Resumos
Esta pesquisa foi realizada com o objetivo de identificar a relação de colonos assentados em projetos de reforma agrária no Rio Grande do Norte, com os recursos naturais das suas respectivas áreas e, posteriormente, elaborar um sistema de classificação de suporte do meio físico. Para isto, foram selecionados dez projetos de assentamento na região oeste do estado, caracterizada por regime de semi-aridez, abrangendo uma área de cerca de 30.000 ha, em que se buscou identificar parâmetros qualitativos e quantitativos dos recursos edáficos, florestais e hídricos de cada área, sempre os relacionando com o seu tipo de uso. Verificou-se que todos os assentamentos apresentaram número de colonos superior ao limite que o ambiente poderia suportar, demonstrando a necessidade de se reavaliar o tamanho do módulo agrícola adotado para essas áreas, como também a necessidade da oferta satisfatória de água, que propicia melhor exploração do potencial agrícola dos solos da região, diminuindo a pressão sobre os recursos florestais.
solos; água; inventário florestal; conservação
This work aimed as general objective, to identify the farmers of the Settlement Projects of Agricultural Reform in the State of Rio Grande do Norte, with the natural resources of their respective areas and later to elaborate a system of classification of support capacity of the ambient. For the purpose, ten Settlement Projects were selected in the western part of the state, characterized by semi-arid regime in an area of 30.000 ha where qualitative and quantitative parameters of the soil where edalfo, forest and water resources were identified. It was verified that all Settlement Projects presented number of settlers more than the ambient could support, demonstrating the need to reevaluate the size of the agricultural module adopted in these areas, as well as the satisfactory offer of water which allows better exploration of the agricultural potential of the soils of the area, thereby decreasing the pressure on the forest resources.
soils; water; Rio Grande do Norte state; forest inventory; conservation
GESTÃO E CONTROLE AMBIENTAL
Elaboração de um sistema de classificação da capacidade de suporte em ambiente semi-árido1
Elaboration of a classification system of support capacity in the semi-arid environment
Márcio R. FrancelinoI; Elpídio I. Fernandes FilhoI; Mauro ResendeII
IDepartamento de Solos/UFV. CEP 36571-0000, Viçosa, MG. Fone: (31) 3899-1040. E-mail: france@solos.ufv.br; elpídio@solos.ufv.br
IINúcleo de Estudo do Planejamento e Uso da Terra/UFV. E-mail: mresende@solos.ufv.br
RESUMO
Esta pesquisa foi realizada com o objetivo de identificar a relação de colonos assentados em projetos de reforma agrária no Rio Grande do Norte, com os recursos naturais das suas respectivas áreas e, posteriormente, elaborar um sistema de classificação de suporte do meio físico. Para isto, foram selecionados dez projetos de assentamento na região oeste do estado, caracterizada por regime de semi-aridez, abrangendo uma área de cerca de 30.000 ha, em que se buscou identificar parâmetros qualitativos e quantitativos dos recursos edáficos, florestais e hídricos de cada área, sempre os relacionando com o seu tipo de uso. Verificou-se que todos os assentamentos apresentaram número de colonos superior ao limite que o ambiente poderia suportar, demonstrando a necessidade de se reavaliar o tamanho do módulo agrícola adotado para essas áreas, como também a necessidade da oferta satisfatória de água, que propicia melhor exploração do potencial agrícola dos solos da região, diminuindo a pressão sobre os recursos florestais.
Palavras-chave: solos, água, inventário florestal, conservação
ABSTRACT
This work aimed as general objective, to identify the farmers of the Settlement Projects of Agricultural Reform in the State of Rio Grande do Norte, with the natural resources of their respective areas and later to elaborate a system of classification of support capacity of the ambient. For the purpose, ten Settlement Projects were selected in the western part of the state, characterized by semi-arid regime in an area of 30.000 ha where qualitative and quantitative parameters of the soil where edalfo, forest and water resources were identified. It was verified that all Settlement Projects presented number of settlers more than the ambient could support, demonstrating the need to reevaluate the size of the agricultural module adopted in these areas, as well as the satisfactory offer of water which allows better exploration of the agricultural potential of the soils of the area, thereby decreasing the pressure on the forest resources.
Key words: soils, water, Rio Grande do Norte state, forest inventory, conservation
INTRODUÇÃO
A principal característica climática da região Nordeste, a seca, deve estar norteando a busca de soluções diversificadas. Segundo Ab'Saber (1999) as especificidades dos problemas humanos e sociais desta região estão diretamente relacionadas ao balanço entre o número de habitantes que precisa ser alimentado e mantido, e as potencialidades efetivas do meio físico rural, ou seja, o Nordeste possui uma população maior que as relações de produção ali imperantes podem suportar. O problema da alta concentração demográfica acentua a debilidade do ecossistema da caatinga que, por apresentar predisposição à desertificação (semi-aridez), está mais vulnerável à ocupação inadequada, apresentando as conseqüências do processo em menor espaço de tempo. A locação de projetos de assentamentos (PAs) nessa região deveria considerar a fragilidade, exigindo-se maiores preocupações com a escassez de recursos naturais.
Considerável parte dos PAs não apresenta investimentos no processo produtivo, fazendo com que os trabalhadores busquem a sua sobrevivência no extrativismo generalizado, além da capacidade natural de renovação, o que é intensificado durante as épocas de estiagens prolongadas. É necessário, entretanto, identificar os limites físicos nesses ambientes, a fim de garantir a preservação dos recursos e a própria permanência desses colonos nas áreas.
No período de 1995-2001 o governo federal desapropriou 18.737.000 ha, beneficiando 584.301 famílias, o que tem ocasionado profunda transformação no sistema fundiário brasileiro, principalmente na região nordestina, onde ocorre a maior concentração de assentamentos (Teófilo, 2002). Esse fato tem sua origem na crise dos sistemas agrários locais, conjugada a situações de extrema pobreza e à exacerbação de conflitos sociais endêmicos e à existência de movimentos ou organizações sociais (Palmeira, 2002).
Os projetos de assentamento implantados na região não levam em conta a fragilidade do bioma da caatinga, não existindo maiores preocupações com a escassez de recursos naturais, visto que os lotes dos PA's do Nordeste apresentam a menor área média, em torno de17 ha (enquanto no Centro-Oeste é de 84 ha) (Buainain, 2003) e considerável parte deles não apresenta investimentos no processo produtivo. Os trabalhadores buscam a sua sobrevivência no extrativismo generalizado, não respeitando a capacidade natural de renovação, o que é intensificado durante as épocas de estiagens prolongadas. É necessário, entretanto, identificar os limites físicos nesses ambientes, a fim de garantir a preservação dos recursos e a própria permanência desses colonos nas áreas.
Este trabalho teve como objetivo identificar parâmetros que permitam estabelecer a capacidade de suporte nos domínios das caatingas, especificamente naquelas ocupadas por projetos de assentamento na região semi-árida do estado do Rio Grande do Norte.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
Para este trabalho foram selecionados dez PAs localizados nas microrregiões de Mossoró, Chapada do Apodi e Médio Oeste (Figura 1) os quais, juntos, somam 27.555,17 ha (Tabela 1). Os referidos projetos estão ocupados principalmente por vegetação do tipo hiperxerófila, caracterizando bem as condições edafoclimáticas das caatingas.
Foram levantadas, nas áreas selecionadas, algumas variáveis que permitissem uma caracterização mais detalhada do meio físico local, além da relação dos assentados com os recursos naturais presentes em seus respectivos assentamentos.
Água
Em relação a este recurso, determinaram-se aspectos de qualidade e quantidade. Para o consumo humano, a quantidade mínima diária de água considerada, foi o valor médio apresentado pela revista New World e citado por Suassuna (1999), de 126 L dia-1 já para o consumo animal foi utilizado somente o valor para caprinos, visto ser este o principal animal de criação encontrado nos projetos de assentamento daquela região, conforme observações de campo, que se situa entre 10 e 20 L dia-1 animal-1 (Suassuna, 1999).
Para o cálculo da demanda usual, utilizaram-se os seguintes fatores:
Consumo humano = população x 0,126 m3 dia-1
Consumo animal = nº de famílias x 4 x 0,01 m3 dia-1
Consumo irrigação = área irrigada (ha) x 60 m3 dia-1
Demanda usual (m3 dia-1) = consumo humano + animal + irrigação
O fator multiplicativo do consumo animal, no valor de 4, está relacionado ao rebanho médio encontrado nos assentamentos estudados, conforme observações do autor. No caso do fator de 60 m3 dia-1, foi considerada uma lâmina média diária de 6 mm.
Em relação à qualidade da água para consumo humano, foram considerados os limites estipulados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como mostra os resultados da Tabela 2.
As leituras de pH e condutividade elétrica (CE a 25 ºC) foram realizadas em tempo inferior a 16 h, após a amostragem no ponto de coleta. A caracterização físico-química foi determinada através da leitura de Ca2+, Mg2+, Na+, K+, CO32-, Cl- e HCO-3, segundo Golterman (1970) e os sulfatos foram estimados pela diferença entre cátions e ânions. Para avaliar a qualidade da água para irrigação quanto aos efeitos no solo, estimou-se o valor da Relação de Adsorção de Sódio corrigida (RASº), conforme Ayers & Westcot (1991).
Adotou-se, posteriormente, o sistema de classificação quanto ao risco de salinidade da University of California Committee of Consultantes citado por Holanda & Amorim (1997). Estimou-se, ainda, o teor de carbonato de sódio residual (CSR) pela diferença entre o somatório dos carbonatos e bicarbonatos e o somatório do cálcio mais magnésio.
Mata
Realizou-se inventário florestal empregando-se a metodologia descrita por Carvalho & Zákia (1994). Esses autores consideraram 4 tipos de extratos vegetais na região semi-árida norte-rio-grandense (Tabela 3). O método de amostragem nas áreas que apresentaram diferentes tipos florestais, foi o casual estratificado e, nos que possuíam estrato homogêneo, a amostragem casual simples. Foram lançadas 44 parcelas do tipo permanente, com 400 m2 de área cada uma, distribuídas aleatoriamente, cujas coordenadas geográficas foram registradas e as árvores dos quatro cantos da área foram marcadas a 1,3 m de altura. A intensidade e a distribuição das parcelas nos PAs foram dependentes do tamanho das suas respectivas reservas e do tipo florestal presente. Admitiu-se um erro de amostragem de 20 a 95% de probabilidade, para o volume com casca. Mediram-se apenas as árvores com diâmetro a 1,3 m diâmetro a altura do peito (dap) maior que 1,5 cm, considerando-se este o diâmetro mínimo utilizado na região para lenha, vara e ripa. Para a totalização das parcelas foram utilizadas equações ajustadas em trabalhos desenvolvidos pelo Projeto PNUD/FAO/IBAMA/BRA/87/007; considerou-se também o fator de empilhamento igual a 3,14 (PNUD/FAO/IBAMA, 1993). Para determinar o estoque em função do potencial de uso, levou-se em conta apenas espécies de possível exploração de estacas, mourões, lenha e carvão, conforme informações obtidas junto aos assentados, através de entrevistas realizadas através de técnicas informais, conforme descrito em Oliveira & Oliveira (1982).
Os dados das parcelas foram analisados utilizando-se formulários da amostragem casual estratificada para o PA Cabelo de Negro e amostragem casual simples, para os demais PAs. Os dados dos questionários foram analisados descritivamente, além de realizadas simulações do retorno econômico da comercialização de alguns produtos obtidos nos assentamentos.
Solos
Foram descritos perfis dos solos mais representativos e coletadas amostras dos horizontes, as quais foram submetidas às análises física e química, segundo o Manual de Análise de Solos (EMBRAPA, 1997), sendo determinados:
- pH em água e KCl, por potenciometria
- cálcio e magnésio, extraídos com KCl 1N, por absorção atômica
- potássio e sódio, por fotometria, com extrator Mehlich
- alumínio trocável, por volumetria, extraído com KCl 1N e titulado com hidróxido de sódio
- acidez potencial, extraída com acetato de sódio tamponada a pH 7,0 e determinada volumetricamente com solução de NaOH, em presença de fenolftaleína como indicador
- fósforo disponível, pelo método colorimétrico, usando-se extrator Mehlich
- microelementos, por absorção atômica, extraídos com Mehlich
- carbono orgânico, pelo processo de Walkley-Black
- análise granulométrica, pelo método da pipeta
- densidade da partícula, utilizando-se álcool etílico
- argila dispersa na água.
Os solos foram classificados conforme normas do Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA, 1999).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Água
O acesso a este recurso se dá basicamente sob a forma de poços tubulares. Das dez áreas estudadas, Aurora da Serra, Cabelo de Negro e Canto Comprido, não possuem fontes próprias de abastecimento de água, enquanto Cordão Sombra, Esperança e Lagoa Vermelha, não apresentam água em quantidade e/ou qualidade satisfatória.
Para o consumo humano, os resultados das análises das águas (Tabela 4) demonstram que, considerando-se apenas parâmetros físico-químicos, somente os assentamentos Mulunguzinho e Soledade não apresentaram nenhuma restrição. Pode-se verificar que os três poços tubulares mais profundos apresentaram as maiores vazões e água de melhor qualidade, devido ao fato de explorarem o aqüífero do Arenito Açu.
Em relação ao seu uso na agricultura, apenas quatro projetos possuem sistemas de irrigação; os demais assentamentos apresentaram insuficiente oferta de água, porém todas as águas utilizadas indicaram restrição de uso na irrigação. Com relação ao risco de salinização e segundo a classificação da UCCC, apenas Soledade não apresentou problema, enquanto as demais foram classificadas como de médio risco (Tabela 5).
Mata
Os resultados das análises estatísticas em relação às tipologias florestais (estratos) estão sumariados na Tabela 6 e, para cada um dos PAs, na Tabela 7. As áreas com presença do estrato Tipo 2 apresentaram baixa densidade florística, o que as enquadra como prioritárias num processo de conservação; já o estrato florestal mais comum foi o arbustivo-arbóreo fechado, compreendendo 75% das parcelas lançadas.
O seguinte passo foi determinar a quantidade de madeira que pode ser colhida sem comprometer a renovabilidade do recurso (Tabela 8). Este valor foi calculado com base no Incremento Médio Anual (IMA) e nas áreas passíveis de serem exploradas.
Conhecendo-se as tipologias e padrões de espécies florestais utilizados pelos assentados, foi possível determinar a contribuição percentual de cada modalidade de uso (lenha, carvão, estaca e mourão) sobre o estoque total.
Neste levantamento foram excluídas as espécies de aroeira e imburana, a primeira pelo fato de ser protegida por lei, e a segunda pela baixa freqüência encontrada. Foram excluídos também os PAs de Canto Comprido, por falta de dados, e os de Hipólito e Esperança, por apresentarem coberturas florestais do Tipo 2, de baixa densidade e acentuada pobreza em termos de florística, sendo mais destinada a programas de enriquecimento. Nota-se o potencial de uso comercial elevado para essas matas, chegando a 90% no PA Soledade.
Com os valores apresentados na Tabela 9, foi possível determinar a possível contribuição que esse recurso poderia oferecer na geração de renda aos assentados. Para isto, consideraram-se os valores líquidos médios encontrados na comercialização da lenha na região, em R$ 2,00 st-1, não se levando em conta o consumo doméstico, estimado em 1 st-1 mês-1 família-1. Para as estacas, esse valor está em R$ 0,45 unidade-1, em que 1 m3 corresponde a cerca de 102 estacas (Carvalho, 1998) como mostrado nos resultados da Tabela 9.
Os valores obtidos na determinação do potencial econômico da comercialização de produtos florestais (Tabela 9) foram relativamente baixos mas provavelmente com manejo adequado, poderão ser incrementados consideravelmente. Carvalho (1998) determinou o valor de R$ 5.833,00 mês-1 caso fosse aplicado o "Plano de Manejo Florestal do assentamento Canto Comprido". Ainda assim, considerando-se o número total de famílias de cada PA, essa quantia seria muito diluída.
Considerando-se apenas a rentabilidade na exploração da mata nativa do Tipo 3 sem aplicação de nenhum tipo de manejo especial encontrada neste trabalho, para um potencial de uso comercial médio das áreas inventariadas de 67% para lenha e carvão e 12% para estacas e mourões, o tamanho da área explorada por cada família teria de ser em torno de 170 ha para a região estudada, a fim de se ter o rendimento de um salário mínimo mensal. Devido à baixa rentabilidade, esta atividade deveria constituir-se apenas como complemento de renda, já que outras atividades apresentam maiores rendimentos, como a fruticultura irrigada.
Solos
Os solos predominantes nas áreas foram o Vertissolo Cromado e o Cambissolo Háplico, com características vérticas (Tabela 10). Trata-se de solos rasos com argilas de atividade alta e que são comuns na Chapada do Apodi, geralmente com alta fertilidade natural, tendo os baixos teores de fósforo como principal limitação química (Tabela 11).
O Argissolo Vermelho (antigo Podzólico Vermelho) é encontrado apenas no assentamento Cabelo de Negro, cuja pedogênese teve influência do arenito da serra de Mossoró (Ernesto Sobrinho, 1979); trata-se de um solo profundo em relevo favorável à mecanização e de boa fertilidade natural, que apresenta argila de atividade baixa e alta saturação por bases, com predomínio de areia grossa.
Os Latossolos Vermelhos são encontrados nas áreas com influência do Grupo Barreiras. É um solo profundo, de drenagem excessiva e com baixa fertilidade natural, que apresenta baixo teor de fósforo disponível e caráter endoálico. É um solo que reflete a pobreza inicial do material de origem que, segundo Ernesto Sobrinho (1981) é proveniente do desmonte de uma superfície bastante intemperizada. A alta taxa de lixiviação presente neste solo acentua o seu empobrecimento. Nota-se relativo aumento no teor de argila com a profundidade, o que favorece a retenção de umidade.
Este solo, mesmo originário do Grupo Barreiras, não apresenta a camada adensada na subsuperfície, típica dos Latossolos Amarelos coesos, característicos desse substrato. O fato se deve à influência dos sedimentos psamíticos, originando solos muito arenosos, com alta porcentagem de areia grossa, o que faz com que mesmo os mais argilosos (Latossolos e Argissolos) estejam próximos do limite para textura arenosa (15% de argila) (Ernesto Sobrinho, 1981). São solos que não apresentam nenhum empecilho à mecanização, ocupados principalmente pelo cultivo de sequeiros e do cajueiro "gigante", para exploração da castanha; no entanto, pouca ou nenhuma prática de melhoria do solo tenha sido realizada durante seu plantio que, associado com a pobreza natural dos solos e com o adensamento das plantas, ocasionou baixa produtividade e posterior morte natural de muitas plantas; já o Cambissolo Háplico Ta eutrófico é um solo muito raso, associado quase sempre à presença de afloramento de rochas (lajedos). Apresenta problema de drenagem, sendo comum a existência de concreções ferro-manganesianas, conhecidas na região como "chumbo de caça", tanto na superfície como na subsuperfície, onde se verificam horizontes concrecionários antes do Cr. A sua utilização para a irrigação deve seguir critérios observando-se principalmente a qualidade e a quantidade da água.
O Neossolo Quartzarênico Órtico (Areia Quartzosa) é encontrado nas áreas do Arenito Açu. Apresenta seqüência de horizontes A-C, pouco diferenciados e com transição gradual e plana (Tabela 12). Na área coletiva do PA Esperança, na profundidade de 123 cm foi encontrada uma camada densa de seixos quartzosos rolados, localizada no terço inferior do relevo, indicando provável colmatagem sobre um antigo leito de rio. Esta camada pode prejudicar o desenvolvimento das plantas devido ao impedimento de aprofundamento das raízes.
Outro solo com problemas de profundidade é o Vertissolo Crômico, em que o contato lítico não ultrapassa 120 cm. Apresenta alta fertilidade natural e sua ocorrência é comum na região da Chapada do Apodi, principalmente nos locais mais abaciados. Segundo os próprios assentados, é o melhor para plantio de culturas de sequeiro.
Este solo apresenta saturação por bases quase de 100% em todo o perfil. A Soma de bases está em torno de 40,0 cmolc dm-3, com predominância de Ca++. Sua principal restrição química é o baixo teor de P (Tabela 12). Trata-se de um solo muito argiloso, que apresenta alto teor de argilas 2:1, além de características que indicam grande movimentação da massa do solo, como a presença de superfície de fricção (slinkensides) e de fendas profundas que surgem na época seca. A reação varia de neutra a alcalina. É o solo utilizado nas áreas coletivas dos PAs Recreio, com culturas de sequeiro, e Hipólito, onde se cultiva melão irrigado, com alto nível de insumos.
Já os Neossolos Litólicos (Solo Litólico) estão muito associados com a presença de coberturas florestais densas em áreas de lajedos, todas apresentando diversas árvores ainda com a folhagem verde, devido ao acúmulo e à manutenção da umidade nos solos existentes entre os blocos de calcário. Esses solos são encontrados nas aberturas que há entre as camadas que formam o lajedo, o qual é constituído de um conjunto mais fragmentado na superfície (na forma de um mosaico) e outro mais homogêneo na subsuperfície. As árvores crescem nessas aberturas e as suas raízes penetram entre as camadas, até alcançar a parte inferior do bloco, onde a umidade se mantém mais constante e existe alto teor de fósforo disponível.
Na região da Chapada do Apodi, os Neossolos Litólicos são muito comuns, estão sempre associados à presença de afloramentos de rocha e apresentam-se como reserva de minerais facilmente intemperizáveis (Brasil, 1971).
Classificação de capacidade de suporte
Com base nas diversas informações coletadas durante este trabalho, decidiu-se elaborar um sistema de classificação que avaliasse, de forma conjunta, os recursos florestais, edáficos e hídricos, com a intenção de determinar as potencialidades e os limites dos ambientes de cada assentamento estudado. Antes de ser algo conclusivo, é mais uma tentativa de elaborar um instrumento que possa auxiliar na avaliação final do ambiente dessas áreas.
Em relação aos recursos hídricos, salienta-se que não foi considerada a possibilidade de esgotamento das reservas da Bacia Potiguar, mas elaboradas cinco categorias relacionadas com a qualidade para consumo humano, conforme limites citados por Oliveira (1990), e para uso na irrigação, com base no sistema de classificação da University of California Committee of Consultants (Holanda e Amorim, 1997), além de se levar em conta as disponibilidades hídricas instaladas e usuais, em cada área. O conceito de disponibilidade usual referido diz respeito à quantidade de horas necessárias com a bomba ligada, a fim de cobrir toda a demanda do assentamento.
Devido à importância dos recursos hídricos na região, seu valor será maior que os demais. A classe "0" corresponde à ausência de fonte própria de abastecimento desse recurso (Tabela 13).
Em relação aos recursos florestais, considerou-se o potencial econômico da comercialização dos seus produtos, através da exploração da mata nativa, respeitando sua capacidade de renovação (sem a implementação de nenhum tipo de manejo especial). Este valor se torna um bom parâmetro, por levar em conta diversos outros fatores, como a área potencialmente explorável, a produção sustentável, a qualidade em relação ao uso comercial (considerando-se os produtos de lenha, carvão, estacas e mourões), o valor líquido da venda do produto e o número de famílias de cada assentamento (Tabela 14).
Quanto aos solos, foi utilizado o sistema de classes de terra para irrigação, conforme Cabral et al. (1994), considerando-se as seis categorias existentes, porém sem detalhar suas limitações. Os valores das categorias, no entanto, foram invertidos, a fim de facilitar a interpretação final (Tabela 15); desta forma, por exemplo, um solo que seria classificado como 6 ficou como 1, e assim por adiante. Para cada assentamento optou-se pelo solo que apresentou melhor classe de aptidão; assim, no PA Cabelo de Negro, que possui Cambissolos, Vertissolos e Argissolos, este último é que foi considerado.
Os resultados gerais podem ser observados na Tabela 16. Para melhor visualizá-los, foi instituído um ambiente considerado ideal, em que os resultados se deram em termo de percentagens comparativas em relação a essa área hipotética. Assim, a partir dos resultados obtidos pode-se inferir que nos atuais níveis de exploração dos seus recursos naturais, o PA de Soledade está 39% distante do ambiente ideal, ou seja, é o que apresentou o maior potencial de suporte, porém esses valores não são fixos, apenas retratam uma situação atual, principalmente em relação aos recursos hídricos. A área de Esperança, por exemplo, foi a que apresentou a mais baixa capacidade de suporte, mas ela possui grande potencial hídrico não-explorado, pelo fato de estar localizada próximo do aqüífero do Arenito Açu.
Apenas três assentamentos, Soledade, Mulunguzinho e Recreio, apresentaram índices superiores a 50%, encontrando-se a maioria numa situação-limite diante da exploração dos seus recursos, o que pode vir a comprometer a viabilidade desses projetos. Esse fato ocorreu sobretudo pela presença de fornecimento de água nessas áreas, cujo resultado corrobora as observações realizadas no trabalho de campo. Todos os resultados estão diretamente ligados ao fator "água", que apresentou maior peso no sistema, devido à sua importância particular para a área considerada.
CONCLUSÕES
1. Todos os assentamentos apresentaram número de colonos superior ao limite que o ambiente poderia suportar, demonstrando a necessidade de se reavaliar o tamanho do módulo agrícola adotado para as áreas de reforma agrária nas condições próprias do semi-árido.
2. Na região, considerando-se apenas a exploração da mata nativa, seriam necessários 170 ha para se obter o rendimento de 1 salário mês-1 família-1.
3. A presença de oferta satisfatória de água permite melhor exploração do potencial agrícola dos solos da região, o que refletirá em melhor padrão de vida e, conseqüentemente, exploração menos intensa dos recursos florestais, ou seja, deve-se democratizar não apenas o acesso à terra como também, aos recursos hídricos.
LITERATURA CITADA
Protocolo 91 - 15/5/2003 - Aprovado em 2/4/2004
Referências bibliográficas
- Ab'Saber, A.N. Sertões e sertanejos: uma geografia humana sofrida. Estudos Avançados,São Paulo, v.13, n.36, p.72-83, 1999.
- Ayers, R.S.; Westcot, D.W. A qualidade da água na agricultura. Campina Grande: UFPB, 1991. 218p.
- Brasil, Ministério da Agricultura. Levantamento exploratório: reconhecimento de solos do estado do Rio Grande do Norte. Recife: MA/CONTAP/USAID, 1971. 364p.
- Buainain, A.M.; Pires, D. Reflexões sobre reforma agrária e questão social no Brasil. Brasília: INCRA. 2003. 47p.
- Cabral, A.C.; Ribeiro, M.R.; Araújo Filho, J.C.; Silva, F.B.R. Avaliação do potencial das terras para irrigação no nordeste. Brasília: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária; Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semi-Árido, 1994. 110p.
- Carvalho, A.J.E. Plano de manejo florestal Assentamento Canto Comprido - Carnaubais, RN. Natal: [s.n.], 1998. 23p.
- Carvalho, A.J.E.; Zákia, M.J.B. Avaliação do estoque madeireiro: etapa final - inventário Florestal do Estado do Rio Grande do Norte. Natal: IBAMA, 1994. 84p. Projeto PNUD/FAO/IBAMA/ Governo do Rio Grande do Norte; Documento de Campo, nş 13
- EMBRAPA. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Manual de métodos de análise de solos. 2.ed. Rio de Janeiro: Centro Nacional de Pesquisa de solos, 1997. 212p.
- EMBRAPA. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Sistema brasileiro de classificação de solos. Brasília; Rio de Janeiro: Centro Nacional de Pesquisa de Solos, 1999. 412p.
- Ernesto Sobrinho, F. Caracterização, gênese e interpretação para uso de solos derivados de calcário da região da Chapada do Apodi, Rio Grande do Norte. Viçosa: UFV, 1979. 133p. Dissertação Mestrado
- Ernesto Sobrinho, F. Levantamento de reconhecimento semi-detalhado e interpretação para uso dos solos da Serra do Mel. RN. Mossoró: SUDENE; FGD/SOLOS, 1981. 150p. Coleções Mossoroense, 158
- Golterman, H.L. Methods of chemical analysis of fresh water. Oxford: Blackwell Scientific, 1970. 214p.
- Holanda, J.S.; Amorim, J.R.A. Qualidade da água para irrigação. In: Gheyi, H.R.; Queiroz, J.E.; Medeiros, J.F. de. Manejo e controle da salinidade na agricultura irrigada. Campina Grande: UFPB, 1997. p.137-165.
- Oliveira, R.D.; Oliveira, M.D. Pesquisa social educativa: conhecer a realidade para poder transformá-la. In: Brandão, C.R. Pesquisa participante. 2.ed. São Paulo: Brasilience, 1982. 211p.
- Oliveira, S. Decreto-Lei Nş 74/90, EPA, Notas. UNL/FCT. www.icp.pt 12 out. 1990.
- Palmeira, M. Impactos regionais dos assentamentos rurais, Pesquisa NEAD, Brasilia, 2002. 112p.
- PNUD/FAO/IBAMA. Diagnóstico florestal do Rio Grande do Norte. Natal: [s.n.], 1993. 45p.
- Suassuna, J. Água no planeta: origem, quantidades globais e consumo potencial. Textos. Recife: Fundação Joaquim Nabuco. www.fundaj.gov.br 12 Agosto de 1999.
- Teófilo, E. A necessidade de uma reforma agrária, ampla e participativa para o Brasil. Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural - NEAD/Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável/Ministério do Desenvolvimento Agrário. 2002. 56 p.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
18 Maio 2005 -
Data do Fascículo
Mar 2005
Histórico
-
Aceito
02 Abr 2004 -
Recebido
15 Maio 2003