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A pesquisa sobre educação e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos Programas de Pós-Graduação em Educação

La pesquisa sobre educación y el Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) en los Programas de Postgrado en Educación

Research on education and the Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) in Postgraduate Programmes in Education

Resumos

Este artigo analisa pesquisas defendidas nos Programas de Pós-Graduação em Educação no Brasil que trataram da educação no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e destaca os enfoques teórico-metodológicos presentes nelas. Discute a temática educação e movimentos sociais do campo com referência em Arroyo, Campos, Gohn, Sposito, Beserra e Damasceno. Demonstra que as pesquisas anunciam problemáticas/objetos de pesquisa que têm estreita relação com a prática socioeducativa no movimento social; evidencia a necessidade de diálogo entre as áreas do conhecimento, em especial a educação e a sociologia; faz uso da abordagem qualitativa de pesquisa e fundamenta as análises no materialismo histórico-dialético, em especial na caracterização do MST por sua expressão de classe.

pesquisa; educação; rural e movimentos sociais


Este artículo analiza pesquisas defendidas en los Programas de Postgrado en Educación en Brasil que trataron de la educación en el Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) y destaca los enfoques teóricos metodológicos presentes en ellas. Discute la temática de la educación y de los movimientos sociales del campo con referencia en Arroyo, Campos, Gohn, Sposito, Beserra y Damasceno. Demuestra que las pesquisas anuncian problemáticas/objetos de pesquisa en la que hay estrecha relación con la práctica socioeducativa en el movimiento social; evidencia la necesidad de diálogo entre las áreas de conocimiento, en especial la educación y la sociología; hace uso del abordaje cualitativo de pesquisa y fundamenta los análisis en el materialismo histórico-dialético, en especial en la caracterización del MST por su expresión de clase.

pesquisa; educación; rural y movimientos sociales


This article analyses research projects which deal with education in the Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), defended in postgraduate programmes in education in Brazil, highlighting the theoretical-methodological approaches which they employ. The theme education and rural social movements is discussed based on authors like Arroyo, Campos, Gohn, Sposito, Beserra and Damasceno. It demonstrates that the research projects present issues/subjects that have a close relation with the social-educational practices existent in the social movement. It reveals the need for dialogue between the different areas of knowledge, especially education and sociology. It makes use of a qualitative approach and substantiates the analyses in dialectic and historical materialism, especially in the characterization of the MST as an expression of class.

research; education; rural and social movements


ARTIGOS

A pesquisa sobre educação e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos Programas de Pós-Graduação em Educação

Research on education and the Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) in Postgraduate Programmes in Education

La pesquisa sobre educación y el Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) en los Programas de Postgrado en Educación

Maria Antônia de Souza

Universidade Tuiuti do Paraná, Programa de Pós-Graduação em Educação; Universidade Estadual de Ponta Grossa, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes

RESUMO

Este artigo analisa pesquisas defendidas nos Programas de Pós-Graduação em Educação no Brasil que trataram da educação no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e destaca os enfoques teórico-metodológicos presentes nelas. Discute a temática educação e movimentos sociais do campo com referência em Arroyo, Campos, Gohn, Sposito, Beserra e Damasceno. Demonstra que as pesquisas anunciam problemáticas/objetos de pesquisa que têm estreita relação com a prática socioeducativa no movimento social; evidencia a necessidade de diálogo entre as áreas do conhecimento, em especial a educação e a sociologia; faz uso da abordagem qualitativa de pesquisa e fundamenta as análises no materialismo histórico-dialético, em especial na caracterização do MST por sua expressão de classe.

Palavras-chave: pesquisa; educação; rural e movimentos sociais

ABSTRACT

This article analyses research projects which deal with education in the Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), defended in postgraduate programmes in education in Brazil, highlighting the theoretical-methodological approaches which they employ. The theme education and rural social movements is discussed based on authors like Arroyo, Campos, Gohn, Sposito, Beserra and Damasceno. It demonstrates that the research projects present issues/subjects that have a close relation with the social-educational practices existent in the social movement. It reveals the need for dialogue between the different areas of knowledge, especially education and sociology. It makes use of a qualitative approach and substantiates the analyses in dialectic and historical materialism, especially in the characterization of the MST as an expression of class.

Key words: research; education; rural and social movements

RESUMEN

Este artículo analiza pesquisas defendidas en los Programas de Postgrado en Educación en Brasil que trataron de la educación en el Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) y destaca los enfoques teóricos metodológicos presentes en ellas. Discute la temática de la educación y de los movimientos sociales del campo con referencia en Arroyo, Campos, Gohn, Sposito, Beserra y Damasceno. Demuestra que las pesquisas anuncian problemáticas/objetos de pesquisa en la que hay estrecha relación con la práctica socioeducativa en el movimiento social; evidencia la necesidad de diálogo entre las áreas de conocimiento, en especial la educación y la sociología; hace uso del abordaje cualitativo de pesquisa y fundamenta los análisis en el materialismo histórico-dialético, en especial en la caracterización del MST por su expresión de clase.

Palabras claves: pesquisa; educación; rural y movimientos sociales

Introdução

Este artigo originou-se da pesquisa intitulada "Educação e movimentos sociais do campo: análise do conteúdo das teses e dissertações defendidas nos Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGED) no Brasil". Uma das indagações da pesquisa diz respeito aos conhecimentos educacionais construídos nas teses e dissertações que focalizam educação e/no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no período de 1987 a 2007. Para abordar a questão central da pesquisa, mapeamos as investigações defendidas e adquirimos a maior parte delas; depois mapeamos as instituições em que foram defendidas e os principais referenciais teóricos e, por fim, analisamos o conteúdo das pesquisas para tecer inferências sobre os enfoques teórico-metodológicos e sobre os conhecimentos que vêm sendo construídos.

Tomando como referência o fato de que as pesquisas sobre educação e/no MST têm sido intensificadas nos últimos anos, nossa intenção é demonstrar que as pesquisas geram conhecimentos educacionais em três frentes, a saber: 1) prática pedagógica no âmbito escolar; 2) prática pedagógica no âmbito das relações sociais que caracterizam o movimento social em questão; 3) política pública e educação dos trabalhadores.

Para discutir os conhecimentos educacionais construídos nas teses e dissertações e trazer indicativos sobre os enfoques teórico-metodológicos, organizamos o texto em seis partes: 1) contextualização metodológica da pesquisa; 2) retrospectiva do debate sobre educação e movimentos sociais, com o intuito de relembrar os teóricos que marcaram as pesquisas na área; 3) breve discussão sobre a pesquisa em educação rural; 4) mapeamento das pesquisas voltadas à educação e/no MST: número de pesquisas por estado brasileiro e por instituição de educação superior; 5)caracterização das pesquisas defendidas nos PPGED, mediante classificação/agrupamento e apontamentos sobre os conhecimentos educacionais construídos; 6)indicação dos enfoques teórico-metodológicos predominantes: avanços e desafios na construção do conhecimento educacional.

Contextualização metodológica da pesquisa

No Brasil existem 83 PPGEDs, sendo 47 deles com mestrado e 36 com mestrado e doutorado. Eles estão assim distribuídos: 47% na Região Sudeste; 28% na Região Sul; 12% na Região Nordeste; 8% na Região Centro-Oeste e 5% na Região Norte. Pesquisas sobre educação e/no MST foram encontradas em 35 PPGEDs.

Para identificar as teses e dissertações que versaram sobre educação e/no MST percorrermos quatro passos: 1) levantamento de dados junto ao Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); 2) levantamento de dados junto às bibliotecas digitais de teses e dissertações das universidades; 3) consulta a algumas coordenações dos PPGEDs com o intuito de localizar trabalhos na temática pesquisada; 4) consulta à lista de referências bibliográficas das teses e dissertações, de modo que fossem identificadas outras pesquisas concluídas. Mapeamos 150 trabalhos até o presente momento, sendo quatro deles oriundos de outras áreas do conhecimento (dois de serviço social, um de estudos da linguagem e um de desenvolvimento sustentável), mas que se dedicaram a compreender a educação na reforma agrária e no MST.

Dois procedimentos foram utilizados na localização e aquisição do material bibliográfico: 1) impressão dos trabalhos junto às bibliotecas universitárias (diretamente) ou por meio de acesso às bibliotecas digitais de teses e dissertações; 2) envio de mensagem eletrônica aos autores das pesquisas, cujo endereço eletrônico foi identificado no Banco de Teses da CAPES ou na Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Para a análise do conteúdo, selecionamos pontos a serem observados no texto: 1) título, problemática e objeto de pesquisa; 2) objetivos e procedimentos metodológicos (tipo de estudo e técnicas de coleta de dados); 3) referencial teórico; 4) análise dos dados; 5) considerações finais e 6) lista de referências.

Partimos do pressuposto de que as pesquisas que discutem educação e/no MST revelam faces contraditórias da realidade educacional do país. São pesquisas que denunciam a marginalidade com que a educação dos povos do campo foi tratada na legislação educacional; anunciam as possibilidades pedagógicas da prática coletiva no movimento social e as possibilidades pedagógicas presentes nos projetos educacionais (educação de jovens e adultos; educação superior; educação infantil etc.) em desenvolvimento no país, oriundos das demandas e proposições dos movimentos sociais do campo. Mas é importante dizer que existem pesquisas que revelam fragilidade no que diz respeito ao processo de construção de conhecimentos educacionais, pois se deixam levar pela admiração em relação à prática educativa do MST e passam a descrever a experiência do grupo sem tecer análises críticas. A experiência do pesquisador é fundante da criticidade na construção dos conhecimentos. Vários pesquisadores têm organizado grupos de estudos e projetos em parcerias com os movimentos sociais objetivando contribuir com conhecimentos que possam fazer avançar políticas públicas (elaboradas) pelos trabalhadores do campo para eles mesmos. Esse fato fica evidente nas pesquisas, no referencial teórico e, mais detalhadamente, quando analisamos o currículo Lattes dos pesquisadores, quando constatamos seu envolvimento em projetos de pesquisa e projetos de extensão junto aos movimentos sociais.

Quanto aos objetos de estudo, no âmbito da educação e do MST, partimos do pressuposto de que eles são delineados por forte influência da dinâmica do movimento social, cujo formato da participação sociopolítica demonstra reivindicação, proposição e execução de experiências educativas. Muitos pesquisadores tiveram oportunidade de acompanhar experiências educativas no âmbito do MST e delas fazer emergir temas de pesquisa. Assim, a força política do MST, especialmente na luta por educação na reforma agrária, desperta inquietações nos pesquisadores.

Educação e movimentos sociais

As pesquisas sobre movimentos sociais e educação foram consolidadas por influência de pesquisadores como Maria Malta Campos, Maria da Glória Gohn, Marília Pontes Sposito e Miguel Arroyo, para citar alguns. A criação do grupo de trabalho (GT) Movimentos Sociais e Educação na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) contribuiu para a ampliação das reflexões sobre os movimentos sociais e as lutas por escola pública, além de fortalecer o debate sobre os aspectos educativos (no campo não-formal) presentes nos movimentos sociais. Pesquisadores como Sposito e Gohn foram (e são) relevantes por terem estudado os movimentos sociais, especialmente aqueles relacionados às demandas no espaço urbano e, nelas, as lutas por escola pública. A primeira estudou as lutas por escola pública em São Paulo, nas obras O povo vai à escola (1984b) e A ilusão fecunda (1993). A segunda estudou os movimentos sociais urbanos e, neles, as lutas por educação, como concepção ampla, a exemplo da obra Movimentos sociais e educação, publicada em 1992.

A temática dos movimentos sociais e educação foi marcada por textos que analisaram participação popular e escola pública. Como afirma Campos (1991):

Tradicionalmente, o pensamento educacional brasileiro acostumou-se a dividir seus temas em dois campos separados e até mesmo antagônicos: de um lado discutiam-se as questões educacionais vistas por dentro do sistema escolar; de outro, definia-se o campo da chamada educação popular, entendida como aquela que se dá fora do âmbito do Estado [...] ou seja, o tema das lutas sociais por educação formal estava excluído de ambos os campos de análise. (p. 57)

Sposito (1984a) mostrou que as reflexões sobre o caráter da educação popular não são recentes no Brasil e que foram influenciadas pelos trabalhos de Celso Rui de Beisiegel e Vanilda Paiva. Para a autora "as relações entre o Estado e as classes se modificam concretamente e a ação do próprio Estado é determinada pelas contradições observadas nas várias formas de organização da vida coletiva" (1984a, p. 16).

A mesma autora analisou as manifestações populares por escolas públicas, as lutas por ginásios, nas décadas de 1940 e 1950, destacando que eram lutas difusas e organizadas, e que sua origem se dava nos bairros; portanto, as lutas por escola pública ocorriam no contexto das lutas existentes no espaço urbano, impulsionadas pelas contradições e distorções oriundas do processo de urbanização (Sposito, 1984b).

Arroyo (1989) escreveu um texto, intitulado "A escola e o movimento social: relativizando a escola". Nele, o autor defende a educação como direito do trabalhador e afirma que "A exclusão do saber, sofrida pelo povo, não é fundamentalmente um problema de negação do saber escolar elementar para melhor ser dominado. A hegemonia nasce na fábrica e a luta pelo saber se insere nas próprias relações sociais de produção, passando pelo campo político" (1989, p. 17). Para o autor "o movimento de construção de uma sociedade alternativa implica a construção de um novo saber, de uma nova cultura, de uma nova concepção do mundo e dos sujeitos empenhados nessa construção" (Arroyo, 1989, p. 17). Nessa publicação, o autor falava da educação no contexto das lutas sociais, de que os trabalhadores se educam num processo de aquisição de uma identidade coletiva.

Rogério Cunha Campos (1989) analisou a luta dos trabalhadores por escola pública numa região industrial de Belo Horizonte e Contagem. O autor destacou que as lutas demonstravam a importância que os trabalhadores atribuíam à educação. Utilizou-se de autores que analisaram os movimentos sociais urbanos com o intuito de focalizar aspectos de contradição social e as relações entre Estado e sociedade. Além desses, Bomfim (1991) focalizou as lutas populares por escola pública e gratuita em Teresina, capital do Piauí. A autora analisou as lutas populares no contexto do processo de industrialização e urbanização vivido pelo Nordeste e pelo próprio Brasil no período de 1976 a 1986. Ao longo do texto, demonstrou que a relação entre o Estado e os movimentos sociais é estabelecida na interlocução entre esses elementos e que ambos, num movimento de contradições e mediações, atuam conforme a perspectiva de classe assumida por seus atores e as conjunturas políticas.

Em continuidade aos estudos sobre movimentos sociais urbanos, Gohn (1992) fortaleceu a discussão sobre o caráter educativo dos movimentos sociais, apresentando uma concepção de educação que "[...] não se restringe ao aprendizado de conteúdos específicos, transmitidos através de técnicas e instrumentos do processo pedagógico" (p. 17).

Numa rápida análise das obras que trataram de lutas sociais, movimentos sociais e escola pública, encontramos os referenciais teóricos presentes nos anos de 1980, entre eles Celso Rui Beisiegel e Vanilda Paiva, que focalizavam a educação popular; Antonio Gramsci, especialmente a obra Os intelectuais e a organização da cultura (1968); os autores Adolfo Vázquez e Karel Kosik, especialmente a reflexão sobre práxis. Entre tais autores se destacam aqueles que pesquisavam os movimentos sociais urbanos, a exemplo de Manuel Castells, Jean Lojkine e Lúcio Kowarick, estudos que tinham como pressuposto as contradições do sistema capitalista e as discussões sobre a ampliação do espaço urbano e a demanda pela conquista e garantia dos direitos sociais. Um autor freqüentemente citado nos trabalhos é Paulo Freire, por suas contribuições sobre a educação popular e a concepção de educação problematizadora, necessária à classe trabalhadora.

O movimento acadêmico dos anos de 1990 continuou apresentando fundamentos teóricos oriundos da vertente marxista, a partir de autores como George Lukács, Antonio Gramsci e das obras do próprio Karl Marx. Mas, os anos de 1990 trouxeram também novas reflexões e teóricos, a partir de dois movimentos: um deles foi a própria dinâmica da sociedade, modificada no processo de construção democrática, com o surgimento e a ampliação de movimentos sociais que abarcaram diferentes temáticas; o outro foi o fortalecimento da presença dos autores europeus na análise dos movimentos sociais, a exemplo de Alain Touraine e Alberto Melucci, dois autores que têm influenciado as discussões desde a idéia de atores coletivos.

Foi nos anos de 1990 que as pesquisas sobre a educação e/no MST emergiram e se fortaleceram. Uma das primeiras pesquisas sobre educação no MST é de autoria de Roseli Salete Caldart (1987), defendida na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), dois trabalhos marcaram o início das reflexões sobre educação e/no MST: Andrade (1993) e Souza (1994). Na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), o primeiro estudo sobre o assunto é de autoria de Vendramini (1992). A educação do campo ganha novos estudos a partir da dinâmica produzida por um movimento social de expressão no cenário político. Quanto aos enfoques teórico-metodológicos, são pesquisas que fazem opção pelas categorias e pelos conceitos do materialismo histórico-dialético, muito em função do caráter de classe do MST. Assim, totalidade, contradição, trabalho, luta de classes, ideologia, hegemonia, consciência, conhecimento, trabalho educativo e práticas sociais, entre outras, fazem parte do arcabouço teórico-metodológico da maioria das pesquisas. Mas há um número significativo de investigações que se fundamentam em perspectivas teóricas de cunho etnográfico, fenomenológico e antropológico. São estudos sobre representações sociais, sexualidade, gênero e juventude, entre outras temáticas. Os estudos sobre educação e/no MST partem sempre do pressuposto de que o MST é oriundo da contradição social e expressa interesses de classe.

A pesquisa sobre educação rural e educação do campo no Brasil

A pesquisadora Maria Nobre Damasceno é uma expoente nos estudos sobre educação, realidade camponesa e movimentos sociais, especialmente por sua obra de 1990, Pedagogia do engajamento. Fundamenta-se no marxismo para discutir trabalho, prática educativa e consciência do campesinato. Ao lado dessa obra, destaca-se Educação e escola no campo, organizada por Damasceno e Jacques Therrien (1993), que traz textos sobre a educação no meio rural, a exemplo do texto de Maria Julieta Calazans, que focaliza a marca do Estado na educação rural, além de textos que analisam o cotidiano e o saber social do professor da escola rural e, por fim, trabalhos que discutem a formação do professor da escola rural.

Sobre o estado-da-arte em educação rural, Beserra e Damasceno (2004) demonstraram que a proporção média, ao longo de 1980 a 1990, é de 12 trabalhos na área da educação rural para mil trabalhos nas demais áreas da educação, "uma porcentagem dezessete vezes inferior à do número de habitantes no campo em relação ao da cidade" (p. 77). Para elas, "o desinteresse pela educação rural - e, conseqüentemente, pela pesquisa nessa área do conhecimento - também reflete, obviamente, o limite de pressão dos movimentos sociais rurais sobre o poder público" (p. 78). Segundo as autoras, se nos últimos anos há registros de pesquisa sobre educação no meio rural, muito se deve ao poder de pressão do MST.

Com o aumento do número de programas de pós-graduação, nota-se que a quantidade de pesquisas na área de educação rural diminui, tal como mostram Beserra e Damasceno (2004, p. 78): "[...] a percentagem média de produção de dissertações e teses cai de 2,1% na década de 1980 para 0,9% na década de 1990". Para elas, esse fato indica um desinteresse pela educação rural. No período de 1980 a 1990, as autoras encontraram 102 teses e dissertações sobre educação rural, localizadas na Região Sudeste (55%), Sul (24%), Nordeste (15%) e 6% no Centro-Oeste.

Em nossa pesquisa, constatamos que, a partir da década de 1990, houve ampliação do número de pesquisas sobre educação rural, porém não é um número suficiente para indicar acréscimo, se comparado com o rápido avanço das pesquisas em outras áreas da educação. Portanto, embora haja crescimento do número de pesquisas, persiste uma marginalidade no debate da educação rural no âmbito da construção de conhecimentos educacionais. Não levantamos dados sobre a educação rural como um todo, ainda que saibamos da existência de estudos sobre pedagogia da alternância, casas familiares rurais, escolas familiares agrícolas etc.

O MST, em função de sua expressiva atuação (demanda, proposição e experimentação) no campo educacional, tem despertado o interesse dos pesquisadores sobre as escolas localizadas em assentamentos de reforma agrária; sobre as escolas itinerantes localizadas nos acampamentos; sobre parcerias entre governos, movimentos sociais e universidades, especialmente projetos de educação de jovens e adultos; cursos técnicos de ensino médio, a exemplo do técnico em administração cooperativa, e cursos de educação superior, como pedagogia da terra.

No movimento de debate e contestação da política de educação rural, empreendido pelos movimentos sociais do campo, emerge uma nova concepção de educação, denominada educação do campo, cuja essência se encontra na demanda de uma política pública orientada pelos próprios trabalhadores do campo. Autores como Miguel Arroyo, Roseli Caldart e Bernardo Mançano Fernandes têm sido inspiração teórica para os novos pesquisadores que tratam da educação do campo.

A terminologia educação do campo fortalece-se a partir da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, realizada no ano de 1998. A criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), no mesmo ano, despertou o interesse dos pesquisadores pelas parcerias entre movimentos sociais, universidades e governos, especialmente. Na seqüência foram elaboradas coletâneas versando sobre educação do campo que vieram relatar o processo de construção da educação do campo e fortalecer a demanda por políticas públicas. Essa produção de material sobre a educação do campo tem sido recorrentemente citada nas pesquisas atuais sobre educação e/no MST, demonstrando que o arcabouço teórico de muitas teses e dissertações é fortalecido nos trabalhos gerados no movimento social.

A educação do campo tem sido caracterizada como um novo paradigma, que valoriza o trabalho no campo e os sujeitos trabalhadores, suas particularidades, contradições e cultura como práxis, em contraponto ao paradigma da educação rural, vinculado aos interesses do agronegócio, do capitalismo agrário e, conseqüentemente, ao fortalecimento das políticas de esvaziamento do campo.

Assim, na conjuntura atual é pertinente afirmar que a sociedade civil organizada desperta o interesse dos pesquisadores pelo estudo da história viva e em movimento. Assim, os pesquisadores da educação defrontam-se com o desafio de construir uma pesquisa crítica. Nesse aspecto, vale lembrar Duarte (2006, p. 98), quando cita três tipos de pesquisa que podem contribuir para a formação do intelectual crítico em educação: o primeiro diz respeito àquelas pesquisas "voltadas para a construção de um discurso pedagógico afirmativo sobre a transmissão de conhecimentos na escola". Entre os pesquisadores que discutem educação e/no MST, é marcante a valorização da escola como lugar de apropriação de conhecimentos; para tanto, demonstram a necessidade de a escola valorizar os conhecimentos da experiência dos trabalhadores, mas com o intuito de ir além, ou seja, de aprofundar os conhecimentos históricos acumulados pela humanidade. Essa necessidade também é demonstrada pelos trabalhadores quando dão depoimentos sobre a escola que consideram necessária para os filhos. O segundo tipo de pesquisa, "aquelas voltadas para a elaboração de análises críticas das pedagogias subsumidas ao universo ideológico neoliberal e pós-moderno", não é marcante; já o terceiro, que Duarte denomina "aquelas voltadas para o desenvolvimento de análises críticas da realidade educacional na sociedade contemporânea", merece destaque. São as pesquisas que demonstram as fragilidades da educação pública nas áreas de assentamentos e que caracterizam as lutas empreendidas no movimento social, para que a escola e a educação formal façam parte da reforma agrária.

Para melhor compreensão da situação das pesquisas sobre educação e/no MST, mapeamos os estados em que elas foram registradas.

Mapeamento das pesquisas sobre educação e/no MST

O Quadro 1 tem o intuito de relacionar a quantidade de pesquisas sobre educação e/no MST nos estados brasileiros ao número de programas de PPGEDs em cada estado.


Nota-se que o maior número de pesquisas se localiza na Região Sul (37,33%), seguida pela Região Sudeste (29,33%). As regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte possuem, respectivamente, 22%, 10,66% e 0,66% das teses e dissertações sobre essa temática. Ao menos três fatores contribuem para a discrepância regional: 1) a concentração dos programas nas regiões Sul e Sudeste; 2) a dinâmica agrária - o acirramento das lutas no campo - nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Uma vez que o MST iniciou as ocupações de terra nos estados da Região Sul e que as demandas por educação escolar pública também se fortaleceram nessa região, os pesquisadores são motivados a analisar os processos de luta pela educação e as práticas pedagógicas em desenvolvimento nas escolas localizadas nos assentamentos das regiões Sul e Sudeste, predominantemente; 3) a organização de grupos de estudo e pesquisa sobre educação e movimentos sociais nas universidades brasileiras. A partir de final dos anos de 1990, vários grupos de pesquisa foram consolidando-se, e entre eles estão aqueles que se dedicam aos estudos na área rural, como os que existem na Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade de Santa Catarina (UFSC), para citar alguns. Registre-se a tendência à ampliação do número de pesquisas sobre assentamentos de reforma agrária, MST e educação nos estados do Nordeste brasileiro.

Embora seja pequeno o número de pesquisadores estudiosos de questões rurais, são eles que vêm incentivando os jovens estudantes. Entre aqueles que exercem o incentivo dos jovens pesquisadores podemos citar: no Ceará, as professoras Maria Nobre Damasceno e Eliane Dayse Pontes Furtando, como duas pesquisadoras que se têm dedicado à educação rural; na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) está a professora Maria Socorro Xavier; na Universidade Federal de Sergipe (UFSE), a professora Sonia Meire de Jesus; na UnB, a professora Mônica Castagna Molina; na UNICAMP, a professora aposentada Maria da Glória Gohn; na UFSC, as professoras Célia Regina Vendramini e Sônia Aparecida Branco Beltrame; na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a professora Marlene Ribeiro, entre outros pesquisadores, tem-se dedicado à educação rural na atualidade, na perspectiva dos movimentos sociais do campo; portanto, na perspectiva dos próprios sujeitos do campo - os trabalhadores rurais.

As pesquisas sobre educação e/no MST nos programas

Os temas que marcam as pesquisas sobre educação e/no MST podem ser agrupados em função dos objetos de pesquisa. Assim, temos oito eixos centrais:

1) Organização do trabalho pedagógico e projeto político pedagógico - são pesquisas que se dedicam a compreender o processo pedagógico na escola, o planejamento do ensino, o processo de avaliação da aprendizagem, enfim, o trabalho do professor e do gestor escolar. Dedicam-se à análise do projeto político-pedagógico e das propostas pedagógicas elaboradas pelo MST, em sua relação com o trabalho pedagógico nas escolas rurais.

2) Formação de professores - são pesquisas que enfatizam o curso de magistério oferecido pelo Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra); outras que se dedicam a compreender o curso pedagogia da terra e da via campesina; aquelas que buscam compreender parcerias entre governo, movimentos sociais e universidades e as ações voltadas para a formação do professor.

3) Prática educativa e temáticas relacionadas ao PRONERA. Existem duas dimensões analisadas nas pesquisas: uma diz respeito à prática educativa em sala de aula, seja nas escolas localizadas nos assentamentos e acampamentos, seja nos cursos de formação de professores. Estudos sobre prática educativa e educação de jovens e adultos, no contexto do PRONERA, têm sido freqüentes. A outra dimensão diz respeito ao movimento social como processo educativo. São estudos que analisam o discurso do movimento social e sua prática política.

4) Papel da escola e da educação na reforma agrária - são estudos que focalizam a pedagogia da alternância, a educação escolar, a aprendizagem social, enfim, o papel da escola no MST.

5) Consciência política - existem estudos que focalizam os trabalhadores jovens e adultos na busca de compreender o que eles apreendem no processo de luta, que consciência surge da experiência no movimento social.

6) Identidade - reúne estudos que analisam a trajetória das lideranças e sua identificação com o movimento social e outros que buscam compreender a identidade política entre os jovens assentados.

7) Trabalho e educação - são estudos que, ao discutir formas de produção nos assentamentos, dão ênfase à aprendizagem gerada na prática coletiva, no âmbito da atividade produtiva. Demonstram o quanto as experiências nas diversas formas de produzir no assentamento são educativas.

8) Educação do campo como política pública - são estudos atuais que se dedicam a compreender a inserção da educação do campo na agenda política e que focalizam experiências - parcerias - em desenvolvimento no país desde o final dos anos de 1990.

Criamos a denominação Outros para aquelas pesquisas que fogem à especificidade dos temas listados. Existem exemplos únicos a respeito de determinadas problemáticas, como é o caso da pesquisa de Paula (2005), cujo enfoque é educação ambiental, num tipo de pesquisa-ação; Azevedo Jesus (2003), que opta por um estudo das relações internas e externas que dão conformidade ao MST, seguindo um trilha metafórica na análise da temática, e Vieira (2004), que discutiu juventude e sexualidade, entre outros.11 As referências completas das pesquisas de Paula (2005); Azevedo Jesus (2003) e Vieira (2004) encontram-se no Quadro 2, anexo ao texto.

Anexamos o Quadro 2, ao final do texto, para listar título, autor, instituição, mestrado ou doutorado e o ano de defesa das pesquisas analisadas, de modo que os leitores possam identificar e localizar os trabalhos.


No que tange aos conhecimentos educacionais construídos nas pesquisas, podemos afirmar que:

1) a educação popular se constituiu numa matriz teórica para os primeiros estudos sobre educação e/no MST. Estudos que demonstram

a relação entre trabalho e educação; educação e consciência política; educação e ideologia. De certo modo, os estudos com o enfoque da educação popular focalizaram as práticas pedagógicas não-formais e as experiências educativas organizadas por um coletivo de movimentos sociais, como é o caso do Departamento de Educação Rural (DER). São estudos que demonstram, também, a importância da educação escolar para a classe trabalhadora;

2) a prática pedagógica como dimensão da prática social fica comprovada nos estudos que discutem as experiências de educação formal no formato de parcerias, como os cursos de educação superior e os cursos de formação técnica e de magistério, ao lado da educação de jovens e adultos. São investigações que analisam tanto a formação de professores quanto a prática do professor e demonstram a possibilidade de fortalecimento de um paradigma de educação que valoriza o trabalhador do campo e os conteúdos escolares - conhecimentos construídos historicamente. Denunciam as fragilidades dos cursos de formação de professores em desenvolvimento nas universidades, no que tange ao debate da realidade agrária do país;

3) a política pública de educação se constrói no encontro - conflituoso e perigoso - entre governos e sociedade civil organizada. É assim que os estudos demonstram a criação dos programas de educação dos trabalhadores do campo, especialmente no final da década de 1990 e início do século XXI;

4) na discussão atual sobre educação do campo, os conceitos de trabalho, trabalhador e consciência de classe têm sido essenciais para que as reflexões não venham reforçar a dicotomia campo-cidade. Houve um momento na história do país em que se falou na determinação do campo em relação às cidades; em outro momento, focalizou-se a determinação das cidades em relação ao campo; houve um terceiro em que se pensou a interdependência campo-cidade. O momento político atual tem fortalecido a categoria trabalho e a educação escolar pública dos trabalhadores, desde reivindicações e proposições que surgem ou são mediadas por eles.

No geral, as investigações partem de uma reflexão ampla dos movimentos sociais de trabalhadores e centralizam a discussão no âmbito das relações locais que envolvem o objeto de pesquisa. A grande maioria dos trabalhos traz um debate sobre a origem do MST e o contexto contraditório no qual ele foi produzido, especialmente o aspecto da concentração da renda/terra.

Cabe destacar a função social das pesquisas. De um lado, elas denunciam a marginalidade da educação do campo nas políticas públicas; denunciam a fragilidade com que a formação de professores tem caminhado e ainda denunciam a precariedade (distância, infra-estrutura, material didático etc.) da realidade de muitas escolas localizadas no campo. De outro lado, elas anunciam as potencialidades das experiências educativas em movimento, a exemplo dos cursos pedagogia da terra, que já somam mais de 20 no país, a exemplo dos projetos desenvolvidos no contexto do PRONERA, cujos pesquisadores bem relatam a difícil relação entre governo, movimento social e universidades e revelam os benefícios que os projetos trouxeram para os assentamentos de reforma agrária - alfabetização e escolarização de jovens e adultos.

Enfoques teórico-metodológicos: avanços e desafios na construção do conhecimento educacional

Constatamos o predomínio de uma diversidade de temas despertando a curiosidade dos investigadores. Como disse Scherer-Warren (2006):

Nos anos recentes, os estudos e pesquisas sobre os movimentos sociais no campo vêm assumindo uma proporção considerável da pesquisa em ciências humanas ou sociais. Isso se deve, em grande medida, pela vitalidade das ações coletivas no campo, especialmente no Brasil, que passaram a ter maior visibilidade na arena política do que a maioria dos movimentos de outra natureza. (p. 117)

Cada um dos assuntos anunciados nas pesquisas só tem vida quando articulado com a realidade conjuntural que lhe deu origem e com a situação estrutural enraizada na sociedade brasileira: a concentração da renda e da propriedade. Os pesquisadores mostram a vivacidade do tema pesquisado quando citam poemas, trazem fotos, mencionam conteúdos de músicas produzidas pelos trabalhadores. Enfim, é uma simbologia que prova a viva realidade interpretada pelos olhos de um sujeito que se faz no processo de pesquisa. É uma simbologia que retrata a cultura como práxis coletiva. A mística, que tem sido objeto de várias pesquisas, é um exemplo de experiência coletiva, pois resgata os valores da resistência na luta pela terra e da permanência nela.

Em síntese, traçamos dez pontos sobre os enfoques teórico-metodológicos, os desafios e os avanços na construção de conhecimentos sobre educação e/no MST:

1) predomínio da abordagem qualitativa de pesquisa. São comuns os relatos de participação e vivência do pesquisador no assentamento ou acampamento durante um período de tempo. As técnicas de coleta de dados têm sido caracterizadas por entrevistas, observação e análise de documentos. Os estudos relatam conflitos, contradições, sentimentos, desejos, conquistas, fragilidades etc. daqueles que fazem o movimento de luta pela terra e, nele, a demanda pelos direitos sociais registrados na Carta Magna;

2) os textos têm início, na maioria dos casos, com uma descrição sobre a luta pela terra e o surgimento do MST. É comum a utilização das contribuições teóricas da sociologia para fins de caracterização dos movimentos sociais e, particularmente, do MST. Após 20 anos de efetiva participação do MST na sociedade brasileira e da existência de mais de uma centena de pesquisas somente na área de educação, um dos desafios urgentes é superar a maneira descritiva de tratar a luta pela terra e os autores que a analisaram mas utilizar a categoria totalidade para compreender as relações que caracterizam a luta do MST pela reforma agrária;

3) a abordagem teórica é marcada pela utilização de uma diversidade de autores oriundos de diversas áreas do conhecimento, como sociologia, ciência política, filosofia, pedagogia, economia, geografia, história e psicologia, para citar algumas. É um indício de que a perspectiva teórico-metodológica das pesquisas em educação requer o diálogo com outras áreas do conhecimento. As pesquisas que abordam educação e/no MST parecem anunciar uma nova tendência, que não se caracteriza pelo uso exclusivo de categorias de uma única matriz teórica. Existem pesquisas que fazem opção pelo materialismo histórico-dialético e caminham exclusivamente com as categorias analíticas que o caracterizam, porém existem estudos que fazem uso de categorias marxistas para explicar o movimento social numa sociedade contraditória como a brasileira, mas que empregam categorias teóricas de outras matrizes para compreender as relações que se passam no mundo educativo formal ou não-formal que envolve o MST;

4) envolvimento ideológico com a problemática da educação do campo e da reforma agrária no país. É comum entre os pesquisadores o interesse em fortalecer as lutas dos movimentos sociais, embora alguns apontem incisivamente os desafios a serem superados;

5) todas as pesquisas concordam que o MST tem sua origem na contradição básica da sociedade: concentração da terra e da riqueza. Existem as pesquisas que se dedicaram à compreensão das subjetividades de mulheres, das identidades dos jovens e de lideranças, para citar exemplos. Elas requerem perspectivas teóricas próximas à fenomenologia ou abordagens da psicologia social. Conceitos de habitus e campo social, de Pierre Bourdieu, foram utilizados na análise da educação no MST. As pesquisas que discutem organização do trabalho pedagógico e a dimensão educativa do MST buscam caminhos teórico-metodológicos no materialismo histórico-dialético, fortalecendo o uso da categoria trabalho como princípio educativo, sustentam suas reflexões nas obras de Marx, Gramsci, Lukács e Paulo Freire, entre outros. Existem pesquisadores que seguem caminhos marxistas, mas em sua vertente histórica, fundamentando suas idéias em autores como Hobsbawm e Thompson;

6) no que tange à definição de movimentos sociais, há um conjunto de autores brasileiros mencionados em praticamente todas as pesquisas: Cândido Grzybowski e seu estudo sobre os movimentos sociais do campo; Ilse Scherer-Warren (desde sua primeira conceituação de movimentos sociais até as reflexões mais recentes sobre redes de movimentos sociais); José de Souza Martins e suas reflexões sobre as lutas sociais no campo e a expropriação do camponês; Maria da Glória Gohn e seus debates sobre teorias dos movimentos sociais. Especificamente sobre o MST, são três os autores citados em praticamente todas as investigações: Bernardo Mançano Fernandes, João Pedro Stédile e Roseli Salete Caldart. Como são pesquisadores e militantes do movimento social, isso demonstra o quanto a produção do conhecimento na ação coletiva tem marcado, nos dias atuais, as ciências humanas e sociais, especialmente quando se trata de discutir a realidade camponesa. Quanto à definição de movimentos sociais, alguns autores estrangeiros são referenciados em boa parte das pesquisas: Alain Touraine, Alberto Melucci e Eric Hobsbawm. Também, E. P. Thompson, no que tange ao debate de classe social, consciência política e experiência;

7) quando a discussão é educação, o autor mencionado na grande maioria das pesquisas é Paulo Freire, especificamente sua obra Pedagogia do oprimido. Quando se trata de educação do campo, as expoentes são Julieta Calazans e Maria Nobre Damasceno. Quando se trata de educação no MST, a expoente é Roseli Caldart e sua reflexão sobre a pedagogia do MST. Contribuições de autores como Eliane Dayse Pontes Furtado (UFC), Maria Socorro Xavier (UFPB), Marlene Ribeiro (UFRGS), no âmbito da educação e trabalho no campo, também são recorrentes nas pesquisas, de forma regionalizada. Miguel Arroyo, especialmente suas últimas reflexões sobre a educação necessária aos povos do campo, tem sido bastante referenciado;

8) a educação do campo tem sido discutida teoricamente pelos pesquisadores vinculados especialmente ao MST. Fernandes é um dos autores que tem enfatizado o desenvolvimento de um paradigma da educação do campo, em oposição ao paradigma da educação rural. A nosso ver, é pertinente fortalecer, nas pesquisas, o debate sobre o papel da escola e dos conhecimentos escolares como fator de mediação e de superação das condições de exploração e de alienação da classe trabalhadora. Assim, a luta por educação escolar pública continuará sendo travada pela classe trabalhadora como um todo, e não por seus segmentos, de forma isolada, demarcando as particularidades de cada segmento. Esse é um desafio na construção dos conhecimentos educacionais em educação do campo;

9) uma tendência presente nas pesquisas é a menção a teses e dissertações já defendidas. As investigações mais citadas são de autoria de Fernandes (formação do MST); Vendramini (dimensão educativa do MST, consciência de classe); Souza (formatos organizacionais da produção nos assentamentos e dimensões educativas) e Andrade (educação escolar nos assentamentos). Foram pesquisas defendidas ao longo dos anos de 1990 que marcaram, de certa forma, o início dos estudos sobre o MST e educação na pós-graduação em educação no Brasil, à exceção de Fernandes, cujo trabalho foi defendido na área de geografia;

10) as pesquisas têm demonstrado como os avanços da educação do campo se devem às ações dos movimentos sociais organizados. Assim, a relação entre sociedade civil e sociedade política torna-se cada vez mais entrelaçada, em meio aos conflitos ideológicos. Porém, pelas pesquisas, é possível perceber que as atitudes governamentais têm sido encaminhadas muito mais em função da pressão exercida pela sociedade civil , muito mais do que por mudanças de ordem ideológica na esfera governamental.

Recebido em abril de 2007

Aprovado em junho de 2007

MARIA ANTÔNIA DE SOUZA, doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e professora associada da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR). Publicou recentemente: Educação do campo: propostas e práticas pedagógicas do MST (Rio de Janeiro: Vozes, 2006); Educação e cooperação em assentamentos do MST (Ponta Grossa: Editora da Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2006); Sociedade e cidadania: desafios do século XXI (organizado com COSTA, Lúcia Cortes da. Ponta Grossa: Editora da Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2005). É bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), atualmente finalizando a pesquisa "Educação e movimentos sociais do campo: análise do conteúdo das teses e dissertações defendidas nos Programas de Pós-Graduação em Educação". E-mail: maria.antonia@pq.cnpq.br; masouza@uol.com.br

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  • 1
    As referências completas das pesquisas de Paula (2005); Azevedo Jesus (2003) e Vieira (2004) encontram-se no
    Quadro 2, anexo ao texto.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      Jun 2007
    • Recebido
      Abr 2007
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