminais, é cabível a celebração do ANPP quanto a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a Denúncia27. A propósito, a Terceira Seção do STJ, afetou ao rito dos recursos repetitivos, sem suspensão do trâmite dos processos pendentes, os REsp 1.890.343/SC e 1.890.344/RS com estabelecimento da seguinte controvérsia: “(im)possibilidade de acordo de não persecução penal posteriormente ao recebimento da denúncia”.

Ambas as Turmas entendem pela impossibilidade de celebração do ANPP quando não consistir em medida “necessária e suficiente à reprovação do crime”28, apesar de não terem expressamente se manifestado a respeito da necessidade da confissão.

Porém, em outros acórdãos, verifica-se que a Quinta Turma exige que o requisito da confissão esteja presente para que o acordo possa ser celebrado. A título exemplificativo, podem ser mencionados os seguintes acórdãos:

[...] No entanto, apesar da superveniência de norma em tese mais benéfica ao agente (art. 28-A do CPP), a eventual aplicação do acordo de não persecução penal pressupõe o reconhecimento da atenuante da confissão, o que não ocorreu nos autos [...]. No caso, tendo em vista que não houve o reconhecimento da confissão, pois, segundo consta da sentença, na segunda fase, ausentes circunstâncias atenuantes (fl. 1319), incabível o acolhimento do pleito da defesa.

(AgRg no AgREsp 1699645/SP)

[...] o membro do Ministério Público, ao se deparar com os autos de um inquérito policial, a par de verificar a existência de indícios de autoria e materialidade, deverá ainda analisar o preenchimento dos requisitos autorizadores da celebração do acordo de não persecução penal, os quais estão expressamente previstos no art. 28-A do Código de Processo Penal: 1) confissão formal e circunstancial; 2) infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos; e 3) que a medida seja necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

(AgRg no HC 128.660/SP)

A Sexta Turma, no AgRg no HC 701.443/MS, entendeu que o requisito da confissão somente poderia ser infirmado com uma declaração de inconstitucionalidade pela Corte Especial do STJ: “[...] Para se afastar o requisito legal da confissão da imputação, como etapa necessária da celebração do acordo de não persecução penal, seria imprescindível a afetação da matéria à Corte Especial para a declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 28-A do Código de Processo Penal”.

Mencionem-se ainda os seguintes julgados da Sexta Turma, que consideram a confissão um requisito do ANPP:

[...] As peculiaridades do caso concreto evidenciam a ausência de nulidade do ato de recebimento de inicial acusatória, porquanto, de fato, foi comprovado que não caberia o acordo de não persecução penal no caso em exame, considerando a ausência de confissão do Paciente (art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal). Assim, como devidamente ressaltado pelo Colegiado a quo, “tendo o MINISTÉRIO PÚBLICO optado por oferecer denúncia em face do paciente, não oferecendo ao mesmo acordo de não persecução penal, competia ao magistrado unicamente analisar a formalidade da denúncia apresentada, recebendo-a ou rejeitando-a”.

Tal circunstância, inclusive, foi corroborada posteriormente, considerando que, mesmo ausente o requisito da confissão, o Ministério Público estadual, diante das alegações defensivas na resposta à acusação e demonstração de interesse em celebrar o acordo na petição de fls. 537-540, oportunizou ao Réu que cumprisse o referido pressuposto, tendo instaurado Procedimento Administrativo expondo previamente todas condições, mas o ajuste, como já afirmado, não ocorreu em razão de o Paciente não ter interesse em confessar os fatos a ele imputados (por entender ser inconstitucional tal exigência) e de reparar o dano nos termos propostos pelo Parquet, confirmando, assim, a legalidade da decisão que recebeu a inicial acusatória.

(AgRg no HC 762049/PR)

[...] O acordo de não persecução penal, de modo semelhante ao que ocorre com a transação penal ou com a suspensão condicional do processo, introduziu, no sistema processual, mais uma forma de justiça penal negociada.

Há diferenças substanciais, porém, entre tais institutos. A principal delas, a meu sentir, reside no fato de que, enquanto na transação penal o acordo é de cumprimento de penas (não privativas de liberdade) e no sursis processual já há um processo instaurado, no acordo de não persecução penal (ANPP) se acerta o cumprimento de condições (funcionalmente equivalentes a penas). Além disso, ao contrário do que se dá em relação aos dois outros institutos, o ANPP pressupõe, como requisito de sua celebração, prévia confissão do crime por parte do investigado.

(HC 657165/RJ)

De acordo com os acórdãos analisados, as Turmas do STJ, que cuidam de matéria criminal, entendem pela necessidade da confissão para a celebração do acordo29, o que está em consonância com a redação do art.28-A do CPP.

Conclusões

Analisadas algumas características do Acordo de Não Persecução Penal, inserido no art.28-A do CPP pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), especialmente o requisito da confissão, chega-se às seguintes conclusões, que podem ser assim sintetizadas:

  1. O ANPP insere-se no rol de institutos voltados à justiça penal negocial, a exemplo da transação penal e da suspensão condicional do processo (arts.76 e 89 da Lei nº 9.099/95). A negociação entre os órgãos de investigação e autores e partícipes de um fato criminoso, que barganham benefícios, é conhecida em outros diplomas normativos bem antes da Lei nº 13.964/2019.

  2. A aplicação do ANPP dirige-se às infrações de médio potencial ofensivo, cometidas sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a quatro anos.

  3. Com a edição da Lei nº 13.964/2019, perdeu sentido a discussão sobre a constitucionalidade da implementação do ANPP por ato infralegal, particularmente pela Resolução CNMP nº 181/2017.

  4. O ANPP tem natureza jurídica de negócio extrajudicial, celebrado entre o Ministério Público e o investigado, com participação do seu defensor, que aceita cumprir as condições pactuadas.

  5. Ao investigado deve ser franqueado total acesso aos elementos de prova que caracterizam a justa causa para a ação penal. Tendo um completo entendimento sobre o que o órgão ministerial apurou, poderá adequadamente avaliar as vantagens de confessar e celebrar o ANPP.

  6. De acordo com os julgados obtidos da consulta realizada com o emprego dos parâmetros de pesquisa “acordo de não persecução penal” e “confissão”, o STF e o STJ, apesar de não terem dispensado a confissão no ANPP, não se pronunciaram especificamente sobre a sua constitucionalidade, o que autoriza concluir pela necessidade de tal requisito, entendimento este que poderá ser alterado com o julgamento do HC nº 185.913, atualmente afetado ao Plenário do STF.

  7. A confissão, formalizada por escrito e, quando possível, gravada por meio de recurso audiovisual, deve ser circunstanciada, detalhada, quanto aos fatos considerados criminosos, cabendo ao juiz avaliar a sua voluntariedade.

  8. O pronunciamento do Judiciário sobre o ANPP é verdadeira condição de eficácia do negócio jurídico celebrado extrajudicialmente. O papel do juiz demanda atenção especial sobre as razões que levaram à confissão, em especial a sua voluntariedade.

  9. À vista dos julgados analisados, o STF e o STJ não definiram os contornos da confissão no ANPP tampouco a sua validade para aproveitamento em eventual processo penal, no caso de descumprimento das condições pelo investigado, ou em procedimentos extrapenais, embora a tenham exigido para a celebração do acordo. Ao assim se manifestarem, é possível concluir que entendem pela relevância de tal requisito, ao menos para fins do ANPP, sem a qual não poderá ser firmado.

  • 3
    Dado o caráter processual da norma e a ausência de competência do CNJ para criar direitos e obrigações, característica própria da função legislativa, a Resolução CNMP nº 181/2017estaria eivada, na origem, do vício da inconstitucionalidade, pois compete à União, nos termos do art.22, I, da CF/88, legislar privativamente sobre direito processual (Andrade, Brandalise, 2017, pp.249-250).
  • 4
    Nas ADI 5.790 e 5.793, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo reconhecimento da perda superveniente de objeto, tendo em vista a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019 e, quanto ao mérito, pela improcedência.
  • 5
    De acordo com consulta realizada em 7/2/2024, a ADI 5793 está conclusa para decisão do Min. Cristiano Zanin.
  • 6
    O projeto “Alexandre de Moraes” visou também “...o recrudescimento do tratamento à criminalidade violenta, por um lado, e, em contrapartida, um tratamento mais rápido e brando aos crimes leves e violentos, evitando o processo e o encarceramento, com a criação do acordo de não persecução penal, desafogando as Varas Criminais e evitando a pena de prisão nesses casos” (Junqueira, Vanzolini, Fuller, Pardal, 2020, p.7).
  • 7
    Compuseram inicialmente o Grupo de Trabalho a Dep. Margarete Coelho (coordenadora) e os Dep. Capitão Augusto, João Campos, Orlando Silva, Subtenente Gonzaga, Lafayette de Andrada e Hildo Rocha. Posteriormente, passaram a fazer parte também a Dep. Carla Zambelli e os Dep. Coronel Chrisóstomo, Fábio Trad, Paulo Abi-ackel, Santini, Marcelo Freixo, Paulo Teixeira, Adriana Ventura e Luiz Antônio Corrêa.
  • 8
    Com o Substitutivo, o PL nº 882/19 foi declarado prejudicado.
  • 9
    A Lei nº 9.099/95 foi editada em conformidade com o art.98, I, da Constituição Federal.
  • 10
    Para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, “consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal” (HC 637.782/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Julg. 23/3/2021).
  • 11
    Segundo Fuller (2020, p.152), “o acordo de não persecução penal se insere nos mecanismos de negociação penal (espaço de consenso), que foram inaugurados no Brasil com a transação penal (infrações de menor potencial ofensivo: art.76 da Lei n. 9.099/95) e a suspensão condicional do processo (infrações penais de mediano potencial ofensivo: art.89 da Lei n.9.099/95), sendo depois ampliados com o acordo de colaboração premiada”.
  • 12
    Ao tratar da transação penal prevista na Lei nº 9.099/95, Fernandes (2005, p.226) já alertava: “...deve o promotor, assim como faz quando pede o arquivamento, apontar expressamente as circunstâncias que, no seu entender, indicam não ser viável a transação. Não se trata de critério de conveniência ou de oportunidade, mas a aceitação da discricionariedade na avaliação de critérios previamente estabelecidos, que, pela sua natureza, possibilitam algum discernimento”. Tal entendimento mostra-se perfeitamente aplicável ao ANPP.
  • 13
    No Relatório do Grupo de Trabalho formado na Câmara dos Deputados, concluiu-se que a inserção do ANPP na lei processual penal “inegavelmente configura uma válvula de descongestionamento dos serviços judiciários, além do sistema carcerário penal, os quais poderão focar nos crimes de alta periculosidade social”.
  • 14
    Como visto, a exclusão alcançou objetivamente apenas os crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor”.
  • 15
    Para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, “é requisito essencial do ato que o acusado confesse de maneira forma e circunstanciada a prática do delito” (HC 636.279/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Julg. 9/3/2021).
  • 16
    Como apontaram Daguer e Soares (2022, p.15), “não basta que haja confissão por parte do investigado, mas sim consonância de seus dizeres em harmonia com os indícios angariados pela investigação”.
  • 17
    Ziehe e Maduro sustentam que (2022, p.703), “a defesa deve ter acesso a todos os elementos de informação carreados ao longo do procedimento, de modo que a decisão a ser tomada seja devidamente refletida e bem instruída”.
  • 18
    No mesmo sentido, o RHC 155.773/RS, julgado pela Quinta Turma do STJ.
  • 19
    Vasconcellos e Reis (2021, pp.12/14) entendem, sob o argumento de que os efeitos processuais da confissão se esgotam no ANPP, que ela não pode ser utilizada em prejuízo do jurisdicionado em eventual descumprimento do pacto e que “...não se pode, em nenhuma hipótese, afirmar que o ANPP, ao estabelecer uma obrigatoriedade de confissão circunstanciadas, tenha por finalidade a busca dessa confissão como prova no processo”. Aqui se concorda com os autores no sentido de que a confissão extrajudicial não poderá ser considerada como prova no processo, até porque o investigado poderá se retratar no curso do processo, o que não impede, a princípio, a sua valoração em conjunto com outros elementos, quando da propositura da ação penal. O fato de o controle da confissão ser realizado pelo Judiciário esvaziar o argumento de que não poderia ser válida para, por exemplo, justificar o oferecimento de uma denúncia. Acertadamente, os autores observaram que “como a confissão no âmbito do acordo de não persecução penal não se deu em sede de interrogatório, nos termos do art.199 do CPP, ela não pode receber o mesmo valor desta”.
  • 20
    Conforme PL nº 882/19 (“Projeto Sérgio Moro”), a confissão seria circunstanciada.
  • 21
    Disponível em: https://www.dicio.com.br/circunstancial/. Consulta em 1º/12/2021.
  • 22
    Para Francischetto (2021, p.251), “A interpretação da expressão ‘cumulativa e alternativamente’ associada com a conjunção ‘ou’ entre o inciso IV e o inciso V que se apresenta como a mais afinada com a premissa de reparação do dano parece ser a que indica as condições dos incisos I e II como cumulativas e as condições dos incisos III, IV e V como alternativas. Isso porque os incisos I e II abrangem mecanismos de reparação e recomposição do dano, sempre exigíveis e necessárias”. Com tal abordagem não se pode concordar, pois a própria lei não dispõe que o investigado deve submeter-se sempre às condições previstas nos incisos I e II do art.28-A do CPP. Trata-se o ANPP de uma solução negocial, tendo o MP ampla liberdade para, em acordo com o investigado e seu defensor, definir as condições que, no caso concreto, mostrem-se necessárias e suficientes para a reprovação e prevenção do crime.
  • 23
    Segundo AgR no HC 206.660/SC, Terceiro AgR no ARE 1.379.168/MG, AgR no HC 215539, AgR no RHC 207880/SC, Segundo AgR HC 203440, Segundo AgR HC 222719, AgR RHC 214120, AgR RHC 213118.
  • 24
    O feito foi retirado do julgamento virtual por Pedido de Destaque do Min. Alexandre de Moraes em 20/9/2021.
  • 25
    Primeira Turma: HC 194.677/SP; AgR no ED no AgR no AgR no RE 1.273.501/PR, AgR no HC 191.124/RO, AgR no HC 206.876/SP e AgR no RHC 198.981/SC; Segunda Turma: AgR no HC 201.610/RS).
  • 26
    Apesar de entenderem pela inconstitucionalidade da exigência da confissão para a celebração do ANPP, pois seria incompatível com o direito à autoincriminação, Maduro e Ziehge admitem (2022, p.698) a possibilidade de a confissão produzir efeitos fora do processo penal, vez que o legislador não impôs limites.
  • 27
    Quinta Turma: AgR no AgR no REsp 1.915.628/PR, AgR no REsp 1.946.453/SP, HC 637.782/SC, AgR no REsp 1.861.320/SC, AgRg nos EDcl no REsp 1.975.264/SC, AgRg no AREsp 2.090.918/SP, AgRg no HC 640.942/SC, AgRg no HC 690.236/SP, AgRg no HC 722.434/GO, AgRg no HC 741.676/SC, AgRg no HC 813.496/SP e AgRg no RHC 157.206/RJ; Sexta Turma: AgR nos ED no AREsp 1.648.025/SP, AgR no REsp 1.945.881/RS, AgRg nos EDcl no AREsp 1.966.398/SP e AgRg no HC 762.049/PR.
  • 28
    Quinta Turma: HC 612.449/SP, AgR no RHC 128.660/SP, AgRg no HC 703.762/SP, AgRg no RHC 166.837/MG; Sexta Turma: AgRg no HC 712.029/SP.
  • 29
    Quinta Turma: AgR no AREsp 1.699.645/SP, AgRg nos EDcl no REsp 2.048.216/SP, AgRg no AREsp 2.090.918/SP, AgRg no HC 640.942/SC, AgRg no HC 741.676/SC, AgRg no HC 813.496/SP, AgRg no RHC 166.837/MG e HC 822.947/GO; Sexta Turma: AgR no REsp 1.945.881/RS, HC 615.412/SP, ED nos ED do AgR do AREsp 1.680.101/SC, AgR nos ED REsp 1.858.428/SP, AgRg nos EDcl no AREsp 1.966.398/SP, AgRg no HC 701.443/MS e AgRg no RHC 152.763/SP.

How to cite (ABNT Brazil):

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    • Editor-in-chief: 1 (VGV)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Ago 2023
  • Revisado
    20 Out 2023
  • Revisado
    20 Out 2023
  • Revisado
    08 Dez 2023
  • Revisado
    11 Dez 2023
  • Revisado
    17 Dez 2023
  • Revisado
    26 Dez 2023
  • Corrigido
    09 Fev 2024
  • Aceito
    11 Fev 2024
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