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Estratégias e movimentos dos grandes grupos privados de ensino superior de capital aberto entre 2007 e 2021

Estrategias y movimientos de los grandes grupos privados de educación superior de capital abierto entre 2007 y 2021

RESUMO

O objetivo do artigo é analisar estratégias e movimentos dos grupos privados de educação superior com capital aberto na bolsa de valores brasileira (B3) de 2007 até a COVID-19. O foco da investigação são os grupos Cogna, Yduqs, Ser Educacional e Ânima, com dados retirados da Hoper Consultoria e do Instituto SEMESP, além do mapeamento dos movimentos registrados na B3 e notícias relacionadas. Conclui-se que, em meio à pandemia, essas empresas obtiveram bons resultados econômicos, satisfazendo, portanto, seus acionistas, tendo em vista o dinamismo na reestruturação e a diversificação dos portfólios. O ensino híbrido deve ser a tendência para os próximos anos. No entanto, agravou-se a precarização do trabalho docente, bem como a financeirização e a concentração de mercado — características dos quatro grupos analisados, que podem ser ainda mais aceleradas tanto na educação superior como na educação básica por meio da educação a distância (EaD), e o foco nos nichos de mercado, especialmente nos cursos de medicina.

Palavras-chave:
Ensino Superior Privado Lucrativo; Educação a Distância; Financeirização e Concentração de Mercado; COVID-19

RESUMEN

Este artículo busca analizar las estrategias y movimientos de los grupos privados de educación superior que cotizan en la bolsa de valores B3 desde 2007 hasta la Covid-19. La investigación se centra en los grupos Cogna, Yduqs, Ser Educacional y Anima. Los datos fueron tomados de Hoper Consultoria e Instituto Semesp, además de mapear los movimientos registrados en B3 y noticias de diarios brasileños. Se concluye que durante la Pandemia estas empresas obtienen buenos resultados económicos y satisfacen a sus accionistas, ante el dinamismo en la reestructuración y diversificación de sus portafolios. Además, el aprendizaje híbrido debería ser la tendencia para los próximos años. Sin embargo, se ha agudizado la precariedad del trabajo docente, así como la financiarización y concentración de mercado, que pueden acelerarse aún más tanto en la educación superior como en la educación básica mediante la educación a distancia y el foco en nichos de mercado, especialmente en los cursos de medicina.

Palabras clave:
Educación Superior Privada con Fines de Lucro; Educación a Distancia; Financiarización y Concentración de Mercado; COVID-19

ABSTRACT

The objective of the article is to analyze the strategies and movements of private higher education groups publicly traded on the Brazilian stock exchange (B3) from 2007 until the COVID-19 pandemic. The investigation focuses on the groups Cogna, Yduqs, Ser Educacional and Ânima, with data taken from Hoper Consultoria and Instituto SEMESP, in addition to mapping the movements recorded on B3 and related news. It is concluded that, during the pandemic, these companies obtained good economic results, therefore satisfying their shareholders, in view of the dynamism in the restructuring and diversification of portfolios. Hybrid learning should be the trend for the next few years. However, the precariousness of teaching work has worsened, as did market financialization and concentration—characteristics of the four groups analyzed, which can be further accelerated both in higher education and in basic education through e-learning, besides the focus on niche markets, especially medical courses.

Keywords:
For Profit Private Higher Education; E-learning; Financialization and Market Concentration; COVID-19

INTRODUÇÃO

Em meados de março de 2020, com a declaração pela Organização Mundial da Saúde (OMS) do estágio de pandemia de COVID-19 causada pelo novo coronavírus, as autoridades públicas passaram a adotar medidas de distanciamento social com o objetivo de conter o avanço da doença. Nesse contexto, no Brasil e no mundo, houve a interrupção das atividades de ensino presencial, com o fechamento temporário de escolas, faculdades e universidades. As restrições de funcionamento dos estabelecimentos públicos e privados de educação pelos governadores e prefeitos culminaram em uma série de demissões, encerramento de contratos de estágio, perda de renda, entre outras consequências provocadas pela redução da atividade econômica decorrente da crise sanitária.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020aINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). PIB cai 9,7% no 2° trimestre de 2020. 2020a. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28720-pib-tem-queda-recorde-de-9-7-no-2-trimestre-auge-do-isolamento-social. Acesso em: 02 set. 2020.
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
; 2020bINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 13,3% e taxa de subutilização é de 29,1% no trimestre encerrado em junho de 2020. 2020b. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28478-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-13-3-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-29-1-no-trimestre-encerrado-em-junho-de-2020. Acesso em: 30 jun. 2023.
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), o produto interno bruto (PIB) do país teve queda histórica de 9,7% no segundo trimestre de 2020. Esse resultado coincidiu com o auge da pandemia, visto que a queda no primeiro trimestre ficou em 2,5%. O desemprego também aumentou no período; de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), 13,3% daqueles com idade para trabalhar estavam desocupados no segundo trimestre daquele ano.

Nesse cenário de crise, o setor educacional não saiu ileso, acumulando grandes perdas. Entre as consequências trazidas pela pandemia estão a redução de novas matrículas e o aumento da inadimplência, segundo o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Instituto SEMESP) e a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES, 2020ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MANTENEDORAS DE ENSINO SUPERIOR (ABMES). Com aumento da inadimplência e perda de alunos, universidades devem ter nova onda de fusões e aquisições. 2020. Disponível em: https://abmes.org.br/noticias/detalhe/3804/com-aumento-da-inadimplencia-e-perda-de-alunos-universidades-devem-ter-nova-onda-de-fusoes-e-aquisicoes. Acesso em: 10 set. 2020.
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). As empresas educacionais tiveram, portanto, que se reinventar na crise, apesar de que algumas delas já dispunham de inúmeras ferramentas tecnológicas facilitadoras do trabalho on-line.

Quando se trata das instituições de educação superior (IES) no Brasil, o segmento privado detinha 77,5% das matrículas em 2020 e 76,9% em 2021, representando leve queda na participação de 0,6 ponto percentual entre os dois períodos, como apontavam os dados dos Censos da Educação Superior daqueles anos (INEP, 2022INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2020 [recurso eletrônico]. Brasília: Inep, 2022. 78 p. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados. Acesso em: 30 jun. 2023.
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; 2023INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2021 [recurso eletrônico]. Brasília: Inep, 2023. 115 p. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados. Acesso em: 30 jun. 2023.
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).

Em 2018, quase metade das matrículas estava concentrada em apenas 12 grupos privados com fins lucrativos (Hoper Consultoria, 2020HOPER CONSULTORIA. Os desafios das IES no pós-COVID: uso da EaD como fator de inovação, diversificação de produtos, receitas complementares e otimização de custos. 2020. Disponível em: https://www.hoper.com.br/webinar/88. Acesso em: 20 set. 2020.
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). Este artigo tem como foco a análise de quatro deles — Cogna, Yduqs, Ser Educacional e Ânima Educação — que têm em comum o capital aberto na bolsa de valores brasileira (ex-BM&F Bovespa, atualmente B3).

Trata-se de um segmento dinâmico, com grandes possibilidades de adaptação e de diversificação de atividades. As empresas educacionais tiveram uma trajetória de crescimento acelerado a partir de 2007, beneficiadas por políticas federais de ampliação do acesso à educação superior como o Programa Universidade para Todos (Prouni)1 1 O Prouni é um programa do MEC criado em 2005, que oferece bolsas de estudos integrais e parciais em IES privadas. e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES),2 2 Programa do MEC criado em 1999 e destinado ao financiamento da educação superior de estudantes matriculados em IES não gratuitas. O programa vem passando por reformulações desde 2015, reduzindo a sua atratividade. além de flexibilização na legislação educacional, sobretudo aquela relacionada à educação a distância (EaD).

A pesquisa é de natureza documental e bibliográfica, bem como envolve a coleta e a análise de dados quantitativos e o uso de estatística descritiva. A informações foram obtidas nos relatórios anuais de fusões e aquisições da KPMG e nos sites da Hoper Consultoria e do Instituto Semesp, no Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), nos sites dos grupos educacionais, bem como nas seções de economia dos principais jornais brasileiros e nas seções de fatos relevantes das empresas listadas na B3.

O texto encontra-se dividido em três seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira parte, será apresentado um breve histórico do surgimento das empresas educacionais brasileiras, que tiveram um crescimento significativo ao longo das últimas décadas, ancorado no processo de financeirização e de concentração do mercado.

Na segunda seção, serão analisadas as estratégias adotadas e os movimentos realizados pelos grupos privados estudados entre 2017 e 2019. Em 2017, destaca-se o novo marco regulatório da EaD, composto de decretos e portarias que ampliaram a possibilidade de oferta da modalidade com a flexibilização da carga horária e a criação de novas instituições exclusivamente on-line, novas vagas e polos, entre outras mudanças. Em 2018, houve a publicação da portaria n. 328 do MEC (Brasil. 2018aBRASIL. Portaria n. 328, de 05 de abril de 2018a. Dispõe sobre a suspensão do protocolo de pedidos de aumento de vagas e de novos editais de chamamento público para autorização de cursos de graduação em Medicina e institui o Grupo de Trabalho para análise e proposição acerca da reorientação da formação médica. Disponível em: https://abmes.org.br/legislacoes/detalhe/2427/portaria-mec-n-328. Acesso em: 20 set. 2020.
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), que proibia a abertura de novos cursos e vagas de medicina pelo período de cinco anos.

Por fim, serão investigados as estratégias e os movimentos desses grupos no período correspondente à crise sanitária provocada pela COVID-19, isto é, o período compreendido entre 2020 e 2021.

BREVE HISTÓRICO SOBRE A FINANCEIRIZAÇÃO E CONCENTRAÇÃO DE MERCADO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR PRIVADA

Ao longo dos últimos anos, vem-se observando um fenômeno de crescimento das IES com finalidade lucrativa, associado aos movimentos de financeirização e concentração do mercado, como examinados nos trabalhos de Chaves (2010)CHAVES, Vera Lucia Jacob. Expansão da privatização/mercantilização do ensino superior brasileiro: a formação dos oligopólios. Educação & Sociedade, Campinas, v. 31, n. 111, p. 481-500, abr./jun. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/SFTYDmV3zhBxfdTPRVBR78m/abstract/?lang=pt. Acesso em: 30 jun. 2023.
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, Carvalho (2013CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. A mercantilização da educação superior brasileira e as estratégias de mercado da IES lucrativas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 18, p. 761-776, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782013000300013&script=sci_arttext. Acesso em: 23 ago. 2022.
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; 2017CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. Educação superior privada no brasil: concentração de mercado e financeirização em simbiose. In: Vera Lúcia Jacob Chaves; Nelson Cardoso Amaral (org.). Políticas de financiamento da educação superior num contexto de crise. Campinas: Mercado das Letras, 2017a. p. 99-118.), Adrião et al. (2016)ADRIÃO, Theresa Maria de Freita; GUARANHA GARCIA, Teise de Oliveira; BORGHI, Raquel Fontes; BERTAGNA, Regiane Helena; PAIVA, Gustavo Bottura; XIMENES, Salomão Barros. Grupos empresariais na educação básica pública brasileira: limites à efetivação do direito à educação. Educação & Sociedade, v. 37, n. 134, p. 113-131, 2016. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302016157605
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, Cruz and Paula (2018)CRUZ, Andreia Gomes da; PAULA, Maria de Fátima Costa de. Capital e poder a serviço da globalização: os oligopólios da educação superior privada no Brasil. Avaliação (Campinas), Sorocaba, v. 23, n. 3, p. 848-868, dez. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/aval/a/JGvSXBv43Fjj7jk4pzmwVWw/abstract/?lang=pt. Acesso em: 30 jun. 2023.
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, e Bielschowsky (2020)BIELSCHOWSKY, Carlos Eduardo. Tendências de precarização do ensino superior privado no Brasil. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 36, n. 1, p. 241-271, 2020. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/rbpae/article/view/99946. Acesso em: 30 nov. 2022.
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. A partir dessa breve introdução, procurar-se-á demonstrar de que forma esses grupos têm usufruído não apenas do investimento estrangeiro, por meio da abertura de capital e dos fundos de private equity,3 3 O private equity é um tipo de investimento feito de forma privada, no qual um investidor aporta seu capital diretamente em empresas com potencial de crescimento em médio e longo prazo, com o intuito de lucrar com uma futura venda. Esse tipo de aplicação, segundo a Consultoria Suno, pode ser realizada diretamente por empresas, instituições, fundos de investimento ou até mesmo investidores individuais. Nesse modelo de aplicação financeira, as empresas recebem um aporte de capital privado para financiar suas operações e os investidores que realizam esse tipo de aporte costumam optar por negócios que tem grande possibilidade de crescimento. Disponível em: https://www.suno.com.br/artigos/private-equity/. Acesso em: 10 jun. 2023. como também do acesso ao capital nacional, com incentivos governamentais e acesso ao fundo público, que têm garantido a crescente expansão das empresas educacionais, mesmo nos períodos de crise econômica e social.

Entende-se por financeirização o conjunto das mudanças estruturais nas finanças não apenas das economias centrais como também de países emergentes como o Brasil. De acordo com Zwan (2014)ZWAN, Natascha van der. Making sense of financialization. Socio-Economic Review, v. 12, n. 1, p. 99-129, 2014. https://doi.org/10.1093/ser/mwt020
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, o fenômeno pode ser classificado em três diferentes abordagens: i. a financeirização vista como um novo regime de acumulação; ii; a abordagem do shareholder value,4 4 De acordo com Zwan (2014), o shareholder value foi inicialmente concebido como uma espécie de "teoria" da performance corporativa, segundo a qual a maximização do valor acionário teria como premissa fundamental a ideia de que os ativos residuais da empresa pertencem ao acionista, uma vez que este não possui garantia contratual de retorno do investimento realizado. voltada para a remuneração do acionista; e iii. a financeirização do dia a dia, geralmente relacionada à capacidade de crédito e ao endividamento das famílias.

Nesta pesquisa, adota-se como perspectiva teórica o segundo tipo; em outras palavras, trata-se da financeirização das empresas educacionais de capital aberto, uma vez que as atividades desses grupos são voltadas majoritariamente para a remuneração do acionista, seja na forma de distribuição de dividendos, seja mediante a valorização acionária.

As empresas educacionais de capital aberto encontraram, portanto, um cenário profícuo à ampliação das suas atividades por meio do processo de financeirização do mercado educacional, que se deu, sobretudo, com a participação dos fundos de investimento e da abertura de capital em bolsa de valores (Carvalho, 2013CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. A mercantilização da educação superior brasileira e as estratégias de mercado da IES lucrativas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 18, p. 761-776, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782013000300013&script=sci_arttext. Acesso em: 23 ago. 2022.
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) — características que levaram a um processo de concentração das matrículas em poucos grupos privados que, por sua vez, transformaram-se em conglomerados educacionais.5 5 Estes conglomerados derivam das fusões e aquisições decorrentes da rápida expansão dos grupos educacionais privados a partir da abertura de capital e da atuação de investidores institucionais. Para melhor compreensão sobre os conglomerados educacionais, ver Carvalho (2013).

Assim, o setor privado de educação superior tem mudado bastante, como também entende Bielschowsky (2020)BIELSCHOWSKY, Carlos Eduardo. Tendências de precarização do ensino superior privado no Brasil. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 36, n. 1, p. 241-271, 2020. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/rbpae/article/view/99946. Acesso em: 30 nov. 2022.
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. Segundo o autor, essas mudanças ocorrem por três fatores: "crescente concentração de matrículas em poucos grupos empresariais do ramo da educação; crescimento de matrículas em IES particulares com fins lucrativos; e maior participação percentual de alunos de EAD" (p. 246).

Historicamente, o primeiro boom do setor privado teve início ainda durante o regime militar, por meio de um conjunto de incentivos às instituições privadas a partir da Reforma Universitária de 1968 (Carvalho, 2002CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. Reforma universitária e os mecanismos de incentivo a expansão do ensino superior privado no Brasil (1964-1984). 2002. 177p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas, 2002. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12733/1592452. Acesso em: 05 jul. 2023.
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). O arcabouço legal presente na Carta Magna de 1988 ocultou o crescimento de grandes estabelecimentos privados mercantis que foram sendo aglutinados e transformados em universidades sem fins lucrativos.

A regulamentação dos estabelecimentos educacionais lucrativos só viria com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada em 1996, e com os decretos n. 2.207, de 15 de abril de 1997, e n. 2.306, de 19 de agosto de 1997 (Brasil, 1997aBRASIL. Presidência da República. Decreto n. 2.207, de 15 de abril de 1997a. Regulamenta, para o Sistema Federal de Ensino, as disposições contidas nos arts. 19, 20, 45, 46 e § 1°, 52, parágrafo único, 54 e 88 da Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2207.htm. Acesso em: 20 set. 2020.
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; 1997bBRASIL. Decreto n. 2.306, de 19 de agosto de 1997b. Regulamenta, para o Sistema Federal de Ensino, as disposições contidas no art. 10 da Medida Provisória n. 1.477-39, de 8 de agosto de 1997, e nos arts. 16, 19, 20, 45, 46 e § 1°, 52, parágrafo único, 54 e 88 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2306.htm. Acesso em: 20 set. 2020.
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), editados pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Esses instrumentos explicitaram os requisitos para a diferenciação entre instituições não lucrativas e empresas educacionais. Como resultado, "para aquelas que assumissem a configuração jurídica de instituições lucrativas, a vedação à cobrança de impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços cairiam por terra, assim como o acesso às verbas públicas" (Carvalho, 2013CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. A mercantilização da educação superior brasileira e as estratégias de mercado da IES lucrativas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 18, p. 761-776, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782013000300013&script=sci_arttext. Acesso em: 23 ago. 2022.
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, p. 2).

Carvalho (2013)CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. A mercantilização da educação superior brasileira e as estratégias de mercado da IES lucrativas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 18, p. 761-776, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782013000300013&script=sci_arttext. Acesso em: 23 ago. 2022.
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considera ainda que a legislação supracitada explicitou a existência dissimulada de um processo de "mercantilização da educação superior", também diagnosticado em trabalhos de Silva Júnior e Sguissardi (2000)SILVA JÚNIOR, João dos Reis; SGUISSARDI, Valdemar. A educação superior privada no Brasil: novos traços de identidade. In: SGUISSARDI, Valdemar (org.). Educação superior: velhos e novos desafios. São Paulo: Xamã, 2000. p. 155-177., Sguissardi (2008) e Oliveira (2009)OLIVEIRA, Romualdo Portela de. A transformação da educação em mercadoria no Brasil. Educação & Sociedade, v. 30, n. 108, p. 739-760, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/sM4kwNzqZMk5nsp8SchmkQD/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 30 nov. 2022.
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, então entendido como a "transformação da educação em mercadoria".

Assim como Carvalho (2013)CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. A mercantilização da educação superior brasileira e as estratégias de mercado da IES lucrativas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 18, p. 761-776, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782013000300013&script=sci_arttext. Acesso em: 23 ago. 2022.
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, Cunha (2004)CUNHA, Luiz Antônio. Desenvolvimento desigual e combinado no ensino superior: Estado e mercado. Educação & Sociedade, v. 25, n. 88, p. 795-817, out. 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/g5KbJp9RCcHCtXnQhHJwvJN/abstract/?lang=pt. Acesso em: 15 set. 2022.
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entende que a legislação educacional foi bastante permissiva com as instituições privadas, seja pelas suas determinações, seja, sobretudo, pelas suas "omissões". Chaves (2010)CHAVES, Vera Lucia Jacob. Expansão da privatização/mercantilização do ensino superior brasileiro: a formação dos oligopólios. Educação & Sociedade, Campinas, v. 31, n. 111, p. 481-500, abr./jun. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/SFTYDmV3zhBxfdTPRVBR78m/abstract/?lang=pt. Acesso em: 30 jun. 2023.
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, por sua vez, chama a atenção para o conjunto de políticas federais que foi destinado ao segmento privado.

A liberalização e a desregulamentação desse setor, com a flexibilização das regras para abertura de cursos e novas instituições, as isenções tributárias, as bolsas de estudos para alunos carentes, por meio do programa do Crédito Educativo, hoje transformado no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), os empréstimos financeiros a juros baixos por instituições bancárias oficiais, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o PROUNI, entre outras formas de estímulo, contribuíram de forma decisiva para a expansão da mercantilização do ensino superior. (p. 490)

O surgimento de conglomerados de educação superior no país é resultado do processo capitalista em que a economia brasileira está inserida em virtude da globalização, como apontado em Carvalho (2016)CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE). Atos de Concentração no Mercado de Prestação de Serviços de Ensino Superior. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. 2016. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/cadernos-do-cade/atos-de-concentracao-no-mercado-de-prestacao-de-servicos-de-ensino-superior-2016.pdf. Acesso em: 20 ago. 2020.
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e Cruz e Paula (2018)CRUZ, Andreia Gomes da; PAULA, Maria de Fátima Costa de. Capital e poder a serviço da globalização: os oligopólios da educação superior privada no Brasil. Avaliação (Campinas), Sorocaba, v. 23, n. 3, p. 848-868, dez. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/aval/a/JGvSXBv43Fjj7jk4pzmwVWw/abstract/?lang=pt. Acesso em: 30 jun. 2023.
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, associado às políticas implementadas pelos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994–2002) e Luís Inácio Lula da Silva (2003–2010).

As mudanças legislativas e as políticas de financiamento federal destinadas à iniciativa privada possibilitaram uma ampliação significativa das matrículas em IES com finalidade de lucro. O marco histórico foi o ano de 2007, com a abertura do capital de quatro empresas educacionais na bolsa de valores brasileira. As instituições Universidade Anhanguera, Universidade Estácio de Sá, Faculdade Pitágoras e o Sistema COC de Educação e Comunicação, com atuação na educação básica e educação superior, precursoras no movimento em direção à bolsa, foram assim convertidas em sociedades anônimas que, por sua vez, tiveram suas respectivas razões sociais alteradas para: Anhanguera Educacional Participações S.A., Estácio Participações S.A, Kroton Educacional S.A. e Sistema Educacional Brasileiro S.A. (SEB).6 6 O termo S.A. está relacionado às Sociedades Anônimas, isto é, um tipo de sociedade empresarial dividida por ação. O tema é regulamentado pela lei n. 6.404/76 (também conhecida como Lei das Sociedades Anônimas). Uma segunda onda de abertura de capital ocorreu em 2013; dessa vez com o surgimento de duas novas empresas: Ser Educacional e Ânima Educação. Houve ainda, em 2019, o initial public offering (IPO) da Afya na bolsa de valores norte-americana National Association of Securities Dealers Automated Quotations (Nasdaq)7 7 A Nasdaq é uma bolsa de valores americana criada em 1971, especializada em empresas do setor de tecnologia. e, em 2021, a Cruzeiro do Sul passa a negociar suas ações na B3.

Além da abertura de capital na bolsa de valores (IPO), o processo de financeirização dessas empresas ocorreu por meio de fundos private equity. Carvalho (2013)CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. A mercantilização da educação superior brasileira e as estratégias de mercado da IES lucrativas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 18, p. 761-776, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782013000300013&script=sci_arttext. Acesso em: 23 ago. 2022.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S14...
alerta para o surgimento desse novo modelo de empresa educacional:

[E]sses dois instrumentos financeiros — private equity e abertura de capital — estabelecem o comprometimento da gerência com os interesses dos acionistas/cotistas. Isso significa dizer que os objetivos da empresa transcendem a maximização do lucro, uma vez que ficam subordinados à maximização do valor acionário no mercado de capitais. (p. 772)

Esse entendimento tem como perspectiva de análise o estudo da financeirização no nível da empresa, ou seja, ao verificar os movimentos e estratégias das instituições privadas no sentido de garantir a maximização dos ganhos e remuneração acionária, identifica-se a abordagem do shareholder value, isto é, de um ethos corporativo que orienta a atuação da empresa no sentido de ter como objetivo principal garantir o retorno financeiro dos investidores institucionais.8 8 Um investidor institucional é uma entidade ou empresa que administra o capital de terceiros — que, por sua vez, podem ser pessoas ou outras empresas. São exemplos de investidores institucionais: bancos, corretoras, family offices (serviço privado de consultoria em gerenciamento de patrimônio para clientes ricos), fundos de pensão, seguradoras, sociedades gestoras de fundos de investimentos etc. Ver a este respeito: https://warren.com.br/magazine/o-que-e-um-investidor-institucional/#:~:text=Um%20investidor%20institucional%20nada%20mais%20%C3%A9%20do%20que,ou%20o%20investimento%20em%20grandes%20projetos%20de%20infraestrutura. Acesso em: 08 aug. 2023.

A partir dos IPO registrados em 2007 e 2013, verificou-se como desdobramentos desse movimento uma série de fusões e aquisições. Em um primeiro momento, houve a aquisição de instituições de pequeno porte. Entretanto, em 2014, ocorreu a fusão de dois grandes grupos à época — Anhanguera e Kroton (ex-Pitágoras) —, dando origem ao maior grupo de educação superior privada do mundo, e, ao mesmo tempo, inaugurando a segunda fase da concentração de mercado com as fusões entre empresas de médio e grande portes. A concentração de matrículas no segmento até o ano de 2018, de acordo com os dados da Hoper Consultoria (2020)HOPER CONSULTORIA. Os desafios das IES no pós-COVID: uso da EaD como fator de inovação, diversificação de produtos, receitas complementares e otimização de custos. 2020. Disponível em: https://www.hoper.com.br/webinar/88. Acesso em: 20 set. 2020.
https://www.hoper.com.br/webinar/88...
, pode ser observada na Tabela 1, com destaque para quatro empresas de capital aberto cujo histórico e desempenho serão explorados com mais profundidade ao longo deste trabalho.

Tabela 1
Maiores grupos privados de educação superior privado – 2018.

Na Tabela 1, é possível observar que esses 12 grupos detinham quase a metade das matrículas da educação superior privada em 2018, o que caracteriza o processo de concentração de mercado (Carvalho, 2017CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. Educação superior privada no brasil: concentração de mercado e financeirização em simbiose. In: Vera Lúcia Jacob Chaves; Nelson Cardoso Amaral (org.). Políticas de financiamento da educação superior num contexto de crise. Campinas: Mercado das Letras, 2017a. p. 99-118.). Essas empresas geralmente se utilizam de instrumentos agressivos para atrair estudantes, tais como: mensalidades com preços atraentes, promessa de facilidade de ingresso no mercado de trabalho, financiamento próprio, modalidades de ensino híbridas ou EaD, apelo aos pacotes tecnológicos, entre outros. Trata-se de grupos muito dinâmicos que, com a leniência do MEC, vêm atuando ativamente no campo da educação superior brasileira.

A concentração do mercado educacional promoveu a inclusão de novos players,9 9 Termo utilizado pelas empresas e consultorias educacionais para se referir aos grupos privados atuantes em determinado segmento. No caso da educação superior privada, os principais players, ou jogadores, são Cogna, Yduqs, Ser Educacional e Ânima. a busca por novos "produtos" e as mudanças na oferta de cursos, sobretudo por meio digital, elementos que se acentuaram ao longo da crise sanitária.

A DIVERSIFICAÇÃO DE MERCADO DOS MAIORES GRUPOS PRIVADOS DE CAPITAL ABERTO

Entre os anos de 2017 e 2019, é possível identificar o movimento em direção à ampliação e diversificação do portfólio, isto é, a busca por diversificar a "cesta" de produtos e serviços dos grandes grupos privados de educação superior. Ao longo desse período, ocorreu o veto à fusão entre Kroton e Estácio pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)10 10 O CADE é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, cuja principal função é estimular a livre concorrência. Trata-se do órgão responsável por combater a formação de cartéis e analisar fusões e aquisições de empresas. Tem por objetivo orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos do poder econômico, atuando na sua prevenção e na repressão. em 2017 e a flexibilização das normas para a oferta de cursos a distância na educação básica e superior. Houve também o ingresso em outros segmentos, como a compra de escolas de educação básica e a aquisição de IES que detinham vagas no chamado segmento premium.11 11 O segmento premium está relacionado à oferta de cursos com ticket médio (mensalidades) mais elevados, que representam, portanto, maior receita para as empresas educacionais.

Vale acrescentar que a diversificação é característica essencial desses grupos. Atualmente, as principais empresas privadas de educação superior oferecem não apenas cursos de graduação e de pós-graduação lato sensu e stricto sensu, como também material didático para a educação básica, disponibilizam plataformas de aprendizagem para redes públicas e privadas e oferecem serviços de assessoria e gestão.

Adrião et al. (2016)ADRIÃO, Theresa Maria de Freita; GUARANHA GARCIA, Teise de Oliveira; BORGHI, Raquel Fontes; BERTAGNA, Regiane Helena; PAIVA, Gustavo Bottura; XIMENES, Salomão Barros. Grupos empresariais na educação básica pública brasileira: limites à efetivação do direito à educação. Educação & Sociedade, v. 37, n. 134, p. 113-131, 2016. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302016157605
https://doi.org/10.1590/ES0101-733020161...
abordam a entrada dos grupos privados de educação superior na educação básica e a ameaça desse movimento ao direito à educação. Chaves (2010)CHAVES, Vera Lucia Jacob. Expansão da privatização/mercantilização do ensino superior brasileiro: a formação dos oligopólios. Educação & Sociedade, Campinas, v. 31, n. 111, p. 481-500, abr./jun. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/SFTYDmV3zhBxfdTPRVBR78m/abstract/?lang=pt. Acesso em: 30 jun. 2023.
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chama a atenção para uma "expansão descontrolada" que a autora denomina de "desnacionalização da educação" (p. 494). Bielschowsky (2020)BIELSCHOWSKY, Carlos Eduardo. Tendências de precarização do ensino superior privado no Brasil. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 36, n. 1, p. 241-271, 2020. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/rbpae/article/view/99946. Acesso em: 30 nov. 2022.
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alerta para o aumento da oferta de cursos a distância desacompanhado de instrumentos que garantam a qualidade do ensino.

Em junho de 2017, ao vetar a fusão dos grupos Estácio e Kroton, o CADE considerou que a operação levaria a uma elevada concentração de mercado e, por consequência, impossibilitaria a concorrência no segmento. Desde então, ambas têm atuado no sentido de garantir crescimento e ampliação dos ganhos, diversificando suas atividades e negócios, como divulgado em grandes veículos de imprensa, na maioria das vezes nos cadernos de economia e finanças e nos documentos divulgados no site da B3 como "fatos relevantes". Entretanto, enquanto a Kroton procurou ampliar a sua atuação na educação básica, com a aquisição de escolas, a Estácio buscou se consolidar no segmento premium de educação superior.

No mesmo período, a Ser Educacional e o grupo Ânima também passaram a buscar novas formas de ampliar sua participação de mercado, que se demonstrou principalmente em aquisições que possibilitassem o seu crescimento em larga escala.

No Quadro 1 é possível visualizar a composição atual dessas empresas, de acordo com informações obtidas nos respectivos sites institucionais.

Quadro 1
Composição das empresas por grupo privado e número de matrículas – 2021.

Como é possível observar, as empresas analisadas apresentaram diferentes comportamentos em relação à base de alunos, influenciadas principalmente pelo aumento da oferta de ensino digital e híbrido e a ampliação das fusões e aquisições. Cogna (ex-Kroton) e Ânima apresentaram redução no número de estudantes em 2020, queda de 8 e 24%, respectivamente, com recuperação a partir de 2021. Ser Educacional, Ânima e Estácio (ex-Yduqs), por sua vez, apresentaram tendência de crescimento de matrículas no período. O grupo Ser Educacional ampliou seu alunado em 44%. Já os grupos Ânima e Yduqs tiveram acréscimo expressivo de 121 e 118%, respectivamente, em três anos.

Em 2018, a Kroton adquiriu a Somos Educação,12 12 Entre as marcas do grupo estão as editoras Ática, Saraiva, Scipione e Atual, de modo que a Cogna passa a atuar no mercado de livros didáticos, tendo acesso privilegiado aos recursos provenientes do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do Governo Federal. consolidando a estratégia de diversificação do grupo. A partir de então, a educação básica passou a representar quase um terço da sua receita líquida. Foi o segundo movimento da empresa em direção ao segmento da educação básica, sendo o primeiro a criação da holding (Koike, 2019aKOIKE, Beth. Kroton cria holding de olho em mercado de R$ 174 bilhões. Valor Econômico, 08 de out. 2019a. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/10/08/kroton-cria-holding-de-olho-em-mercado-de-r-174-bilhoes.ghtml. Acesso em: 18 jul. 2020.
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)13 13 Holding é uma empresa que possui como atividade principal a participação acionária majoritária em uma ou mais empresas. Trata-se de uma empresa que possui a maioria das ações de outras empresas e que detém o controle de sua administração e políticas empresariais. Saber, voltada para a aquisição e gestão de escolas.14 14 Em 2021, as operações da Saber passaram para o controle da Eleva Educação. Desse modo, a Cogna deixou de ter em seu portfólio unidades de educação básica, dedicando-se à oferta de plataformas e sistemas de ensino.

A partir de 2019, a empresa passou a se chamar Cogna Educação (Figura 1). A marca Kroton permaneceu no segmento da educação superior, com cursos de graduação presencial e a distância. A Platos, por sua vez, está voltada para a prestação de serviços educacionais para outras IES, principalmente na implementação de ensino a distância, enquanto o foco das marcas Saber, Somos e Vasta é a educação básica.

Figura 1
Novo desenho da COGNA – 2019.

A empresa Vasta Educação abriu o capital na bolsa americana Nasdaq, segunda maior do mundo, atrás apenas da bolsa de Nova York, percorrendo caminho parecido com os da Arco Educação15 15 A empresa surgiu do Sistema Ari de Sá, com sede em Fortaleza, no estado do Ceará, e optou por abrir o capital no exterior na Nasdaq. e do grupo Afya, empresas educacionais brasileiras que abriram capital na bolsa norte-americana em 2018 e 2019, respectivamente.

A Estácio, por sua vez, criou a holding Yduqs (Koike, 2019cKOIKE, Beth. Estácio cria holding Yduqs e abre novas frentes de negócios. Valor Econômico, 11 de jul. 2019c. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/07/11/estacio-cria-holding-yduqs-e-abre-novas-frentes-de-negocios.ghtml. Acesso em: 20 ago. 2020.
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), iniciando uma nova fase da antiga Estácio Participações, que tem como objetivo a entrada em novos segmentos, entre eles o segmento premium, que envolve os cursos de medicina, os preparatórios para concursos, os cursos de pós-graduação, entre outros. A maior aquisição do grupo nesse nicho de mercado ocorreu em 2019 com a compra da Adtalem Brasil (Koike, 2019bKOIKE, Beth. Yduqs fecha compra da Adtalem por R$ 2 bi. Valor Econômico, 21 de out. 2019b. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/10/21/yduqs-fecha-compra-da-adtalem-por-r-2-bi.ghtml. Acesso em: 18 jul. 2020.
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), que significou a incorporação da marca Ibmec,16 16 Instituição de ensino superior e pós-graduação especializada na oferta de cursos voltados para o mercado financeiro e econômico. apontada pela Consultoria Hoper como instituição de prestígio (Figura 2).

Figura 2
Novo desenho da YDUQS – 2019.

As empresas Ser Educacional e Ânima Educação abriram capital em 2013, seguindo a onda de IPO e private equities iniciada em 2007. Desde então, ambas têm atuado com aquisições de faculdades e centros universitários pelo país. Em 2019, ocorreu a aprovação pelo CADE das aquisições da UniNorte, maior centro universitário da Região Norte, pertencente ao grupo Laureate,17 17 Laureate International Universities (LIU) é uma rede americana de estabelecimentos com fins lucrativos de educação superior presente em vários países, sobretudo na América Latina, e no Brasil desde 2005. pelo grupo Ser. Enquanto isso, em 2018, a empresa Ânima adquiriu a Faced (faculdade mineira) e, em 2019, a UniAges, na Bahia, consolidando sua entrada na Região Nordeste.

No entanto, além das aquisições registradas no período, houve também uma mudança no perfil dos cursos oferecidos. Desde o ano de 2015, com as restrições das normas do FIES, o que se observa é, primeiramente, uma estagnação no número de matrículas presenciais seguida pela tendência de queda. Já a modalidade a distância, por sua vez, ganhou força especialmente a partir do ano de 2017.

Mas foi durante a crise sanitária que os números da EaD cresceram de forma significativa, de modo que, pela primeira vez, o Censo da Educação Superior de 2020 registrou a maioria de ingressantes na modalidade de ensino a distância, tendência mantida em 2021. Entretanto, essa modalidade, por possuir mensalidades mais baixas, o chamado ticket médio, pode representar um faturamento aquém do esperado, levando empresas educacionais a buscarem negócios mais rentáveis, que, nos últimos anos, têm se materializado por meio da compra de escolas de educação básica ou dos cursos de graduação considerados premium, a exemplo de algumas carreiras da área da saúde.

De acordo com o Mapa do Ensino Superior no Brasil de 2020 (SEMESP, 2021SECRETARIA DE MODALIDADES ESPECIALIZADAS DE EDUCAÇÃO (SEMESP). Mapa do Ensino Superior no Brasil. 11. ed. S.l.: SEMESP, 2021. Disponível em: https://www.semesp.org.br/mapa/edicao-11/. Acesso em: 30 jun. 2023.
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), o percentual de matrículas presenciais caiu 2,1% entre os anos de 2017 e 2018, apesar do crescimento de 24% registrado na década 2009–2018. Por outro lado, as matrículas em EaD cresceram 145% no mesmo período, sendo 16,9% só entre 2017 e 2018.

Em 2018, as IES privadas detinham 70% das matrículas presenciais e 92% na modalidade EaD. Em 2020, primeiro ano da pandemia, essas instituições passaram deter 95% das matrículas na graduação a distância, mesma participação registrada em 2021, conforme o Censo da Educação Superior mais recente (INEP, 2023INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2021 [recurso eletrônico]. Brasília: Inep, 2023. 115 p. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados. Acesso em: 30 jun. 2023.
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).

De acordo com os dados do Censo (INEP, 2022INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2020 [recurso eletrônico]. Brasília: Inep, 2022. 78 p. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados. Acesso em: 30 jun. 2023.
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; 2023INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2021 [recurso eletrônico]. Brasília: Inep, 2023. 115 p. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados. Acesso em: 30 jun. 2023.
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), enquanto as matrículas em cursos de graduação presenciais diminuíram 9,4% entre 2019 e 2020 e 11% entre 2020 e 2021, a modalidade a distância teve aumento de 26,8 e 20,2% respectivamente, reforçando a tendência de crescimento da EaD. No Censo de 2021, divulgado no final de 2022, as matrículas EaD superaram as matrículas presenciais pela primeira vez.

O boom de oferta em EaD pelas instituições privadas vem despertando preocupação de pesquisadores e especialistas em educação, principalmente pela baixa qualidade do ensino ofertado, demonstrada nos resultados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).18 18 Ver, a este respeito, Bielschowsky (2018). A expansão da modalidade nas empresas educacionais significa redução de custos e menor custo por aluno, quando deveria propiciar a democratização do acesso e a garantia de permanência dos discentes nas IES. Entretanto, o que se observa é uma crescente taxa de abandono dos cursos, tanto no formato a distância como no presencial, chegando a 36%, segundo o 11° Mapa do Ensino Superior (SEMESP, 2021SECRETARIA DE MODALIDADES ESPECIALIZADAS DE EDUCAÇÃO (SEMESP). Mapa do Ensino Superior no Brasil. 11. ed. S.l.: SEMESP, 2021. Disponível em: https://www.semesp.org.br/mapa/edicao-11/. Acesso em: 30 jun. 2023.
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).

A Resolução n. 3, de 21 de novembro de 2018 (Brasil, 2018cBRASIL. Resolução n. 3, de 21 de novembro de 2018c. Atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Disponível em: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECEBN32018.pdf. Acesso em: 20 set. 2020.
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), documento que atualizou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio, ampliou o limite de carga horária ministrada na modalidade a distância, que pode chegar a 20% para os cursos diurnos e 30% para o turno noturno. É importante salientar que essa alteração legislativa tornou interessante a aquisição por esses grupos de escolas de ensino médio privadas.

O crescimento da modalidade fez aumentar também a busca pelas empresas educacionais de soluções em tecnologia, na forma de plataformas de ensino e hibridização dos cursos. Isso porque, com a portaria n. 2.117, de 6 de dezembro de 2019, a autorização do MEC para a oferta de carga horária a distância na educação superior passou para 40% de todos os cursos, com exceção dos cursos de medicina, ampliando assim o limite de 20% autorizado pela portaria n. 1.428, de 28 de dezembro de 2018 (Brasil, 2018cBRASIL. Resolução n. 3, de 21 de novembro de 2018c. Atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Disponível em: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECEBN32018.pdf. Acesso em: 20 set. 2020.
https://normativasconselhos.mec.gov.br/n...
). Além dessas portarias, houve também a publicação dos decretos n. 9.057 e 9.235, de 2017 (Brasil, 2017aBRASIL. Decreto n. 9.057, de 25 de maio de 2017a. Regulamenta o art. 80 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9057.htm. Acesso em: 20 set. 2020.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
; 2017bBRASIL. Decreto n. 9.235, de 15 de dezembro de 2017b. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-n-9-235-de-15-de-dezembro-de-2017-1101286-1101286. Acesso em: 20 set. 2020.
https://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-...
). Esses instrumentos alteraram os processos regulatórios dos cursos a distância, permitindo, até mesmo, a criação de polos sem vistoria prévia e o credenciamento de IES sem prévia análise do MEC (Quadro 2).

Quadro 2
Instrumentos legais que impulsionaram a oferta de educação a distância (2017 a 2019).

Esse arcabouço legal flexibilizou os parâmetros para a abertura de novos polos de apoio presencial, ampliou a carga horária máxima e os cursos contemplados pela modalidade a distância. A única exceção é o curso de medicina, que passou então a ser alvo de interesse dos grupos privados como forma de aumentar a receita, diversificar os negócios e garantir a participação no segmento premium.

Entre 2019 e 2020, ocorreu uma corrida pelas aquisições de cursos e faculdades de medicina (Falcão, 2020FALCÃO, Mariana. Aluno de medicina vale R$ 1,4 milhão. Valor Econômico, 04 de set. 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/09/04/aluno-de-medicina-vale-r-14-milhao.ghtml. Acesso em: 10 set. 2021.
https://valor.globo.com/empresas/noticia...
). A principal razão para o interesse no curso pelos grandes grupos privados é a queda drástica nos novos contratos do FIES, ocorrida a partir de 2015, com a redução significativa na concessão de novos empréstimos.

Essa corrida acentuou-se com a entrada de novos players, como é o caso da Afya,19 19 A marca Afya surgiu em 2019, com a fusão entre os grupos NRE Educacional, especializado na oferta de cursos de medicina, e Medcel, empresa voltada para cursos preparatórios para residência médica, especializações e atualizações. A nova empresa autodenomina-se como "o maior ecossistema de educação e healthtechs do Brasil" (Afya, 2022, grifo nosso) e afirma "combinar educação médica de qualidade com uso intensivo de tecnologia em todas as fases da formação do médico" (Afya, 2022, grifo nosso). que abriu capital na Nasdaq em 2019 (Guimarães e Scaramuzzo, 2019GUIMARÃES, Fernanda. SCARAMUZZO, Mônica. Grupo Afya, de ensino superior de medicina, levanta R$ 1 bi na Nasdaq. Uol Economia, 20 de jul. 2019. Disponível em: https://www.terra.com.br/economia/grupo-afya-de-ensino-superior-de-medicina-levanta-r-1-bi-na-nasdaq,0f4c3b2ba189e181befc09e31fc76ff973p6zi42.html. Acesso em: 20 ago. 2020.
https://www.terra.com.br/economia/grupo-...
). Além disso, vislumbrando os ganhos nesse segmento, a Cogna criou uma nova controlada, a KrotonMed, em 2021 (Exame Invest, 2022EXAME INVEST. Cogna anuncia KrotonMed e entra no rentável ramo dos cursos de medicina. Disponível em: https://exame.com/invest/mercados/cogna-anuncia-krotonmed-e-entra-no-rentavel-ramo-de-cursos-de-medicina/. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://exame.com/invest/mercados/cogna-...
).20 20 Ver a respeito: https://exame.com/invest/mercados/cogna-anuncia-krotonmed-e-entra-no-rentavel-ramo-de-cursos-de-medicina/. Acesso em: 30 jun. 2023.

Os cursos de medicina apresentam baixa taxa de evasão e menor inadimplência e desistência, além de possuírem mensalidades elevadas, com ticket médio em torno de R$ 8 mil mensais (Escolas Médicas do Brasil, 2023ESCOLAS MÉDICAS DO BRASIL. Valores das mensalidades dos cursos de medicina. Disponível em: https://www.escolasmedicas.com.br/mensalidades.php. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://www.escolasmedicas.com.br/mensal...
).21 21 De acordo com o site Escolas Médicas no Brasil, as mensalidades dos cursos de medicina variam entre R$5.000,00 e R$12.000,00. Ver a respeito: https://www.escolasmedicas.com.br/mensalidades.php. Acesso em: 30 jun. 2023. Por sua vez, de acordo com a consultoria Hoper Educação, os cursos a distância possuem mensalidade média de R$ 260,00, ou seja, um estudante de medicina equivale a cerca de 30 estudantes de cursos em EaD.

Vale ressaltar que os bolsistas integrais do Prouni, que cursam medicina em IES privadas, têm direito à bolsa permanência, atualmente fixada no valor de R$400,00, e podem recorrer ao abatimento no FIES quando formados e atuantes na saúde pública, desde que preencham os requisitos definidos pelo programa.

Ademais, o credenciamento de novos cursos de medicina pelo MEC encontra-se sob embargo imposto pela portaria n. 328, de 5 de abril de 2018 (Brasil, 2018aBRASIL. Portaria n. 328, de 05 de abril de 2018a. Dispõe sobre a suspensão do protocolo de pedidos de aumento de vagas e de novos editais de chamamento público para autorização de cursos de graduação em Medicina e institui o Grupo de Trabalho para análise e proposição acerca da reorientação da formação médica. Disponível em: https://abmes.org.br/legislacoes/detalhe/2427/portaria-mec-n-328. Acesso em: 20 set. 2020.
https://abmes.org.br/legislacoes/detalhe...
), que suspendeu, pelo período de cinco anos, a autorização de novas vagas e novos cursos, restando às empresas privadas de educação iniciar um movimento em direção aos cursos existentes. Em outras palavras, a escassez de vagas, os cursos destinados às famílias abastadas e o prestígio do curso passaram a chamar a atenção dos quatro grupos privados em uma nova fase de aquisições, a fim de aumentar as receitas, os lucros e, principalmente, garantir a confiança e a rentabilidade acionária dos seus "papéis".

Esta portaria encontra-se em vigor e estende-se às IES públicas e privadas. O MEC justifica a edição do documento como forma de preservar a qualidade do ensino. Ainda assim, a Yduqs conseguiu autorização para a abertura de 50 vagas nos municípios de Castanhal/PA e outras 50 em Quixadá/CE.22 22 Ver portaria n. 395, de 26 de agosto de 2019, e portaria n. 400, de 26 de agosto de 2019. O comunicado ao mercado foi divulgado em 27 de agosto de 2019.

A empresa também ampliou o número de vagas do curso de graduação em medicina ministrado pela Faculdade Estácio de Juazeiro/BA, em operação pelo Programa Mais Médicos,23 23 Programa lançado pelo Governo Federal em 2013, com o objetivo de suprir a carência de médicos no interior do país e nas periferias das grandes cidades brasileiras. conforme comunicado ao mercado publicado em 3 de setembro de 2019. A decisão por meio de nova portaria aumentou o total de 55 para 155 vagas/ano.24 24 Ver, a este respeito, a portaria n. 406, de 2 de setembro de 2019.

Na Figura 3, é possível observar um foco maior em aquisições nas Regiões Norte e Nordeste, que possuem maior déficit de médicos, em virtude da grande concentração de profissionais nas Regiões Sul e Sudeste. De acordo com dados do Conselho Federal de Medicina (CFM), a relação de médicos por mil habitantes no Brasil é de 2,6, semelhante à de países ricos. Entretanto, dada a má distribuição em território nacional, alguns municípios e regiões do país sofrem com a ausência desses profissionais.25 25 Ver, a este respeito, o estudo Demografia Médica no Brasil (Scheffer et al., 2023), realizado pelo CFM. Disponível em: https://amb.org.br/noticias/lancada-a-demografia-medica-no-brasil-2023/. Acesso em: 30 jun. 2023.

Figura 3
Aquisições de faculdade de medicina entre agosto de 2019 e agosto de 2020.

Trata-se do curso com maior demanda por vagas e maiores notas de corte para ingresso nas universidades públicas por meio do Sistema Único de Seleção Unificada (Sisu), bem como o que apresenta alta demanda nas instituições privadas, principalmente em razão do prestígio e da valorização salarial da carreira.

Dos grupos estudados, três (Yduqs, Ânima e Ser) fizeram aquisições que envolviam cursos de medicina entre 2019 e 2020. Todavia, vale salientar, conforme já abordado, o surgimento de novo player — a Afya, em 2019. A empresa segue os moldes das empresas brasileiras de educação Vasta e Arco26 26 O Grupo Ari de Sá oferece conteúdo, tecnologia e serviços para mais de 5.400 escolas em todo o país, da educação infantil ao ensino médio, de acordo com informações disponibilizadas no site institucional da empresa. (com capital aberto na Nasdaq) e, conforme consta no site institucional da Afya, é resultado "da união da NRE Educacional, maior grupo de faculdades de Medicina do país (criado em 1999), com a MEDCEL, marca de cursos preparatórios para prova de residência médica".27 27 Ver a este respeito: https://www.afya.com.br/sobre/quem-somos. Acesso em: 30 jun. 2023.

Os movimentos realizados por essas empresas educacionais têm como cenário a ausência de regulação por parte do MEC, o que se torna um incentivo à concentração do mercado — que, por sua vez, foi favorecida pelo Governo Federal por meio de programas como o Prouni e FIES, este último perdendo o protagonismo nos últimos anos.

A expansão dos cursos a distância e a busca por um nicho de mercado por meio das vagas dos cursos de medicina abrem espaço para o crescimento dos negócios privados na educação superior, apesar da crises econômica, política, social e também sanitária, esta provocada pela COVID-19 a partir de 2020.

REESTRUTURAÇÃO E ADAPTABILIDADE DOS GRANDES GRUPOS EDUCACIONAIS NA PANDEMIA

Em março de 2020, os estabelecimentos educacionais viram-se obrigados a suspender as atividades presenciais temporariamente. A edição de decretos pelos governos estaduais e municipais tinha como objetivo a menor circulação de pessoas e a contenção do contágio, tendo em vista o avanço da pandemia da Covid-19.

A interrupção das atividades, sem previsão de retorno, obrigou as instituições de ensino a se adaptarem a uma nova realidade, a do ensino remoto. Esse modelo pressupõe a transferência das atividades presenciais para o meio digital. Diante desse cenário de imprevisibilidade, os grupos privados de educação tomaram medidas drásticas a fim de evitar o aumento da taxa de evasão, garantir novas matrículas e lidar com o aumento da inadimplência, além de tentar captar novos alunos.

As instituições dos grupos estudados já dispunham de instrumentos para inserir os estudantes no ambiente virtual por meio de plataformas digitais, ensino híbrido e EaD. Ainda assim, todas sofreram o impacto da crise sanitária a julgar pela movimentação dos valores das suas ações na B3 (Figura 4).

Figura 4
Desempenho das empresas Cogna (COGN3), Yduqs (YDUQ3), Ser (SEER3) e Ânima (ANIM3) na B3 entre 2018 e 2022.

Os grupos privados analisados, apesar de demonstrarem sinais de recuperação após uma queda vertiginosa entre os meses de março e abril de 2020, vêm apresentando diversidade no desempenho na B3, decorrente dos movimentos e das estratégias adotadas pelas empresas educacionais no sentido de manter a atratividade perante os investidores institucionais.

O levantamento realizado considera os principais movimentos registrados na B3 e/ou anunciados pelas próprias empresas, como um aceno ao mercado mediante as mudanças decorrentes do cenário pandêmico.

Como é possível observar na Figura 4, todas sofreram redução significativa nos seus papéis, obrigando-as a se reposicionarem no mercado, garantindo assim a confiança dos seus acionistas. A Cogna foi a empresa de educação mais afetada, chegando a acumular perdas de 48% ao longo do primeiro semestre de 2020 (Rizério, 2020RIZÉRIO, Lara. Cogna x Yduqs: essas ações caíram mais de 20% só em agosto, e uma delas é vista como oportunidade agora; entenda. InfoMoney, 03 de set. 2020. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/mercados/cogna-e-yduqs-tem-grandes-oportunidades-com-mudancas-na-educacao-mesmo-com-forte-queda-das-acoes-quem-esta-na-frente/. Acesso em: 03 set. 2020.
https://www.infomoney.com.br/mercados/co...
; Ryngelblum, 2020RYNGELBLUM, Ivan. Cogna reverte lucro e tem prejuízo de R$ 454,7 milhões no 2° trimestre. Valor Econômico, 20 ago. 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/google/amp/empresas/noticia/2020/08/20/cogna-reverte-lucro-e-tem-prejuzo-de-r-4547-milhes-no-2-trimestre.ghtml. Acesso em: 20 ago. 2020.
https://valor.globo.com/google/amp/empre...
). É também a que tem gerado maior desconfiança dos investidores, o que obrigou o grupo a reestruturar seus negócios em educação superior, conforme trecho de matéria publicada no jornal Valor Econômico:

As unidades presenciais serão focadas em cursos "premium", e as graduações com mensalidade mais baixa serão digitais. Nessa reestruturação, haverá fechamento de unidades, renegociação de contratos e revisão de portfólio de cursos. A Cogna, que também deixará de oferecer seu financiamento próprio para 2021, tem 15 cursos presenciais que são considerados prioritários. Entre eles estão medicina, odontologia, medicina veterinária, direito e psicologia. Nesse contexto, a companhia analisa aquisições de ativos classificados como "premium", como instituições que oferecem cursos de medicina. (Koike, 2020KOIKE, Beth. Cogna vai reestruturar negócio de ensino superior. Valor Econômico, 21 de ago. 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/08/21/cogna-vai-reestruturar-negocio-de-ensino-superior.ghtml. Acesso em: 21 ago. 2020.
https://valor.globo.com/empresas/noticia...
)

Segundo o presidente do grupo, a reestruturação descrita começou a ser implementada ainda em 2020 e tinha previsão de conclusão em 2021, como foi demonstrado no evento Cogna Day, realizado em dezembro daquele ano. A nova estrutura da companhia (Figura 5) destaca a atuação da Kroton, que passa a ter como focos o ensino híbrido e digital e o ensino médico, por meio da KrotonMed.

Figura 5
Estrutura Cogna 2021.

No entanto, há um ceticismo do mercado com relação a quando essas medidas começariam a surtir efeitos positivos no que tange à rentabilidade das ações da Cogna. As mudanças sinalizadas apontam para uma transformação cultural na gestão, que passaria a ser mais tecnológica e voltada para novos segmentos, como ocorreu a partir do IPO da Vasta na Nasdaq, realizado em julho 2020.

A prioridade das aquisições no segmento de cursos de graduação presencial premium em detrimento dos demais cursos de baixo custo, transformados, na sua maioria, para o formato digital é um indício de que o cunho pedagógico dessas empresas permanece em segundo plano. A prioridade é garantir a valorização dos ativos em detrimento da qualidade do ensino e das perdas de emprego e salário dos docentes desses conglomerados.

A opção pelo formato digital, presente há mais de uma década na educação superior, foi exacerbada na crise sanitária. Por um lado, observa-se a redução da jornada de trabalho para os docentes horistas, uma vez que parte das aulas passa a ser gravada e não há restrição física à quantidade de estudantes por turma para o mesmo docente. Por outro lado, houve demissão em massa dos docentes dos grandes grupos como forma de ajuste e redução dos custos operacionais.28 28 Ver a este respeito matéria do G1 de 15 de julho de 2022 sobre a demissão em massa de professores universitários, a qual exemplifica o caso da universidade sem fins lucrativos Uninove, que é a 6ª maior IES em quantidade de estudantes (Tabela 1).

No caso da Ânima, apesar da queda registrada em meados de março e abril, no auge da pandemia, a empresa apresentou melhor recuperação. O grupo argumenta que o seu bom desempenho se deve às aquisições de faculdades de medicina e às ferramentas tecnológicas desenvolvidas pela empresa. Desde 2017, por exemplo, as faculdades do grupo fazem uso do Ecossistema Ânima de Aprendizagem (E2A), de modo que já havia uma forte inserção dos estudantes no ambiente virtual, sob a forma de ensino híbrido. Entretanto, as mudanças realizadas pela empresa têm impacto direto no corpo docente. Em julho de 2020, o grupo demitiu 150 professores após mudanças na matriz curricular da instituição, como resultado do aumento da oferta a distância (SINPRO MINAS, 2020SINPRO MINAS. Orientações aos professores demitidos pelo grupo Ânima. 2020. Disponível em: https://www.sinprominas.org.br/orientacoes-aos-professores-demitidos-pelo-grupo-anima/. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://www.sinprominas.org.br/orientaco...
), gerando insatisfação de entidades sindicais como o Sinpro-MG.29 29 Ver a este respeito: https://www.sinprominas.org.br/orientacoes-aos-professores-demitidos-pelo-grupo-anima/. Acesso em: 20 jul. 2022.

A Ser Educacional, por sua vez, acenou para o mercado com redução de custos, por meio de renegociação de contratos e redução de pessoal. Houve, porém, incerteza por parte dos investidores sobre a efetividade das medidas adotadas pela empresa; isso porque a redução de custos é temporária, tendo em vista que o retorno das atividades presenciais em 2021 gerou novo aumento dos custos operacionais, tais como os de água, energia elétrica e despesas com manutenção, segurança e limpeza.

A empresa beneficiou-se da medida provisória n. 936, de 1° de abril de 2020, que tratava da redução de jornada e da suspensão de contrato de trabalho durante a pandemia e, entre outras medidas, renegociou contratos de aluguel e contratos de terceiros. Após registrar perdas acumuladas de 44% no primeiro semestre de 2020, o grupo sinalizou para o lançamento de novos cursos de ensino a distância e para a ampliação da carga de aulas on-line nos cursos presenciais para até 40%, exatamente nos moldes propostos pelos MEC.

Por sua vez, a Yduqs adotou outra estratégia ao se posicionar no segmento premium, cujas mensalidades são mais elevadas, garantiu aumento das receitas e maior confiança dos investidores. Observa-se que o movimento em direção aos cursos de medicina, por exemplo, explicita essa tendência, que foi exacerbada com o surgimento da COVID-19.

No campo pedagógico, foi aprovada a lei n. 14.440, de 18 de agosto de 2020, que suspendeu a obrigatoriedade de escolas e universidades cumprirem a quantidade mínima de 200 dias letivos. A lei é oriunda da medida provisória n. 934 de 2020, aprovada pela Câmara dos Deputados. Entretanto, para a educação superior, a carga horária deveria ser cumprida integralmente.

No dia 13 de setembro de 2020, a Ser anunciou um acordo para a compra da Laureate Brasil,30 30 Laureate International Universities (LIU) é uma rede global de instituições acadêmicas privadas, criada em 1998 e sediada em Baltimore, Maryland, nos Estados Unidos. que detinha as marcas Anhembi Morumbi e Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), duas empresas educacionais tradicionais de São Paulo, conforme anúncio feito ao mercado por meio da B3. Todavia, Yduqs e Ânima também demonstraram interesse na aquisição. As negociações foram finalizadas em novembro de 2020, ficando a Ânima responsável pelos ativos do grupo norte-americano, uma operação avaliada em mais de R$ 4,4 bilhões. Esse fato recente explicita uma nova onda de aquisições, impulsionada pelo cenário de crise sanitária, voltada especialmente para a aquisição de cursos de medicina.

Em setembro de 2020, um novo grupo chamado Vitru, holding educacional associada ao grupo Uniasselvi, abriu capital na Nasdaq. À época, a bolsa norte-americana já abrigava as empresas educacionais brasileiras Arco e Vasta, de educação básica, e a Afya, voltada para cursos de medicina. Em 2021, ocorreu ainda o IPO do grupo Cruzeiro do Sul, que levantou R$ 1,4 bilhão com a abertura de capital na B3. A partir de então, as empresas analisadas têm se dedicado às aquisições e à ampliação dos seus respectivos portfólios, demonstrando assim, apesar da crise econômica ocasionada pela COVID-19, que esses grupos vêm atuando fortemente no mercado educacional brasileiro.

Além das aquisições, há uma tendência à ampliação de cursos digitais, com a disponibilização de plataformas de ensino híbrido. Nesse sentido, há uma expectativa de como a Cogna vai se posicionar principalmente em relação à sua subsidiária Vasta,31 31 Sobre os movimentos da empresa Vasta, ver a respeito Lima (2022). cujo foco é a educação básica. Assim, por meio da plataforma digital, a empresa deve se tornar menos dependente da sua inserção na educação superior. Entre os grupos estudados, a Cogna é aquela com maior capilaridade e inserção na educação básica, concentrando-se, sobretudo, na oferta de sistemas de ensino, materiais didáticos e pacotes de gestão, entre outros serviços, tanto para a educação básica pública como para a privada (Lima, 2022LIMA, Raimundo da Silva. Financeirização na Educação Básica: um estudo sobre a Vasta Educação. 2022. 111 f. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade de Brasília, Brasília, 2022.) e configurando, portanto, um amplo campo de pesquisa na temática sobre financeirização da educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo analisar os principais movimentos e estratégias dos grupos privados de capital aberto antes e durante a pandemia provocada pela COVID-19. Como demonstrado, trata-se de empresas educacionais que atuam em várias frentes, ampliando assim seus portfólios, com a anuência do Estado brasileiro, que vem flexibilizando as leis educacionais sob a forma de portarias e decretos.

Em diversos momentos, a partir de 2007, verificaram-se movimentos dos grupos privados em direção ao financiamento público, por meio de políticas públicas como o Prouni e o FIES, ambos os programas beneficiando estudantes dos cursos de medicina.

No entanto, o que se observa é o crescente lucro das empresas de capital aberto, que não é acompanhado pelo aumento da qualidade dos cursos oferecidos. Nos grupos Cogna, Yduqs, Ser e Ânima, por se tratar de empresas de capital aberto, não há controle sobre a origem de capital. Nesse modelo, a propriedade do capital é pulverizada e permite a concentração societária de especuladores e de empresas educacionais estrangeiras.

Prova disso é que esses grupos frequentemente estampam matérias de cadernos de negócios, sempre sob a ótica mercadológica. Assim, o mercado de educação superior privado brasileiro transformou-se em um grande balcão de negócios, despertando preocupação dos pesquisadores, professores e sindicatos de professores quanto à garantia de uma educação de qualidade socialmente referenciada.

A educação superior privada lucrativa encontra-se reduzida a termos como fusões, aquisições, abertura de capital, ticket médio, segmento premium e ensino híbrido, cujos movimentos estão em destaque no noticiário jornalístico cotidiano no setor de economia e finanças. O MEC não realiza nenhuma regulação desse mercado, cujo segmento concentra a maior parte das matrículas, instituições e cursos, deixando a atribuição da regulação econômica concorrencial ao CADE, como qualquer outro setor da economia brasileira.

Por fim, em um ambiente de incertezas, a tendência é que as grandes empresas educacionais apresentem bons resultados econômicos e satisfaçam seus principais clientes, que são seus acionistas, tendo em vista o dinamismo na reestruturação e a diversificação dos seus portfólios. As soluções e plataformas tecnológicas, bem como o ensino híbrido, foram exacerbados pela crise sanitária e devem ser a tendência para os próximos anos.

Ademais, a pandemia agravou a precarização do trabalho docente, com as demissões coletivas (G1, 2022G1. Aposta em ensino a distância gera demissão em massa de professores universitários. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2022/07/15/aposta-em-ensino-a-distancia-gera-demissao-em-massa-de-professores-universitarios.ghtml. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://g1.globo.com/educacao/noticia/20...
), a queda salarial e a redução de jornada de trabalho, que já vinham acontecendo no setor em razão do baixo crescimento econômico e da flexibilização da legislação trabalhista (Miqueletto, 2021MIQUELETTO, Maria Isabel. Reforma trabalhista completa 4 anos sem conseguir estimular a criação de empregos. Uol Economia, 17 de novembro de 2021. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2021/11/17/reforma-trabalhista-completa-4-anos-sem-conseguir-estimular-a-criacao-de-empregos.htm. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://economia.uol.com.br/noticias/est...
).32 32 Ver sobre o tema: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2021/11/17/reforma-trabalhista-completa-4-anos-sem-conseguir-estimular-a-criacao-de-empregos.htm. Acesso em: 10 nov. 2022. Da mesma forma, é possível perceber que os processos de financeirização e concentração de mercado podem ser ainda mais acelerados tanto na educação superior como na educação básica por meio do ensino remoto, híbrido e com foco no nicho de mercado denominado segmento premium, com destaque para os cursos de medicina, não apenas pelo valor elevado de mensalidades como pelo prestígio social e salarial, mas também pelo protagonismo da carreira em meio a eventuais crises sanitárias (Nogueira, 2023NOGUEIRA, Pablo. Fim da emergência de saúde pública para a COVID-19 decretado pela OMS não implica término da pandemia, alerta pesquisadora da Unesp. Jornal da Unesp, 9 de maio de 2023. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2023/05/09/fim-da-emergencia-de-saude-publica-para-a-covid-19-decretado-pela-oms-nao-implica-termino-da-pandemia-alerta-pesquisadora-da-unesp/. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://jornal.unesp.br/2023/05/09/fim-d...
).33 33 Em 5 de maio de 2023, a OMS anunciou uma alteração no status da COVID-19, que deixou de ser classificada como emergência de saúde pública de interesse internacional (https://jornal.unesp.br/2023/05/09/fim-da-emergencia-de-saude-publica-para-a-covid-19-decretado-pela-oms-nao-implica-termino-da-pandemia-alerta-pesquisadora-da-unesp/).

  • 1
    O Prouni é um programa do MEC criado em 2005, que oferece bolsas de estudos integrais e parciais em IES privadas.
  • 2
    Programa do MEC criado em 1999 e destinado ao financiamento da educação superior de estudantes matriculados em IES não gratuitas. O programa vem passando por reformulações desde 2015, reduzindo a sua atratividade.
  • 3
    O private equity é um tipo de investimento feito de forma privada, no qual um investidor aporta seu capital diretamente em empresas com potencial de crescimento em médio e longo prazo, com o intuito de lucrar com uma futura venda. Esse tipo de aplicação, segundo a Consultoria Suno, pode ser realizada diretamente por empresas, instituições, fundos de investimento ou até mesmo investidores individuais. Nesse modelo de aplicação financeira, as empresas recebem um aporte de capital privado para financiar suas operações e os investidores que realizam esse tipo de aporte costumam optar por negócios que tem grande possibilidade de crescimento. Disponível em: https://www.suno.com.br/artigos/private-equity/. Acesso em: 10 jun. 2023.
  • 4
    De acordo com Zwan (2014)ZWAN, Natascha van der. Making sense of financialization. Socio-Economic Review, v. 12, n. 1, p. 99-129, 2014. https://doi.org/10.1093/ser/mwt020
    https://doi.org/10.1093/ser/mwt020...
    , o shareholder value foi inicialmente concebido como uma espécie de "teoria" da performance corporativa, segundo a qual a maximização do valor acionário teria como premissa fundamental a ideia de que os ativos residuais da empresa pertencem ao acionista, uma vez que este não possui garantia contratual de retorno do investimento realizado.
  • 5
    Estes conglomerados derivam das fusões e aquisições decorrentes da rápida expansão dos grupos educacionais privados a partir da abertura de capital e da atuação de investidores institucionais. Para melhor compreensão sobre os conglomerados educacionais, ver Carvalho (2013)CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. A mercantilização da educação superior brasileira e as estratégias de mercado da IES lucrativas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 18, p. 761-776, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782013000300013&script=sci_arttext. Acesso em: 23 ago. 2022.
    https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S14...
    .
  • 6
    O termo S.A. está relacionado às Sociedades Anônimas, isto é, um tipo de sociedade empresarial dividida por ação. O tema é regulamentado pela lei n. 6.404/76 (também conhecida como Lei das Sociedades Anônimas).
  • 7
    A Nasdaq é uma bolsa de valores americana criada em 1971, especializada em empresas do setor de tecnologia.
  • 8
    Um investidor institucional é uma entidade ou empresa que administra o capital de terceiros — que, por sua vez, podem ser pessoas ou outras empresas. São exemplos de investidores institucionais: bancos, corretoras, family offices (serviço privado de consultoria em gerenciamento de patrimônio para clientes ricos), fundos de pensão, seguradoras, sociedades gestoras de fundos de investimentos etc. Ver a este respeito: https://warren.com.br/magazine/o-que-e-um-investidor-institucional/#:~:text=Um%20investidor%20institucional%20nada%20mais%20%C3%A9%20do%20que,ou%20o%20investimento%20em%20grandes%20projetos%20de%20infraestrutura. Acesso em: 08 aug. 2023.
  • 9
    Termo utilizado pelas empresas e consultorias educacionais para se referir aos grupos privados atuantes em determinado segmento. No caso da educação superior privada, os principais players, ou jogadores, são Cogna, Yduqs, Ser Educacional e Ânima.
  • 10
    O CADE é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, cuja principal função é estimular a livre concorrência. Trata-se do órgão responsável por combater a formação de cartéis e analisar fusões e aquisições de empresas. Tem por objetivo orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos do poder econômico, atuando na sua prevenção e na repressão.
  • 11
    O segmento premium está relacionado à oferta de cursos com ticket médio (mensalidades) mais elevados, que representam, portanto, maior receita para as empresas educacionais.
  • 12
    Entre as marcas do grupo estão as editoras Ática, Saraiva, Scipione e Atual, de modo que a Cogna passa a atuar no mercado de livros didáticos, tendo acesso privilegiado aos recursos provenientes do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do Governo Federal.
  • 13
    Holding é uma empresa que possui como atividade principal a participação acionária majoritária em uma ou mais empresas. Trata-se de uma empresa que possui a maioria das ações de outras empresas e que detém o controle de sua administração e políticas empresariais.
  • 14
    Em 2021, as operações da Saber passaram para o controle da Eleva Educação. Desse modo, a Cogna deixou de ter em seu portfólio unidades de educação básica, dedicando-se à oferta de plataformas e sistemas de ensino.
  • 15
    A empresa surgiu do Sistema Ari de Sá, com sede em Fortaleza, no estado do Ceará, e optou por abrir o capital no exterior na Nasdaq.
  • 16
    Instituição de ensino superior e pós-graduação especializada na oferta de cursos voltados para o mercado financeiro e econômico.
  • 17
    Laureate International Universities (LIU) é uma rede americana de estabelecimentos com fins lucrativos de educação superior presente em vários países, sobretudo na América Latina, e no Brasil desde 2005.
  • 18
    Ver, a este respeito, Bielschowsky (2018)BIELSCHOWSKY, Carlos Eduardo. Análise dos resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) para Educação a Distância do ciclo 2015 a 2017. EaD em Foco, v. 8, n. 1, p. 1-15, 2018. Disponível em: https://eademfoco.cecierj.edu.br/index.php/Revista/article/view/758. Acesso em: 30 nov. 2022.
    https://eademfoco.cecierj.edu.br/index.p...
    .
  • 19
    A marca Afya surgiu em 2019, com a fusão entre os grupos NRE Educacional, especializado na oferta de cursos de medicina, e Medcel, empresa voltada para cursos preparatórios para residência médica, especializações e atualizações. A nova empresa autodenomina-se como "o maior ecossistema de educação e healthtechs do Brasil" (Afya, 2022AFYA. Quem somos. 2022. Disponível em: https://www.afya.com.br/sobre/quem-somos. Acesso em: 20 jun. 2023.
    https://www.afya.com.br/sobre/quem-somos...
    , grifo nosso) e afirma "combinar educação médica de qualidade com uso intensivo de tecnologia em todas as fases da formação do médico" (Afya, 2022AFYA. Quem somos. 2022. Disponível em: https://www.afya.com.br/sobre/quem-somos. Acesso em: 20 jun. 2023.
    https://www.afya.com.br/sobre/quem-somos...
    , grifo nosso).
  • 20
  • 21
    De acordo com o site Escolas Médicas no Brasil, as mensalidades dos cursos de medicina variam entre R$5.000,00 e R$12.000,00. Ver a respeito: https://www.escolasmedicas.com.br/mensalidades.php. Acesso em: 30 jun. 2023.
  • 22
    Ver portaria n. 395, de 26 de agosto de 2019, e portaria n. 400, de 26 de agosto de 2019.
  • 23
    Programa lançado pelo Governo Federal em 2013, com o objetivo de suprir a carência de médicos no interior do país e nas periferias das grandes cidades brasileiras.
  • 24
    Ver, a este respeito, a portaria n. 406, de 2 de setembro de 2019.
  • 25
    Ver, a este respeito, o estudo Demografia Médica no Brasil (Scheffer et al., 2023SCHEFFER, Mário (coord.). Demografia Médica no Brasil 2023. São Paulo: FMUSP, AMB, 2023. 344 p. Disponível em: https://amb.org.br/noticias/lancada-a-demografia-medica-no-brasil-2023/. Acesso em: 30 jun. 2023.
    https://amb.org.br/noticias/lancada-a-de...
    ), realizado pelo CFM. Disponível em: https://amb.org.br/noticias/lancada-a-demografia-medica-no-brasil-2023/. Acesso em: 30 jun. 2023.
  • 26
    O Grupo Ari de Sá oferece conteúdo, tecnologia e serviços para mais de 5.400 escolas em todo o país, da educação infantil ao ensino médio, de acordo com informações disponibilizadas no site institucional da empresa.
  • 27
    Ver a este respeito: https://www.afya.com.br/sobre/quem-somos. Acesso em: 30 jun. 2023.
  • 28
    Ver a este respeito matéria do G1 de 15 de julho de 2022 sobre a demissão em massa de professores universitários, a qual exemplifica o caso da universidade sem fins lucrativos Uninove, que é a 6ª maior IES em quantidade de estudantes (Tabela 1).
  • 29
  • 30
    Laureate International Universities (LIU) é uma rede global de instituições acadêmicas privadas, criada em 1998 e sediada em Baltimore, Maryland, nos Estados Unidos.
  • 31
    Sobre os movimentos da empresa Vasta, ver a respeito Lima (2022)LIMA, Raimundo da Silva. Financeirização na Educação Básica: um estudo sobre a Vasta Educação. 2022. 111 f. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade de Brasília, Brasília, 2022..
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  • 33
    Em 5 de maio de 2023, a OMS anunciou uma alteração no status da COVID-19, que deixou de ser classificada como emergência de saúde pública de interesse internacional (https://jornal.unesp.br/2023/05/09/fim-da-emergencia-de-saude-publica-para-a-covid-19-decretado-pela-oms-nao-implica-termino-da-pandemia-alerta-pesquisadora-da-unesp/).
  • Financiamento:

    Apoio financeiro recebido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, por meio dos recursos próprios.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Mar 2023
  • Revisado
    06 Jul 2023
  • Aceito
    11 Jul 2023
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