Open-access Os primeiros professores de ciências naturais das escolas secundárias paulistas: uma perspectiva histórica (1880-1909)

LOS PRIMEROS PROFESORES DE CIENCIAS NATURALES EN LAS ESCUELAS SECUNDARIAS PAULISTAS: UNA PERSPECTIVA HISTÓRICA (1880-1909)

RESUMO

O objetivo deste artigo é abordar a formação e a atuação profissional dos primeiros professores de ciências naturais em três instituições públicas paulistas de ensino secundário: o Ginásio da Capital, o Ginásio de Campinas e a Escola Normal de São Paulo, entre os anos 1880 e 1909. Para tanto, do ponto de vista teórico-metodológico, recorremos a procedimentos da micro-história, operando com jogos de escalas entre o macro e o micro. Usando fontes como atas de concurso de professores, ofícios da administração pública paulista, leis, regulamentos, revistas, entre outras, foi possível tecer retalhos das experiências, das trajetórias individuais e das redes de relações desses sujeitos. Como resultado, tal análise permitiu compreender lógicas sociais na constituição do corpo docente das três instituições, como a recorrência na contratação de farmacêuticos e médicos para lentes e mestres das cadeiras de physica/chimica e história natural, no período delimitado.

PALAVRAS-CHAVE professores de ciências; escolas secundárias; ciências naturais; micro-história; redes

RESUMEN

El objetivo de este artículo es abordar la formación y el desempeño profesional de los primeros docentes de ciencias naturales en tres instituciones públicas de educación secundaria en São Paulo: el Ginásio da Capital (Ginásio da Capital), el Ginásio de Campinas (Ginásio de Campinas) y la Escola Normal de São Paulo (Escola Normal de São Paulo), entre los años 1880 y 1909. Para hacerlo, desde un punto de vista teórico-metodológico, recurrimos a procedimientos de microhistoria, operando con juegos de escala entre lo macro y lo micro. Utilizando fuentes como actas de concursos de docentes, cartas de la administración pública de São Paulo, leyes, reglamentos, revistas, entre otras, fue posible tejer experiencias, trayectorias individuales y redes de relaciones de estos sujetos. Como resultado, este análisis permitió comprender la lógica social en la constitución del profesorado de las tres instituciones, como la recurrencia en la contratación de farmacéuticos y médicos para lentes y maestros de las cátedras de física/química e historia natural, en el periodo definido.

PALABRAS CLAVE docentes de ciencias; escuelas secundarias; ciencias naturales; microhistoria; redes

ABSTRACT

The purpose of this article was to approach the formation and professional performance of the first teachers of Natural Sciences in three public institutions of secondary education in São Paulo: the Gymnasio of São Paulo (Ginásio de São Paulo), the Gymnasio of Campinas (Ginásio de Campinas), and the Normal School of São Paulo (Escola Normal de São Paulo), between the years 1880 and 1909. For this, from a theoretical and methodological point of view, we resorted to micro history procedures, operating with scale games between the macro and the micro. Using sources such as minutes from teacher contest, letters from the São Paulo public administration, laws, regulations, journals, among others, it was possible to weave snippets of the experiences, individual trajectories, and networks of relationships of these subjects. As a result, this analysis allowed us to understand social logics in the constitution of the teaching staff of the three institutions, such as the recurrence in the hiring of pharmacists and doctors for expert and teachers of the chairs of physics/chemistry and natural history, in the defined period.

KEYWORDS science teachers; high schools; natural sciences; micro history; networks

INTRODUÇÃO

Este artigo aborda a formação e a atuação profissional dos primeiros professores de ciências naturais em três instituições paulistas de ensino secundário: o Ginásio da Capital, o Ginásio de Campinas e a Escola Normal de São Paulo, entre os anos 1880 e 1909. A delimitação temporal inicial justifica-se porque 1880 foi o ano de reabertura da Escola Normal de São Paulo e, consequentemente, do aumento de investimentos com a construção dos espaços físicos, a aquisição de objetos de ensino e a contratação de professores para o ensino de física, química e história natural. A delimitação final foi escolhida pelo fato de que a documentação tem indicado que houve estabilização nesses investimentos na primeira década do século XX.

Nas últimas décadas do século XIX, as ciências naturais ganham um lugar de destaque no corpo social no Brasil, mas também em outros países, seja por causa da propagação das ideias positivistas (Depaepe, 2000), que associavam progresso à ciência, seja em razão de um novo contexto econômico e cultural marcado pela ocorrência de uma revolução tecnológica (Hobsbawm, 1988).

Nessa época, produtos como o telefone, o telégrafo sem fio, a iluminação elétrica, o cinema, o automóvel, entre muitos outros, que surgiram em função do desenvolvimento do eletromagnetismo e da substituição do ferro e do vapor pelo aço e pelas turbinas (Hobsbawm, 1988), aproximaram a ciência da vida cotidiana, promovendo mais conforto na vida privada e outras possibilidades de vida social e cultural. Além disso, a síntese de novos materiais, como os corantes e os fertilizantes, que possibilitaram a produção de diversos produtos industriais e o aprimoramento da produção de alimentos, contribuiu para o reconhecimento da importância do conhecimento científico e, consequentemente, da necessidade de sua escolarização.

Com isso, a formação científica foi-se apresentando como uma necessidade não apenas na formação do bacharel, mas também na formação dos professores primários. Esse processo não se restringia ao Brasil, mas a circulação dessas ideias nesse país ocorreu em tensão com uma sociedade essencialmente agrária, na qual havia pouca demanda pela ciência.

No entanto, apesar desse contexto, nas últimas décadas do século XIX as ciências naturais são introduzidas de modo mais sistemático nos programas de estudo da escola secundária paulista, tanto da escola normal quanto dos ginásios. Esse movimento vai gerar, pelo menos, três alterações significativas na configuração da escola: alterações na divisão do tempo escolar, transformações na distribuição do espaço escolar e modificações nas características da formação de parte dos sujeitos escolares.

Quanto ao primeiro aspecto, verifica-se nas diferentes propostas dos regulamentos e leis referentes ao ensino secundário uma nova divisão do tempo escolar entre a carga horária destinada à educação clássica tradicional, focada nas áreas de humanidades e na matemática, preponderantes até então na formação do bacharel, e a carga horária das ciências naturais. Novos arranjos na dinâmica e na rotina escolares deveriam ser feitos para incluir na distribuição do tempo o ensino de física, química e história natural1.

Em relação às alterações espaciais, as escolas não apenas deveriam adquirir novos materiais e objetos para o ensino das ciências naturais, mas também adotar uma arquitetura que incluísse novos espaços como laboratório de química, gabinete de física e museu de história natural. Enquanto as disciplinas de humanidades eram ministradas nas salas de aula, como espaços que por excelência caracterizavam a escola, as disciplinas científicas, embaladas pelo discurso sobre o método intuitivo, passam a exigir a criação e o funcionamento de novos espaços na arquitetura escolar. Dado o significativo investimento na organização dos gabinetes de física, dos laboratórios de química e dos museus de história natural é que se optou, aqui, por abordar os professores dessas áreas.

Sobre o terceiro aspecto, os sujeitos escolares, observa-se que a inserção de novos profissionais no universo escolar - os professores das cadeiras de physica/chimica e história natural - suscita algumas questões. Que formação deveriam ter esses primeiros professores de ciências naturais, visto que não se tinha um curso específico para formá-los? De quais nichos sociais seriam recrutados? É sobre essas questões que este artigo tratará, buscando compreender quem eram esses profissionais, quais as suas formações acadêmicas e onde atuavam os professores de ciências naturais da escola secundária paulista, além do magistério.

Para tanto, são usadas como fontes atas de concurso de professores, ofícios e correspondências da administração pública paulista, leis, regulamentos, revistas, livros de ponto de professores, entre outras. O procedimento metodológico consiste em traçar elementos da formação e da atuação dos primeiros professores de física, química e história natural das três primeiras escolas públicas de ensino secundário em São Paulo.

Com isso, o objetivo deste artigo não se reduz à caracterização de uma comunidade disciplinar, tal como entendida por Ivor Goodson (1993, 1995, 1997). Mais do que partir de identidades dadas a priori, objetiva-se colocar em evidência o movimento dos sujeitos em torno de uma demanda comum, que é o fortalecimento dos conhecimentos de ciências naturais nas instituições de ensino secundário.

Nessa perspectiva, a categoria “comunidade disciplinar” é insuficiente para o que se pretende porque, como bem apontam Costa e Lopes (2016), há pelo menos três limites da compreensão estrutural que Goodson empresta a ela. A primeira é que a comunidade disciplinar seria formada apenas pelos profissionais da disciplina. Aqui, embora o foco de análise sejam os professores das disciplinas, é importante dar realce a outros sujeitos e instituições que colaboraram para a construção das ciências naturais como disciplina escolar. A segunda é que a política curricular é movida essencialmente por questões corporativas, e a terceira é que a atuação dos profissionais da disciplina está condicionada a fatores externos.

A hipótese aqui sustentada é a de que um conjunto de sujeitos, via de regra egressos de cursos de farmácia e medicina, viu nas novas disciplinas novas possibilidades de atuação, novos nichos de trabalho favoráveis ao desenvolvimento de suas carreiras.

Desse modo, com base em diferentes fontes e migalhas de informações, intentou-se tecer retalhos de experiências que dão acesso a lógicas que são sociais (Revel, 1998). Não se trata de abandonar a macroanálise em favor de uma microanálise. Trata-se de colocar em jogo as dimensões internas e externas, o texto e o contexto, o geral e o específico, o particular e o geral, considerando-se a escala escolhida.

De um lado, o que se pretende ao lançar mão da micro-história para compreender a formação e a atuação profissional dos primeiros professores de ciências naturais não é construir um perfil ou uma identidade, mas tecer retalhos de experiências que apontam para lógicas sociais na seleção e na conformação desse corpo docente. De outro, o uso da micro-história é fértil, ainda, para colocar em evidência estratégias e táticas dos sujeitos, o uso que fazem do tempo e das oportunidades, os momentos de subjetivação, conforme entendimento de Certeau (1994), que participaram da produção de sentidos que objetivaram essas disciplinas.

Isso exige atentar não apenas para a trajetória individual de cada professor, mas considerar, ainda que de modo breve, os sujeitos com os quais eles se relacionam, as redes de relações (Fuchs, 2007), outros sujeitos e instituições que, no período, estão atuando no âmbito das ciências naturais.

Nesse sentido, este artigo dialoga com o trabalho de Cabral (2016), no qual a autora apresenta um estudo sobre a implantação do primeiro ginásio da capital com enfoque nas ações dos professores e dos diretores na construção do currículo, mas procura analisar a formação e a atuação profissional dos primeiros professores de ciências naturais. Além disso, este estudo também objetiva compreender a rede de relações que havia entre os professores das escolas secundárias públicas paulistas, a saber, a Escola Normal e os dois ginásios.

Para tanto, o texto está dividido em duas partes. Na primeira, discorreremos sucintamente sobre as instituições de ensino secundário em São Paulo no período delimitado. Na segunda, abordaremos a formação e a atuação social e profissional dos primeiros professores de ciências naturais do Ginásio da Capital, do Ginásio de Campinas e da Escola Normal de São Paulo.

AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SECUNDÁRIO EM SÃO PAULO (1880 A 1896)

Na reforma da instrução pública do ano de 1892, a lei n. 88 estabelece em seu artigo 17 que, “para o ensino secundario, scientifico e literário [sic], o Governo creará tres gymnasios para alumnos externos”. Neste artigo, é possível perceber novas intencionalidades para o ensino secundário. Primeiramente, a intencionalidade de criação de uma escola secundária seriada para romper com a fragmentação das aulas avulsas e dos exames parcelados. O curso nos ginásios teria duração de seis anos, sendo os quatro primeiros comuns para todos os alunos e os dois últimos específicos para os estudos científicos ou literários (artigo 18) (São Paulo, 1892).

Em segundo lugar, a criação de uma escola que não fosse mais centrada nos estudos das humanidades, no ensino literário, mas que desse lugar ao ensino científico. Não por acaso se insere no programa o estudo das ciências naturais, física e química experimental e história natural (artigo 19). Para tanto, o artigo 20 prevê que “estes gymnasios serão providos de laboratorios, gabinetes, collecções de historia natural, bibliotheca e de todo o material necessario para o ensino e os trabalhos praticos dos alumnos” (São Paulo, 1892). Conforme o artigo 5º do regulamento dos ginásios do Estado (São Paulo, 1895), física e química constituiriam uma mesma cadeira e, assim como a história natural, só seriam estudadas do 4º ao 6º ano.

Além desses pontos, esse documento também indica a intenção de criação de três ginásios em um mesmo estado, quando a quantidade de escolas públicas secundárias espalhadas pelo território nacional era bem reduzida. Dois anos após a promulgação da lei n. 88 é criada a primeira escola pública secundária em São Paulo, o Ginásio da Capital, instalado em setembro de 1894. Para seu funcionamento, seria necessário recrutar alunos e professores.

O Ginásio de Campinas foi criado em 1896 quando o Colégio Culto à Ciência, fundado em 1873 e que teve suas atividades suspensas entre 1892 e 1896, foi transferido ao poder público para se constituir no segundo ginásio do estado de São Paulo. Como será visto, nesse período foram iniciados os encaminhamentos para a organização e a estruturação das cadeiras de ciências, incluindo a contratação dos professores, em um processo que se desenvolveu até meados da primeira década do século XX.

No caso da Escola Normal de São Paulo, há um conjunto significativo de estudos e pesquisas sobre essa instituição (Reis, 1994; Monarcha, 1999; Dias, 2002; Rocco et al., s./d., entre outros). Essa bibliografia informa que a escola foi reaberta em 1880, com aulas mistas e um programa para três anos de estudo com cinco cadeiras - entre elas physica/chimica e história natural. No período, essa instituição recebeu um investimento significativo dos governos paulistas para montagem do gabinete de física, laboratório de química e museu de história natural.

Em 1894, a Escola Normal passou a funcionar em um edifício monumental, construído na Praça da República, com a finalidade de dar visibilidade aos projetos republicanos na educação. A mudança para o novo prédio foi seguida de ampliação na duração do curso e do número de cadeiras.

O decreto n. 293 de 22 de maio de 1895, que aprova o regulamento dos ginásios do estado (lei n. 88, de 8 de setembro de 1892), estabeleceu uma divisão do corpo docente em dois grupos: os lentes catedráticos, professores concursados, vitalícios e inamovíveis (artigos 64 e 65) e os mestres ou auxiliares do ensino (artigos 72 a 74), os quais, de acordo com Nadai (1987, p. 99), eram “contratados por dois anos, não concursados” e recebiam metade do salário do lente. A autora ainda lembra que os lentes catedráticos comporiam as congregações dos ginásios e poderiam substituir o diretor do estabelecimento, o que não se aplicava aos mestres.

Segundo Nadai (1987, p. 101),

a figura do lente era, na época, respeitada e privilegiada. Comprova-se esse fato pelo afluxo de grande número de candidatos aos concursos e a concorrência ferrenha entre eles, principalmente em virtude do prestígio intelectual e social que estava reservado ao vencedor. Diversos lentes acumulavam à carreira de professor o exercício de mandatos políticos.

Outra atribuição dos lentes era a elaboração do regimento dos ginásios do estado e dos programas de ensino. De acordo com Cabral (2008), os lentes constituíam, naquele contexto, um grupo com grande prestígio na sociedade paulista. Além de docentes, entre os lentes “havia deputados, professores de renomadas instituições de ensino privado do Estado de São Paulo, funcionários da Secretaria de Negócios do Interior, escritores de manuais didáticos e também professores da Escola Politécnica de São Paulo” (Cabral, 2008, p. 13).

Na próxima seção serão analisadas algumas características dos processos de seleção dos lentes de ciências para as escolas secundárias, quem eram os sujeitos envolvidos, quais suas relações sociais e profissionais, bem como suas formações acadêmicas.

OS PRIMEIROS PROFESSORES DE CIÊNCIAS NATURAIS DAS ESCOLAS SECUNDÁRIAS PAULISTAS

O GYMNASIO DA CAPITAL

O Ginásio da Capital foi instalado em 16 setembro de 1894. Em agosto desse mesmo ano, parte do corpo docente foi nomeada. Todavia, as cadeiras de physica/chimica e história natural só foram submetidas a concurso após a instalação no ginásio. Considerando-se que essas matérias só seriam ministradas a partir do quarto ano, esse pode ter sido um critério utilizado para empregar menos urgência no provimento dessas cadeiras.

De todo modo, em 27 de dezembro de 1894, “foi nomeado Edmundo Xavier para a 11a Cadeira de Física e Química” (Nadai, 1987, p. 70). Anos depois, Edmundo Xavier passou a integrar, também, a congregação da Escola de Farmácia de São Paulo, inaugurada em fevereiro de 1899. Nessa instituição, ele foi professor de química inorgânica, mineralogia e hidrologia (Campos, 1954, p. 440).

Em 1913, no mesmo prédio da Escola de Farmácia, é instalada a Faculdade de Medicina de São Paulo. A aula inaugural é proferida por Edmundo Xavier, que se tornaria futuro diretor da faculdade (De Luca e De Luca, 2003). Na Revista de Medicina, ele aparece como professor catedrático em disponibilidade de química orgânica e biologia da Faculdade de Medicina de São Paulo (Centro Acadêmico “Oswaldo Cruz”, 1929).

Cabral (2008, p. 83) corrobora tais dados, quando em sua tese afirma que Edmundo Xavier “integrava também o quadro de professores da Escola de Farmácia e Odontologia, no ano de 1901, e da Escola de Medicina de São Paulo, a partir de 1913, onde ocupou a cadeira de Física Médica”. A autora ainda destaca o lugar de distinção social ocupado pelos professores do Ginásio da Capital, tal qual se observava no Ginásio Nacional.

Embora não tenham sido selecionados, a formação e a atuação dos outros concorrentes a lente da cadeira de physica/chimica no Ginásio da Capital colocam em evidência o que se esperava de um professor da referida cadeira, dos pontos de vista social e educacional. O aprovado, Edmundo Xavier, concorreu com José Frederico de Borba, Antonio José de Faria Tavares e Francisco José C. de Castro.

Alguns desses sujeitos, como José Frederico de Borba, iriam atuar poucos anos depois na Escola Livre de Farmácia de São Paulo. De acordo com Campos (1954), esse primeiro curso de farmácia era constituído de quatro anos. Ao fim do terceiro, o aluno receberia o título de farmacêutico e, após o exame do quarto, o de bacharel.

É importante visualizar o quadro apresentado por esse autor acerca dos primeiros professores da Escola Livre de Farmácia porque ele permite perceber como sujeitos que, no início da década de 1890, estão atuando nas escolas públicas secundárias paulistas passarão a fazer parte do corpo docente daquela instituição.

1º ano: física (José Eduardo de Macedo Soares); química inorgânica, mineralogia e hidrologia (Edmundo Xavier); Botânica - 1ª parte e noções de zoologia (Christovam Buarque de Hollanda);

2º ano: química orgânica e biológica (Pedro Baptista de Andrade); zoologia, noções de anatomia e fisiologia (Odilon Goulart); botânica, especialmente a brasileira (Alberto Löefgren);

3º ano: química analítica e toxicológica (José Frederico de Borba); farmácia teórica e prática (João Florentino Meira de Vasconcelos); matéria médica e noções de terapêutica (Victor Pereira Godinho);

4º ano (bacharelado): química industrial com aplicação à farmácia (Luiz Manuel Pinto de Queiroz); higiene e elementos de bacteriologia (Arthur Vieira de Mendonça); história e legislação farmacêutica (Antônio Amâncio Pereira de Carvalho) (grifos nossos). (Campos, 1954, p. 440)

Dos nomes destacados, José Eduardo de Macedo Soares era também professor de física e química da Escola Normal de São Paulo, como se verá adiante. Edmundo Xavier foi o escolhido no primeiro concurso para provimento do cargo de lente de física e química no Ginásio da Capital. José Frederico de Borba concorreu com Edmundo Xavier e, embora não tenha sido selecionado, apresentava forte atuação na área de Farmácia.

Além de professor, José Frederico da Borba era atuante no meio profissional. De acordo com Alves (2011), esse sujeito era um dos presentes na primeira reunião de farmacêuticos que visava criar a Sociedade Farmacêutica Paulista. Na composição da primeira diretoria da sociedade, em dezembro de 1894, José Eduardo de Macedo Soares foi eleito presidente e Frederico de Borba segundo-secretário. No ano seguinte, em 1895, Frederico de Borba se tornaria membro da comissão de redação da Revista Farmacêutica, órgão oficial da sociedade.

Como se percebe, esses sujeitos que estão concorrendo para as vagas de lentes nas escolas secundárias atuam na Escola Livre de Farmácia e participam da Sociedade Farmacêutica Paulista. As redes de relações (Fuchs, 2007) que os candidatos estabelecem nesses outros espaços colaboram para a seleção nos processos de concurso.

A formação e a atuação dos membros das bancas de concursos que selecionaram esses primeiros professores sinalizam o trânsito e a circulação dos sujeitos considerados aptos para tomar tais decisões. O presidente da banca que selecionou Edmundo Xavier foi o dr. Francisco Ferreira Ramos, lente catedrático da Escola Polytechnica de São Paulo. Os demais componentes da banca foram Henrique Schaumann e Urbano Vasconcelos (Nadai, 1987).

A respeito de Urbano Vasconcelos não foi possível obter informações relevantes para o que se discute neste artigo. Quanto a Henrique Schaumann, nasceu em Campinas em 1856 e, assim como o pai, Philip Gustav Schaumann, e o avô, era farmacêutico formado na Alemanha. Gustav Schaumann mudou-se para o Brasil em 1853, radicando-se em Campinas e, em 1858, adquiriu uma mercearia na Rua São Bento, na cidade de São Paulo. Posteriormente, no mesmo local fundou a botica Ao Veado d’Ouro. O nome vem do veado de ouro que existe no brasão de sua família (Gogarten, 1958).

O pai enviou o filho para estudar na Alemanha aos 11 anos. Henrique Schaumann graduou-se farmacêutico, estudou ciências naturais, química e física na Universität Göttingen, tornando-se doutor em 1879. Nesse mesmo ano retornou ao Brasil e assumiu a direção dos negócios da família, a Botica Ao Veado d’Ouro. A farmácia gozava de grande prestígio na sociedade paulistana do período (Gogarten, 1958). No início do século XX, Henrique Schaumann tornou-se membro da Society of Tropical Medicine and Hygiene, de Londres, tendo por meio dessa sociedade publicado alguns trabalhos sobre beribéri (Schaumann, 1911). Esse concurso para a cadeira de physica/chimica chama a atenção para um aspecto que se iria repetir em outros processos seletivos, qual seja, a presença marcante dos farmacêuticos e dos médicos na área de educação em ciências.

Outra cadeira que realizou concurso foi a de história natural. A banca para seleção do lente dessa cadeira foi composta de “Orville Duby [sic] (presidente), Canuto Ribeiro do Val e Eduardo Augusto de Oliveira” (Nadai, 1987, p. 69). De acordo com Mahl (2012), Orville Adalbert Derby tinha como área específica de competência a geologia, mas a produção científica dele revela uma diversidade de interesses, como a história, a etnografia e a geografia.

Graduou-se em Geologia na Universidade de Cornell (Estados Unidos) em 1873 e concluiu sua tese de doutorado no ano seguinte, utilizando-se dos conhecimentos adquiridos em sua participação em duas expedições Morgan, das quais fizera parte com Charles Frederic Hartt, entre os anos de 1870 e 1871. “Em dezembro de 1875, mais uma vez a convite de Hartt, Orville Derby retorna pela terceira vez ao Brasil, agora integrando a recém-instalada Comissão Geológica do Império” (Mahl, 2012, p. 308).

Ainda de acordo com o mesmo autor, em 1885, o governo da província paulista solicita a Derby a elaboração de um plano de exploração geológica da província paulista. Como resultado de suas expedições científicas pelo Brasil, ele e outros cientistas formaram juntamente uma considerável coleção de fósseis e realizaram inúmeros estudos de geologia e paleontologia.

Em 1886, sob sua chefia, é instalada oficialmente a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo [CGGSP] [...] Com o intuito de tornar público esse imenso material, Derby propôs ao governo a criação do museu da CGGSP, o que acabou por originar o Museu Paulista. O primeiro diretor do museu foi o zoólogo Friedrich Albrecht Von Ihering, que chegou a São Paulo por indicação do próprio Derby, em 1893, para assumir a direção da seção de zoologia da Comissão. Atuando pelo desenvolvimento das ciências naturais em São Paulo, Derby também ajudou, juntamente com Francisco Ramos de Azevedo e o botânico sueco Alberto Lofgren, na criação do Horto Botânico, que mais tarde daria origem ao Instituto Florestal de São Paulo. (Mahl, 2012, p. 310-311)

Em 1894, quando foi convidado a compor a banca de seleção do lente de história natural do Ginásio da Capital, também fez parte do grupo que fundou o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, que começaria suas atividades nesse mesmo ano. O outro membro da banca, Canuto do Val, foi professor de zoologia, noções de anatomia e fisiologia na Escola Livre de Farmácia de São Paulo (Alves, 2011) e também professor de história natural da Escola Normal de São Paulo, desde 1892, como se pode ler na última parte deste texto.

O terceiro membro da banca foi Eduardo Augusto de Oliveira. Esse sujeito aparece no jornal do Rio de Janeiro A Nação: Jornal Politico, Commercial e Litterario (1874) como capitão-tenente comandante da Marinha. Em 1875, o Ministério do Império o nomeia Cavaleiro da Ordem de São Bento de Aviz (A Nação..., 1875). Em 1888, o jornal cearense Constituição noticia que o bacharel Eduardo Augusto de Oliveira foi nomeado secretário de província do Maranhão (Constituição, 1888, p. 2).

Pelo que se pôde investigar até o momento, Eduardo Augusto foi um bacharel que fez carreira na Marinha Brasileira. Essa ideia é reforçada no volume VII do tomo especial do Primeiro Congresso Internacional de História da América, realizado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, publicado em 1922. Nesse documento, Eduardo Augusto de Oliveira aparece como um dos oficiais que participou como primeiro-tenente na Guerra do Paraguai (Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1925, p. 477).

Esses três sujeitos que compuseram a banca do concurso selecionaram para a cadeira de história natural do Ginásio da Capital José Cândido de Souza, embora este tenha sido o único inscrito no concurso. Sabe-se, pelo livro de memórias das famílias Souza Dias e Rezende Barbosa, que o professor José Cândido de Souza é proveniente de Machado, Minas Gerais, perdeu o pai aos 12 anos e a mãe aos 18. De acordo com Barbosa (1998, p. 20), herdeiro de metade da fazenda dos pais, “vendeu o que tinha, alforriou os escravos - era abolicionista convicto - e partiu para a Capital de São Paulo, onde concluiu com dificuldade os estudos básicos”.

José Cândido mudou-se para o Rio de Janeiro, “onde frequentou até o quinto ano o curso de Medicina” (Barbosa, 1998, p. 20). Em virtude de uma enfermidade não pôde concluir o curso de Medicina e

resolveu reiniciar na Europa seus estudos, enveredando por diversas áreas. Durante dez anos frequentou vários cursos e realizou outros tantos estudos em Botânica e Ciências Naturais [...] junto à Universidade de Montpellier, além de ter sido aluno de Louis Pasteur em curso de férias na Universidade de Paris. (Barbosa, 1998, p. 21)

Não se sabe quando retornou ao Brasil, mas em 1894 assumiu a cadeira de história natural no Ginásio da Capital, na qual permaneceu por mais de 30 anos. Em 1960, o decreto n. 37.883 dá ao Ginásio Estadual Sumaré, na capital, a denominação de Ginásio Estadual José Cândido de Souza. A justificativa foi a de que,

entre os numerosos mestres paulistas que tanto se recomendaram à estima pública pela dedicação à causa do ensino e pela conduta ilibada e sem mácula, destaca-se o venerando educador José Cândido de Souza, nomeado, em 1894, lente de História Natural do antigo Ginásio do Estado da Capital, hoje Colégio São Paulo, cuja direção também exerceu, em 1929, aposentando-se em 1931. (São Paulo, 1960)

Não foi possível circunscrever a atuação do professor José Cândido em outras instituições, mas ele teve uma carreira longa no Ginásio da Capital, no qual permaneceu até a sua aposentadoria em 1931.

Em resumo, os lentes concursados para as áreas de ciências do Ginásio da Capital, via de regra, eram sujeitos que tiveram contato com física, química e história natural em cursos como Farmácia e Medicina. Suas formações acadêmicas aproximavam-se mais das teorias científicas e das práticas laboratoriais do que das discussões sobre a educação que estavam em curso no final do século XIX, o que pode ter interferido na seleção dos conteúdos e no desenvolvimento das práticas pedagógicas do ensino das ciências naturais na escola secundária paulista.

O GYMNASIO DE CAMPINAS

Em 1896, o Colégio Culto à Ciência, que havia sido fundado em 1873 por um grupo de fazendeiros, comerciantes e intelectuais de Campinas, São Paulo (Moraes, 2006), foi transferido ao poder público para ser o segundo ginásio oficial do estado de São Paulo, com a denominação de Gymnasio de Campinas.

Nesse período, essa instituição iniciou um processo de organização das cadeiras de acordo com o que definia a congregação do Ginásio Nacional do Rio de Janeiro e o regulamento dos gymnasios do estado de São Paulo (São Paulo, 1895). Para as cadeiras de physica/chimica e história natural foi contratado o professor José Pinto de Moura.

Esse professor, que era natural do Maranhão e formado em Farmácia pela Faculdade de Medicina da Bahia no ano de 1887, conforme Diez, Souza e Negrão (2009), foi contratado pelo governo do estado para trabalhar no Instituto Agronômico em 1894 e, nessa instituição, desenvolveu atividades de química até pelo menos 1896. Em 1898 foi nomeado para o Ginásio de Campinas, no qual permaneceu até março de 1900. Em 1899, adquiriu uma farmácia que foi divulgada no Almanaque Histórico e Estatístico de Campinas da seguinte forma:

PHARMACIA POPULAR

Proprietário e Director o Bacharel J. Pinto de Moura (pharmacetico, ex-chimico dos laboratórios do Estado, lente de physica, chimica e historia natural do Gymnásio de Campinas, etc)

Rua Barão de Jaguará, 30.

Algumas das características da vida profissional desse professor iriam se repetir com os demais lentes das cadeiras de physica/chimica e história natural que ingressariam nessa instituição escolar nos anos seguintes: a formação em farmácia, a capacidade de ministrar conhecimentos distintos de sua formação principal, a circulação entre regiões e a participação em outras instituições científicas.

Após a saída de José Pinto de Moura, a cadeira ficou provisoriamente a cargo de Gustavo Enge. Embora esse professor tenha permanecido nessa função por um tempo muito curto, ele reflete um movimento característico daquele contexto. Gustavo Enge era lente de 7ª cadeira de geographia, cosmographia e historia do Brazil, mas foi designado também para a cadeira de physica/chimica. O mesmo aconteceu com o professor Abílio Álvaro Muller, da cadeira de physichologia e logica, que foi designado para a de história natural (Cason, 2019) até a contratação dos professores efetivos para elas.

Os dois professores - Gustavo Enge e Abílio Álvaro Muller - circularam por outras entidades científicas e sociais na cidade de Campinas. O primeiro aparece na diretoria da Loja Maçônica Independência como “primeiro vigilante” em 1906-1907 e como “venerável mestre” em 1909-1910 (Loja Maçônica Independência, 2020). Além disso, seu nome aparece na primeira edição da revista do Centro de Ciências Letras e Artes (CCLA), na Comissão de Comissão de Matemática e Astronomia (Centro de Ciências, Letras e Artes, 2020).

O segundo participou da diretoria da Loja Maçônica Independência de 1899 até 1913 e da Comissão de Geografia, História e Demografia do CCLA. O CCLA foi fundado em 31 de outubro de 1901 em Campinas (SP) por professores, cientistas e artistas, com o objetivo de discutir e promover atividades artísticas e científicas, e configurou-se como um espaço de discussão e promoção das ciências e das artes. Tanto na diretoria como nas comissões auxiliares participaram vários cientistas do Instituto Agronômico e professores do Ginásio de Campinas.

Após a rápida passagem dos dois professores pelas cadeiras de chymica/physica e história natural, foram abertos os concursos para a contratação de professores efetivos. Entre os lentes da cadeira de physica/chimica aparecem Manoel Agostinho Lourenço, que a ministrou entre 1901 e 1909. Sobre esse professor há poucas informações, a não ser que era natural de Goa, nas Índias Portuguesas, e foi membro da Comissão Auxiliar de Physica, Chimica e Mineralogia do CCLA junto com dois químicos do Instituto Agronômico.

Em 1909, ingressou no Ginásio de Campinas para ministrar a cadeira de physica/chimica o professor Aníbal Freitas. Ele permaneceu nesse cargo até 1929, quando foi nomeado diretor dessa mesma escola. Anibal Freitas também era farmacêutico e foi preparador de três cadeiras no curso de farmácia, entre as quais as de química orgânica e biologia de Pedro Batista de Andrade (1848-1937), um dos fundadores da Faculdade de Farmácia da Universidade de São Paulo. Tal como José Pinto de Moura, também exerceu a profissão de farmacêutico.

Após a saída de José Pinto de Moura, a cadeira de história natural foi ocupada por Abílio Álvaro Muller (1900-?), Francisco de Paula Magalhães Gomes (1901-1905), Francisco Furtado Mendes Vianna (1906-1915) e Paulo Luiz Décourt (1915-1934), conforme Cason (2019).

O lente Francisco de Paula Magalhães Gomes era natural de Ouro Preto (MG) e cursou a Escola de Farmácia daquela cidade. Depois se formou em medicina no Rio de Janeiro (Academia Mineira de Medicina, 2020) e, em 1901, assumiu a cadeira de história natural no Ginásio de Campinas e a secretaria geral do CCLA. Nesse ano, seu nome aparece também na comissão de Botânica dessa instituição. Ele deixou a escola em 1905 para retornar a sua cidade natal.

Em 1906 foi aprovado para essa cadeira Francisco Furtado Mendes Vianna. Embora tenha assumido a cadeira de história natural, esse professor notabilizou-se pelos trabalhos dedicados à leitura e à alfabetização, com várias publicações dedicadas à leitura para crianças e à caligrafia, entre outros temas (Oriani, 2015). Trata-se de uma exceção à tendência de formação farmacêutica e uma curiosidade, uma vez que sua especialidade não eram as ciências, embora ao que tudo indica fosse considerado um excelente professor nessa área.

Em 1915 foi contratado para as cadeiras de história natural e Noções de Anthropologia o professor Paulo Luiz Décourt. Esse professor era natural de Campinas e havia sido aluno do Ginásio de Campinas no início do século XX, depois cursou Farmácia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ocupou o cargo no Ginásio de Campinas até 1934, quando “foi removido para exercer igual cargo no Ginásio da Capital do Estado” (Cason, 2019, p. 100).

Além dos professores, havia o preparador de física e química Eugênio Bulcão, que figurou entre os funcionários da escola até meados da década de 1930. Tal como vários professores, ele aparece entre os membros do CCLA. No início do século XX, Eugênio Bulcão era da Comissão de Zoologia do CCLA junto com Adolpho Kempel, do Instituto Agronômico, e Fidelis dos Reis, do 2º Distrito Agrícola do Estado de São Paulo (Centro de Ciências, Letras e Artes, 2020). Esse personagem assinava os inventários da escola como pharco, atestando que também era farmacêutico.

Como já dito anteriormente, a atuação de muitos desses sujeitos apresenta algumas características comuns. Primeiramente, a circulação tanto por regiões diferentes como por diversas instituições educacionais, culturais e científicas. Com algumas exceções, como as de Anibal Freitas, Paulo Luiz Décourt e do preparador Eugênio Bulcão, que ficaram na escola por 30 anos ou mais, os demais professores tiveram passagens mais rápidas pelo Ginásio de Campinas.

Em segundo lugar, embora tenha havido professores formados em diferentes saberes, o que predominou entre os professores das cadeiras de chymica/physica e história natural foi a formação em farmácia. Esse fato reforça a ideia de que havia redes de relações (Fuchs, 2007) que se articulavam em torno de vários espaços sociais, entre eles as escolas, o que pode ter contribuído para a formação de uma cultura escolar para as disciplinas de ciências nas escolas paulistas.

A ESCOLA NORMAL DE SÃO PAULO

A presença dessas matérias no programa de estudos da Escola Normal, bem como o esforço administrativo e pedagógico para criar novos espaços na estrutura escolar visando ao ensino de física, química e história natural, mostra que não apenas os ginásios, mas também as escolas de formação de professores primários, as escolas normais, passaram a ter um investimento significativo nessas áreas. Na reabertura da Escola Normal de São Paulo, em 1880, foi contratado para a 5a cadeira, de francês e noções de física e química, Paulo Bourroul.

Proveniente da França, a família Bourroul tinha alguns de seus membros atuando na área de farmácia e medicina. Celestino e Camilo Bourroul chegaram ao Rio de Janeiro em 1839 e logo se transferiram para São Paulo, onde Camilo, pai de Paulo Bourroul, empreenderia um importante negócio, a Pharmacia Paulistana (Viotti, 2000; Bivar, 2007).

Nascido em 1855, Paulo Bourroul formou-se em medicina na Bélgica e, em 1879, retornou ao Brasil. O filho dele, também chamado de Celestino Bourroul, tornou-se um importante e conhecido médico no Brasil. Celestino foi orientado por Adolfo Lutz na Faculdade de Medicina de Salvador, desenvolveu pesquisas na Europa e atuou na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Paulo Bourroul, além de ter sua clínica particular, atuou no Serviço Sanitário em São Paulo na gestão de Cesário Motta, período no qual contribuiu fortemente para o combate à febre amarela e para a companha de vacinação preventiva contra a varíola (Rocco et al., s./d.). Como professor de física e química da Escola Normal de São Paulo e, posteriormente, como diretor da mesma instituição, teve papel fundamental na aquisição de materiais para o ensino intuitivo dessas disciplinas, bem como para a montagem da biblioteca da instituição (Dias, 2002; Pestana, 2011).

Em 1882, Paulo Bourroul não apenas permanece como professor de física e química, mas também assume o cargo de diretor da Escola Normal de São Paulo. Ele lecionou química e suas aplicações no Liceu de Artes e Ofício de São Paulo, onde também atuaram os professores da Escola Normal (Dias, 2002). Ainda segundo Dias (2002, p. 149),

o Dr. Paulo Bourroul comprou um laboratório igual aos das Escolas Normais da França, e como dos 6 contos de réis2 que levara para esse fim, restou alguma coisa, S. S. empregou o remanescente na compra de cerca de 200 volumes para o começo da atual biblioteca. Mesmo assim ainda pode restituir ao tesouro um saldo de mais de 600$000. Coisa digna de nota: o Dr. Paulo Bourroul fizera a sua viagem no gozo de uma licença comum: em vez da comissão a que fazia jus pelo serviço prestado, teve ainda que sofrer o desconto correspondente ao período de sua licença.

A citação indicia questões sobre a formação acadêmica e familiar do professor, bem como as redes de relações que propiciaram as ações de compra de materiais para a Escola Normal. No aspecto da formação familiar, a família Bourroul tem como característica a dedicação à farmácia e à medicina. É a formação em medicina que, naquele contexto, dará legitimidade para que Paulo Bourroul assuma as disciplinas de física e química. Do ponto de vista das redes de relações, Paulo Bourroul teve contato próximo com os administradores públicos paulistas e com as empresas francesas, o que lhe permitiu realizar as compras dos livros e materiais para o ensino de ciências naturais.

Paulo Bourroul permanece na Escola Normal até 1884, quando pede exoneração para assumir outro trabalho, como médico da Fábrica de Ferro do Ipanema. Ele é substituído, por um período de sete meses, pelo médico Aristides Franco de Meirelles. Nesse ínterim, segundo Dias (2002), “a cadeira foi desmembrada em duas: a 5a Cadeira de Physica e Chimica e a recém-criada 6a Cadeira de Língua e Gramática Francesa”.

Para assumir a 5a cadeira, concorreram Carlos Müller, Cypriano José de Carvalho e Aristides Franco de Meirelles (Dias, 2002). Carlos Muller era químico industrial e Aristides Franco de Meirelles, médico. Cypriano José de Carvalho, engenheiro e engajado positivista, foi aprovado; todavia, de acordo com Dias (2002), os constantes conflitos com os diretores da Escola Normal fizeram com que ele pedisse exoneração em 1888.

Mais uma vez a 5a cadeira foi submetida a concurso. Candidataram-se à vaga o farmacêutico Francisco Silvério Gomes dos Reis, o farmacêutico José Eduardo de Macedo Soares, o engenheiro civil Pedro Barreto Galvão, Theodoro Antunes Maciel, o farmacêutico Antonio Ribeiro da Silva Braga e o dr. Ascendino Ângelo dos Reis.

Acerca dos sujeitos que compuseram a banca, chama atenção que, diferentemente das bancas do Ginásio da Capital, por exemplo, não havia especialistas em física e química na do concurso da Escola Normal. O nome que mais se relacionava às ciências naturais era o delegado do governo, Luiz Felippe Gonzaga e Campos. Ele era naturalista, geólogo e participou ativamente da Comissão Geográfica e Geológica (CGG) do Brasil, juntamente com Albert Loefgren e Orville Adalbert Derby (Arquivo Público do Estado de São Paulo, 1886-1889).

Os demais eram: o diretor da Escola Normal no período, cônego Manuel Vicente da Silva, formado em teologia; o padre Camilo Passalacqua, professor da 4a cadeira de pedagogia, metodologia e religião; o dr. Carlos Reis, professor da 1a cadeira de língua e literatura nacional; e Tiburtino Mondin Pestana, outro representante do governo.

Entre os inscritos, foi classificado em 1º lugar o dr. Pedro Barreto Galvão e, em 2º lugar, equiparadamente, os senhores Francisco Silvério Gomes dos Reis e José Eduardo de Macedo Soares.

Pedro Barreto Galvão era engenheiro formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Atuou também como professor da Escola Normal do Império e preparador de physica experimental na Escola Polytechnica de agosto de 1883 a maio de 1889. Foi também professor fundador da Escola de Agricultura e Medicina Veterinária, atual Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em 1910, sendo lente substituto de physica3.

Todavia, o presidente da província de São Paulo nomeou em 1889 o segundo colocado, José Eduardo de Macedo Soares, o que causou indignação da imprensa, que acusou o presidente da província de apadrinhamento e nomeação de cargo por interesse político. Macedo Soares atuou como professor de física e química na Escola Normal por cerca de 30 anos. Nascido em Maricá, interior do Rio de Janeiro, Macedo Soares cursou farmácia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Mudou-se para São Paulo em 1881, abrindo a Farmácia Popular em uma das mais importantes ruas comerciais na cidade no período, a Rua 15 de Novembro (Rocco et al., s./d.).

Após a aprovação no concurso, ele deixa o comércio, a Farmácia Popular, para se dedicar a diversos negócios relacionados ao ensino. Além de professor de física e química na Escola Normal, em 1901, inaugura o Ginásio Macedo Soares como curso preparatório para os exames de admissão ao ensino superior (Rocco et al., s./d.). Assim como as bancas de concurso, a contratação de colegas da Escola Normal para serem professores em sua escola aponta para as redes de relações (Fuchs, 2007) tecidas por esses sujeitos como meio e modo de ocupar espaços sociais e manter posições no crescente mercado da escola pública.

Tais redes revelam-se, também, na criação da Sociedade Farmacêutica Paulista em 1894 (Alves, 2011), da qual Macedo Soares foi o primeiro presidente, como anteriormente mencionado. É essa sociedade que, em 1898, fundará a Escola Livre de Farmácia, na qual Macedo Soares foi professor de física e ainda seu diretor, entre os anos 1911 e 1913 (Rocco et al., s./d.).

Se, em 1883, Paulo Bourroul teve um papel importante na aquisição dos primeiros objetos e materiais para a montagem do gabinete de física e do laboratório de química da Escola Normal, em 1894, Macedo Soares daria uma contribuição semelhante ao doar objetos para o incremento daqueles espaços.

Em correspondência endereçada ao Secretário do Estado dos Negócios do Interior, Cesário Motta Junior, o diretor da Escola Normal, Gabriel Prestes, apresenta uma relação dos objetos doados por Macedo Soares à instituição.

Um aparelho fotográfico de 1 1/2 por 8 1/2; com todos acessórios, tais como chassis, prensas, porta chapas curta etc. Um Hydrotimetro de Bandet, completo; 24 vistas para lanterna mágica; 2 tractados de fotografia; 1 lamparina elétrica; 1 grande caixa de reativos; Provetas, balões, copos para analises pipetas, porta pipetas diversos reativos quimicamente puros, e tubos para analises. (Acervo Histórico Caetano de Campos, 1893-1895)

É possível que tal doação se justifique por, pelos menos, duas razões. A primeira tem a ver com o fechamento da Farmácia Popular, de modo que alguns dos objetos lá usados já não fossem mais necessários. A outra é que Macedo Soares era um viajante, ou seja, como muitos professores e educadores do século XIX, viajou à Europa e aos Estados Unidos para estudar métodos de ensino, sobretudo o ensino intuitivo, visitar escolas, museus escolares e adquirir materiais de ensino.

Nesse período, Macedo Soares tornou-se um consultor de referência para outros professores de física e química e diretores de outras escolas normais, complementares e grupos escolares, acerca dos aparelhos e objetos necessários para o ensino intuitivo daquelas disciplinas. Fazia até mesmo os orçamentos, e em 1895 informa ao diretor da Instrução Pública do Estado de São Paulo que: “como tenho relação directa com algumas casas na Europa, posso encarregar-me do fornecimento pelos preços cotados” (Acervo Histórico Caetano de Campos, 1893-1895).

Percebe-se que as redes de relações constituídas por esses professores eram locais, mas também ultrapassavam fronteiras. Alguns eram imigrantes ou filhos de imigrantes, outros haviam estudado em universidades europeias, outros ainda eram viajantes. Não foi diferente com o primeiro professor de história natural da Escola Normal, o dr. Canuto Ribeiro do Val.

Canuto do Val, assim como Macedo Soares, Edmundo Xavier e José Frederico Borba, fez parte do primeiro grupo de professores a lecionar na Escola Livre de Farmácia. Canuto do Val dá nome a uma rua da cidade de São Paulo, no bairro Santa Cecília. De acordo com o Dicionário de ruas,

Canuto Ribeiro do Val nasceu em Bruxelas, na Bélgica, no ano de 1867, onde estavam os seus pais Manuel Ribeiro do Val e Josefina Ribeiro do Val, fazendeiros no Estado do Rio de Janeiro. Retornou ao Brasil quando tinha 5 anos de idade, indo residir com sua família no município de Vassouras. Formou-se em 1886 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Posteriormente foi residir em Paraibuna (SP) onde exerceu diversos cargos, inclusive o de delegado de polícia. Em 1890 mudou-se para São Paulo onde montou seu consultório e, daí por diante, foi um dos mais respeitados clínicos de seu tempo. Foi professor da Escola de Odontologia e Farmácia, da qual foi um dos fundadores. Faleceu em São Paulo no dia 28/04/1909. (Prefeitura de São Paulo, s./d.)

Também formado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Canuto do Val terá um papel crucial na montagem do museu de história natural da Escola Normal de São Paulo. Na Revista dos Cursos Práticos e Theoricos, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, do ano de 1887, há uma lista das teses apresentadas na instituição no ano de 1886. Entre elas, a de Canuto Ribeiro do Val, na área de materia medica e therapeutica, com o título Digitalis, sua acção physiologica e therapeutica. Com isso, sabe-se que ele, desde estudante, já apresentava um interesse no estudo de plantas e suas funções terapêuticas.

Conforme se lê no Relatório do Director da Escola Normal,

todos os especimens do Museu foram devidamente classificados pelo distincto professor da Cadeira de Historia Natural, Dr. Canuto do Val, e a fim de que as collecções se conservem sempre classificadas, mandei fazer para o Museu um livro especial de inventario e classificação que infelizmente não ficou prompto este anno. (Acervo Histórico Caetano de Campos, 1894, p. 15)

Embora o livro não tenha ficado pronto e dele ainda não se tenha notícia, a rigorosa classificação das espécies do museu de história natural da Escola Normal de São Paulo realizado por Canuto do Val é apresentada no citado relatório do diretor. O objetivo da montagem do museu, expresso no relatório supracitado, é o desenvolvimento de um ensino concreto a fim de que os futuros professores pudessem “orientar o seu ensino pelos princípios do método intuitivo” (Acervo Histórico Caetano de Campos, 1894, p. 15).

Para a organização do museu, Canuto do Val contou com materiais doados pelo Museu do Estado e pela Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo. Contudo, o diretor relata que “notei desde logo na organisação do Museu faltas muito sensíveis, que tratei de remediar, mandando vir de Pariz [...]” (Acervo Histórico Caetano de Campos, 1894, p. 15). A seguir, o diretor informa que a encomenda foi feita à Casa Deyrolle, de Paris, por intermédio de Etienne Collet, somando o valor de 3.250 francos. É possível que a insuficiência do material para a composição do museu de história natural tenha sido apontada por Canuto do Val, como especialista da área.

O que se pode afirmar é que, nas três instituições públicas de ensino secundário em São Paulo, foram feitos investimentos para a implementação das ciências naturais a partir das últimas décadas do século XIX. Tais investimentos passaram pela construção/criação de novos ambientes de ensino no espaço escolar, pela aquisição de novos objetos que não faziam parte da rotina das escolas e pela contratação daqueles que seriam os primeiros professores de ciências naturais das escolas públicas secundárias paulistas.

Pelas discussões aqui empreendidas, pode-se sustentar que a seleção e a contratação desses primeiros professores pode ser mais bem compreendida pelo estudo da trajetória desses sujeitos. Isso porque o estudo da formação e da atuação profissional desses professores permite entender que sua contratação não pode ser dissociada das redes de relações constituídas por esses sujeitos, que normalmente são formados pelas faculdades de medicina, engenharia e farmácia e atuam nos mesmos espaços que, por exemplo, a Sociedade Farmacêutica Paulista, a Escola Livre de Farmácia, o comércio farmacêutico e as escolas públicas e privadas de ensino secundário em São Paulo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, intentou-se analisar a formação e a atuação dos primeiros professores de ciências naturais de três escolas secundárias públicas paulistas. Compreender onde se formaram esses sujeitos, de quais quadros sociais foram recrutados, qual ou quais as formações que colaboraram para que fossem selecionados pelas bancas de concurso como candidatos mais aptos para o ensino de física, química e história natural são algumas das questões que animaram a reflexão empreendida.

Do ponto de vista teórico-metodológico, a abordagem desenvolveu-se sob uma perspectiva da micro-história (Revel, 1998), e daí a operação com um jogo de escalas entre o macro e o micro. Nesse jogo aqui construído, o macro pode ser entendido como a hegemonia das ciências naturais no século XIX e sua inserção nos programas de ensino das escolas primárias e secundárias. O micro pode ser reconhecido nas trajetórias dos sujeitos estudados. Pretendeu-se construir o macro pelo micro, sem buscar a explicação de fenômenos históricos em causas atribuídas à dimensão macroestrutural, que configurariam fenômenos em escala micro.

No entendimento de Ginzburg (1989, p. 178), “a análise micro-histórica [...], movendo-se numa escala reduzida, permite em muitos casos uma reconstituição do vivido impensável noutros tipos de historiografia”. Esse movimento favoreceu a análise de experiências sociais com base em trajetórias individuais. Todavia, é importante ressaltar o desafio de rastrear as trajetórias dos indivíduos em suas múltiplas relações em virtude, sobretudo, da escassez de fontes sobre os sujeitos da educação.

Por essa razão, também, trabalhos como este contribuem para uma compreensão mais alargada dos sujeitos da escola e da própria escolarização secundária em São Paulo. As trajetórias desses professores não podem ser compreendidas estando desconectadas das condições concretas em que se inserem. Essas trajetórias fazem aparecer a multiplicidade de experiências, a pluralidade dos contextos de referência, a relação da experiência individual com a classe e o cotidiano (Revel, 1998).

Desse modo, pode-se afirmar que, como resultado deste artigo, a análise das trajetórias, da formação e da atuação dos primeiros professores de ciências naturais das escolas públicas secundárias em São Paulo permitiu compreender algumas lógicas sociais mais amplas na constituição desse corpo docente. Entre elas, a prevalência na contratação de farmacêuticos e médicos para lentes e mestres das cadeiras de physica/chimica e história natural.

Um elemento que pode ajudar a compreender melhor tal opção é a ausência de bacharéis em química ou em física ao mesmo tempo em que havia certa disponibilidade de farmacêuticos. Tal disponibilidade, por sua vez, pode ser explicada em função da reforma proposta na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, nos anos 1870, pelo então ministro Carlos Leôncio de Carvalho.

As propostas da reforma, que só começaram a ser implementadas a partir de 1880, incluíam a anexação de uma Escola de Farmácia às Faculdades de Medicina (Brasil, 1879), cujo programa de ensino contemplava o estudo de física, química mineral, mineralogia, química orgânica, botânica, zoologia, matéria médica e terapêutica, toxicologia, farmacologia e farmácia prática.

Nessa mesma década, foram implantados os novos estatutos da Faculdade de Medicina (Brasil, 1884), que, de forma geral, seguia a proposta de Leôncio de Carvalho de ministrar um ensino prático e livre. Esses estatutos implantariam três cursos anexos ao de ciências médicas e cirúrgicas, sendo um desses o curso de farmácia (Brasil, 1879).

Na mesma direção, após a proclamação da República, o decreto n. 1.270 de 10 de janeiro de 1891 estabeleceu que as escolas de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia passassem a se chamar Faculdade de Medicina e Farmácia. Para alcançar o objetivo previsto no artigo 6º, de um ensino prático, o artigo 14 do decreto n. 1.270 (artigo 14) previa que deveria haver 15 laboratórios incorporados à Faculdade, entre os quais um de química analítica e toxicologia, um de química inorgânica, um de química orgânica biológica e um de física. Já o artigo 15 determinava que cada faculdade tivesse um museu com coleções necessárias à instrução dos alunos (Brasil, 1891).

Assim, além de um ambiente favorável à execução das práticas laboratoriais, havia razoável carga horária em química e alguma formação em física. No entendimento dos administradores públicos e/ou das bancas de concurso, muitas delas compostas de profissionais das áreas da farmácia, da medicina e da engenharia, essa formação possibilitava aos sujeitos oriundos desses cursos assumirem a atividade de docência no ensino secundário nas cadeiras de física, química e história natural. Com a formação obtida nas faculdades, o farmacêutico e o médico tinham competência para ministrar as aulas teóricas e ainda tinham familiaridade com as atividades práticas nos gabinetes e laboratórios.

Diante do exposto, pode-se afirmar que os primeiros professores de física, química e história natural contratados para as escolas públicas de ensino secundário em São Paulo, na passagem do século XIX ao XX, em geral eram sujeitos influentes (Cabral, 2008), cujas famílias já tinham outros membros com atuação consolidada nessas áreas e não apresentavam entraves econômicos para enviar os filhos para estudar na Europa.

Não raro, apresentavam alguma projeção política, domínio de outros idiomas e vivência no exterior. A destreza que alguns exibiam para adquirir modernos materiais para o laboratório de química, o gabinete de física e o museu de história natural na Europa ou provenientes de casas comerciais europeias são indícios do trânsito e dos lugares sociais ocupados por esses sujeitos. Além disso, localmente, já haviam constituído redes de relações (Fuchs, 2007) com outros sujeitos de suas respectivas áreas, fosse porque se formaram na mesma faculdade, fosse porque circulavam nos mesmos espaços sociais e profissionais.

A explicitação da trajetória dos sujeitos não se presta à construção de identidades a priori, que justificariam o perfil comum desses professores. Mais do que isso, o que se demonstra são os diferentes modos pelos quais profissionais oriundos dos cursos de Farmácia e Medicina viram na criação dessas disciplinas na escola pública secundária um novo e vantajoso campo de trabalho, tanto no aspecto econômico como no social.

Por fim, considerando-se que o programa de estudo de física, química e história natural deveria ser elaborado pelos lentes das respectivas cadeiras, resta como questão para futuras pesquisas a problematização acerca de como a formação acadêmica desses professores configurou modos de fazer e saber nas disciplinas de ciências, tanto nas escolhas dos conteúdos como nas práticas pedagógicas. Ou seja, para a continuidade da investigação, o que se pergunta é o quanto essa tradição (cultura) participou da conformação das disciplinas escolares de ciências.

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  • 1
    A lei n. 88, de 8 de setembro de 1892, denomina os campos de ensino como “matérias”; o regulamento dos ginásios (decreto n. 293, de 22 de maio de 1895) utiliza os termos “matérias” e “disciplinas” (artigo 3º) e a expressão “matérias [...] distribuídas pelas seguintes cadeiras” (artigo 4º).
  • 2
    Réis: moeda que vigorou no Brasil de 1500 (com a invasão dos portugueses) até 1942, quando se deu a tentativa de organizar o sistema financeiro brasileiro.
  • 3
    Disponível em: https://www.geni.com/people/In%C3%A1cio-da-Cunha-Galv%C3%A3o/6000000025848254065. Acesso em: 17 jul. 2020.
  • Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2020
  • Aceito
    02 Jun 2021
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