As pesquisas em torno do trabalho docente ganharam significativo impulso no campo educacional a partir dos anos de 1990 no Brasil, seguindo uma tendência internacional. Este número da Revista Brasileira de Educação apresenta aos leitores um conjunto de artigos sobre a problemática da formação profissional docente composto por autores nacionais e internacionais, com destaque para os temas do educador reflexivo, prática, profissionalização, autobiografias, subjetividades e identidade profissional docente. Também compõem este número artigos decorrentes de pesquisas relacionadas às políticas públicas e à atuação de órgãos públicos na esfera da educação. O artigo na seção Espaço Aberto e a resenha refletem a variedade editorial da revista.
O primeiro artigo, "Os conceitos de professor pesquisador e professor reflexivo: perspectivas do trabalho docente", de Tatiana Bezerra Fagundes, problematiza os conceitos de professor pesquisador e professor reflexivo, amplamente difundidos no campo da educação, procurando evidenciar os contextos que motivaram suas construções no país, confrontando-os com as realidades educativas contemporâneas. A intenção é de encontrar subsídios para pensar a formação e a prática de professores.
O artigo "Teorías subjetivas en profesores y su formación profesional", de David Jorge Cuadra Martínez e Jorge René Catalán Ahumada, trata de uma pesquisa qualitativa realizada com professores de escolas básicas municipais na região de Atacama, Chile, cujo objetivo é apreender a teoria subjetiva que orienta a ação formativa desses professores. Os autores analisam o impacto de teorias subjetivas na formação docente considerando o conteúdo, a estrutura e a sua capacidade explicativa.
O artigo "De lavradora a professora primária na roça: narrativas, docência e profissionalização", de Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios, situa-se na perspectiva da pesquisa (auto)biográfica e toma como fonte de investigação narrativas de formação, escritas por professoras da roça que atuam no ensino fundamental de escolas rurais do interior da Bahia, Brasil. A autora articula o processo de constituição identitária de ex-lavradoras que se tornaram professoras e a construção da profissão docente na roça. O lugar discursivo da comunidade da qual fazem parte destaca-se como aspecto fundante da identidade profissional.
Catia Piccolo Viero Devechi, Gionara Tauchen e Amarildo Luiz Trevisan, no artigo "Aprendizagem evolutiva na formação de professores: continuidade entre as certezas da ação e os acertos discursivos", analisam, com base na perspectiva habermasiana de continuação do mundo da ação e do mundo discursivo, teses de doutorado defendidas nas universidades federais brasileiras no período de 2007 a 2009 a respeito da possibilidade de uma aprendizagem evolutiva na formação de professores. Procuram identificar os elementos que caracterizam as diferentes abordagens epistemológicas mais utilizadas sobre o tema: materialista histórica, fenomenológico-hermenêutica, epistemologia da prática, epistemologia da complexidade, teoria da representação social e pós-estruturalista.
No artigo "A identidade do professor: desafios colocados pela globalização", Maria Inês Silva Teixeira Cardoso, Paula Maria Fazendeiro Batista e Amândio Braga Santos Graça argumentam que a contemporaneidade disseminou teorizações sobre a identidade docente e provocou um deslocamento do nível da não reflexividade para um metanível de atividade reflexiva e crítica, tensionando a identidade nas dimensões individual e coletiva. Esse deslocamento tem o potencial de fazer emergir um sujeito transformador e, no caso do professor, essa transformação dependeria do seu envolvimento, profissionalismo e competência profissional.
No artigo seguinte, "Tendencias metodológicas en los docentes universitarios que forman al profesorado de primaria y secundaria", Ángel De-Juanas Oliva, Ángel Ezquerra Martínez e Rosa Martín del Pozo argumentam que, na Espanha, a educação superior recebeu um forte impulso, mas enfoques metodológicos, tais como trabalhos em equipe, seminários, debates, entre outros, não acompanharam esse processo de desenvolvimento. A pesquisa desenvolvida com a participação de docentes universitários, que trabalham na formação de professores do ensino fundamental e médio, revela uma tendência ainda tradicional e intermediária de orientação construtivista.
O artigo "A cooperação em uma federação heterogênea: o regime de colaboração na educação em seis estados brasileiros", de Catarina Ianni Segatto e Fernando Luiz Abrucio, trata de uma pesquisa realizada em seis estados brasileiros: Acre, Ceará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará e São Paulo, com a intenção de analisar a atuação dos governos estaduais no processo de coordenação federativa com os municípios na esfera da educação. A pesquisa detectou vários modelos de cooperação entre estados e municípios nos estados pesquisados, mas apenas um deles apresentou um modelo desejável de cooperação de caráter mais permanente e sistêmico.
O artigo "O Supremo Tribunal Federal e a garantia do direito à educação", de Elisângela Alves da Silva Scaff e Isabela Rahal de Rezende Pinto, analisa a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) com relação às demandas judiciais no campo do direito à educação de crianças e adolescentes no período de 2003 a 2012. As autoras observaram que, apesar da falta de diálogo da corte com a área educacional e o pouco aprofundamento sobre o tema, o posicionamento do STF tem sido favorável à efetivação do direito à educação, inclusive à educação infantil, como direito fundamental.
O artigo "Mediação pedagógica na educação de jovens e adultos: exigência existencial e política do diálogo como fundamento da prática", de Adriana Regina Sanceverino, apresenta uma investigação a respeito das circunstâncias e condições necessárias para que se processem as mediações nas situações de ensino e aprendizagem do conteúdo adequadas à educação de jovens e adultos (EJA) em escola de ensino fundamental em Santa Catarina, no sul do Brasil. O estudo mostra que as mediações do diálogo criam condições de desenvolver o pensamento crítico dos estudantes e a práxis educativa nessa modalidade de ensino.
O último artigo, "Aprendizagens no contexto de uma atividade: um confronto teórico analisado a partir de um exemplo prático", de Eduardo Sarquis Soares, Grace Marisa Miranda de Paula e Maria Lúcia Vieira, aborda a questão da mudança conceitual com base em uma investigação da prática docente, destacando duas posições teóricas a respeito do tema. A primeira, orientada pelo construtivismo piagetiano, enfatiza a evolução cognitiva interna ao indivíduo, e a segunda, de inspiração vygotskiana, destaca as interações entre os sujeitos em situação de aprendizagem. Os autores confrontam essas duas abordagens na pesquisa realizada com docentes, levantando a possibilidade desses dois paradigmas conviverem na prática docente.
Na seção Espaço Aberto, o texto "Interlocuções com Marilyn Cochran-Smith sobre aprendizagem e pesquisa do professor em comunidades investigativas", de Dario Fiorentini e Vanessa Crecci, apresenta a vida e os principais constructos teóricos propostos por Marilyn Cochran-Smith em colaboração com Susan Lytle, destacando os interlocutores brasileiros e as contribuições relacionadas à pesquisa do professor sobre sua própria prática e à pesquisa sobre a aprendizagem e o desenvolvimento do professor em comunidades investigativas. É apresentada uma entrevista completa de Cochran-Smith concedida aos autores em 2012 no Boston College.
Encerra este número a resenha de Thiago Ribeiro Borges, Flávio Aurélio de Souza Prado, Pedro Ricardo Guimarães Veras e Anelise de Barros Leite Nogueira, sobre o livroEducação social e psicologia, das autoras Sueli Maria Pessagno Caro e Raquel Souza Lobo Guzzo. Os resenhistas destacam no livro os diferentes aspectos da educação social, abordam tópicos referentes às características da área, enfatizam os principais aspectos necessários a uma satisfatória atuação dos educadores sociais e como se encontra esse campo do saber na realidade educacional brasileira. Os autores destacam que uma das grandes contribuições do livro para a pesquisa educacional é oferecer maior entendimento a respeito da identidade e atuação do educador social, especialmente no contexto universitário.
Diferentes artigos deste número abordam a formação de professores do ensino básico e suas condições de trabalho em diferentes contextos e modalidades de ensino. Pela atualidade de seus questionamentos, pela pertinência de seus referenciais teóricos, conceituais, metodológicos, assim como por suas preocupações com a prática cotidiana da sala de aula, eles trazem relevantes contribuições para uma revisão crítica da literatura e o adensamento do debate a respeito das novas diretrizes para formação docente. Nas pesquisas aqui apresentadas, destaca-se a centralidade da pessoa do professor e de suas potencialidades como intelectual, tanto na análise e interpretação reflexiva de seu processo contínuo de formação quanto de um redimensionamento político de sua participação social. Essas contribuições da pesquisa educacional que evidenciam a atuação docente em diferentes ambientes educacionais, marcados por característica culturais e interculturais próprias, são potencializadas por enfoques que invertem uma lógica aplicacionista e tecnicista na formação docente a favor de uma razão biográfica, que leva a sério o reconhecimento da historicidade de suas aprendizagens e das tensões em que se configuram seus pertencimentos e identidades profissionais.
Desejamos uma boa leitura a todos.
Rio de Janeiro, abril de 2016
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2016