RESUMO
Este artigo situa e problematiza a natureza dos conceitos de professor pesquisador e professor reflexivo por meio da abordagem de estudo teórico-conceitual com o objetivo de verificar como eles foram apropriados pelo campo da educação e aplicados à formação e prática dos professores da educação básica. A partir dessa discussão, busca-se elencar elementos que possam contribuir com a (re)configuração do conceito de professor como pesquisador na atualidade. Embora se deva considerar que um longo caminho tenha sido percorrido e os conceitos supracitados tenham sofrido uma série de críticas, reformulações e desdobramentos, um componente importante na discussão sobre o professor pesquisador e o reflexivo ainda pode ser considerado e detalhado. Trata-se de resgatar os contextos que motivaram suas construções. Nesses contextos, em confronto com as realidades educativas atuais, podem ser encontrados subsídios para se pensar a formação e prática de professores.
PALAVRAS-CHAVE
professor pesquisador; professor reflexivo; estudo teórico-conceitual
RESUMEN
En este artículo se discute la constitución de los conceptos de profesor investigador y profesor reflexivo tomando por base un estudio teórico-conceptual, con el objetivo de verificar cómo tales conceptos han sido apropiados por el área de la educación y cómo se han aplicado a la formación y a la práctica de los profesores. Con esta discusión buscamos elementos capaces de contribuir con la (re)configuración del concepto del profesor investigador en la actualidad. Aunque se deba tener en cuenta que un largo camino ha sido recorrido y los conceptos presentados sufrieron una serie de críticas, reformulaciones y desdoblamientos, aún se puede considerar y detallar un componente importante en la discusión sobre el profesor investigador y el reflexivo. Se trata de rescatar los contextos que motivaron sus construcciones. En tales contextos, en oposición a las realidades educativas actuales, se pueden encontrar subsidios para pensar la formación y práctica de profesores.
PALABRAS CLAVE
profesor investigador; profesor reflexivo; estudio teórico-conceptual
ABSTRACT
This article inquires into the nature of two concepts: the teacher as a researcher and as a reflective teacher. It uses the theoretical-conceptual research approach. The objective is to study how these ideas were adopted in the field of education and applied to basic schoolteachers' training and practice. This article searches for elements that contribute to (re)configure the concept of the teacher as a researcher today. Although it should be considered that, for a long period of time, the aforementioned concepts have undergone many criticisms, reformulations and developments, it seems that there are still important elements that need to be considered and detailed when searching on these issues. That is, to rescue the contexts that motivate their construction. Contrasting with current educational realities one can find other ways to think about teachers' training and practice.
KEYWORDS
teacher as researcher; reflective teacher; theoretical-concept approach
INTRODUÇÃO
Pensar a temática do professor pesquisador e do professor reflexivo, bem como seus limites, desafios e perspectivas para o campo específico da educação brasileira, remete à busca de sua construção conceitual e seus usos nesse contexto. Tal construção pode ser situada com base nos trabalhos de Stenhouse (1975Stenhouse, L. An introduction to curriculum research and development. Londres: Heinemann, 1975., 1981)______. Investigación y desarrollo del curriculum. Madrid: Morata, 1981. eSchön (1983Schön, D. The reflective practitioner. Nova York: Basic Books, 1983., 1992)______. Formar professores como profissionais reflexivos. In: Nóvoa, A. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 79-91., e seus usos parecem ter servido a pelo menos dois propósitos. Por um lado, para evidenciar e nomear movimentos de professores que tinham a preocupação precípua com o aprendizado dos alunos que se encontravam em suas escolas. Por outro, como aporte teórico para formar professores como profissionais reflexivos e/ou que pudessem ter a pesquisa como prática recorrente em seu trabalho docente.
De acordo com André (2005, p. 56)André, M. E. Pesquisa, formação e prática docente. In: ______. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 4. ed. São Paulo: Papirus, 2005. p. 55-67., "o movimento1 1 O movimento a que André (2005) se refere, diz respeito ao movimento no âmbito acadêmico, representado pela literatura educacional, que considera a pesquisa como parte fundamental da formação do professor e busca meios de realizá-la baseando-se em diferentes configurações e princípios. Não se deve confundir esse movimento com o que está sendo chamado neste trabalho de movimentos de professores. Essa expressão diz respeito a movimentos iniciados pelos professores, experimentados na realidade da educação básica, que buscaram alterar essa realidade em virtude de suas vivências com seus alunos. que valoriza a pesquisa na formação do professor é bastante recente" e ganha força no Brasil a partir do final da década de 1980, apresentando crescimento substancial na década de 1990.
A informação sobre a existência desses movimentos em diferentes países chegou sistematicamente até nós e tomou fôlego mediante a publicação da coletânea organizada por Antonio Nóvoa (1992)Nóvoa, A. Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992., sob o título de Os professores e a sua formação. Nela encontram-se traduzidos em língua portuguesa artigos de vários autores que discutem a formação de professores tendo como premissa a necessidade de revisão da pesquisa educacional para dar conta das demandas do ensino.
Por meio dessa publicação, outras mais foram se revelando e possibilitaram contextualizar e problematizar o que vem a ser um professor pesquisador, um professor reflexivo e o papel da pesquisa em educação, sob diferentes pontos de vista (André, 2005André, M. E. Pesquisa, formação e prática docente. In: ______. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 4. ed. São Paulo: Papirus, 2005. p. 55-67.; Geraldi; Fiorentini; Pereira, 1998Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.).Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998.). Além disso, nos inseriu em um conjunto de discussões que nos levou aos seguintes questionamentos: Quem é o professor pesquisador e o professor reflexivo? Quais as suas características? Quais as propriedades e a natureza da sua pesquisa? A pesquisa do professor é uma pesquisa científica? "De que professor e de que pesquisa está se tratando, quando se fala em professor pesquisador? Que condições tem o professor, que atua nas escolas, para fazer pesquisas? Que pesquisas vêm sendo produzidas pelos professores nas escolas?" (André, 2005André, M. E. Pesquisa, formação e prática docente. In: ______. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 4. ed. São Paulo: Papirus, 2005. p. 55-67., p. 55), "O que conta como pesquisa?" (Lüdke, 2009______. O que conta como pesquisa? São Paulo: Cortez, 2009., p. 27).
Este artigo tem como objetivo estudar a natureza dos conceitos de professor pesquisador (Stenhouse, 1975Stenhouse, L. An introduction to curriculum research and development. Londres: Heinemann, 1975., 1981______. Investigación y desarrollo del curriculum. Madrid: Morata, 1981.) e professor reflexivo (Schön, 1983Schön, D. The reflective practitioner. Nova York: Basic Books, 1983., 1992______. Formar professores como profissionais reflexivos. In: Nóvoa, A. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 79-91.) e problematizá-la servindo-se da abordagem de estudo teórico-conceitual (Checkland; Holwell, 1998Checkland, P.; Holwell, S. Action research: its nature and validity.Systemic Practice and Action Research, Netherlands: Springer, v. 11, n. 1, p. 9-21, 1998.). Objetiva ainda verificar como esses conceitos foram apropriados e mesclados pelo campo da educação e aplicados à formação e à prática de professores. A partir dessa problematização e verificação, pretende-se elencar elementos que possam contribuir para a (re)configuração do conceito de professor pesquisador na atualidade, resgatando-o em suas bases, de modo que se possa cooperar para que outros movimentos de professores ganhem força e legitimidade.
Conforme se busca mostrar neste trabalho, é no movimento que motiva a construção do conceito de professor pesquisador que se encontram disposições que permitem ampliá-lo para diferentes realidades educacionais. Na (re)configuração desse conceito, estão inseridos prioritariamente os sujeitos para os quais se destinam as práticas escolares. E nessas práticas precisam ser levadas em consideração a construção sociocultural de tais sujeitos, sua interculturalidade e, sobretudo, sua demanda por inclusão (Fleuri, 2003Fleuri, R. M. Intercultura e educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro: ANPEd; Campinas: Autores Associados, n. 23, p. 16-35, maio/ago. 2003.; Ribeiro, 2008Ribeiro, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.; Senna, 2007b______. O problema epistemológico da educação formal: a educação inclusiva. In: ______. (Org.). Letramento: princípios e processos. Curitiba: IBPEX, 2007b. p. 149-169.).
Para Checkland e Holwell (1998)Checkland, P.; Holwell, S. Action research: its nature and validity.Systemic Practice and Action Research, Netherlands: Springer, v. 11, n. 1, p. 9-21, 1998., um quadro conceitual é criado quando o pesquisador estabelece ligações entre diferentes conceitos para evidenciar e apoiar uma questão de pesquisa. Um quadro teórico, por sua vez, pode ser usado para orientar e comparar questões de pesquisa que ainda estão em processo de construção ou que necessitam de aperfeiçoamento. Para isso, um conjunto de princípios é formulado de maneira que explique fatos ou fenômenos, sobretudo aqueles que têm sido testados e possuem uma aceitação ampla, mas que não se aplicam a uma determinada realidade social, o que parece ser o caso dos conceitos de professor pesquisador e professor reflexivo na atualidade. Esse conjunto de princípios podem ser usados para prever, criar ou inovar um fenômeno em estudo (Checkland; Holwell, 1998Checkland, P.; Holwell, S. Action research: its nature and validity.Systemic Practice and Action Research, Netherlands: Springer, v. 11, n. 1, p. 9-21, 1998.).
Segundo Senna (2007a, p. 47)______. O conceito de letramento e a teoria da gramática: uma vinculação necessária para o diálogo entre as ciências da linguagem e a educação. Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada (DELTA), São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, n. 23, p. 45-70, 2007a., a construção de um conceito ou de uma teoria deve levar em conta sua adequação externa e interna:
-
adequação externa, segundo a qual os elementos que compõem a teoria devam propor explicações tangíveis para os fatos de mundo por ela descritos;
-
adequação interna, segundo a qual a estrutura da teoria (seus argumentos, variáveis e outros aspectos que lhe dão corpo) deva manter coerência entre suas partes, bem como entre si própria e outras teorias que a antecederam na mesma linha doutrinária.
Partindo dessas bases, intenta-se alcançar os objetivos deste trabalho.
No primeiro momento, busca-se evidenciar como, a partir de um movimento de professores nas então conhecidas como escolas secundárias inglesas, chegou-se ao entendimento dos professores como pesquisadores. Pontua-se que as colaborações e negociações entre os professores dessas escolas com alguns especialistas em educação das instituições superiores de ensino foram caracterizados como pesquisa-ação. Essa caracterização se deu porque se reconheciam no processo colaborativo particularidades da pesquisa-ação.
Faz-se necessário esclarecer, desde logo, que pesquisa-ação é uma expressão cunhada no campo das ciências sociais, cuja autoria é dada a Lewin (1946)Lewin, K. Action research and minority problems. Journal of Social Issues, Malden: Wiley, n. 2, p. 34-36, 1946.,2 2 Embora se reconheça que o termo e o próprio uso da pesquisa-ação possam ter surgido anteriormente (Tripp, 2005). e em seu âmbito os fundamentos básicos podem ser assim definidos: seu caráter participativo, seu impulso democrático e sua contribuição à mudança social (Pereira, 1998Pereira, E. M. A. Professor como pesquisador: o enfoque da pesquisa-ação na prática docente. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 153-182., p. 168). No entanto, o que se destaca na primeira parte do artigo é a prática dos professores das escolas secundárias inglesas, que deu sustentação ao conceito de professor pesquisador e antecedeu a ideia de pesquisa-ação, posteriormente aplicada ao trabalho desenvolvido por eles em conjunto com especialistas da área.
Ainda no primeiro momento, como subtópico, apresenta-se outro movimento de professores, esse ocorrido no Brasil, particularmente na cidade do Rio de Janeiro. Nele apresentava-se uma preocupação legítima com o aprendizado dos alunos na escola e exigia-se certa coerência entre a produção de conhecimento em educação e o que estava sendo vivenciado nas salas de aula da educação básica. Segundo Senna (2003)Senna, L. A. Orientações para elaboração de projetos de pesquisa-ação em educação. Rio de Janeiro: Papel&Virtual, 2003., tal exigência provocaria nos estratos acadêmicos mais atentos a necessidade de se produzir conhecimento para a educação e a revisão de seus pressupostos para que pudessem, minimamente, responder aos questionamentos trazidos pelos professores aos cursos de formação em nível superior. De acordo com o autor, ação-pesquisa-ação pôde nomear o movimento que é, principalmente, "de" e "para" professores "com vivências profissionais e interesses comuns, sempre ligados ao cotidiano da escola básica e seus alunos" (idem, p. 107).
Ação-pesquisa-ação e pesquisa-ação são nomenclaturas que se referem ao mesmo conceito, cujo significado pode ser assim enunciado: a busca de formas de ações coletivas que objetivam a resolução de algum problema ou a transformação de uma dada realidade (Thiollent, 2011Thiollent, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2011., p. 13).
A palavra ação colocada por Senna (2003)Senna, L. A. Orientações para elaboração de projetos de pesquisa-ação em educação. Rio de Janeiro: Papel&Virtual, 2003. na expressão pesquisa-ação, criando então um novo conceito, serve para destacar o fato de que a ação dos professores na educação básica trouxe à tona a necessidade de se produzir conhecimento para esse nível de ensino. Ressalte-se que, tanto na Inglaterra quanto no exemplo produzido no Brasil, houve uma conjuntura oriunda dos professores do ensino básico atentos às demandas de seus alunos que, no caso da Inglaterra, motivou o conceito de professor pesquisador e cedeu às categorias conceituais da pesquisa-ação quando esses professores foram estimulados a colaborar com os especialistas. No Brasil considerou-se que o movimento de professores apresentava características que se assemelhavam à metodologia da pesquisa-ação. Não houve, a priori, um projeto de pesquisa-ação que gerasse os movimentos descritos, ao contrário, os movimentos, por suas características, é que foram considerados pesquisa-ação.
No segundo momento deste trabalho, analisa-se a natureza do conceito de professor reflexivo, abordada no estudo de Schön (1983)Schön, D. The reflective practitioner. Nova York: Basic Books, 1983.sobre o profissional reflexivo e que serviu de fundamento para se pensar a formação de professores, tornando-se um paradigma no campo educacional brasileiro.
As análises realizadas neste trabalho sugerem que os conceitos de professor pesquisador (Stenhouse, 1975Stenhouse, L. An introduction to curriculum research and development. Londres: Heinemann, 1975., 1981______. Investigación y desarrollo del curriculum. Madrid: Morata, 1981.) e de profissional/professor reflexivo (Schön, 1983Schön, D. The reflective practitioner. Nova York: Basic Books, 1983., 1992Schön, D. The reflective practitioner. Nova York: Basic Books, 1983.) foram amalgamados no paradigma do professor reflexivo (Nóvoa, 2001______. Matrizes curriculares. [set. 2001]. Entrevista concedida ao Programa Salto para o Futuro. Rio de Janeiro, TV Escola (MEC). Disponível em: <http://tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_Entrevista =59>. Acesso em: 19 abr. 2009.
http://tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/...
), vastamente utilizado por setores que possuem a prerrogativa de orientar a formação de professores e suas práticas em sala de aula (Brasil, 1999______. Ministério da Educação. Resolução CEB n. 2, de 19 de abril de 1999. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal. Brasília, DF: MEC, 1999., 2002______. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP n. 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 abr. 2002. Seção 1, p. 31.).
Embora se deva considerar que um longo caminho tenha sido percorrido e os conceitos supracitados tenham sofrido uma série de críticas, reformulações e desdobramentos (Arce, 2001Arce, A. Compre um kit neoliberal para a educação infantil e ganhe grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educação & Sociedade, Campinas: CEDES, ano XXII, n. 74, p. 251-283, abr. 2001.; Duarte, 2001Duarte, N. As pedagogias do "aprender a aprender" e algumas ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro: ANPEd; Campinas: Autores Associados, n. 18, p. 35-40, 2001.; Elliott, 1998; Libâneo, 2010Libâneo, J. C. Reflexividade e formação de professores: outra oscilação do pensamento pedagógico brasileiro? In: Pimenta, S. G.; Ghedin, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 53-79.; Miranda, 2005Miranda, M. G. O professor pesquisador e sua pretensão de resolver a relação entre a teoria e a prática na formação de professores. In: André, M. E. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 4. ed. Campinas: Papirus, 2005. p. 129-143.;Pimenta, 2005Pimenta, S. G. Pesquisa-ação crítico-colaborativa: construindo seu significado a partir de experiências com a formação docente. Educação e Pesquisa, São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, v. 31, n. 3, p. 521-539, set./dez. 2005.; Sacristán, 2010Sacristán, J. G. Tendências investigativas na formação de professores. In: Pimenta, S. G.; Ghedin, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 81-87.; Silva, 2008Silva, E. C. Críticas à formação do professor reflexivo: uma questão de paradigmas. Olhares e Trilhas, Uberlândia: EDUFU, ano 9, n. 9, p. 85-94, 2008.; Zeichner, 2008), parece que um componente importante na discussão sobre o professor pesquisador e o professor reflexivo ainda pode ser considerado e detalhado: resgatar os contextos que motivaram suas construções. Pois nesses contextos, em confronto com as realidades educativas atuais, podem ser encontrados subsídios para se pensar a formação e a prática de professores e sobretudo a dos alunos que se encontram nelas.
MOVIMENTO DE PROFESSORES: MOTIVAÇÃO À CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE PROFESSOR COMO PESQUISADOR ALIADO À PESQUISA-AÇÃO
Conforme já mencionado, a ideia do professor como pesquisador tem um de seus troncos na Inglaterra e emerge, na década de 1960, de um movimento de professores surgido no processo de reforma curricular das chamadas secondary modern schools. Essa reforma teve como objetivo fomentar um currículo e uma mudança pedagógica "direcionados para reconstruir as condições sobre as quaistodos os alunos, particularmente aqueles considerados médios e abaixo da média no tocante às habilidades acadêmicas, obtinham acesso a uma significativa e valorosa educação geral básica" (Elliott, 1998______. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 137-152., p. 137, grifo da autora).
Os alunos que frequentavam as secondary modern schools eram os que saíam da escola primária e não obtinham bons resultados nos exames seletivos para o ingresso nas consideradas melhores escolas secundárias inglesas, o que lhes asseguraria, via de regra, um bom desempenho no posterior exame para obtenção doGeneral Certification of Education. A eles era oferecido "um currículo menos denso e em geral seus alunos não eram preparados para os níveis mais avançados" (Pereira, 1998Pereira, E. M. A. Professor como pesquisador: o enfoque da pesquisa-ação na prática docente. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 153-182., p. 155).
Para que a reforma alcançasse seus objetivos nas escolas, que passaram a ser conhecidas como inovadoras, levaram-se em consideração as experiências cotidianas dos alunos. Os conteúdos escolares foram organizados de modo que relacionassem temas da vida diária, tais como: família, relações entre sexos, guerra e sociedade, mundo do trabalho, pobreza, a lei e a ordem (Elliott, 1991______. Action research for educational change. Buckingham: Open University Press, 1991.). Esses conteúdos passaram a ser desenvolvidos por grupos interdisciplinares de professores, a fim de garantir o interesse dos alunos e sua pertinência à vida deles.
De acordo com Elliott (1993)______. El cambio educativo desde la investigación-acción. Madrid: Morata, 1993., à época professor de biologia e de educação religiosa de uma das escolas inovadoras, o contexto da reforma curricular o levou a entender, mais tarde, que naquele momento se instaurava uma nova forma de se derivar teorias que partiriam das tentativas de se mudar a prática curricular na escola. Nesse sentido, as teorias eram procedentes das práticas que passaram a ser consideradas "categorias de hipóteses" a serem comprovadas (Pereira, 1998Pereira, E. M. A. Professor como pesquisador: o enfoque da pesquisa-ação na prática docente. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 153-182., p. 157).
É nesse contexto que Lawrence Stenhouse, à frente do HumanitiesCurriculum Project,3 3 O Humanities Curriculum Project teve como objetivo "explorar os princípios que informam a relação entre ensino e pesquisa" e respaldar as reformas dos exames e dos currículos prioritariamente para os alunos de capacidade "média" ou "inferior" nas matérias relacionadas às humanidades (Pereira, 1998, p. 158). sistematiza e organiza "o plano curricular surgido de forma embrionária nos movimentos dassecondary modern schools" (idem, p. 158) fazendo acréscimos e lançando mão do conceito aristotélico depráxis4 4 Práxis, para Aristóteles, refere-se a um ideal de vida e atualização de valores éticos. Aliada à educação, a práxis constitui-se como uma forma de ação que pressupõe o inacabamento, necessitando de reflexão e análise contínuas (Dickel, 1998, p. 50). para defender o currículo - aquilo que acontece em aula (Stenhouse, 1981______. Investigación y desarrollo del curriculum. Madrid: Morata, 1981.) - como processo e meio pelo qual as ideias educativas são desenvolvidas e comprovadas. O currículo, portanto, seria "um conjunto de procedimentos hipotéticos a serem experimentados com base na reflexão de ideias postas em ação" (Pereira, 1998Pereira, E. M. A. Professor como pesquisador: o enfoque da pesquisa-ação na prática docente. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 153-182., p. 159), e o professor teria um papel preponderante para a construção da "teoria curricular" (Elliott, 1998______. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 137-152.). Dessa concepção de currículo e da teoria curricular é que se constitui a ideia do professor como pesquisador defendida por Stenhouse.
Segundo Lüdke (2001, p. 80)Lüdke, M. O professor, seu saber e sua pesquisa. Educação & Sociedade, Campinas: CEDES, n. 74, p. 77-96, 2001., no trabalho deStenhouse (1975)Stenhouse, L. An introduction to curriculum research and development. Londres: Heinemann, 1975. o professor pesquisador foi colocado em destaque como o profissional que, tal como um artista, busca as melhores maneiras de atingir os alunos no processo de ensino e aprendizagem e, utilizando diferentes materiais, procura soluções mais adequadas à sua criação.
Referência similar a Stenhouse pode ser encontrada no trabalho de Dickel (1998, p. 51)Dickel, A. Que sentido há em se falar em professor-pesquisador no contexto atual? Contribuições para o debate. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 33-71., que salienta o contexto do qual o autor parte quando pensa no professor como pesquisador. Trata-se, de acordo com a autora, de reconhecer - "em um meio que desprezava o professor como produtor de conhecimento" e no qual pesquisas e teorias em educação pareciam não dialogar com os contextos educativos - os professores como sujeitos que detêm a prerrogativa de experimentar, mediante suas categorias de hipóteses, aquilo que cabe à sua prática educativa e, assim, gerar teorias que partem dela.
A relevante construção de Stenhouse (1975)Stenhouse, L. An introduction to curriculum research and development. Londres: Heinemann, 1975. em defesa do professor como produtor de conhecimento sobre as situações vividas em sua prática docente veio ao encontro, com o Humanities Curriculum Project, da reforma que fora iniciada cinco anos antes por alguns professores das escolas secundárias supracitadas (Pereira, 1998Pereira, E. M. A. Professor como pesquisador: o enfoque da pesquisa-ação na prática docente. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 153-182., p. 158).
Além do Humanities Curriculum Project, outros projetos também ocorreram e envolveram professores na pesquisa e na avaliação de suas próprias atividades curriculares. Os professores das escolas inovadoras foram encorajados a "colaborar com especialistas em currículo das instituições educacionais superiores para analisar os problemas e os efeitos da implementação das mudanças propostas" (Elliott, 1998______. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 137-152., p. 138).
Elliott sustenta que as negociações e colaborações entre professores e especialistas no contexto de desenvolvimento desses projetos caracterizaram a forma inicial do que mais tarde se deu a conhecer como pesquisa-ação. Vê-se então, a partir do movimento de professores ingleses, tanto o princípio do conceito de professor como pesquisador quanto o de pesquisa-ação no âmbito da educação.
Atualmente é difícil chegar a um consenso a respeito do conceito de pesquisa-ação, porque ele desenvolveu-se, considerando a argumentação de Lewin (1946)Lewin, K. Action research and minority problems. Journal of Social Issues, Malden: Wiley, n. 2, p. 34-36, 1946., em diferentes campos e tornou-se aplicável a diferentes situações (Tripp, 2005Tripp, D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.Educação e Pesquisa, São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005.). No campo educacional, a pesquisa-ação pode ser considerada uma estratégia que envolve professores e pesquisadores com o objetivo comum de utilizá-la para criar novas possibilidades para o ensino e, consequentemente, para o aprendizado do aluno. Mas também, nessa mesma área, houve desdobramentos que tornaram a pesquisa-ação uma prática de pesquisa com configurações e objetivos diferenciados (idem, p. 445).
Há que se enfatizar, no entanto, que pesquisa-ação foi o conceito que veio a nomear um movimento primariamente iniciado por professores. Ao receberem contribuições negociadas com especialistas do ensino superior, considerou-se que esse movimento tinha características que poderiam relacioná-lo ao conceito já existente.
A partir do movimento dos professores, foi possível perceber uma ampliação de estudos em torno da própria pesquisa-ação para a educação (Franco, 2005Franco, M. A. S. Pedagogia da pesquisa-ação. Educação e Pesquisa, São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, v. 31, n. 3, p. 483-502, set./dez. 2005.; Pimenta, 2005Pimenta, S. G. Pesquisa-ação crítico-colaborativa: construindo seu significado a partir de experiências com a formação docente. Educação e Pesquisa, São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, v. 31, n. 3, p. 521-539, set./dez. 2005.;Tripp, 2005Tripp, D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.Educação e Pesquisa, São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005.), bem como da ideia de professor como pesquisador. Ambas foram concatenadas e ampliadas por Stenhouse (1975Stenhouse, L. An introduction to curriculum research and development. Londres: Heinemann, 1975., 1981)______. Investigación y desarrollo del curriculum. Madrid: Morata, 1981., pelo próprio Elliott (1990Elliott, J. La investigación-acción en educación. Madrid: Morata, 1990., 1998______. Investigación y desarrollo del curriculum. Madrid: Morata, 1981.) e por outros autores (Geraldi; Fiorentini; Pereira, 1998Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.).Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998.;Porlán; Martin; 1997Porlán, R.; Martin, J. El diário del professor: um recurso para la investigación en el aula. Sevilla: Díada, 1997.; Zeichner, 1998Zeichner, K. M. Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador acadêmico. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 207-236.), que lhes deram a legitimidade necessária para circular nos meios acadêmicos no âmbito em que a pesquisa-ação vem sendo discutida e avaliada.
A circulação de tais ideias, predominantemente nos contextos acadêmicos, parece ter favorecido certo afastamento da situação original das quais derivaram. Com efeito, nos dias atuais, quando se busca aplicabilidade ao conceito de professor pesquisador nas escolas e nas salas de aula, torna-se custoso encontrá-la.
Talvez fosse diferente se se buscasse com os professores da educação básica indícios (Ginzburg, 1989Ginzburg, C. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.) de movimentos que tenham a primazia de alcançar o aprendizado dos alunos. Com esses professores, seria possível tentar compreender a natureza e a proposta de seus movimentos que podem estar relacionados até mesmo com pesquisadores cuja preocupação incida sobre a construção de um ensino relevante para a formação humana dos sujeitos sociais que se encontram na escola. Movimentos nesse sentido podem ser percebidos em trabalhos como os descritos por Hernández e Ventura (1998)Hernández, F.; Ventura, M. A organização do currículo por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: Artmed, 1998..
BRASIL: MOVIMENTO DE PROFESSORES PARA ALÉM DA INGLATERRA: MAIS UMA POSSIBILIDADE PARA PESQUISA-AÇÃO EM EDUCAÇÃO E PARA O PROFESSOR COMO PESQUISADOR
Como se buscou mostrar na discussão anterior, a motivação para se derivar o entendimento da pesquisa-ação no campo educacional, bem como o conceito de professor pesquisador, antes de seus desdobramentos no âmbito acadêmico, tem sua origem na prática curricular dos professores das escolas secundárias da Inglaterra durante a década de 1960. Neste trabalho, considera-se que no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro, houve um movimento semelhante, que também pôde ser reconhecido como pesquisa-ação e foi iniciado por professores da educação básica.
Diante dos crescentes índices de fracasso escolar que se tornaram notórios ao longo das duas últimas décadas do século passado no Brasil e das constantes responsabilidades que recaíam sobre os profissionais da educação por conta dessa conjuntura, professores começaram a se ressentir "da falta de reciprocidade entre os extratos teóricos e o cotidiano de sala de aula" (Senna, 2003Senna, L. A. Orientações para elaboração de projetos de pesquisa-ação em educação. Rio de Janeiro: Papel&Virtual, 2003., p. 103). As verdades construídas pela pesquisa acadêmica e tomadas como princípios a serem utilizados por professores nas escolas não lhes pouparam críticas, o que gerou um profundo descontentamento por parte desse grupo de profissionais (idem). Esse descontentamento ficou manifesto, por exemplo, no Curso de Preparação para o Magistério (CPM)5 5 O curso teve início no ano de 1992 e durou até o ano de 2002. .
O CPM foi um curso oferecido pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em convênio com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. O objetivo era a formação superior de professores cuja habilitação para o magistério tinha sido dada pela Escola Normal de Ensino Médio. Os professores do CPM, experimentados no cotidiano de sala de aula, começaram a questionar as teorias veiculadas pelos especialistas que atuavam no curso.
Diante das evidências que revelavam haver certo equívoco entre as necessidades dos professores em ensinar seus alunos em sala de aula e o suporte teórico que vinham recebendo em sua formação, alguns segmentos das faculdades de educação e secretarias de educação iniciaram um movimento "ao qual se veio dar o sugestivo nome de 'ação-pesquisa-ação'", ou simplesmente pesquisa-ação (idem, ibidem). De acordo com Senna (idem, p. 104), a partir desse movimento foi possível atribuir valor acadêmico à fala de um professor-aluno sem que ela fosse vista como ousadia ou imediatismo de quem não quer pensar. Ao contrário, essa fala fez com que a academia voltasse o olhar sobre si e tomasse consciência de sua fragilidade "perante alguém que sabia discernir verdades de meras convicções". Para o autor, o caráter revolucionário do movimento para a cultura científica não teve como resultado uma nova concepção de pesquisa, mas, antes, resultou na perda de confiança em sua capacidade de construir verdades e, principalmente, de subsistir na educação sem vestir-se para ela.
Mais uma vez, pesquisa-ação serviu para nomear um movimento que se origina partindo de professores e do conhecimento que possuem sobre seus espaços de trabalho e os alunos que se encontram nele, estendendo-se ao contexto de produção de conhecimento na universidade. Não há um projeto de pesquisa-ação definido como metodologia de pesquisa que tenha sido pensado para suprir as necessidades trazidas pelos professores. Há, isso sim, um processo de sensibilização de especialistas envolvidos com a produção de conhecimento para e na educação que, diante dos fatos trazidos pelos professores, reconheceram a importância de reformularem suas hipóteses a respeito daquilo que toca o aprendizado no contexto de sala de aula. A inter-relação estabelecida entre os professores da educação básica e os professores universitários com um objetivo em comum pôde também ser reconhecida como pesquisa-ação.
O movimento que motivou a construção do conceito de professor pesquisador na Inglaterra e gerou o entendimento da pesquisa-ação em educação, bem como o exemplo trazido de um movimento de professores da educação básica que ressoou entre os especialistas em educação em uma universidade no Brasil, revela que existe um espaço entre a universidade e a escola que permite o surgimento de propostas diferenciadas de trabalho. Propostas coerentes com as demandas educativas que envolvem essas duas importantes instâncias educacionais e escapam à conceitualização, que se torna então restrita ao âmbito acadêmico.
A discussão feita até aqui levanta questões a serem pensadas em relação à pesquisa-ação em educação. Pode-se considerar a ampliação, ou retomada, do conceito de pesquisa-ação em educação para além de uma metodologia de pesquisa, de maneira que caibam nele os movimentos do tipo anteriormente descritos. Se for esse o caminho adotado, será importante levar em conta esses movimentos como uma forma inovadora de se impulsionar a pesquisa na área educacional, como o foi em sua origem.
Outra possibilidade seria desvincular os movimentos descritos dos trabalhos de pesquisa-ação para que pudessem ser reconhecidos, primariamente, como movimentos de professores que se aliam a toda e qualquer pesquisa e pensamento que tenha como prerrogativa a coerência das teorias formuladas para os contextos educativos, entendendo teoria nos termos de Senna (2007a, p. 47)______. O conceito de letramento e a teoria da gramática: uma vinculação necessária para o diálogo entre as ciências da linguagem e a educação. Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada (DELTA), São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, n. 23, p. 45-70, 2007a.. Essa opção pode diminuir, de algum modo, os debates realizados e o próprio movimento que motivou a pesquisa-ação em educação.
Qualquer uma das possibilidades descritas, com muitas outras questões a serem colocadas e uma construção densa a ser realizada, merece um tratamento aprofundado à parte do que se propõe neste trabalho. Por ora, é importante salientar que os movimentos de professores existiram legitimamente, motivaram o conceito de pesquisa-ação em educação e do professor como pesquisador. Esses movimentos podem servir a uma (re)configuração dos conceitos, de maneira que continuem a ressoar entre os professores da educação básica e pesquisadores que se debruçam sobre a pesquisa na educação.
Aditando essa discussão, faz-se necessário examinar ainda a acomodação do conceito do professor como pesquisador no âmbito do paradigma do professor reflexivo (Nóvoa, 2001______. Matrizes curriculares. [set. 2001]. Entrevista concedida ao Programa Salto para o Futuro. Rio de Janeiro, TV Escola (MEC). Disponível em: <http://tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_Entrevista =59>. Acesso em: 19 abr. 2009.
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). Para isso, é importante compreender, minimamente, a motivação para construção do conceito de professor reflexivo e sua apropriação pelo campo educacional.
O PROFESSOR REFLEXIVO: NATUREZA E PROBLEMÁTICA PARA O BRASIL
Na obra publicada no ano de 1983, sob o título The reflective practitioner (O profissional reflexivo, tradução livre da autora), Donald Schön desenvolve a ideia de um profissional reflexivo tendo como base fundamental os trabalhos de John Dewey6 6 Além da referência a Dewey, como aponta Pimenta (2010), Schön (1983, p. 19)também lançou mão dos estudos de Luria, Kuhn, Wittgenstein e Polanyi, que lhe trouxe elementos para propor uma epistemologia da prática, isto é, a "valorização profissional como momento de construção de conhecimento". e sua observação da prática de profissionais ligados às áreas de arquitetura, desenho e engenharia (Campos; Pessoa, 1998Campos, S.; Pessoa, V. Discutindo a formação de professoras e de professores com Donald Schön. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 183-206., p. 194;Pimenta, 2010______. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: ______.; Ghedin, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 17-52.).
Na obra citada, o autor propõe que a formação profissional deva levar em conta os saberes construídos na ação. Segundo ele, existe um conhecimento tácito, espontâneo, intuitivo, que está presente na ação. Esse conhecimento, ao qual Schön (1992)______. Formar professores como profissionais reflexivos. In: Nóvoa, A. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 79-91. denominou "conhecimento na ação", faz parte do dia a dia dos profissionais e torna-se um hábito (Pimenta, 2010______. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: ______.; Ghedin, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 17-52., p. 20). No entanto, na prática da profissão existem situações incertas, conflituosas e singulares, que exigem do profissional a criação de soluções inéditas e a construção de novas estratégias de ação para resolvê-las.
Ao processo de busca e criação de soluções, Schön (1992)______. Formar professores como profissionais reflexivos. In: Nóvoa, A. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 79-91. chama de "reflexão na ação". Conforme salientam Campos e Pessoa (1998, p. 197)Campos, S.; Pessoa, V. Discutindo a formação de professoras e de professores com Donald Schön. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 183-206.:
Para Schön, a reflexão na ação está em relação direta com a ação presente, ou seja, o conhecimento na ação. Significa produzir uma pausa - para refletir - em meio à ação presente, um momento em que paramos para pensar, para reorganizar o que estamos fazendo, refletindo sobre a ação presente. (grifo do original)
Embasado na "reflexão na ação", o profissional começa a construir um repertório de experiências que são mobilizadas em situações similares. A atitude de refletir sobre a reflexão que o levou a agir de determinada forma na ação caracteriza a "reflexão sobre a reflexão na ação" (Schön, 1992______. Formar professores como profissionais reflexivos. In: Nóvoa, A. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 79-91.). Essa, por sua vez, permite que o profissional possa planejar ações futuras.
Os princípios definidos por Schön - conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a reflexão na ação - para elucidar a prática dos profissionais ligados às áreas de engenharia, desenho e arquitetura foram generalizados e passaram a servir como uma nova base para formação também em outras áreas, inclusive na educação.
Sua contribuição ao campo educacional é dada a partir do artigo "Formar professores como profissionais reflexivos" (idem), no qual o autor desloca os mesmos conceitos trabalhados no The reflexive practitioner (Schön, 1983Schön, D. The reflective practitioner. Nova York: Basic Books, 1983.) para pensar a formação de professores. Daí surge a ideia bastante difundida no campo da educação de "professor reflexivo". Como destaca Lüdke (2001, p. 80)Lüdke, M. O professor, seu saber e sua pesquisa. Educação & Sociedade, Campinas: CEDES, n. 74, p. 77-96, 2001., embora o objeto de análise de Schön nunca tenha sido propriamente os professores, "suas sugestões corresponderam de tal forma à expectativa dos formadores de futuros professores, que alcançaram um sucesso dificilmente obtido por outras ideias no campo da educação".
Essa aceitação se deu, sobretudo, porque a perspectiva de formação que era veiculada no trabalho de Schön (1983) valorizava os saberes profissionais e apresentava-se como alternativa à racionalSchön, D. The reflective practitioner. Nova York: Basic Books, 1983.idade técnica. Isto é, contrapunha-se aos pressupostos de que os conhecimentos científicos produzidos no contexto acadêmico e apresentados na formação inicial dos profissionais teriam aplicabilidade em sua prática (Pimenta, 2010______. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: ______.; Ghedin, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 17-52.).
Além de corresponder às expectativas dos "formadores de futuros professores", pode-se acrescentar, também gerava a esperança de que a partir dessa formação seria possível obter resultados mais satisfatórios no que se refere à educação em contextos escolares com demanda crescente de recebimento de alunos oriundos dos seguimentos menos favorecidos da sociedade (Mattos, 2009Mattos, C. L. G. Etnografias na escola: duas décadas de pesquisa sobre o fracasso escolar no ensino fundamental. In: .; Fontoura, H. A. (Orgs.).Etnografia e educação: relatos de pesquisa. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009. p. 11-29.).
O exame a respeito da aplicabilidade do conceito de professor reflexivo, no entanto, aponta que ele não se estabeleceu nem como alternativa à racionalidade técnica - ao contrário, serviu como uma nova roupagem para tal (Castro, 2005Castro, A. M. Mudanças tecnológicas e suas implicações na política de formação do professor. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação, Rio de Janeiro: Fundação CESGRANRIO, v. 13, n. 49, p. 469-486, out./dez. 2005.) -, muito menos como possibilidade de formação do professorado para contextos inclusivos de educação (Senna, 2008______. Formação docente e educação inclusiva. Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação Carlos Chagas; Campinas: Autores Associados, v. 38, n. 133, p. 195-219, jan./abr. 2008.).
Na realidade, o que parece ter ocorrido no Brasil foi a apropriação desse conceito para servir de base a reformas educacionais cujo foco recaiu sobre a formação e prática dos professores. Dele tentou-se extrair qualquer indicativo de que um professor formado como profissional reflexivo teria condições de lidar com diferentes situações-problema no contexto de desenvolvimento do seu trabalho. Não se levou em conta que, para isso, seriam necessárias alterações substantivas nessas condições, além de considerados também os diferentes aspectos que envolvem a relação ensino e aprendizagem nas salas de aula e o processo educativo como um todo (Miranda, 2005Miranda, M. G. O professor pesquisador e sua pretensão de resolver a relação entre a teoria e a prática na formação de professores. In: André, M. E. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 4. ed. Campinas: Papirus, 2005. p. 129-143.).
A apropriação do conceito de professor reflexivo pode ser percebida tanto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior (Brasil, 2002______. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP n. 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 abr. 2002. Seção 1, p. 31.), quanto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio (Brasil, 1999______. Ministério da Educação. Resolução CEB n. 2, de 19 de abril de 1999. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal. Brasília, DF: MEC, 1999.). Encontram-se nesses documentos, respectivamente, as seguintes expressões relacionadas ao trabalho do professor: "ação-reflexão-ação" como estratégia didática privilegiada para resolução de situações-problema (Brasil, 2002______. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP n. 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 abr. 2002. Seção 1, p. 31., artigo 5º), e "uma concepção de professor reflexivo" indispensável ao questionamento e pensamento autônomo e ético em relação às intervenções no exercício da profissão que é prática e contextualizada (Brasil, 1999______. Ministério da Educação. Resolução CEB n. 2, de 19 de abril de 1999. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal. Brasília, DF: MEC, 1999., p. 30).
Arce (2001, p. 264)Arce, A. Compre um kit neoliberal para a educação infantil e ganhe grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educação & Sociedade, Campinas: CEDES, ano XXII, n. 74, p. 251-283, abr. 2001., em uma análise introdutória do Referencial pedagógico-curricular para a formação de professores da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental (Brasil, 1997Brasil. Ministério da Educação. Referencial pedagógico-curricular para a formação de professores da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Brasília, DF: MEC, 1997.), entre outros documentos, chama atenção para o fato de que as teorias que se têm debruçado sobre a formação do professor como ser reflexivo precisam ser mais bem analisadas, de maneira que suas ideologias e filosofias se tornem claras. Segundo a autora, o que se tem percebido é a harmonização dessas teorias com uma política de educação neoliberal que pode acarretar o aligeiramento da formação de professores e conduzir a uma exacerbação, tanto do pragmatismo como do utilitarismo.
Além da problemática que incide sobre o conceito de professor reflexivo, o seu guarda-chuva parece ter abarcado as possibilidades de se pensar e expandir o conceito de professor pesquisador tendo como base sua originalidade. É desse modo que, atualmente, falar em professor como pesquisador nos remete ao professor reflexivo, à pesquisa-ação, à pesquisa sobre a própria prática, entre outros. Tal fato leva a considerar, como destacou Nóvoa (2001, p. 2)______. Matrizes curriculares. [set. 2001]. Entrevista concedida ao Programa Salto para o Futuro. Rio de Janeiro, TV Escola (MEC). Disponível em: <http://tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_Entrevista =59>. Acesso em: 19 abr. 2009.
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, que as diferentes denominações que caracterizam o professor pesquisador assentam-se sob o mesmo paradigma, qual seja, o do professor reflexivo cujo escopo está em formar um professor que pensa, que reflete sobre sua própria prática e elabora estratégias em cima dessa prática, assumindo sua realidade escolar como um objeto de pesquisa, de reflexão e de análise.
No entanto, um conceito tão aberto como o de professor pesquisador/reflexivo, já tratado como binômio, pode servir a qualquer agenda educacional (André, 2005André, M. E. Pesquisa, formação e prática docente. In: ______. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 4. ed. São Paulo: Papirus, 2005. p. 55-67., p. 57), e é o que se tem percebido nos últimos anos com a formação de professores no Brasil.
PROFESSOR PESQUISADOR, PROFESSOR REFLEXIVO OU O QUÊ? APONTAMENTOS PARA FORMAÇÃO E A PESQUISA
A respeito da motivação para o surgimento dos conceitos de professor pesquisador, que se aliou à pesquisa-ação, e de professor reflexivo, nota-se que as origens de ambos diferem radicalmente. Nota-se, ainda, que eles foram concebidos na tentativa de elucidar diferentes circunstâncias profissionais com objetivos também diferentes.
A pesquisa-ação foi a terminologia empregada para nomear um movimento de professores ingleses, na década de 1960, que estavam alterando o currículo no contexto escolar, impulsionando a pesquisa-ação em educação. Tal alteração partia da preocupação quanto à pertinência dos conteúdos escolares à vida dos alunos, de maneira que seus estudos não fossem tomados como algo desinteressante. Foi um processo em que os professores assumiram sua prática como local de construção de hipóteses sobre o modo mais adequado de levar seus alunos a interessarem-se pelos saberes veiculados pela escola e que, uma vez comprovadas, poderia levar à construção de uma teoria curricular. Conforme acrescenta Elliott (1993, p. 156)______. El cambio educativo desde la investigación-acción. Madrid: Morata, 1993.: "do ponto de vista da minha história profissional, descobri a atividade de elaboração da teoria curricular entre os professores da escola". Havia, portanto, uma preocupação direta e objetiva com a educação dos alunos.
No Brasil, o termo pesquisa-ação pôde nomear um movimento que teve origem na vivência de professores atentos ao fato de que as teorias que tinham servido de base à sua formação inicial não deram conta de fomentar uma prática educativa em que fosse possível a inserção de alunos oriundos de diferentes contextos socioculturais. Ao retornarem aos cursos de formação em nível de graduação, tais como o CPM, aqui citado anteriormente, no município do Rio de Janeiro, esses professores passaram a exigir que as explicações teóricas que estavam sendo dadas servissem às demandas que o ensino público apresentava. Tal fato desencadeou, por parte de alguns setores das faculdades de educação, o olhar sobre sua produção, com vistas a subsidiar essas demandas. É emblemática a fala reconstruída por Senna (2003, p. 104)Senna, L. A. Orientações para elaboração de projetos de pesquisa-ação em educação. Rio de Janeiro: Papel&Virtual, 2003., que exemplifica e sintetiza, de forma bastante fiel, as urgências de um professor-aluno no curso de formação: "Olha, se você não me disser para que serve esse negócio aí na hora que eu for dar aula, me desculpe, mas eu vou embora, porque eu tenho mais o que fazer".
É possível perceber que os movimentos de professores retratados no trabalho de Senna (idem) nascem das necessidades que esses profissionais possuem de atender seus alunos. Ambos os movimentos, na Inglaterra e no Brasil, foram fomentados valendo-se do contexto escolar e expandidos à academia, notadamente para o campo educacional, reclamando a revisão de seus princípios. No entanto, essa revisão, ainda por se consolidar, precisa ser retomada de modo que se volte para as possibilidades da escola com seus sujeitos, reafirmando-os como produtores de conhecimento.
O conceito de professor reflexivo, entretanto, parte dos estudos nos quais DonaldSchön (1983)Schön, D. The reflective practitioner. Nova York: Basic Books, 1983. torna evidente que a prática dos profissionais ligados à engenharia, arquitetura e desenho, além do conhecimento tácito que os leva a lidar com situações rotineiras, possui também um necessário componente reflexivo que permite a esses profissionais solucionar problemas com os quais não tinham se deparado anteriormente, ampliando assim um repertório de soluções que, uma vez repensado e descrito verbalmente, pode caracterizar uma teoria. Dessa maneira, Schön propõe uma formação tutorada e uma aprendizagem na ação para formar profissionais reflexivos naquelas áreas, considerando que o ensino derivado delas "possui um tipo particular de aprender-fazendo que deve ser mediado pelo diálogo entre tutor e estudante" (Campos; Pessoa, 1998Campos, S.; Pessoa, V. Discutindo a formação de professoras e de professores com Donald Schön. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 183-206., p. 194).
Essas propostas foram deslocadas para servir de embasamento à formação de "professores como profissionais reflexivos" (Schön, 1992______. Formar professores como profissionais reflexivos. In: Nóvoa, A. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 79-91.). Não há, como no caso anterior, um movimento de elaboração originado na escola que tenha se estendido ao âmbito acadêmico.
Enquanto as ideias de Schön ganhavam espaço no contexto educacional, abrindo as portas até mesmo para que trabalhos como os de Stenhouse (1975)Stenhouse, L. An introduction to curriculum research and development. Londres: Heinemann, 1975., Elliott (1991)______. Action research for educational change. Buckingham: Open University Press, 1991., entre outros, viessem a público (Lüdke, 2001Lüdke, M. O professor, seu saber e sua pesquisa. Educação & Sociedade, Campinas: CEDES, n. 74, p. 77-96, 2001., p. 81), o movimento de professores, que motivou na Inglaterra o surgimento do conceito do professor como pesquisador e a própria pesquisa-ação em educação, foi sendo incorporado ao conceito desenvolvido para explicar a prática de um profissional reflexivo.
Essa pluralização em torno do conceito, embora tenha auxiliado na difusão da ideia de que o professor é um produtor de conhecimento (Lisita; Rosa; Lipovetsky, 2005Lisita, V.; Rosa, D.; Lipovetsky, N. Formação de professores e pesquisa: uma relação possível. In: André, M. E. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 4. ed. São Paulo: Papirus, 2005. p. 107-127., p. 108), contribuiu muito pouco para o estado inicial das primeiras iniciativas do que foi considerado pesquisa-ação tanto na Inglaterra quanto no Brasil. Nas palavras de Senna (2003, p. 103)Senna, L. A. Orientações para elaboração de projetos de pesquisa-ação em educação. Rio de Janeiro: Papel&Virtual, 2003.: "Desde as primeiras iniciativas de 'ação-pesquisa-ação' até os dias atuais, surgiram inúmeras outras denominações, tais como 'práticas de pesquisa-ação', 'pesquisa-reflexiva' etc., cuja contribuição para o estado inicial que motivou o movimento foi muito pequena".
Elliott (1991, p. 27)______. Action research for educational change. Buckingham: Open University Press, 1991. coloca-se de modo semelhante ao afirmar que a partir do movimento inglês foram surgindo, no contexto acadêmico, outras ideias que se tomaram como base aquela prática, tais como "não pode haver desenvolvimento do currículo sem desenvolvimento do professor", "pesquisa-ação educativa", "o ensino como forma de pesquisa educativa", e mesmo "professores como pesquisadores".
A teoria que permitiu a construção do conceito de professor reflexivo, no que se refere a sua adequação interna e externa, apresenta coerência e sustentaçãono e para o campo na qual se desenvolveu e foi pioneiramente apresentada por Schön (1983)Schön, D. The reflective practitioner. Nova York: Basic Books, 1983.. Ao se tentar traduzi-la para a área educacional, especificamente para o campo de formação de professores, a teoria começa a apresentar fragilidades, sobretudo em seus aspectos externos, pois desconsidera os limites de sua aplicabilidade em situações que diferem essencialmente da prática dos profissionais no âmbito da qual emergiu.
A prática de professores envolve a formação de diferentes sujeitos sociais que se desenvolvem para ter sua singularidade considerada e respeitada. Ninguém, sobretudo no Brasil, tem o desejo de se desenvolver para ser como o outro, "mas para construir um terceiro, formado com um pouco de cada um e por um tanto de ineditismo" (Senna, 2007b, p. 224______. O problema epistemológico da educação formal: a educação inclusiva. In: ______. (Org.). Letramento: princípios e processos. Curitiba: IBPEX, 2007b. p. 149-169.). Além disso, o contexto no qual essa prática se desenvolve é intercultural, diverso e plural, assim como os sujeitos para os quais se destina.
Sem levar em conta tais aspectos, as dificuldades em se manter quaisquer teorias que se desenvolvam no e para o campo educacional se avultam. Esse é o caso do conceito de professor reflexivo que, dada sua natureza, parece não se adequar enquanto teoria explicativa para a educação, além de se mostrar implicado numa lógica de produção de conhecimento que tende a se aliar a projetos de formação aligeirados e responsabilizar quase que exclusivamente os professores pela educação em contextos escolares.
No entanto, os movimentos de professores caracterizam-se como o esboço de uma construção teórica que se pode mostrar adequada à educação. A partir deles, revela-se uma possibilidade para se (re)configurar o conceito de professor pesquisador no âmbito em que sua coerência interna e externa estejam evidentes.
Partindo desses movimentos, ainda como um delineamento a ser reforçado e/ou reescrito em determinados aspectos, pode-se traçar um conceito de professor pesquisador como parte de um processo de pesquisa no qual:
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Estejam implicados professores ou professores e pesquisadores que, produtores do conhecimento que são, buscam compreender a natureza dos fenômenos educativos em razão da necessidade de aprendizado dos alunos e de sua formação humana;
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Sejam consideradas a interculturalidade e a pluralidade como partes inerentes à sociedade e aos sujeitos que se desenvolvem nela;
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A reflexão seja concebida como processo humano que se dá, individual e coletivamente, em busca de entendimento a respeito dos diferentes aspectos sociais, psicológicos, afetivos, políticos e educacionais.
No resgate dos movimentos aqui descritos e dos princípios a eles relacionados, pode-se encontrar o arcabouço para se construir teorias que favoreçam o trabalho docente em razão dos sujeitos sociais que se encontram na escola atualmente.
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Este trabalho contou com o financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
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O movimento a que André (2005)André, M. E. Pesquisa, formação e prática docente. In: ______. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 4. ed. São Paulo: Papirus, 2005. p. 55-67. se refere, diz respeito ao movimento no âmbito acadêmico, representado pela literatura educacional, que considera a pesquisa como parte fundamental da formação do professor e busca meios de realizá-la baseando-se em diferentes configurações e princípios. Não se deve confundir esse movimento com o que está sendo chamado neste trabalho de movimentos de professores. Essa expressão diz respeito a movimentos iniciados pelos professores, experimentados na realidade da educação básica, que buscaram alterar essa realidade em virtude de suas vivências com seus alunos.
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Embora se reconheça que o termo e o próprio uso da pesquisa-ação possam ter surgido anteriormente (Tripp, 2005Tripp, D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.Educação e Pesquisa, São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005.).
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O Humanities Curriculum Project teve como objetivo "explorar os princípios que informam a relação entre ensino e pesquisa" e respaldar as reformas dos exames e dos currículos prioritariamente para os alunos de capacidade "média" ou "inferior" nas matérias relacionadas às humanidades (Pereira, 1998Pereira, E. M. A. Professor como pesquisador: o enfoque da pesquisa-ação na prática docente. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 153-182., p. 158).
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Práxis, para Aristóteles, refere-se a um ideal de vida e atualização de valores éticos. Aliada à educação, a práxis constitui-se como uma forma de ação que pressupõe o inacabamento, necessitando de reflexão e análise contínuas (Dickel, 1998Dickel, A. Que sentido há em se falar em professor-pesquisador no contexto atual? Contribuições para o debate. In: Geraldi, C.; Fiorentini, D.; Pereira, E. M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 33-71., p. 50).
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O curso teve início no ano de 1992 e durou até o ano de 2002.
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Além da referência a Dewey, como aponta Pimenta (2010)______. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: ______.; Ghedin, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 17-52., Schön (1983, p. 19)Schön, D. The reflective practitioner. Nova York: Basic Books, 1983.também lançou mão dos estudos de Luria, Kuhn, Wittgenstein e Polanyi, que lhe trouxe elementos para propor uma epistemologia da prática, isto é, a "valorização profissional como momento de construção de conhecimento".
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2016
Histórico
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Recebido
Ago 2013 -
Aceito
Abr 2015