Resumo
Esta nota discute a continuidade de relações de preferência definidas em conjuntos discretos, relacionando-a com o conceito de continuidade de funções (e, mais geralmente, de correspondências). A propriedade de relatividade do conceito de conjunto aberto se revela peça fundamental nesta discussão e, com isso, sua importância para a Teoria Econômica é reforçada de forma transparente.
Classificação JEL. D01, D11, C65.
Palavras-chave
Continuidade; Relação de preferência; Conjunto aberto relativo; Correspondência
1. Introdução
Dentre os instrumentos matemáticos empregados pela Teoria Econômica para modelar escolha dos agentes (pessoas, governos, firmas etc...), o conceito de relação de preferência é um dos mais fundamentais1 1 Tal relevância se torna evidente ao se considerar que a principal característica que diferencia a Ciência Econômica de outros campos do conhecimento (por exemplo, as Ciências Naturais) é o fato de que os fenômenos investigados pela Economia são em grande medida resultantes de escolhas de agentes. . Em grandes linhas, uma relação de preferência ≿ é empregada pela Teoria Econômica para modelar a forma que um agente classifica cada par de alternativas a e b presentes em um dado conjunto de alternativas A. Concretamente, quando o agente classifica a alternativa como tão boa quanto a alternativa , a relação de preferência ≿ é definida de forma que . A escolha deste agente, restrita às alternativas presentes em A, é suposta pela Teoria Econômica como determinada pela forma que este agente classifica pares de alternativas em A. Ou seja, determinada pela relação de preferência ≿ sobre A.
Matematicamente, a relação de preferência ≿ é uma relação binária de A em si mesmo, ou seja, ≿ é um subconjunto de . Dentre as propriedades matemáticas frequentemente demandadas de ≿ pela Teoria Econômica ao modelar as escolhas dos agentes, a continuidade de ≿ é um dos principais ingredientes que caracterizam preferências bem comportadas2 2 Em grandes linhas, continuidade de ≿ é atrativa para modelar comportamentos suaves: escolhas em subconjuntos de A que não mudam de forma abrupta após pequenas perturbações neste subconjunto. Um exemplo clássico de relação de preferência que não é contínua é a classificação lexicográfica de pontos em R^(2).
Este trabalho discute a continuidade de relações de preferência no contexto em que o conjunto de alternativas A é um subconjunto discreto do ℝn . Conforme elaborado na , a continuidade de ≿ é consequência direta de A ser um conjunto discreto (cada ponto de A é ponto isolado de A ). Na , a semelhança entre continuidade de preferências em conjuntos discretos e continuidade de funções em pontos isolados de seu domínio é explorada no contexto de continuidade de correspondências. Após registrar que também são contínuas as correspondências definidas em domínio discreto, destaca-se que o gráfico de toda correspondência define uma relação binária. Ainda, quando domínio e contradomínio desta correspondência são iguais, tal relação binária é uma relação de preferência. Este ponto é explorado em seguida demonstrando-se um sentido sob o qual a continuidade da referida correspondência implica continuidade da relação de preferência definida pelo seu gráfico.
A discussão apresentada nesta nota chama a atenção para o fato de que continuidade em conjuntos discretos é trivialmente verdadeira, tanto continuidade de relações de preferência quanto continuidade de funções (e, mais geralmente, continuidade de correspondências)3 3 De fato, em um espaço métrico (Y,d), na topologia relativa a A⊆Y, todo subconjunto de A é aberto e, por isso, continuidade é trivialmente obtida. Agradecemos a avaliação anônima que pontuou a generalidade ainda maior deste resultado. . Ainda, fica claro que a propriedade de relatividade do conceito de conjunto aberto é peça fundamental nesta discussão, uma vez que sua combinação com pontos isolados é o argumento central para estabelecer os resultados de continuidade reunidos nesta nota4 4 Tal relevância da natureza relativa do conceito de aberto é explorada em detalhes no no contexto do exemplo da . Conclui-se que, ao negligenciar a relatividade do conceito de conjunto aberto presente na definição de continuidade de relação de preferência, incorre-se no equívoco de concluir que a preferência ≽ definida em (2) não é contínua. .
2. Continuidade de relações de preferência
Sejam L , M e N números naturais, , , e uma relação binária de D em C . O conjunto D é o domínio de R e C é o contradomínio de R . Se , diz-se que R é relação binária em D . Diz-se que d é relacionado com c segundo R quando , o que é mais comumente denotado em Economia Matemática por . Conforme antecipado na introdução, ≿ é relação de preferência sobre A se ≿ é uma relação binária em A . Nesta seção, suponha , de forma que é uma relação de preferência em A.
Definição 1. R é contínua se, para cada , os conjuntos e são ambos fechados em A.
2.1 Continuidade de quando é discreto
Suponha nesta subseção que A é um conjunto discreto, ou seja, que todo é ponto isolado de A . Assim, por definição de ponto isolado, garante que existe tal que , em que . A continuidade de R quando A é discreto é consequência direta do fato de que subconjuntos de um conjunto discreto sempre são fechados neste conjunto, conforme estabelecido no Lema 1.
Lema 1. Se , então E é aberto em A e também fechado em A.
Demonstração. Note inicialmente que, para cada , é aberto em A , ou equivalentemente, . De fato, para arbitrário, basta verificar que , já que neste caso . Usando que A é discreto, tem-se que é ponto isolado de A . Usando este fato, seja tal que .
Agora note que todo pode ser escrito como , ou seja, como uma união de abertos em A . Com isso, obtém-se que E é aberto em A . Para obter que todo é fechado em A , basta notar que seu complemento em A , dado por , é subconjunto de A . Assim, é aberto. ◻
Proposição 1. A relação de preferência é contínua.
Demonstração. Para arbitrário, tem-se e . Para obter que Sy e Iy são ambos fechados em A , basta notar que , e A é discreto. O resultado segue então do . ◻
continuidade de funções em pontos isolados do seu domínio apresentada no Lema 2.
Lema 2. Uma dada função é contínua em todo ponto isolado de D.
Demonstração. Cabe lembrar que f é contínua em se
Seja um ponto isolado de D e tome arbitrário. Usando que d é ponto isolado de D seja tal que . Resta provar que . Para tal, tome e suponha que . Então, decorre de . Agora, usando que e , conclui-se que . ◻
A semelhança entre o resultado da Proposição 1 e Lema 2 o torna-se ainda mais concreta ao comparar o conceito de continuidade de preferência, apresentada na Definição, e a caracterização de continuidade global de funções estabelecida no . Conclui-se que uma função f com domínio D discreto é contínua (pelo Lema 2) e, por isso, possui pré-imagens de fechados fechadas em D (pelo Lema 3). Por outro lado, a relação de preferência R é contínua em A discreto, pois possui conjuntos de contorno Sa e Ia fechados em A.
Lema 3. Para e cada , denote por a pré-imagem (ou imagem inversa) de V . São equivalentes:
-
f é contínua em D..
-
Para todo aberto em C, tem-se é aberto em D.
-
Para todo fechado em C, tem-se é fechado em D.
Demonstração. Ver, por exemplo, o Teorema apresentado por Berge (1963)Berge, Claude (1963): Topological spaces: including a treatment of multivalued functions, vector spaces and convexity, Oliver and Boyd. [4, 6], na página 57 . ◻
2.1.1 Uma ilustração
A fim de explorar em mais detalhes a propriedade discreta do conjunto A , especial interesse é dedicado a uma relação de preferência cuja continuidade foi explorada em um recente exame de Teoria Microeconômica realizado por candidatos a ingresso em programas de pós-graduação no Brasil. Neste contexto, definiu-se no conjunto a relação de preferência ≽ de forma que, para cada par de pontos x e y em X , tem-se se, e somente se, . Ou seja,5 5 O simbolo ∀ utilizado na sentença (2) é o quantificador universal e pode ser lido como “para todo". Já o símbolo ⇔ é o conectivo bicondicional e pode ser lido como “se, e somente se", ou ainda como “é equivalente a".
Proposição 2. A relação de preferência ≽ é contínua.
A Proposição 1 garante que ≽ é contínua se e X é discreto. O a seguir, por sua vez, implica que todo ponto de X é ponto isolado de X e, por isso, X é um conjunto discreto.
Lema 4. Para cada e , se é tal que e , então .
Demonstração. Tome e arbitrários. Tome e suponha que e . Então, . Como e , então . Para obter , tome arbitrário. Resta provar que . Usando que , seja tal que . Como , então . Afirma-se que , o que implica a partir de . De fato, pode ser obtido a partir de e é justificado por quando e por quando . ◻
3. Continuidade de Correspondências
A semelhança entre o conceito de continuidade de relações de preferência e o conceito de continuidade global de funções, discutida na Seção 2, é explorada nesta seção no contexto mais geral de continuidade de correspondências. As definições a seguir foram extraídas de Ok (2007)Ok, Efe A (2007): Real analysis with economic applications, vol. 10, Princeton University Press. [5, 6].
Definição 2. Seja o conjunto de todos os subconjuntos de C (ou seja, ) e defina . A função é dita ser uma correspondência de D em C , o que tipicamente é denotado por .
Comentário 1. A relevância deste conceito para os propósitos deste trabalho se torna evidente ao notar que funções de D em C e relações de preferência definidas em são, em certo sentido, casos particulares de correspondências . De fato, toda função é uma relação binária que relaciona um, e somente um, a cada . Também já foi definido que relações de preferência ≿ sobre um conjunto A é uma relação binária em A , ou seja, . Ainda, toda correspondência pode ser vista como (ou associada a) uma relação binária tal que R é dada pelo gráfico de Γ , definido como
Assim, sob a hipótese de que é um conjunto unitário para cada , a correspondência Γ é uma função. Por outro lado, supondo que , tem-se que é uma relação de preferência em A.
Para discutir continuidade da função utilizando uma generalização da definição de função contínua, seria necessário generalizar o conceito de bola aberta para o espaço de conjuntos onde reside . Tal generalização poderia levar a uma versão generalizada do Lema 3 que empregaria um conceito generalizado de pré-imagem (imagem inversa) de funções6 6 Para uma abordagem nestes termos, ver Klein e Thompson (1984). . Seguindo a tradição em Economia Matemática, Ok (2007)Ok, Efe A (2007): Real analysis with economic applications, vol. 10, Princeton University Press. [5, 6] discute continuidade da função em termos de continuidade da correspondência , conforme Definição 3 a seguir.
Definição 3. Seja e a correspondência . Γ é dita contínua em d se Γ é hemi-contínua superior em d e também é hemi-contínua inferior em d . Por sua vez, Γ é dita hemi-contínua superior (uhc) em d se
e Γ é dita hemi-contínua inferior (lhc) em d se
Por fim, Γ é dita contínua/uhc/lhc em se Γ é contínua/uhc/lhc em todo ponto .
Cabe observar desde já a semelhança entre (1) e (3), em que o aberto relativo V em (3) desempenha papel semelhante àquele de bola aberta em (1). Analogamente, note a semelhança de (1) com (4), em que as interseções do aberto V com e em (4) desempenham papel semelhante àqueles dos pertencimentos de e a bola aberta em (1), respectivamente. Tais semelhanças tornam natural esperar que a ideia de continuidade global, estabelecida para funções no , possui versão para hemicontinuidade superior e para hemicontinuidade inferior. O a seguir, que apresenta tal resultado, é bastante conhecido em Economia Matemática e sua demonstração tipicamente é deixada como exercício para o leitor7 7 Aliprantis e Border (2013) e Ok (2007), por exemplo, convidam o leitor para demonstrar tal lema. Já Klein e Thompson (1984) e Berge (1963) demonstram versões mais gerais deste resultado, utilizando conceitos de continuidade de correspondência levemente diferentes daqueles adotados nesta nota. Por conveniência, Barbieri et al. (2023), a versão em working paper desta nota, apresenta uma demonstração deste resultado. .
Lema 5. Seja e para cada defina , conhecida como a imagem inversa superior de V , e , conhecida como a imagem inversa (ou pré-imagem) inferior de V . Então,
Para verificar tal interpretação do Lema 5, note a semelhança de (5) e (6) com o item (2) do Lema 3, em que em (5) e em (6) desempenham papel semelhante àquele de no item (2) do Lema 3. Ainda, note a semelhança de (7) e (8) com o item (3) do Lema 3, em que em (7) e em (8) desempenham papel semelhante àquele de no item (3) do.
Proposição 3. A correspondência é contínua em D se D é discreto.
Demonstração. Pela , basta mostrar que Γ é uhc em D e também é lhc em D . Para estabelecer que Γ é uhc em D , basta obter (5) quando e A é discreto. Para tal, tome tal que V é aberto em C . Para ver que é aberto em , note que é subconjunto de A e A é discreto. Pelo , é aberto em D . Analogamente, para estabelecer que Γ é lhc em D , basta obter (6) quando e A é discreto. Tome tal que V é aberto em C . Para ver que é aberto em , note que é subconjunto de A e A é discreto. Novamente pelo , é aberto em D . ◻
3.1 Continuidade de Γ vs continuidade de R
A correspondência inversa (natural) de Γ é definida em como a correspondência tal que para cada . Adaptando a para a correspondência e para um determinado ponto , tem-se que γ é dita contínua em c se γ é uhc em c e γ é lhc em c . Ainda, γ é dita hemi-contínua superior em c se
e γ é dita hemi-contínua inferior em c se
Com o objetivo de relacionar Γ e R , suponha nesta subseção que para obter e dada por para cada . O gráfico de Γ , por sua vez, é dado por . Neste caso, é uma relação binária em A e, portanto, é uma relação de preferência em A . A a seguir estabelece que continuidade de G é consequência da continuidade superior de Γ e de γ.
Proposição 4. Suponha sobrejetiva e sua inversa natural e seu gráfico. A relação de preferência G é contínua se Γ e γ são ambas superiormente hemi-contínuas em A.
Demonstração. Note inicialmente que o conjunto de contorno inferior da relação G em um dado ponto é dado por e o conjunto de contorno superior da relação G em um dado ponto é dado por . De fato, . Usando a definição de , tem-se , em que a terceira igualdade usa que e a segunda igualdade usa a equivalência entre as sentenças e quando e . Por fim, note que .
Do exposto, se e se . A sobrejetividade de Γ , ou seja, garante que para todo . Suponha que Γ é uhc em A e que γ é uhc em .
Quer-se provar que G é contínua, ou seja, que Ia e Sa são fechados em A para cada . Para tal, tome e defina . Então, e . Assim, resta provar que e são fechados em A quando .
Afirma-se que é fechado em A . De fato, tal propriedade pode ser provada estabelecendo que é aberto em A . Para tal, tome e note que é garantido por e . Defina e tome arbitrário. Como , então . Segue deste resultado que e, por isso, . Provou-se então que . Assim, tem-se aberto em A e, por isso, F fechado em A.
Aplicando (7) para Γ uhc em A , tem-se em particular para , um fechado em , que é fechado em . De forma similar, para a correspondência , tem-se a seguinte adaptação de (7):
Usando que γ é uhc em , tem-se em particular para , um fechado em , que é fechado em . ◻
A garante que se Γ e γ são contínuas, e Γ é sobrejetiva, então G é contínua. Em particular, as continuidades de Γ e γ implicadas porquando A é discreto geram continuidade na relação de preferência G 8 8 A importância de se supor continuidade superior de γ para este resultado decorre do fato de que continuidade de Γ não é suficiente para gerar continuidade de γ, nem mesmo para gerar hemicontinuidade superior de γ. Este ponto pode ser verificado por meio de contra-exemplos. Considere Γ:D⇉C com D=C=[0,2] tal que Γ(d)=2d se d∈[0,1) e Γ(d)=2 para d∈[1,2]. Neste caso, é fácil ver que Γ é contínua, uma vez que Γ é uma função contínua. A inversa natural de Γ neste caso é γ:Γ(D)⇉D com Γ(D)=C e tal que γ(c)={c/2} quando c∈[0,2) e γ(2)=[1,2]. Embora Γ seja contínua, a correspondência γ não é contínua por não ser lhc em c=2. Para outro contraexemplo, considere Γ:D⇉C com D=C=[0,2] tal que Γ(d)=[0,2) se 0≤d<1 e Γ(d)=[0,2] para 1≤d≤2, uma correspondência contínua. Neste caso, a inversa natural de Γ é γ:Γ(D)⇉D com Γ(D)=C e tal que γ(c)=[0,2] quando c∈[0,2) e γ(2)=[1,2]. A correspondência γ não é contínua por não ser uhc em c=2. .
4. Considerações finais
Inspirada na discussão sobre a continuidade da relação de preferência definida por (2) em , esta nota apresentou uma discussão bastante abrangente sobre continuidade de relações de preferências definidas em conjuntos discretos. Em particular, a similaridade entre os conceitos de continuidade global de funções e de correspondências com a continuidade de relações de preferências foi utilizada como fio condutor da discussão.
Em linhas gerais, para além de estabelecer a continuidade da relação de preferência definida por (2) no conjunto X , esta nota foi capaz de esclarecer que tal resultado é um caso particular de um resultado muito mais geral: “Toda correspondência com domínio discreto é contínua”. Neste contexto, de conjuntos discretos, a relevância da propriedade de relatividade do conceito de conjunto aberto presente na definição de preferência contínua é transparente. De fato, sua combinação com pontos isolados gera continuidade de maneira direta, quase trivial (ver nota de rodapé 3). Além disso, negligenciar tal propriedade na definição de continuidade pode gerar o resultado completamente oposto: de não continuidade da preferência.
A proximidade entre o conceito de relações de preferência e o gráfico de correspondências aqui discutida naturalmente gerou o questionamento sobre a proximidade entre o conceito de continuidade de preferências e o conceito de continuidade de correspondências. O resultado documentado na e os contra-exemplos apresentados na nota de rodapé 8 são informativos sobre tal questionamento, mas certamente não esgotam a discussão. Por exemplo, aparentemente, a sobrejetividade de Γ não parece ser necessária para continuidade de G . Mais interessantemente, não é discutido nesta nota como se relacionam os conceitos de continuidade de G e a propriedade de gráfico fechado de Γ.
Cabe, por fim, reconhecer que a ambição desta nota não foi contribuir com um novo resultado em Economia Matemática. Todos, ou quase todos, os resultados aqui apresentados já são conhecidos neste campo. A contribuição proposta é apresentar um documento breve que reúne e relaciona de forma interessante diversos conceitos e resultados fundamentais em Economia Matemática. O objetivo com isso é comunicar para a academia brasileira em Economia, de forma breve e transparente, a relevância de tais conceitos.
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Trabalho desenvolvido no contexto das atividades acadêmicas do Laboratório de Economia, Matemática e Computação (LEMC/USP). Os autores Jefferson Bertolai, Mirelle Jayme e Nathan Machado agradecem ao Programa Unificado de Bolsas (PUB/USP) ao apoio financeiro no desenvolvimento de atividades acadêmicas dentro do LEMC/USP.
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1
Tal relevância se torna evidente ao se considerar que a principal característica que diferencia a Ciência Econômica de outros campos do conhecimento (por exemplo, as Ciências Naturais) é o fato de que os fenômenos investigados pela Economia são em grande medida resultantes de escolhas de agentes.
Apêndice A: Crucialidade do conceito de conjunto aberto relativo
A demonstração de que a relação de preferência ≽ é contínua empregou a definição de continuidade de preferência apresentada por Jehle e Reny (2011)Jehle, GA e PJ Reny (2011): “Advanced Microeconomic Theory,” . [9], em sua página 8 . Nesta definição, os autores foram precisos ao explicitar que os conjuntos de contorno superior e inferior da preferência lá discutida precisavam ser fechado em , o conjunto no qual a referida preferência foi definida.
Nem sempre a definição de continuidade de preferência é apresentada de forma tão explícita. Um importante exemplo é dado pelas definições apresentadas por Mas-Colell et al. (1995)Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10] nas páginas 46 e 47 para continuidade de uma preferência ≿ definida em um conjunto , ambos arbitrários9 9 Cabe enfatizar que o conjunto X nesta discussão é arbitrário, não necessariamente igual a X=〖∪〗_(n=1)^(∞){1-1/n}. . Primeiramente, o conceito de continuidade é apresentado por Mas-Colell et al. (1995)Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10] utilizando sequências, conforme transcrito na a seguir, por conveniência.
Definição 4 (Mas-Colell et al., 1995Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10]). The preference relation ≿ on is continuous if it is preserved under limits. That is, for any sequence of pairs with for all n , , and , we have .
Em seguida, o conceito de continuidade é apresentado por Mas-Colell et al. (1995)Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10] utilizando conjuntos de contorno superior e inferior, conforme transcrito a seguir, por conveniência
“An equivalent way to state this notion of continuity is to say that for all x , the upper contour set and the lower contour set are both closed; that is, they include their boundaries”.
Em ambas as definições apresentadas por Mas-Colell et al. (1995)Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10], é compartilhada com o leitor a responsabilidade de inferir sutilezas das definições. Na primeira definição, é necessário inferir que o limite x de precisa ser elemento de , assim como o limite y de precisa ser elemento de . Tal inferência seria baseada no fato de que a sentença não faria sentido caso ou , uma vez que a preferência ≿ é definida (a princípio) somente em . Na segunda definição, é necessário inferir que o conceito de conjunto fechado empregado é o de fechado relativo, ou seja, inferir que os conjuntos e precisam ser fechados no conjunto , ao invés de fechados (em
).
Uma leitura desatenta das definições apresentadas por Mas-Colell et al. (1995)Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10] gera o risco de concluir de forma incorreta que a relação de preferência ≽ estudada neste trabalho não é contínua. Para ilustrar tal risco, suponha que esta leitura tenha gerado o entendimento que a definição de continuidade de relação seja dada pela a seguir, por conveniência denominada por contínua*. Neste caso, o leitor seria capaz de provar a a seguir10 10 Uma demonstração para esta proposição pode ser encontrada em , working paper desta nota. .
Definição 5. Seja e . A relação de preferência ≿ é contínua* se para cada os conjuntos e são conjuntos fechados em .
Proposição 5. A relação de preferência ≽ definida em (2) não é contínua*.
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1
Tal relevância se torna evidente ao se considerar que a principal característica que diferencia a Ciência Econômica de outros campos do conhecimento (por exemplo, as Ciências Naturais) é o fato de que os fenômenos investigados pela Economia são em grande medida resultantes de escolhas de agentes.
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2
Em grandes linhas, continuidade de ≿ é atrativa para modelar comportamentos suaves: escolhas em subconjuntos de A que não mudam de forma abrupta após pequenas perturbações neste subconjunto. Um exemplo clássico de relação de preferência que não é contínua é a classificação lexicográfica de pontos em R^(2).
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3
De fato, em um espaço métrico (Y,d), na topologia relativa a A⊆Y, todo subconjunto de A é aberto e, por isso, continuidade é trivialmente obtida. Agradecemos a avaliação anônima que pontuou a generalidade ainda maior deste resultado.
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4
Tal relevância da natureza relativa do conceito de aberto é explorada em detalhes no no contexto do exemplo da . Conclui-se que, ao negligenciar a relatividade do conceito de conjunto aberto presente na definição de continuidade de relação de preferência, incorre-se no equívoco de concluir que a preferência ≽ definida em (2) não é contínua.
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5
O simbolo ∀ utilizado na sentença (2) é o quantificador universal e pode ser lido como “para todo". Já o símbolo ⇔ é o conectivo bicondicional e pode ser lido como “se, e somente se", ou ainda como “é equivalente a".
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6
Para uma abordagem nestes termos, ver Klein e Thompson (1984)Klein, Erwin e Anthony C Thompson (1984): Theory of correspondences: Including applications to mathematical economics, Wiley. [5, 6].
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7
Aliprantis e Border (2013)Aliprantis, Charalambos e Kim Border (2013): Infinite Dimensional Analysis: A Hitchhiker’s Guide, Springer-Verlag Berlin and Heidelberg GmbH & Company KG. [6] e Ok (2007)Ok, Efe A (2007): Real analysis with economic applications, vol. 10, Princeton University Press. [5, 6], por exemplo, convidam o leitor para demonstrar tal lema. Já Klein e Thompson (1984)Klein, Erwin e Anthony C Thompson (1984): Theory of correspondences: Including applications to mathematical economics, Wiley. [5, 6] e Berge (1963)Berge, Claude (1963): Topological spaces: including a treatment of multivalued functions, vector spaces and convexity, Oliver and Boyd. [4, 6] demonstram versões mais gerais deste resultado, utilizando conceitos de continuidade de correspondência levemente diferentes daqueles adotados nesta nota. Por conveniência, Barbieri et al. (2023)Barbieri, Fábio, Jefferson Bertolai, Mirelle Jayme, e Nathan Machado (2023): “Uma nota sobre continuidade de relações de preferência definidas em conjuntos discretos,” Rel. Técn., LEMC-FEARP/USP, Ribeirão Preto. [6, 10], a versão em working paper desta nota, apresenta uma demonstração deste resultado.
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8
A importância de se supor continuidade superior de γ para este resultado decorre do fato de que continuidade de Γ não é suficiente para gerar continuidade de γ, nem mesmo para gerar hemicontinuidade superior de γ. Este ponto pode ser verificado por meio de contra-exemplos.Considere Γ:D⇉C com D=C=[0,2] tal que Γ(d)=2d se d∈[0,1) e Γ(d)=2 para d∈[1,2]. Neste caso, é fácil ver que Γ é contínua, uma vez que Γ é uma função contínua. A inversa natural de Γ neste caso é γ:Γ(D)⇉D com Γ(D)=C e tal que γ(c)={c/2} quando c∈[0,2) e γ(2)=[1,2]. Embora Γ seja contínua, a correspondência γ não é contínua por não ser lhc em c=2.Para outro contraexemplo, considere Γ:D⇉C com D=C=[0,2] tal que Γ(d)=[0,2) se 0≤d<1 e Γ(d)=[0,2] para 1≤d≤2, uma correspondência contínua. Neste caso, a inversa natural de Γ é γ:Γ(D)⇉D com Γ(D)=C e tal que γ(c)=[0,2] quando c∈[0,2) e γ(2)=[1,2]. A correspondência γ não é contínua por não ser uhc em c=2.
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Cabe enfatizar que o conjunto X nesta discussão é arbitrário, não necessariamente igual a X=〖∪〗_(n=1)^(∞){1-1/n}.
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10
Uma demonstração para esta proposição pode ser encontrada em , working paper desta nota.
Referências Bibliográficas
- Aliprantis, Charalambos e Kim Border (2013): Infinite Dimensional Analysis: A Hitchhiker’s Guide, Springer-Verlag Berlin and Heidelberg GmbH & Company KG. [6]
- Barbieri, Fábio, Jefferson Bertolai, Mirelle Jayme, e Nathan Machado (2023): “Uma nota sobre continuidade de relações de preferência definidas em conjuntos discretos,” Rel. Técn., LEMC-FEARP/USP, Ribeirão Preto. [6, 10]
- Berge, Claude (1963): Topological spaces: including a treatment of multivalued functions, vector spaces and convexity, Oliver and Boyd. [4, 6]
- Jehle, GA e PJ Reny (2011): “Advanced Microeconomic Theory,” . [9]
- Klein, Erwin e Anthony C Thompson (1984): Theory of correspondences: Including applications to mathematical economics, Wiley. [5, 6]
- Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10]
- Ok, Efe A (2007): Real analysis with economic applications, vol. 10, Princeton University Press. [5, 6]
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024