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Um pacto intergeracional? Desafios para uma ação influente da criança na construção de uma cultura de paz

An intergenerational pact? Challenges for the child's influential action in building a culture of peace

¿Un pacto intergeneracional? Desafíos para la acción influyente del niño en la construcción de una cultura de paz

RESUMO

Este texto procura questionar o caráter dicotômico entre questões normativas de cidadania, direitos da criança, participação e poder e a sua aplicação à prática no quotidiano dos relacionamentos intra e intergeracionais. Em alternativa propõe um enfoque articulado entre os referenciais epistemológicos e ontológicos da Sociologia da Infância e da Investigação para a Paz, assente no reconhecimento mútuo e na qualidade das interações geracionais diárias em ordem à construção plena da identidade da criança e à promoção da sua participação e agência pacifista na construção de uma cultura de paz. O artigo identifica também a Investigação Participativa com Crianças como ferramenta facilitadora de abordagens mais amplas e fluidas de questões de poder intra e intergeracional, fundante de um pacto intergeracional emancipatório.

Palavras-chave:
Agência Pacifista; Crianças; Poder; Participação; Reconhecimento Mútuo

ABSTRACT

This text aims to question the dichotomous character of normative questions regarding citizenship, children's rights, power and participation and their application to daily intra and intergenerational relationships. Alternatively, it proposes an articulated approach to the epistemological and ontological references of the Sociology of Childhood and Research for Peace, supported by the mutual recognition between the quality of daily intergenerational interactions during the construction of a child's identity and promoting their participation and pacifist agency while building a culture of peace. It is also the aim of this text to frame Participatory Research with Children as a more fluid and broader approach regarding questions of intra and intergenerational power, as a foundation for an emancipatory intergenerational pact.

Keywords:
Children; Mutual Recognition; Pacifist Agency; Participation; Power

RESUMEN

Este texto busca cuestionar el carácter dicotómico entre cuestiones normativas sobre ciudadanía, derechos de los niños, participación y poder y su aplicación a la práctica en lo cotidiano de las relaciones intra e intergeneracionales. Como alternativa, propone un abordaje articulado entre los referentes epistemológicos y ontológicos de la Sociología de la Infancia y la Investigación para la Paz, a partir del reconocimiento mutuo y la calidad de las interacciones generacionales cotidianas para construir integralmente la identidad del niño y promover su participación y agencia pacifista en la construcción de una cultura de paz. El artículo también identifica a la Investigación Participativa con Niñez como una herramienta que facilita acercamientos más amplios y fluidos a cuestiones de poder intra e intergeneracional, base de un pacto intergeneracional emancipatorio.

Palabras clave:
Agencia Pacifista; Niños; Poder; Participación; Reconocimiento Mutuo

INTRODUÇÃO

Talvez nunca, na história da educação, o ato de educar tenha sido tão desafiador como nos dias de hoje. Sabemos que a sociedade humana no séc. XXI poderá ser a mais desigual, complexa e violenta da História, pelo que não será de estranhar, desde logo no atual contexto português, a ênfase política na necessidade de fazer ressurgirem normas e valores tão caídos em desuso na era pós-moderna. À escola, vemos chegar em cadência regular documentos de referência versados numa Educação para a Cidadania que "visa contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autônomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelas outras, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo, tendo como referência os valores dos direitos humanos".1 1 Fonte: https://cidadania.dge.mec.pt. Acesso em: 02 mar. 2022. A forte aposta do Ministério da Educação na formação integral dos alunos desdobra-se em propostas plurais de apoio à implementação de uma série de "saberes" e "fazeres", com perfil de base humanista, desdobrados em Princípios, Visão, Valores e Áreas de Competências, que supostamente os alunos deverão consolidar até a saída da escolaridade obrigatória. Aos educadores e professores são envidados idênticos esforços, quer por meio do suporte documental já referido, quer com o apoio de sítios online ou com a oferta de formação contínua nessa área.

De certa forma toda esta ação em prol da promoção da cidadania da infância apazigua o mal-estar generalizado em quem trabalha no mundo da educação pois a escola é também ela local de reprodução da estrutura social mais vasta, contendo por isso inevitáveis implicações perniciosas. Com efeito, se alguma esperança desponta no embalo deste esforço, a realidade escolar quotidiana impõe-se e assinala-nos a profusão de episódios contraditórios às propostas de perfil humanista nos quais se envolvem todos os atores sociais — crianças/alunos/docentes/não docentes/famílias — da comunidade educativa. É flagrante, parece-nos, o tremendo abismo entre a decisão normativa e a sua aplicação à prática, porém estamos convencidos que identificar culpas ou culpados neste cenário não contribuirá seguramente para a resolução do problema pois estaríamos a ignorar o esforço heroico de tantos destes atores que persistem em levar a cabo projetos e iniciativas comuns de solidariedade, ou de defesa de nobres causas comuns.

O desenvolvimento deste artigo, que toma lugar no decurso de uma investigação participativa com crianças,2 2 O presente artigo resulta da revisão da literatura para a composição do corpo teórico de uma tese de doutoramento em Estudos da Criança, área de especialização em Infância, Cultura e Sociedade, no Instituto de Educação da Universidade do Minho. centra-se na abordagem crítica à perplexidade acima apontada, que nos parece de toda a relevância para a compreensão dos mundos sociais e culturais da infância na contemporaneidade. Iremos desdobrá-la em duas questões: primeiramente, justificar a necessidade de trazer a Investigação para a Paz3 3 A Investigação para a Paz é uma área de estudos relativamente recente. A título de exemplo, referimos: Journal of Peace Research — https://journals.sagepub.com/description/JPR — por ser uma revista bimestral interdisciplinar e internacionalmente revista por pares de trabalhos acadêmicos em investigação para a paz. Esta revista é membro do Committee on Publication Ethics (COPE). Sendo um campo de estudos pouco ou nada conhecido nos Estudos Sociais da Infância, conta já com algumas décadas de existência e contém artigos de autores de referência, designadamente Galtung (1969). à discussão do campo de Estudos Sociais da Infância, considerando a paz como categoria analítica (Jiménez Arenas, 2020aJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. ¿Quiénes somos? Construyendo Identidades Desde la Investigación Para La Paz. Campos En Ciencias Sociales, Colombia, v. 8, n. 2, p. 17-46, jul. 2020a. https://doi.org/10.15332/25006681/6011
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; 2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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); e, em segundo lugar, argumentar a plausibilidade da coerência entre teoria (o que se diz) e a prática (o que se vive) dando particular relevo à ação (agência pacifista) das crianças enquanto sujeitos ativos de direitos, na construção intergeracional de uma Cultura de Paz, na perspetiva de contribuir para a definição de "novos quadros teóricos sobre a infância e as crianças, na condução de pesquisas empíricas inovadoras e multifacetadas […]" (Tomás et al, 2021TOMÁS, Catarina; TREVISAN, Gabriela; CARVALHO, Maria João Leote de; FERNANDES, Natália (eds.). Conceitos-chave em sociologia da infância/key concepts on sociology of childhood. Braga: Uminho Editora, 2021. https://doi.org/10.21814/uminho.ed.36
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, p. 13). Na verdade, a inevitabilidade de colocar em diálogo sobretudo (mas não só) estas duas áreas do saber — Sociologia da Infância (SI) e Investigação para a Paz — advém da necessidade que, no papel de sociólogos da infância, temos em perceber o processo de construção de conhecimento com crianças pequenas, acerca da paz, facto que implica amplificar o nosso conhecimento nas dimensões epistemológica e ontológica sobre o conceito de paz.

Com efeito, o diálogo é a base que sustenta, integra e articula diferentes premissas ou abordagens, pelo que "será através de conhecimentos, diálogos e práticas, inter, intra e transdisciplinares sobre a infância que se poderá encontrar o caminho para ultrapassar uma visão parcial da infância e dos mundos sociais e culturais das crianças" (Tomás, 2007TOMÁS, Catarina. Há muitos mundos no mundo Direitos da criança, cosmopolitismo infantil movimentos sociais de crianças: diálogos entre crianças de Portugal e Brasil. Tese (Doutorado em Estudos da Criança) — Universidade do Minho, Braga, 2007., p. 33). A alternativa mais viável às abordagens investigativas típicas da modernidade é a transdisciplinaridade, sobretudo porque contribui para a superação do egocentrismo disciplinar e se constitui como cariz intrínseco ao conhecimento que nos coloca entre a dúvida e a humildade (Jiménez Arenas, 2020b).

PAZ: A EMERGÊNCIA DE UMA "NOVA" CATEGORIA DE ANÁLISE

Comecemos por "reconhecer a paz como elemento constitutivo das realidades sociais" (Muñoz Muñoz, 2001MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo (ed.) La paz imperfecta. Granada: Universidad de Granada, 2001., s.p.) conferir-lhe a capacidade de gerar respostas alternativas às atuais demandas da sociedade e, em razão disso, trazer a paz ao "centro das nossas ocupações como profissionais de ensino e investigação" (Jiménez Arenas, 2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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, p. 39) e à ação quotidiana das crianças. Iniciemos, destarte, por nos situarmos relativamente ao papel do adulto educador e por demarcar a nossa perspetiva sobre o dever ser da educação (de infância) que, do nosso ponto de vista, se deverá centrar num processo de "aprendizagem recíproca". Contudo, reconhecemos que nem sempre é assim, conforme nos assevera Guzmán (2016GUZMÁN, Vicent Martínez. Epistemologias e investigación para la paz y los conflictos desde una filosofía para hacer las paces. In: JORNADAS DE INVESTIGACIÓN Y DOCENCIA DEL CENTRO DE INVESTIGACIONES DE TRABAJO SOCIAL, 2016, 6., 2016, Zulia. Anais […]. Zulia: CITS, 2016. p. 20- 33., p. 20), porque "uma característica básica de todo esse processo é que subvertemos os conceitos de educação e aprendizagem" e tentamos manter-lhe o caráter unidirecional e de dominação adulta, que nada tem a ver com as perspetivas da Investigação para a Paz e da matriz teórica da SI. Adotando, desta feita, um enfoque multidisciplinar, de cruzamento entre essas duas abordagens, começamos por aclarar que "entendemos educação e aprendizagem para construir a paz e transformar conflitos por meios pacíficos como uma relação multilateral e recíproca em que educadores e alunos aprendem e são educados" (Guzmán, 2016GUZMÁN, Vicent Martínez. Epistemologias e investigación para la paz y los conflictos desde una filosofía para hacer las paces. In: JORNADAS DE INVESTIGACIÓN Y DOCENCIA DEL CENTRO DE INVESTIGACIONES DE TRABAJO SOCIAL, 2016, 6., 2016, Zulia. Anais […]. Zulia: CITS, 2016. p. 20- 33., p. 20), e a educação para a paz desenvolve-se de forma complementar e entrecruzada com a educação em geral, sem dominadores nem dominados.

Quando falamos de Investigação para a Paz, surge a necessidade de tornar visíveis os aspetos normativos, práticos e axiológicos a que se vincula pelo facto de, contrariamente àquilo que seria a associação mais lógica — a análise da violência — o seu enfoque primordial concentra-se no estudo da paz como potência transformadora da realidade, com vista a um mundo mais pacífico. Deste modo, justifica-se o estudo da paz como categoria de análise porque, de acordo com a perspetiva de Jiménez Arenas (2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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, p. 38),

permite-nos reconhecer os complexos processos sociais através dos quais se explicam como se estruturam e expressam os comportamentos, ações, pensamentos, sentimentos que permitiram e permitem o desenvolvimento das desejáveis capacidades humanas; como construções humanas históricas, contingentes e, portanto, mutáveis, os comportamentos pacíficos não são exclusivamente dependentes e, portanto, opostos à violência. […] a consideração da paz como categoria de análise permite desenvolvimentos teóricos, recriar conceitos, implementar metodologias que permitam reconhecê-la, visualizá-la, em todos os tempos e espaços e por todos os agentes (entidades humanas). […] a pesquisa para a paz tem potencial para transformações epistemológicas e ontológicas. […] E para isso, na perspetiva da paz imperfeita,4 4 "Paz imperfeita": expressão lançada no início deste século por Francisco Adolfo Muñoz Muñoz, professor de história antiga e fundador do Instituto Universitário de Paz e Conflitos da Universidade de Granada. Jiménez Arenas. (2020b), seu sucessor neste Instituto Universitário, resume as palavras de Muñoz Muñoz e López (2011) desta forma: "Surge como o desenvolvimento das capacidades desejáveis do ser humano; destaca-se por estar inacabada, em construção permanente, processual e quotidiana, e por surgir como responsabilidade ética de todos." propomos uma viragem ontológica (também antropológica e epistemológica).

De facto, a abordagem de construção do conhecimento a que nos propomos tem um cariz que vai para além da multidisciplinaridade, por ser mais dinâmica e aberta à colaboração em rede. Ela constitui-se como transdisciplinar, na medida em que "o quadro da complexidade requer o recurso à transdisciplinaridade para a configuração de modelos cosmopolitas que nos permitem propor diferentes formas de interpretação da realidade, que nos forneçam alternativas aos modelos mais típicos da modernidade" (Jiménez Arenas, 2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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, p. 43). Reafirmamos então a necessidade de "confrontar visões e conhecimento sobre a infância e a(s) criança(s) num mundo globalizado e em permanente mutação" (Tomás et al., 2021TOMÁS, Catarina; TREVISAN, Gabriela; CARVALHO, Maria João Leote de; FERNANDES, Natália (eds.). Conceitos-chave em sociologia da infância/key concepts on sociology of childhood. Braga: Uminho Editora, 2021. https://doi.org/10.21814/uminho.ed.36
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, p. 13) e de reconhecer a importância capital do campo da Investigação para a Paz na construção de pontes. Por outro lado, a longa experiência de trabalho quotidiano com crianças, em contexto de jardim de infância, tem-se revelado de extrema utilidade não só para resgatar da teoria conceitos-chave da SI passíveis de serem incorporados na dinâmica diária da educação pré-escolar, mas para adensar a nossa capacidade reflexiva e crítica sobre a forma como materializamos a coerência, entre os conceitos transdisciplinares que abordamos e o que se vive com as crianças. Para tal, "é imprescindível estabelecer diálogos interseccionais e igualitários nos quais as epistemologias tendam à abertura" (Jiménez Arenas, 2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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, p. 45), "revertam a ontologia, destituam o fundamento, anulem fim e começo. […] É que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade" (Deleuze e Guattari, 1995DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Introdução: rizoma. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução: Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. São Paulo: Editora 34, 1995. p. 11-37., p. 17).

A CONSTRUÇÃO INTERGERACIONAL PARTICIPADA DE UMA CULTURA DE PAZ

É de toda a conveniência contextualizar a emergência desta temática, decorrida da oportunidade surgida nos últimos anos de desenvolver um projeto de Educação para a Paz com crianças entre os três e os seis anos de idade, inspirado no Living Peace International Project,5 5 Para mais detalhes sobre o Living Peace International Project: https://livingpeaceinternational.org/en/the-project/living-peace-international.html. Acesso em: 15 mar. 2022. implementado essencialmente com o apoio de uma das suas ferramentas — O Dado da Paz. Este, até hoje, já reformulado várias vezes de acordo com as opiniões das crianças, tem-nos possibilitado experiências transformadoras, tão gratificantes quanto revolucionárias, por facilitarem vivências concretas de dependência intergeracional, reconhecimento mútuo, diálogos e colaboração, na complexidade das relações de poder entre crianças e adultos (Jørgensen e Wyness, 2021JØRGENSEN, Clara Rübner; WYNESS, Michael. Kid power, inequalities and intergenerational relations. London: Anthem Press, 2021.). Em concomitância, a revisão de literatura a respeito contribuiu para reafirmar o cariz abrangente da Educação para a Paz, conforme assevera Fisas (2006FISAS, Vicenç. Cultura de Paz y gestión de conflictos. 5. ed. Barcelona: Gráficas Rey, 2006., p. 374):

a Educação é um instrumento crucial de transformação social e política […] a Paz é a transformação criativa dos conflitos e tem como palavras-chave, entre outras: conhecimento, imaginação, compaixão, diálogo, solidariedade, integração, participação e empatia. Devemos concordar que o seu propósito não é outro senão formar uma cultura de paz […].

De facto, "criar uma Cultura de Paz é o objetivo central da Educação para a Paz" (Añaños, Rivera e Amaro, 2020ANANOS, Fanny T.; RIVERA, Maribel; AMARO, Ana. Foundations of culture of peace and peace education as a means of social inclusion. Revista Historia Educación Latinoamericana, Colombia, v. 2, n. 35, p. 13-34, jul.-set. 2020. https://doi.org/10.19053/01227238.11916
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, p. 20), e o seu vasto alcance implica a capacidade de estabelecer relações, não só entre gerações ou culturas, mas com a natureza inteira, garantindo a sua perdurabilidade. Na verdade, o processo de tomada de consciência, lado a lado com as crianças, em que a chamada crise ambiental é tão somente a expressão de uma grande crise de caráter ético, que tem muito a ver com o modo como nos relacionamos entre nós, com a natureza, com o planeta, despontou uma forte necessidade de mudança pessoal, desde logo, no contexto educacional da infância: a paz começa em mim, em cada um de nós. Realizamo-nos como pessoas, enquanto seres em relação (Clemente, 2020, p. 62); no entanto, o conceito de relação carrega consigo a complexidade humana e a forma como ela se expressa na intrincada teia de comunicação articulada entre crianças e entre crianças e adultos. Particularmente no contexto pré-escolar, a tarefa de criar relações de verdadeira interdependência geracional antes de mais, no esforço conjunto de viver o que se diz, é uma tarefa árdua mas gratificante para ambas as partes.

Nessa conformidade, quando, no contexto de participação que procuramos construir com as crianças, lhes pedimos para identificarem as emoções ou sentimentos despoletados pelas vivências de paz,6 6 No sentido em que se "vive a paz" na prática, de modo efetivo, nas relações intra e intergeracionais naturalmente despoletadas no contexto do jardim de infância. Este contexto, por sua vez, é edificado à medida que cada ator, criança ou adulto, leva à prática pelo menos uma das as seis Regras da Paz, inscritas nas seis faces do Dado da Paz, e partilha depois essa experiência com o grupo. Este Dado da Paz é construído com as crianças e tem inscritas regras promotoras do reconhecimento do Outro como parte integrante do Eu. As regras vão sendo alteradas conforme as propostas das crianças desde que cumpram o princípio atrás enunciado (e.g. "Partilhar"; "Escutar"; "Ser amigo de todos"; "Ajudar"; "E se fosse eu?"; "Perdoar"; "Cuidar do Planeta"…). elas devolvem-nos aqueles mais diretamente ligados à qualidade das relações interpessoais, como: felicidade, competência social, capacidade de influência7 7 Nas palavras das crianças: "o meu coração fica feliz"; "assim é fácil ter amigos"; "agora gostam das minhas ideias". . Sendo um espaço de participação, o jardim de infância conta com o contributo ativo de todas e não só da maioria das crianças, e, ao conceito de participação, subjazem os de liberdade e reconhecimento mútuo. Araújo, Cataldi e Iorio (2016ARAÚJO, Vera; CATALDI, Silvia; IORIO, Gennaro. Culture of peace: the social dimension of love. Paris: Harmattan, 2016.) ajuda-nos a aclarar a articulação desses conceitos, partindo da perspetiva hegeliana, no sentido em que:

ao estudar este tipo de relacionamento mútuo que surge com o amor, ele [Hegel] conduziu à ideia do reconhecimento como um fator central e do reconhecimento mútuo como um tipo especial de ‘autolimitação’ recíproca — cada um reconhecendo o ‘outro’ — uma experiência na qual não apenas permanecemos livres, mas provavelmente nos tornamos ainda mais livres no processo. Então, penso que desde o início, Hegel sempre vinculou a dimensão mútua do amor e, com ele, o reconhecimento, para uma ideia muito específica de liberdade; aquela que é melhor compreendida e aparece na sua forma mais elevada, […] porque nesta experiência de estar consciente dos outros, tu sentes-te mais plenamente; e esta é a chave, sentir-se em casa em si mesmo com outra pessoa, especificamente porque agiste livremente ao te limitares — e não por qualquer obrigação. (p. 62-63)

Naturalmente, a capacidade de autolimitação advém de um processo de mutualidade quotidiana e será tão presente na relação intra e intergeracional quanto maiores forem as oportunidades de vivências diárias de reconhecimento mútuo desde a pequena infância. Com efeito, a ação social da criança implica liberdade, de tal modo que, quando ela participa, sente-se livre de o fazer, seja por contribuição e desejo de coevolução coletiva (Freire, 2018FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 3. ed. Porto: Afrontamento, 2018.), seja por oposição ou, simplesmente, por inação ou silêncio. Nesse sentido, o educador atento deverá saber eliciar a voz de cada criança, não obstante, diferenciando e respeitando os seus distintos modos de expressão se realmente quiser "escutar a sua voz" na forma mais genuína. A respeito, refere Sarmento (2011SARMENTO, Manuel Jacinto. Conhecer a Infância: os Desenhos das Crianças como Produções Simbólicas. In: MARTINS FILHO, Altino José; PRADO, Patrícia D. (org.). Das pesquisas com crianças à complexidade da infância. Campinas: Autores Associados, 2011. p. 27-60., p. 2) que:

o paradoxo maior da expressão "ouvir a voz das crianças" reside não no facto de que ouvir não significa necessariamente escutar, mas no facto que essa "voz" se exprime frequentemente no silêncio, encontra canais e meios de comunicação que se colocam fora da expressão verbal […].

Seja como for, a motivação para comunicar depende em boa medida do grau relacional e de reconhecimento mútuo com quem a criança estabelece esse ato, pelo que não devemos esquecer que "os bons relacionamentos com os outros pressupõem um bom ‘relacionamento’ consigo próprio" (Guerrero, 2021GUERRERO, Iñaki. Dois ou mais: as relações interpessoais como fonte de felicidade. Abrigada: Cidade Nova, 2021., p. 19) e, por isso, não podemos presumir à partida que todas as crianças terão um autoconceito positivo (Roberts, 2005ROBERTS, Rosemary. Pensando em mim mesmo e nos outros: desenvolvimento pessoal e social. In: SIRAJ-BLATCHFORD, Iram (org.). Manual de Desenvolvimento Curricular para a Educação de Infância. Lisboa: Texto Editora, 2005. p. 144-159.). No entanto, temos como certo que a construção da identidade e da autoestima da criança se faz pelo reconhecimento das suas características singulares e dos laços de pertença social e cultural (Silva, 2016). Nessa conformidade, argumentamos que a implementação de uma ação educativa consolidada nos valores da paz, que atenda, antes de qualquer outra coisa, ao respeito pela especificidade de cada criança e ao favorecimento da aceitação de si própria, vai certamente contribuir para a felicidade individual e para a coesão social do grupo. Neste aspeto, robustecemos o nosso raciocínio com o que nos diz a psicologia, pelas palavras de Guerrero (2021GUERRERO, Iñaki. Dois ou mais: as relações interpessoais como fonte de felicidade. Abrigada: Cidade Nova, 2021., p. 31): "Fica claro que a aceitação de si mesmo é diretamente proporcional à aceitação dos outros. Por conseguinte, quanto mais te aceitas, melhores serão os teus relacionamentos interpessoais e, consequentemente, aumenta o teu grau de felicidade". Essa premissa valida justamente a coerência que argumentamos entre "o que se diz" e o que "se vive"; ou seja, se no grupo (do jardim de infância) todos acordamos em guiar a nossa conduta segundo as regras do Dado da Paz, obviamente que todos, crianças e adultos, nos empenhamos verdadeiramente em vivê-las. Naturalmente este sério e honesto propósito pode pôr a descoberto a vulnerabilidade do adulto perante as crianças, uma vez que, sendo tão humanos quanto elas, deixamos transparecer a própria dificuldade no cumprimento escrupuloso das regras da paz. Todavia, haverá desafio mais aliciante? Que provoca o aplanar de um outro abismo, do Poder entre criança e adulto? A experiência já nos ensinou que a atitude humilde do adulto, no reconhecimento da sua incompletude humana (e do outro criança) só vem beneficiar a cumplicidade benigna e reconhecedora da dependência intergeracional, geradora de profunda serenidade interior (Guerrero. 2021GUERRERO, Iñaki. Dois ou mais: as relações interpessoais como fonte de felicidade. Abrigada: Cidade Nova, 2021., p. 31) e felicidade plena.

Não podemos, pois, deixar de questionar: poderá a felicidade condicionar a espontaneidade da criança no exercício pleno do seu direito à participação? Mesmo sendo felizes, as crianças têm o direito a não estar sempre contentes e a não participar de acordo com aquilo que os adultos concebem como participação adequada. Quando se "vive a paz" com a mesma medida de empenho para crianças e adultos, experimenta-se a felicidade. Não nos referimos, muito embora, àquela felicidade hedonista, de satisfação imediata, sempre prazerosa, mas o nosso objetivo estende-se à felicidade eudemonista, mais profunda e duradoura, fundada em valores morais e éticos, que garante à criança a incondicionalidade do seu valor, que é independente dos seus atos. E, continua Guerrero (2021GUERRERO, Iñaki. Dois ou mais: as relações interpessoais como fonte de felicidade. Abrigada: Cidade Nova, 2021., p. 31), "a pessoa que se aceita incondicionalmente é uma pessoa livre, sincera e autêntica […]", pelo que nos ressurge a indagação… Então, antes do direito à participação, não deveria haver o direito à construção plena8 8 A expressão plena pode ser comumente interpretada como algo inteiro ou perfeito. No entanto, no quadro de análise que adotamos neste texto, atribuímos-lhe o sentido de algo que vai sendo integrado no processo de construção da identidade da criança. É por isso um caminho aberto, inacabado, que transcende os clássicos elementos constitutivos da identidade da criança (e.g. sexo, a orientação sexual, a nacionalidade de origem, a religião e as crenças, a identidade cultural e a personalidade) e inclui a dimensão alteridade. No nosso entender, a construção plena da identidade deveria ser um direito de todas as crianças. da própria identidade? Ou será que um não pode ser analisado na ausência do outro?

Partindo da perspetiva da Investigação para a Paz9 9 Sobre Investigação para a Paz, cf. Muñoz Muñoz e Rueda (1998), Muñoz Muñoz (2001; 2006) e Muñoz Muñoz e López (2011); Jiménez Arenas (2020a; 2020b); Jares (2004); Guzmán e Albert (2006), Guzmán e Mingol (2010) Guzmán, Comins Mingol e Albert (2010), Guzmán (2016). a identidade pressupõe a "consideração dos outros como parte constituinte do nós" (Jiménez Arenas, 2020aJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. ¿Quiénes somos? Construyendo Identidades Desde la Investigación Para La Paz. Campos En Ciencias Sociales, Colombia, v. 8, n. 2, p. 17-46, jul. 2020a. https://doi.org/10.15332/25006681/6011
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, p. 24). No mesmo texto, Jiménez Arenas realça o caráter inclusivo das identidades e Madrid (2008MADRID, Raúl. Hacia una ética de la responsabilidad: Derrida y el otro "por venir" en Lévinas. Sapientia, Argentina, v. 63, n. 223, p. 105-141, 2008., p. 112) recorre à proposta derridiana para esclarecer "a alteridade do outro, cujo sentido último é, precisamente, não anular a sua diferença, mas antes mostrar que ‘o outro’, enquanto alteridade, se inscreve no mesmo gesto em e a partir de10 10 Os itálicos em e a partir de são destaque nosso. si mesmo". Do nosso ponto de vista a conjugação destas concepções — identidade e alteridade — levadas à prática no quotidiano dos relacionamentos intra e intergeracionais são fulcrais para que na criança se desenvolva a adequada aceitação de si mesma e, por consequência, a felicidade, tão necessária à construção plena da identidade, que impele à ação das crianças, enquanto sujeitos ativos de direitos, na construção de uma Cultura de Paz.

O cariz vincadamente processual da construção identitária da criança converge com o caráter distintivo da paz, no sentido de que ambas são imperfeitas. Na perspetiva epistemológica de Jiménez Arenas (2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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) a paz imperfeita é contra-hegemônica na medida em que questiona a existência de um status quo desigual e promove o máximo desenvolvimento humano possível, não só nas chamadas estruturas, mas na vida diária e por todas as entidades humanas, aí incluídas, naturalmente, as crianças.

Adiante, continuaremos a robustecer o argumento relativo à questão que colocamos acima recorrendo ao conceito de paz imperfeita para justificar a relação de proximidade entre teoria e prática, sobretudo quando se pretende levar a cabo uma investigação relacionada com a paz (cf. Jiménez Arenas, 2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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). Certamente que, quando nos referimos à "aceitação de si mesmo", estamos a observar a plenitude da sua natureza que, segundo Guerrero (2021GUERRERO, Iñaki. Dois ou mais: as relações interpessoais como fonte de felicidade. Abrigada: Cidade Nova, 2021., p. 31, grifo do original), é "a antítese da resignação" e imprime na criança a certeza de que "eu não sou os meus erros" (Guerrero, 2021GUERRERO, Iñaki. Dois ou mais: as relações interpessoais como fonte de felicidade. Abrigada: Cidade Nova, 2021., p. 29, grifos do original). Por outro lado, a promoção do outro, o reconhecimento mútuo, conduz necessariamente a um relacionamento intersubjetivo na medida em que a verdadeira intersubjetividade como unidade na distinção ou na diferença é possível quando se tem a experiência cognitiva e afetiva do próprio eu e o do outro (Araújo, 2014ARAÚJO, Vera. Fraternidade Como Categoria Sociológica. In:CONFERÊNCIA UNIVERSIDADE DE CARUARU, 2014, Caruaru. Disponível em: https://www.social-one.org/it/download/italiano/171-vera-universita-caruaru/file.html. Acesso em: 17 mar. 2022.
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).

Em idêntica conformidade, Pérez Viramontes (2010PÉREZ VIRAMONTES, Gerardo. Reconocimiento intersubjetivo de necesidades humanas para construir la paz – el caso de USMAJAC (Jalisco-México). 2010. 297 f. Tese (Doutorado em Investigação para a Paz e Conflitos) — Universidade de Granada, Granada, 2010., p. 232) afirma que, "para garantir todos os direitos para todos, é necessário incorporar todos os elementos do reconhecimento socioafetivo (intersubjetividade, empatia, compaixão e autoconfiança) de maneira que seja possível defender [o exercício de] os direitos das crianças […]". Ora, de acordo com o que até agora temos vindo a argumentar, é precisamente por reconhecermos que as relações intergeracionais, necessariamente decorrentes do reconhecimento mútuo, convergem para o desenvolvimento das capacidades desejáveis do ser humano (cf. Muñoz Muñoz e Rueda (1998MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo; RUEDA, Beatriz Molina. Cosmovisiones de paz en el Mediterráneo antiguo y medieval. Granada: Universidad de Granada, 1998.), Muñoz Muñoz (2001MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo (ed.) La paz imperfecta. Granada: Universidad de Granada, 2001.; 2006MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo. Imperfect peace, key texts of peace studies. Münster, Lit Verlag, 2006. p. 241-281.) e Muñoz Muñoz e López (2011MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo; LÓPEZ, Cándida Martínez. In: MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo; CARMONA, Jorge Bolaños (ed.). Los hábitus de la paz imperfecta. Granada: Universidad de Granada, 2011. p. 37-64.), são causa de felicidade e, por tal, influenciam positivamente a formação da identidade da criança, designadamente, no diálogo que esta última estabelece com os conceitos de paz imperfeita, agência pacifista (cf. Jiménez Arenas, 2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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) e participação, que iremos conduzir a nossa reflexão almejando lançar um enfoque que parta necessariamente da complexidade por nos permitir encontrar respostas diferentes e mais consonantes com um mundo em contínua transformação. Num primeiro momento, lançaremos um olhar crítico firmado na necessidade de uma nova leitura dos direitos da criança, num quadro de análise "moral" para além da "legal" (Wall, 2008WALL, John. Human rights in light of childhood. International Journal of Children's Rights, Leiden, v. 16, n. 4, p. 523-543. 2008. https://doi.org/10.1163/157181808X312122
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), desde logo porque "o mesmo direito pode ter um caráter moral e jurídico" (Gaitán Muñoz, 2018GAITÁN MUÑOZ, Lourdes. Los derechos humanos de los niños: ciudadanía más allá de las "3Ps. Sociedad e Infancias, Madrid, v. 2, p. 17-37, set. 2018. ISSN-e 2531-0720, p. 22) — motivo pelo qual reclamamos uma leitura reajustada dos direitos, "não [só] em autonomia, liberdade, direitos [participação] ou mesmo agência, mas num círculo pós-moderno de responsabilidade mútua" (Wall, 2008WALL, John. Human rights in light of childhood. International Journal of Children's Rights, Leiden, v. 16, n. 4, p. 523-543. 2008. https://doi.org/10.1163/157181808X312122
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, p. 523), no qual o sentido atribuído à construção plena da identidade da criança convirja, desde logo, para o desenvolvimento de um bom "relacionamento" consigo própria. Em segundo lugar, iremos desenvolver o nosso raciocínio em torno do diálogo entre participação e agência pacifista da criança, arrogando a paz como categoria analítica e, por tal, adotando um enfoque de mudança epistemológica e ontológica.

DIREITOS DA CRIANÇA E O PERCURSO ERRANTE DA IDENTIDADE

O facto de vivermos num mundo globalizado e profundamente desigual alavancou o nosso propósito de aceder à complexidade dos mundos sociais da infância lançando um novo olhar de "análise crítica renovada em torno de questões, temáticas e desafios que se colocam hoje nos estudos e na investigação em torno da infância e da(s) criança(s), a partir da SI e dos seus diálogos com outras áreas" (Tomás et al., 2021TOMÁS, Catarina; TREVISAN, Gabriela; CARVALHO, Maria João Leote de; FERNANDES, Natália (eds.). Conceitos-chave em sociologia da infância/key concepts on sociology of childhood. Braga: Uminho Editora, 2021. https://doi.org/10.21814/uminho.ed.36
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, p. 11), para prosseguir no rumo da nossa reflexão crítica a respeito do diálogo entre os direitos das crianças e o conceito de identidade observada, muito embora num quadro de análise transdisciplinar sobretudo entre as abordagens da Investigação para a Paz e da SI. Validamos a necessidade deste enfoque alternativo advogando a inevitabilidade da desnaturalização da identidade da criança pelo facto de a reconhecermos como construção social (Jiménez Arenas, 2020aJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. ¿Quiénes somos? Construyendo Identidades Desde la Investigación Para La Paz. Campos En Ciencias Sociales, Colombia, v. 8, n. 2, p. 17-46, jul. 2020a. https://doi.org/10.15332/25006681/6011
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). Com efeito, Jiménez Arenas identifica caraterísticas necessárias à configuração das identidades, que vão além da sua vertente diferenciadora — desvinculada, muito embora, do sentido legitimador das desigualdades; ou seja, as identidades têm também uma vertente aglutinadora e orientam os modos de estar no mundo e as ações que deles resultam. Na verdade, o enfoque mais significativo que resgatamos de Jiménez Arenas incide essencialmente na concepção de que a construção da identidade conta com a necessária capacidade de agência pacifista (da criança), ainda que condicionada pelos espaços estruturais da vida em sociedade, nos quais está inserida, e dos processos regulatórios que daí decorrem, pelo que a leitura crítica dos direitos humanos das crianças que aqui argumentamos imprime a necessária vertente ética e moral na análise cruzada entre a identidade, direitos da criança e Investigação para a Paz.

Parece-nos de toda a pertinência relembrar o nosso objetivo de base: mudar o rumo do nosso mundo contando com o inestimável poder transformador das crianças, enquanto sujeitos de direitos e cidadãos ativos, na construção intergeracional de uma cultura de paz. Assim, consideramos que um bom ponto de partida será analisar criticamente, conforme referem Cameron e Moss (2020CAMERON, Claire; MOSS, Peter. Transforming early childhood in England: towards a democratic education. London: UCL Press, 2020., p. 227), "os compromissos assumidos pelos adultos com as crianças, embora muitas vezes ignorados, compromissos, por exemplo, expressos na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças […]"11 11 CDC ou Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças. . Nessa conformidade, concorre o artigo de Gaitán Muñoz (2018GAITÁN MUÑOZ, Lourdes. Los derechos humanos de los niños: ciudadanía más allá de las "3Ps. Sociedad e Infancias, Madrid, v. 2, p. 17-37, set. 2018. ISSN-e 2531-0720) sob o título "Los derechos humanos de los niños: ciudadanía más allá de las ‘3Ps’", notório contributo para a desconstrução do debate em torno da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças (CDC). Refere a autora que

os direitos codificados não são escritos em pedra, não são mandatos divinos, são produtos humanos. À medida que a vida social evolui, os códigos jurídicos são chamados a ser revistos, ou pelo menos relidos, à luz das novas realidades sociais, para verificar se a sua validade/eficácia continua a cumprir os seus propósitos: ordenar a vida social. O mesmo acontece com os direitos humanos de crianças e adolescentes, que também devem ser entendidos como "direitos em construção". (Gaitán Muñoz, 2018GAITÁN MUÑOZ, Lourdes. Los derechos humanos de los niños: ciudadanía más allá de las "3Ps. Sociedad e Infancias, Madrid, v. 2, p. 17-37, set. 2018. ISSN-e 2531-0720, p. 33)

Para tanto, devemos, de antemão, situar a nossa reflexão tendo em conta o contexto educacional onde decorre a nossa prática e por isso o foco se dirige, logo à partida, para as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE)12 12 OCEPE: Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, 2016. por ser um "documento paradigmático em que se reconhece os direitos de participação nos Princípios e Fundamentos Educativos, enfatizando o direito de audição (art.º 12 da CDC)" (Tomás e Ferreira, 2020TOMÁS, Catarina; FERREIRA, Manuela. Educação de Infância em Portugal: um retrato Singular, 30 Anos Após a Convenção Sobre os Direitos das Crianças. Cadernos de Educação de Infância, n. 120, Lisboa, 2020. ISSN: 2182-8369, p. 15). Parece-nos indiscutível priorizar os direitos de participação quando pretendemos refletir sobre a questão dos direitos da criança por ser um "terreno" propício a que "as crianças expressem as suas opiniões, desejos, interesses, propostas, e a sua escuta […] para a realização dos direitos de participação" (Tomás e Ferreira, 2020TOMÁS, Catarina; FERREIRA, Manuela. Educação de Infância em Portugal: um retrato Singular, 30 Anos Após a Convenção Sobre os Direitos das Crianças. Cadernos de Educação de Infância, n. 120, Lisboa, 2020. ISSN: 2182-8369, p. 15). Nesta linha de pensamento convergem, aliás, múltiplos autores (Christensen e Prout, 2002CHRISTENSEN, Pia; PROUT, Alan. Working with ethical symmetry in social research with children. Childhood, v. 9, n.4, p. 477-497, 2002. https://doi.org/10.1177/090756820200900400
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; Prout, 2000PROUT, Alan. Children's participation: control and self-realisation in British late modernity. Children & Society, v. 14, n. 4, p. 304-315, 2000. https://doi.org/10.1111/j.1099-0860.2000.tb00185.x
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; 2005PROUT, Alan. The future of childhood. London. Routledge Falmer, 2005.; Lundy, 2007LUNDY, Laura. ‘Voice’ is not enough: conceptualising article 12 of united nations convention on the rights of the child. British Educational Research Journal, London, v. 33, n. 6, p. 927-942, 2007.; Bae, 2009; Fernandes, 2009FERNANDES, Natália. Infância, direitos e participação. Representações, práticas e poderes. Porto: Afrontamento, 2009.; Shier, 2019SHIER, Harry. Student voice and children's rights: power, empowerment, and "protagonismo", In: PETERS, Michael A. (ed.). Encyclopedia of Teacher Education. Singapore: Springer Nature, 2019. p. 1-20.; Moss, 2020CAMERON, Claire; MOSS, Peter. Transforming early childhood in England: towards a democratic education. London: UCL Press, 2020.), resultando daí um consenso quanto à necessidade de ver desenvolvido um esforço transversal para que seja colmatada a "reconhecida lacuna entre os compromissos internacionais […] e o que acontece na prática […]" (Lundy, 2007LUNDY, Laura. ‘Voice’ is not enough: conceptualising article 12 of united nations convention on the rights of the child. British Educational Research Journal, London, v. 33, n. 6, p. 927-942, 2007., p. 927) — constatação essa que vem retomar a necessidade de coerência entre teoria (o que se diz) e a prática (o que se vive), de que acima falávamos.

Pese embora a inquestionável importância de garantir o exercício dos direitos de participação às crianças, a verdade é que eles não devem ser analisados per se. A CDC deve ser lida no seu todo, pois, "apesar de os direitos poderem ser categorizados, na realidade eles são indivisíveis e a sua interdependência é crucial para a realização de cada um" (Tomás e Ferreira, 2020TOMÁS, Catarina; FERREIRA, Manuela. Educação de Infância em Portugal: um retrato Singular, 30 Anos Após a Convenção Sobre os Direitos das Crianças. Cadernos de Educação de Infância, n. 120, Lisboa, 2020. ISSN: 2182-8369, p. 8). Todavia, numa revisão crítica dos direitos das crianças quanto ao conceito de "voz da criança", Lundy refere que "há necessidade de novas formas de comunicar o imperativo legal e dos direitos humanos, no Artigo 12º da CDC. […] A implementação bem-sucedida do Artigo 12º requer a consideração da implicação de quatro fatores distintos: Espaço; Voz; Audiência e Influência" (2007, p. 932). Se avançarmos na incursão de análise dos direitos das crianças, almejando identificar artigos que, associados aos direitos de participação — sobretudo o art. 12º —, os estendem e sustentam, encontramos por exemplo o direito a brincar (art. 31º) defendido por alguns autores na medida em que a brincadeira deve ser incluída como facilitadora da efetivação do direito das crianças à participação, em contextos de primeira infância (Bae, 2009).

De facto, na continuidade da nossa linha de raciocínio, "a observância do Artigo 12º não só fomentará um etos escolar positivo e dará origem a melhores cidadãos, como também é um imperativo legal e moral" (Lundy, 2007LUNDY, Laura. ‘Voice’ is not enough: conceptualising article 12 of united nations convention on the rights of the child. British Educational Research Journal, London, v. 33, n. 6, p. 927-942, 2007., p. 939). Isto nos parece fundamental, não só porque o devemos legal e moralmente às crianças, mas porque podemos contribuir para a construção plena da identidade dela, o que, por sua vez, resultará na edificação de melhores cidadãos. Com efeito, tendo nós como ferramenta teórica norteadora o conceito de reconhecimento (mútuo) de Honneth (2013HONNETH, Axel. O eu no nós: reconhecimento como força motriz de grupos. Sociologias, São Paulo, v. 15, p. 56-80. 2013. https://doi.org/10.1590/S1517-45222013000200003
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; 2020HONNETH, Axel. Reificação: um estudo de teoria do reconhecimento. São Paulo: Unesp, 2020.), iremos desenvolver uma abordagem alternativa de complementaridade ao art. 12º que, do nosso ponto de vista, desafia as tradicionais formas de pesquisa centradas na verticalidade das relações intergeracionais e se centra no caráter rizomático (Deleuze e Guattari, 1995DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Introdução: rizoma. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução: Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. São Paulo: Editora 34, 1995. p. 11-37., p. 15) destas na medida em que se posiciona "contra os sistemas centrados (e mesmo policentrados), de comunicação hierárquica e ligações preestabelecidas". Por tal, contando que a nossa análise tem por base a pequena infância e o contexto pré-escolar, convocamos desde logo o direito à educação (art. 28º da CDC) salvaguardando, conforme nos recorda Fernandes (2019FERNANDES, Natália. Infância e o direito à educação: dos ditos aos interditos. Entreideias, v. 8, n. 2, p. 11-26. 2019. https://doi.org/10.9771/re.v8i2.28749
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, p. 16), "que as crianças [pequenas] não conseguem sozinhas reconhecerem-se enquanto sujeitos de direitos, de modo a poderem beneficiar desse estatuto e exercê-lo [pelo que] é exigência dos adultos criarem condições necessárias para que tal aconteça". Por conseguinte, o que resulta da confluência destes dois direitos — participação e educação — com a construção plena da identidade da criança, da perspetiva de reconhecimento mútuo, leva a que se reclame, num primeiro momento, a necessidade de formação e sensibilização de professores no duplo reconhecimento, quer dos DC, quer da Educação para a Paz, como imperativo moral para além do legal. Contemplado esse aspeto fulcral, voltamos o nosso foco para o "direito à identidade", conceituado em estreita articulação com agência e participação da criança no contexto de educação de infância.

De facto, o direito à construção plena da identidade não aparece de forma explícita nos CDC. Contudo, no art. 8º, podemos ler:

  1. Os Estados Partes comprometem-se a respeitar o direito da criança a preservar a sua identidade, incluindo a nacionalidade, o nome e relações familiares, nos termos da lei, sem ingerência ilegal.

  2. No caso de uma criança ser ilegalmente privada de todos os elementos constitutivos da sua identidade ou de alguns deles, os Estados Partes devem assegurar-lhe assistência e proteção adequadas, de forma a que a sua identidade seja restabelecida o mais rapidamente possível.

O centramento na preservação da identidade assinala-nos o devido reconhecimento da complexidade da categoria geracional da infância ao mesmo tempo que se acautela o facto de que nas identidades confluem e devem ser preservados aspetos muito diversos, alguns dos quais se podem ler acima. Contudo, será que a expressão todos os elementos constitutivos da sua identidade, constante no ponto 2 deste artigo, comporta os elementos ontológicos — autoconceito positivo e agência pacifista — que procuramos no nosso foco de análise sobre a construção plena da identidade? No Comentário geral n.º 14 do Comitê dos Direitos da Criança (2013),13 13 Comentário geral n. 14 (2013) sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja primacialmente tido em conta, adotado pelo Comitê na sua 12ª sessão (14 de janeiro – 1 de fevereiro de 2013). Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/cdc_com_geral_14.pdf. Acesso em 12 fev. 2022. a "identidade da criança" consta na "lista não-exaustiva e não-hierarquizada de elementos que possam ser incluídos na avaliação do interesse superior" dela, logo a seguir à "Opinião da Criança", e

a identidade da criança inclui características tais como o sexo, a orientação sexual, a nacionalidade de origem, a religião e as crenças, a identidade cultural e a personalidade. Embora as crianças e os jovens partilhem as mesmas necessidades básicas universais, a expressão dessas necessidades depende de um conjunto alargado de aspetos pessoais, físicos, sociais e culturais, incluindo o desenvolvimento das suas capacidades. (parágrafo 55, p. 22)

De facto, com algum esforço, podemos entrever nas caraterísticas e necessidades básicas elencadas a salvaguarda de certo investimento na Formação Pessoal e Social das crianças — área de desenvolvimento transversal na educação pré-escolar — subentendida em expressões como "personalidade", "aspetos pessoais" e, sobretudo, "desenvolvimento das suas capacidades". Esta última expressão lança-nos necessariamente à indagação: que capacidades? Precaverão as capacidades desejáveis do ser humano, conforme temos vindo a argumentar, segundo a linha de pensamento de Muñoz Muñoz?

A Investigação para a Paz oferece-nos um modelo ontológico que questiona, como já vimos, a concepção moderna de identidade, submetida à lógica de dominação do Outro ao próprio Eu, e propõe o evitamento de duas caraterísticas muito próprias dessa concepção, conforme nos assevera Jiménez Arenas (2020aJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. ¿Quiénes somos? Construyendo Identidades Desde la Investigación Para La Paz. Campos En Ciencias Sociales, Colombia, v. 8, n. 2, p. 17-46, jul. 2020a. https://doi.org/10.15332/25006681/6011
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, p. 26), quanto às identidades: a polarização e a hierarquização. Em alternativa, devolve-nos uma concepção renovada na qual "as identidades, pelo seu caráter imperfeito, permitem a construção de paz".

Dizíamos acima que a construção da identidade da criança deve convergir, desde logo, para o desenvolvimento de um bom "relacionamento" consigo própria, ou seja, de um autoconceito positivo e para a necessária capacidade de agência da criança. De facto, se percorrermos os 54 artigos da CDC facilmente identificamos a lacuna — assumindo o risco do viés de uma perspetiva adultocentrada — do poder ser da criança, que alia identidade com alteridade, previsto e acautelado na formação plena da sua identidade, de acordo com o que serão as capacidades desejáveis do ser humano (Muñoz Muñoz, 2001MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo (ed.) La paz imperfecta. Granada: Universidad de Granada, 2001.). Estas, inevitavelmente decorrentes da agência crítica das crianças que, com base no reconhecimento, questionem aquelas identidades que não promovam tais capacidades e "construam presentes mais equitativos e mais dignos" (Jiménez Arenas, 2020aJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. ¿Quiénes somos? Construyendo Identidades Desde la Investigación Para La Paz. Campos En Ciencias Sociales, Colombia, v. 8, n. 2, p. 17-46, jul. 2020a. https://doi.org/10.15332/25006681/6011
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, p. 27).

Embora não possamos localizar o vocábulo identidade noutros artigos da CDC (exceção do art. 29º), conseguimos identificar, muito embora, artigos que acautelam as caraterísticas física, mental, espiritual, moral e social no desenvolvimento da criança (arts. 27º e 32º) ou no acesso à informação (art. 17º). E surpreendemo-nos, ainda assim, quando verificamos, no art. 29º, que a criança tem direito a uma educação que se destine, entre outras coisas, a:

d) Preparar a criança para assumir as responsabilidades da vida numa sociedade livre, num espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e de amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e com pessoas de origem indígena.

e) Promover o respeito da criança pelo meio ambiente.

A salvaguarda, constante em duas alíneas do art. 29º da CDC, de uma educação da criança mediante um conjunto de valores, aquieta, até certo ponto, o nosso inconformismo com a diluição da vertente promotora do Ser — constante na nossa proposta de renovação ontológica do sujeito criança — nas vertentes de Proteção, Provisão e Participação da CDC. Por outro lado, consideramos a advertência de Gaitán Muñoz (2008) quanto ao perigo da literalidade da interpretação dos "3Ps", dado que o conteúdo pouco claro do significado de cada um deles pode facilmente originar mal-entendidos ou manipulações. Ora, reconvocando a necessidade expressa pela mesma autora, de que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam entendidos como "direitos em construção", muito nos aprazeria um cenário idealizado de reelaboração da CDC, segundo o nosso propósito de leitura renovada dos direitos da criança, de análise moral para além da legal. Imaginaríamos, em complementaridade à categorização dos "3P" dos Direitos da Criança, um quarto grupo categorial — Promoção — desdobrado em artigos implicadores da salvaguarda da construção plena da identidade da criança; desenvolvimento das capacidades desejáveis do ser humano; promoção da agência pacifista da criança; capacidade de mediação e gestão criativa dos conflitos.

Revisitemos a nossa proposta de mudança transformadora, descrita no objetivo central desta reflexão, de mudar o rumo do nosso mundo contando com o inestimável poder transformador das crianças, enquanto sujeitos de direitos e cidadãos ativos, na construção intergeracional de uma cultura de paz, para nos determos ante a necessidade de mudança epistemológica, ontológica e axiológica, colocada sob uma abordagem multidisciplinar da Investigação para a Paz e da SI. Similarmente evocamos a teoria do reconhecimento de Honneth, nossa ferramenta teórica norteadora, com a ajuda de Thomas (2012THOMAS, Nigel. Love, rights and solidarity: studying children's participation using Honneth's theory of recognition. Childhood, v. 19, n. 4, p. 453-466, 2012. https://doi.org/10.1177/0907568211434604
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), como forma de ajuda à compreensão do significado de participação das crianças, mantendo-nos na lógica reflexiva que temos vindo a desenvolver:

No que respeita à compreensão do que acontece, os cenários e processos de participação podem ser avaliados de acordo com o quão bem eles satisfazem critérios de "amor, direitos e solidariedade". O meu argumento é que todos os três modos de reconhecimento são essenciais para a plena participação das crianças. As crianças não se envolvem totalmente se não sentem calor e afeição; não podem participar igualmente se não forem respeitadas como titulares de direitos; e não terão um impacto real a menos que haja estima e solidariedade mútuas e um sentido de propósito compartilhado. (Thomas, 2012THOMAS, Nigel. Love, rights and solidarity: studying children's participation using Honneth's theory of recognition. Childhood, v. 19, n. 4, p. 453-466, 2012. https://doi.org/10.1177/0907568211434604
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, p. 462-463)

Com efeito, a participação não se ensina, tal como não se pode ensinar a paz, mas ambas acontecem espontaneamente num entorno que disponha das condições essenciais, isto é, quando o Jardim de Infância se constitui como espaço autogerador de participação, que é "por natureza convidativo […] respeita a diversidade e promove a inclusão" (Silva, 2020SILVA, Flávio Mesquita. Diálogos da geração da paz: como a abordagem do world café promoveu conscientização de comunidades e as conduziu a culturas de paz. Revista Gestão em Análise, Fortaleza, v. 9, n. 1, p. 7-30, 2020. https://doi.org/10.12662/2359-618xregea.v9i1.p7-30.2020
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, p. 16) ou em "ambiente educativo" de qualidade, como definido nas OCEPE. Convoquemos agora aquilo que, no nosso entender, caracterizará esse locus autogerador de participação que, desde logo, parece reclamar e articular direitos com processos de relação, encontro, comunhão, confiança, esperança, amor. Curiosamente, qualquer desses "ingredientes" promotores da participação espontânea das crianças só se compreendem se fundados numa cultura de diálogo; caso contrário, não estando considerada a voz da criança, estes últimos deixariam de fazer qualquer sentido, pelo menos se tivermos em presença aquela ética que atrás Wall (2008WALL, John. Human rights in light of childhood. International Journal of Children's Rights, Leiden, v. 16, n. 4, p. 523-543. 2008. https://doi.org/10.1163/157181808X312122
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) destaca, de responsabilidade moral para com "o outro". Assim, a qualidade das interações geracionais diárias influencia a realização dos direitos participativos das crianças (Bae, 2009), promove a construção plena da identidade e a agência pacifista da criança na construção de uma cultura de paz. E isto, refere Jiménez Arenas (2020aJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. ¿Quiénes somos? Construyendo Identidades Desde la Investigación Para La Paz. Campos En Ciencias Sociales, Colombia, v. 8, n. 2, p. 17-46, jul. 2020a. https://doi.org/10.15332/25006681/6011
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, p. 27), "é a chave para entender o núcleo da paz imperfeita e a sua relação com as identidades: não é necessário mudar tudo, porque mudando alguma coisa, já estamos a incidir no todo". Na verdade, todos os conceitos se articulam e compartilham um caráter processual, inacabado e, por isso, imperfeito — Paz, Identidade, Participação, Agência pacifista — e harmonizam na tensão entre estrutura e ação (Giddens, 2007GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.), superam dicotomias (Prout, 2010PROUT, Alan. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 141, p. 729-50, 2010. https://doi.org/10.1590/S0100-15742010000300004
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) e resultam na ação transformadora da estrutura na quotidianidade relacional, "que reconhece o poder da infância como incorporado nas relações intergeracionais e intrageracionais, e como uma força de soma potencialmente positiva nas relações entre crianças e adultos […]" (Jørgensen e Wyness, 2021JØRGENSEN, Clara Rübner; WYNESS, Michael. Kid power, inequalities and intergenerational relations. London: Anthem Press, 2021., p. 12). A respeito, Prout (2010PROUT, Alan. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 141, p. 729-50, 2010. https://doi.org/10.1590/S0100-15742010000300004
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, p. 739) questiona as dicotomias no campo da SI e propõe "observar a infância como um fenômeno complexo, não imediatamente redutível a um extremo ou outro de uma separação polarizada".

É, então, pela mão de tais conceitos que nos lançamos na nossa segunda proposta, de revisar criticamente o conceito de agência pacifista da criança, num quadro analítico multidimensional e transdisciplinar e de proposta de mudança ontológica e epistemológica.

PARTICIPAÇÃO E AGÊNCIA PACIFISTA DA CRIANÇA E O LUGAR DILUÍDO DO PODER

Quando nos propomos convocar o conceito de agência, devemos situá-lo numa dimensão-força da SI — o modo como o Poder se joga nas relações intra e intergeracionais — amplamente aprofundado na investigação da área e na literatura associada (Alderson, 2008ALDERSON, Priscilla. Young children's rights: exploring beliefs. Londres: Jessica Kingsley Publishers, 2008.; Shier, 2010SHIER, Harry. Children as public actors: navigating the tensions. Children & Society, v. 24, n. 1, p. 24-37, 2010. https://doi.org/10.1111/j.1099-0860.2008.00208.x
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; Spyrou, 2011SPYROU, Spyros. The limits of children's voices: From authenticity to critical, reflexive representation. Childhood, v. 18, n. 2, p. 151-165, 2011. https://doi.org/10.1177/0907568210387834
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; Wyness, 2013WYNESS, Michael. Children's participation and intergenerational dialogue: Bringing adults back into the analysis. Childhood, v. 20, n.4, p. 429-442, 2013. https://doi.org/10.1177/0907568212459775
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; Jørgensen e Wyness, 2021JØRGENSEN, Clara Rübner; WYNESS, Michael. Kid power, inequalities and intergenerational relations. London: Anthem Press, 2021.), normalmente em abordagens sobre os direitos da criança; e "os direitos das crianças a ter voz, agência e a participar em assuntos de importância para elas é frequentemente associada, e às vezes confundida, com a ideia de que as crianças têm mais poder" (Jørgensen e Wyness, 2021JØRGENSEN, Clara Rübner; WYNESS, Michael. Kid power, inequalities and intergenerational relations. London: Anthem Press, 2021., p. 1). De facto, se adotarmos a perspetiva de que a participação das crianças se exerce baseada em suas formas de percepção do mundo e das coisas, ou seja, dos seus processos de construção simbólica, e a realizam sobretudo na relação que estabelecem com os diferentes mundos de vida nos quais estão inseridas (Sarmento, 2003SARMENTO, Manoel Jacinto. Imaginário e culturas da infância. Cadernos de Educação, v. 21, 2003.), devemos incluir a questão do poder nessa equação, especificamente no que concerne à distribuição do poder nesses contextos de interação, de forma a permitir que as crianças, por meio das suas próprias formas de pensar o mundo, de o estruturar simbolicamente e de o comunicar, possam ter lugar nessa vida em comum.

Queremos, muito embora, salvaguardar que a participação das crianças implica relações de poder, nas quais há uma margem de autonomia e de liberdade, e é precisamente mediante a maior ou menor intensidade destas últimas, conjugadas, como já vimos, com os processos de relação, encontro, comunhão, confiança, esperança, amor, que a criança estende ou restringe a liberdade de se exprimir simbolicamente, de participar nos seus próprios meios e de exercer a sua própria agência.

Com efeito, para explanar o conceito de agência e exaltar a sua dimensão social, parece-nos de extrema utilidade convocar a concepção webberiana de ação na qual é comtemplado todo o comportamento humano, dotado de sentido, orientado para os outros (Webber, 2015WEBBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. v. 2. Brasília: UnB, 2015.). Ora, o conceito de agência é parcialmente abrangido pelo conceito de ação social de Webber, ao qual se associa o de participação, na medida em que esta última lhe imprime a necessária capacidade de influência, isto é, competência de transformação da criança nos seus contextos de interação, no espaço coletivo (Hart, 1982HART, Roger. Wildlands for children: consideration of the value of natural environments in landscape planning. Landschaft und Stadt, v. 14, p. 34-39,1982.; Lundy, 2007LUNDY, Laura. ‘Voice’ is not enough: conceptualising article 12 of united nations convention on the rights of the child. British Educational Research Journal, London, v. 33, n. 6, p. 927-942, 2007.; Bae, 2009; Shier, 2010SHIER, Harry. Children as public actors: navigating the tensions. Children & Society, v. 24, n. 1, p. 24-37, 2010. https://doi.org/10.1111/j.1099-0860.2008.00208.x
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; Lansdown, 2011LANSDOWN, Gerison. A framework for monitoring and evaluating children's participation a preparatory draft for piloting. London: Save the Children, 2011.). Sob a perspetiva da Investigação para a Paz, a agência pacifista da criança estabelece-se e estrutura-se na vida em comum, seja no contexto educativo no qual se encontra inserida, seja na família, na comunidade próxima ou alargada, e demarca-se de "concepções de poder infantil como binário e conflituoso, assumindo que crianças e adultos têm agendas fundamentalmente diferentes e que os encontros intergeracionais são moldados por negociações ou lutas sobre a agenda de quem deve prevalecer" (Jørgensen e Wyness, 2021JØRGENSEN, Clara Rübner; WYNESS, Michael. Kid power, inequalities and intergenerational relations. London: Anthem Press, 2021., p. 3). Reiteramos assim o caráter dispensável da visão dicotômica conceitual, conforme apontamos ao longo do texto, para adotarmos uma compreensão mais consensual e articulada de poder nas relações intergeracionais, um reconhecimento mais completo da interdependência e semelhanças entre adultos e crianças (Jørgensen e Wyness, 2021JØRGENSEN, Clara Rübner; WYNESS, Michael. Kid power, inequalities and intergenerational relations. London: Anthem Press, 2021.), pois "os adultos precisam da opinião das crianças e as crianças precisam da opinião dos adultos" (Percy-Smith, 2010PERCY-SMITH, Barry. Councils, consultations and community: rethinking the spaces for childrenand young people's participation. Children's Geographies, London, v. 8, n. 2, p. 107-122, 2010. https://doi.org/10.1080/14733281003691368
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, p. 114). Além disso, o facto de termos vindo a aprofundar a importância das relações intra e intergeracionais permite-nos estendê-las à questão do poder, que obviamente está presente nesses contextos de interação. Paralelamente, Jørgensen e Wyness (2021JØRGENSEN, Clara Rübner; WYNESS, Michael. Kid power, inequalities and intergenerational relations. London: Anthem Press, 2021., p. 4) ajudam-nos a convocar a caraterística multidimensional do poder e assinalando a necessidade de "olhar além das oportunidades estruturadas de participação e explorar outras áreas menos óbvias onde as crianças possam ter uma chance maior de influenciar as ações de outras pessoas — ou, alternativamente, de procurar espaços onde as crianças exerçam o seu poder com os adultos".

Na continuidade da proposta de Jørgensen e Wyness (2021JØRGENSEN, Clara Rübner; WYNESS, Michael. Kid power, inequalities and intergenerational relations. London: Anthem Press, 2021.) retomamos o processo de interação social convocando o conceito de agência pacifista que, segundo Jiménez Arenas (2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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), parte de uma concepção pacifista e pacífica de poder. A agência pacifista entende-se como

a capacidade que todas as entidades humanas têm de transformar a realidade através da participação da paz e da consciência dela, respetivamente. O poder deixa de ser aquele elemento exógeno, distante, exclusivamente coercitivo, limitando-se ao ponto da alienação. O poder também tem um caráter reticular e capilar, o que lhe permite atingir todos os espaços e ser exercido por todas as entidades humanas. Poder é rede, colaboração, cooperação, compartilhamento. O poder não é conquistado, é exercido. (Jiménez Arenas, 2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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, p. 40)

Com efeito, os conceitos de agência pacifista e participação parecem confundir-se, dado que ambos se inscrevem e tomam sentido na complexidade das relações de poder entre crianças e entre crianças e adultos. No entanto, existem divergências morais e políticas que são importantes e inevitáveis e dependem do foco de quem as vê, localiza e concebe no mundo social (Jørgensen e Wyness, 2021JØRGENSEN, Clara Rübner; WYNESS, Michael. Kid power, inequalities and intergenerational relations. London: Anthem Press, 2021.). Assim, se atendermos às implicações políticas, e voltando à realidade do jardim de infância, reconhecemos, como já vimos, que o direito da criança a expressar-se e a participar nos seus próprios termos, conforme se prevê no art. 12º da CDC, deve ser respeitado; e isto assinala a necessidade de aumentar a oportunidade das crianças de participarem como sujeitos, com todas as caraterísticas distintivas que caracterizam o exclusivo modo de ser e estar de cada uma. A ato de "participar" deve então possibilitar às crianças poder exercê-lo sendo curiosas, desassossegadas, desafiantes das normas, provocadoras de conflitos e, como reprodutoras e intérpretes que são do mundo adulto, também "cruéis" dominadoras, nas suas próprias hierarquias de poder, para com os pares mais fracos ou vulneráveis. Em suma, a participação das crianças, enquanto ação influente, não é necessariamente uma ação convergente, orientada para o consenso. A participação das crianças pode ser divergente e, sendo divergente, pode ser transformadora também. Disto falávamos acima, quando nos referíamos à frase de Guerrero (2021GUERRERO, Iñaki. Dois ou mais: as relações interpessoais como fonte de felicidade. Abrigada: Cidade Nova, 2021., p. 29) "eu não sou os meus erros", por garantir à criança a incondicionalidade do seu valor, apesar dos seus limites ou erros, condição inabalável para a liberdade da ação participativa.

Por outro lado, a observação das implicações morais do direito das crianças a participar "significa levar em consideração a sua disposição para demostrar solidariedade" (Bae, 2009, p. 401) e reconhecer a necessidade de modular intrinsecamente nas crianças a educação para a paz (Etxeberria-Mauleon, 2016ETXEBERRIA-MAULEON, Xabier. Renovar la educación para la paz. Quaestiones Disputatae - Temas en debate, v. 9, n. 19, p. 9­3, 2016. ISSN-e 2422-2186) com vista à construção plena da identidade da criança, essencial ao desenvolvimento das capacidades desejáveis do ser humano. Com isto, não nos referimos à condenação da ação divergente da criança, mas à promoção de "intercâmbios quotidianos na perspetiva do reconhecimento mútuo e da reciprocidade […] conceitos [que] arrogam as crianças como seres humanos intencionais, competentes para tomar iniciativas e influenciar a sua vida diária" (Bae, 2009, p. 401), na construção de uma cultura de paz. A agência pacifista e a participação da criança têm um tronco comum e sobrepõem-se em vários aspetos, desde logo, por ambas implicarem a capacidade de influência e de transformação; no entanto, a agência pacifista reconhece-se "em todas as ações nas quais [a paz] está presente, todas as predisposições — individuais, subjetivas, sociais e estruturais — em que os atos de falar, pensar, sentir e atuar estejam relacionados com a paz" (Muñoz Muñoz, 2001MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo (ed.) La paz imperfecta. Granada: Universidad de Granada, 2001., s.p.). Por isso, o contexto de participação do JI prevê e legitima essas duas formas de ação transformadora embora reconheça que "as crianças são seres humanos que dependem de respostas compassivas de outras pessoas ao seu redor para se expressarem plenamente" (Bae, 2009, p. 401); ou, por outras palavras, experimentem a liberdade de participar na vida comunal quotidiana em que é assinalada e valorizada a agência pacifista da criança, que vai para além da expressão dos seus atos (vivências de paz) e se alarga na possibilidade de os partilhar com os demais nos seus próprios modos de produção oral, gráfica ou escrita. Aliás, "na perspetiva da investigação para a paz […] teríamos que aprofundar-nos na recuperação do valor epistêmico dos testemunhos, por exemplo, nos processos de reconciliação" (Guzmán, 2016GUZMÁN, Vicent Martínez. Epistemologias e investigación para la paz y los conflictos desde una filosofía para hacer las paces. In: JORNADAS DE INVESTIGACIÓN Y DOCENCIA DEL CENTRO DE INVESTIGACIONES DE TRABAJO SOCIAL, 2016, 6., 2016, Zulia. Anais […]. Zulia: CITS, 2016. p. 20- 33., p. 27) das crianças para dar voz à sua agência, designadamente, nas vivências de paz, para revigorar a motivação para estas últimas, mas também para fomentar o recurso ao diálogo nos processos de resolução de conflitos entre as crianças ou destas com os adultos. A respeito dos conflitos, a investigação para a paz permite ainda "considerar a crise [ou o conflito] como uma oportunidade para a criatividade e a renovação contínua" (Jiménez Arenas, 2020aJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. ¿Quiénes somos? Construyendo Identidades Desde la Investigación Para La Paz. Campos En Ciencias Sociales, Colombia, v. 8, n. 2, p. 17-46, jul. 2020a. https://doi.org/10.15332/25006681/6011
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, p. 35) pelo que coexiste com a violência, porém "a paz não surge como resposta à violência, mas emana autônoma, plena […] é uma resposta à complexidade do ser humano como resultado da imensa quantidade e qualidade dos conflitos com os quais vivemos" (Jiménez Arenas, 2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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. p. 40). Com efeito, a criança está imersa nesta realidade complexa onde se articulam culturas societais das quais ela não se pode isentar. Contudo, como já o referimos antes, as crianças têm modos específicos de apreensão do mundo, que acontecem nas relações culturais, simbólicas, de partilha de significados, atribuição de sentido ao mundo, nas suas relações com os adultos. São, portanto, culturas que lhes são próprias — as culturas da infância — e desencadeiam-se enquanto elemento de interseção da multiplicidade de formas de imersão da criança no mundo social. Para além da família, a escola faz parte desse conjunto de contextos de interação, pelo que, ainda que esta se constitua enquanto espaço de participação por excelência, não se isenta de se estabelecer, ela própria, num contexto de relações de poder, como poderemos ver adiante.

UM DESIDERATO DE MUDANÇA TRANSFORMADORA

Neste último ponto da nossa reflexão, reconvocamos a questão do poder, que anteriormente propusemos como forma alternativa à visão simplificada da criança versus poder adulto (Jørgensen e Wyness, 2021JØRGENSEN, Clara Rübner; WYNESS, Michael. Kid power, inequalities and intergenerational relations. London: Anthem Press, 2021.), de cariz divergente, para nos centrarmos numa visão mais ampla, recíproca e de compromisso mútuo sobre o poder infantil, desta vez, sob o enfoque metodológico da dupla perspetiva — Investigação para a Paz e SI (investigação participativa com crianças). Complementamos o nosso argumento com as palavras de Shier (2019SHIER, Harry. Student voice and children's rights: power, empowerment, and "protagonismo", In: PETERS, Michael A. (ed.). Encyclopedia of Teacher Education. Singapore: Springer Nature, 2019. p. 1-20., p. 5): "o poder não é uma força monolítica que é exercida em hierarquias de cima para baixo, pode ser concebido como algo muito mais fluido que é encenado dentro de redes de pessoas através das suas ações quotidianas". Efetivamente, a razão de ser do destaque que atribuímos ao caráter fluído e reticular do poder deve-se ao facto de identificarmos essas caraterísticas nos dois campos disciplinares e de, em ambos, reconhecermos presente a competência da criança para a transformação da realidade.

Seja como for, o poder, na abordagem pacifista, é também considerado, conforme refere Muñoz Muñoz (2001MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo (ed.) La paz imperfecta. Granada: Universidad de Granada, 2001., s.p.), "um meio para promover as melhores condições possíveis para alcançar a paz", até porque, continua o autor, "uma teoria da paz não pode estar isenta de uma teoria do poder. E, talvez estes também sejam dependentes das teorias dos conflitos, pois a paz e o poder podem estar presentes na sua gestão". Na verdade, o poder não tem necessariamente de ser coercitivo nem se circunscrever, como já vimos, à dualidade criança-adulto, dado que está também presente nos relacionamentos que as crianças estabelecem entre si. Todavia, o conceito de poder que aqui apresentamos pode ser partilhado e transformado na qualidade que adquire segundo o uso que dele se faça, pelo que, sendo realizado dentro de redes, nas ações quotidianas, "precisa de ser explorado intergeracionalmente, intrageracionalmente e multidimensionalmente" (Jørgensen e Wyness, 2021JØRGENSEN, Clara Rübner; WYNESS, Michael. Kid power, inequalities and intergenerational relations. London: Anthem Press, 2021., p. 6).

De facto, a palavra poder deriva do "lat[im] possum, potes, potŭi, posse ‘poder, ser capaz de’; […] Significa, entre outras coisas, "ter a faculdade ou a possibilidade de" e "possuir força física ou moral; ter influência, valimento"14 14 Fonte: Dicionário Eletrónico Houaiss, in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Disponível em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt. Acesso em: 04 fev. 2022. , e a qualidade que lhe temos vindo a imprimir, pelo uso que dela fazemos, não se desvia da sua etimologia. Ora, se rejeitamos o enfoque violento do construto de Poder, é porque queremos dar-lhe um "uso" positivo, que parte de uma concepção pacifista, "convida à ação, ao exercício da agência" (Jiménez Arenas, 2020aJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. ¿Quiénes somos? Construyendo Identidades Desde la Investigación Para La Paz. Campos En Ciencias Sociales, Colombia, v. 8, n. 2, p. 17-46, jul. 2020a. https://doi.org/10.15332/25006681/6011
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, p. 31) e centra-se numa possibilidade de poder-fazer e não de poder-sobre (Guzmán, 2000GUZMÁN, Vicent Martínez. Saber hacer las paces. Epistemologías de los estudios para la paz. Convergencia Revista de Ciencias Sociales, v. 7, n. 23, 2000.; Holloway, 2005HOLLOWAY, John. Cambiar el mundo sin tomar el poder: el significado de la revolución hoy. 3. ed. Caracas: Vadell Hermanos, 2005.), remetendo este último ao conceito de imposição no sentido arendtiano e, por tal, convertendo-se em violência (Arendt, 1970ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Lisboa: Relógio D’Água. 1970.).

De qualquer forma, o contexto JI, do qual partimos, leva-nos a refletir criticamente sobre a questão do poder das crianças pequenas, sob o enfoque da investigação participativa com crianças, e para isso devemos manter a sistematicidade da reevocação da nossa responsabilidade — profissional da educação e investigadora — de criar condições e oportunidades em que as crianças se possam envolver em "processos de aprendizagem social comunitária15 15 Grifo nosso. através do diálogo e interação onde as relações podem ser desenvolvidas e nutridas, onde diferentes grupos podem compartilhar e oferecer apoio num clima de solidariedade, reciprocidade mútua e compromisso com o bem-estar da comunidade" (Percy-Smith, 2006, p. 119). Esta forma comunitária de aprendizagem em que o poder se dilui na mutualidade e no querer o bem do outro, e por isso não carece de lugar específico, parece-nos um forte ponto de convergência entre as abordagens que aqui convocamos, dado que ambas concorrem para que as crianças sejam protagonistas da sua própria aprendizagem e exerçam a sua agência pacifista. Aliás, os processos educativo e investigativo primam pela reciprocidade já que todos aprendemos e, na riqueza da diversidade que nos caracteriza, todos evoluímos, pelo que esses processos são interculturais porque partem da diversidade e diferença de culturas que se interpelam mutuamente (Guzmán, 2016GUZMÁN, Vicent Martínez. Epistemologias e investigación para la paz y los conflictos desde una filosofía para hacer las paces. In: JORNADAS DE INVESTIGACIÓN Y DOCENCIA DEL CENTRO DE INVESTIGACIONES DE TRABAJO SOCIAL, 2016, 6., 2016, Zulia. Anais […]. Zulia: CITS, 2016. p. 20- 33.). Como afirma Jans (2004JANS, Marc. Children as citizens: towards a contemporary notion of child participation. Childhood, v. 11, n. 1, p. 27-44, fev. 2004. https://doi.org/10.1177/0907568204040182
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, p. 32): "Hoje, crianças e adultos estão a tornar-se ‘pares’ na medida em que ambos precisam de aprender a dar sentido e forma à sua cidadania ativa".

CONCLUSÃO (EM JEITO DE)

A ideia de contribuir para a mudança do nosso mundo pode parecer uma missão inglória desde logo porque nos devolve a inevitável sensação de impotência e iminente fracasso. No entanto, o mundo, na sua imensa complexidade, vai fazendo sobressair alguns sinais de esperança. Beck (2016BECK, Ulrich. A metamorfose do mundo: como as alterações climáticas estão a transformar a sociedade. Lisboa: Edições 70, 2016., p. 61) ajuda-nos a traduzir em palavras o que às vezes não conseguimos expressar, porque "a sociedade de risco mundial abre um espaço moral que pode […] dar origem a uma cultura cívica de responsabilidade que transcenda o velho antagonismo [nós-eles/amigo-inimigo] e crie novas alianças bem como novas linhas de conflito". De facto, a necessidade de superação de dicotomias — teoria (o que se diz) e prática (o que se vive) / poder adulto e poder infantil — aflorou ao longo da nossa reflexão e em alternativa sobressaíram possibilidades harmonizadoras comprometidas com princípios de coerência e de responsabilidade moral para com o Outro. Essas propostas, fundadas na paz imperfeita, no diálogo e nos valores, não pretendem ser ingênuas, mas implicadas na construção plena da identidade da criança e das capacidades desejáveis do ser humano. Ora, a criança tem papel central no processo de superação das velhas dicotomias, e contamos com a sua inestimável capacidade de participação e influência na transformação do mundo. Dito noutros termos, reconhecemos a agência pacificadora das crianças enquanto cidadãs competentes na identificação da violência e simultaneamente capazes de viver a paz, trazendo à quotidianidade das suas relações o discurso que tantas vezes os adultos não sabem como materializar e demonstrando-nos de forma admirável a criatividade e generosidade na gestão positiva dos conflitos. Por isso se "vive a paz", porquanto os conflitos são constituintes da diversidade humana; contudo, da perspetiva da paz imperfeita, devemos abordá-los com as crianças de forma "positiva, aberta, subtil e dialógica" (Jiménez Arenas, 2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
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, p. 39), em razão de nem sempre os conflitos serem "prelúdio da violência, mas sim o resultado de diferenças de percepções, objetivos e desenvolvimento de capacidades entre diferentes entidades humanas. O conflito é uma fonte de criatividade e oportunidades e abre a possibilidade de mudança e transformação" (Jiménez Arenas, 2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
https://doi.org/10.19053/01227238.11917...
, p. 39). Não há, então, ameaça que não carregue consigo a esperança e a possibilidade de transformação. O nosso mundo espera e "o risco global é a sensação diária de insegurança que já não podemos aceitar. Abre-nos os olhos e dá-nos esperança. Este encorajamento é o seu paradoxo" (Beck, 2016BECK, Ulrich. A metamorfose do mundo: como as alterações climáticas estão a transformar a sociedade. Lisboa: Edições 70, 2016., p. 60). Apostamos, desta feita, em "projetos colaborativos em jardins de infância [porque] desafiam os investigadores a resgatar os seus recursos imaginativos e lúdicos juntamente com atitudes de humildade e modéstia" (Bae, 2009, p. 403) e reconhecimento mútuo e a se aventurarem com as crianças por trilhos partilhados de poder e verdadeira intersubjetividade na condução comunitária de epistemologia. A paz, enquanto categoria de análise, toma então forte sentido neste percurso no qual todos, crianças e adultos, vão escrevendo, cada dia, a história do nosso mundo, porque, "se devidamente entendida, a história é o projeto simbólico da nossa existência mais as escolhas morais que fazemos todos os dias" (Bauman e Donskis, 2016BAUMAN, Zygmunt; DONSKIS, Leonidas. Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Lisboa: Relógio D’Água, 2016., p. 44). Na mutualidade intergeracional quotidiana todos somos "viventes" da paz e a nossa responsabilidade moral de uns para com os outros é enorme e arrebatadora. Um projeto desta natureza, verdadeiramente processual, que tem por base o imperfeito e o inacabado, não pretende um fechamento ou uma conclusão pois sabe que é no processo que tudo ganha sentido, desabrocha em processos de verdadeira intersubjetividade e por isso não almeja senão a perenidade da sua construção.

  • 1
    Fonte: https://cidadania.dge.mec.pt. Acesso em: 02 mar. 2022.
  • 2
    O presente artigo resulta da revisão da literatura para a composição do corpo teórico de uma tese de doutoramento em Estudos da Criança, área de especialização em Infância, Cultura e Sociedade, no Instituto de Educação da Universidade do Minho.
  • 3
    A Investigação para a Paz é uma área de estudos relativamente recente. A título de exemplo, referimos: Journal of Peace Researchhttps://journals.sagepub.com/description/JPR — por ser uma revista bimestral interdisciplinar e internacionalmente revista por pares de trabalhos acadêmicos em investigação para a paz. Esta revista é membro do Committee on Publication Ethics (COPE). Sendo um campo de estudos pouco ou nada conhecido nos Estudos Sociais da Infância, conta já com algumas décadas de existência e contém artigos de autores de referência, designadamente Galtung (1969GALTUNG, Johan. Violence, Peace, and Peace Research. Journal of Peace Research, v. 6, n. 3, p. 167-191, set. 1969. https://doi.org/10.1177/002234336900600301
    https://doi.org/10.1177/0022343369006003...
    ).
  • 4
    "Paz imperfeita": expressão lançada no início deste século por Francisco Adolfo Muñoz Muñoz, professor de história antiga e fundador do Instituto Universitário de Paz e Conflitos da Universidade de Granada. Jiménez Arenas. (2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
    https://doi.org/10.19053/01227238.11917...
    ), seu sucessor neste Instituto Universitário, resume as palavras de Muñoz Muñoz e López (2011MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo; LÓPEZ, Cándida Martínez. In: MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo; CARMONA, Jorge Bolaños (ed.). Los hábitus de la paz imperfecta. Granada: Universidad de Granada, 2011. p. 37-64.) desta forma: "Surge como o desenvolvimento das capacidades desejáveis do ser humano; destaca-se por estar inacabada, em construção permanente, processual e quotidiana, e por surgir como responsabilidade ética de todos."
  • 5
    Para mais detalhes sobre o Living Peace International Project: https://livingpeaceinternational.org/en/the-project/living-peace-international.html. Acesso em: 15 mar. 2022.
  • 6
    No sentido em que se "vive a paz" na prática, de modo efetivo, nas relações intra e intergeracionais naturalmente despoletadas no contexto do jardim de infância. Este contexto, por sua vez, é edificado à medida que cada ator, criança ou adulto, leva à prática pelo menos uma das as seis Regras da Paz, inscritas nas seis faces do Dado da Paz, e partilha depois essa experiência com o grupo. Este Dado da Paz é construído com as crianças e tem inscritas regras promotoras do reconhecimento do Outro como parte integrante do Eu. As regras vão sendo alteradas conforme as propostas das crianças desde que cumpram o princípio atrás enunciado (e.g. "Partilhar"; "Escutar"; "Ser amigo de todos"; "Ajudar"; "E se fosse eu?"; "Perdoar"; "Cuidar do Planeta"…).
  • 7
    Nas palavras das crianças: "o meu coração fica feliz"; "assim é fácil ter amigos"; "agora gostam das minhas ideias".
  • 8
    A expressão plena pode ser comumente interpretada como algo inteiro ou perfeito. No entanto, no quadro de análise que adotamos neste texto, atribuímos-lhe o sentido de algo que vai sendo integrado no processo de construção da identidade da criança. É por isso um caminho aberto, inacabado, que transcende os clássicos elementos constitutivos da identidade da criança (e.g. sexo, a orientação sexual, a nacionalidade de origem, a religião e as crenças, a identidade cultural e a personalidade) e inclui a dimensão alteridade. No nosso entender, a construção plena da identidade deveria ser um direito de todas as crianças.
  • 9
    Sobre Investigação para a Paz, cf. Muñoz Muñoz e Rueda (1998MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo; RUEDA, Beatriz Molina. Cosmovisiones de paz en el Mediterráneo antiguo y medieval. Granada: Universidad de Granada, 1998.), Muñoz Muñoz (2001MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo (ed.) La paz imperfecta. Granada: Universidad de Granada, 2001.; 2006MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo. Imperfect peace, key texts of peace studies. Münster, Lit Verlag, 2006. p. 241-281.) e Muñoz Muñoz e López (2011MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo; LÓPEZ, Cándida Martínez. In: MUÑOZ MUÑOZ, Francisco Adolfo; CARMONA, Jorge Bolaños (ed.). Los hábitus de la paz imperfecta. Granada: Universidad de Granada, 2011. p. 37-64.); Jiménez Arenas (2020aJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. ¿Quiénes somos? Construyendo Identidades Desde la Investigación Para La Paz. Campos En Ciencias Sociales, Colombia, v. 8, n. 2, p. 17-46, jul. 2020a. https://doi.org/10.15332/25006681/6011
    https://doi.org/10.15332/25006681/6011...
    ; 2020bJIMÉNEZ ARENAS, Juan Manuel. De la paz imperfecta a la agencia pacifista. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, Colombia, v. 22, n. 35, p. 35-64, jul.-set. 2020b. https://doi.org/10.19053/01227238.11917
    https://doi.org/10.19053/01227238.11917...
    ); Jares (2004JARES, Xesús R. Educar para la paz en tiempos difíciles. Bilbao: Bakeaz, 2004.); Guzmán e Albert (2006GUZMÁN, Vicent Martínez. ALBERT, Sonia París. Novas formas de resolução de conflitos: transformação, empoderamento e reconhecimento, Katálisys, v. 9, n. 1, p. 27-37, jan. 2006. https://doi.org/10.1590/S1414-49802006000100003
    https://doi.org/10.1590/S1414-4980200600...
    ), Guzmán e Mingol (2010GUZMÁN, Vicent Martínez; COMINS MINGOL, Irene. Del miedo a la alteridad al reconocimiento del cuerpo: una perspectiva desde la filosofía para la Paz. Investigaciones Fenomenológicas, v. 10, n. 2, p. 37-60, 2010. https://doi.org/10.5944/rif.2.2010.5572
    https://doi.org/10.5944/rif.2.2010.5572...
    ) Guzmán, Comins Mingol e Albert (2010GUZMÁN, Vicent Martínez; COMINS MINGOL, Irene. Del miedo a la alteridad al reconocimiento del cuerpo: una perspectiva desde la filosofía para la Paz. Investigaciones Fenomenológicas, v. 10, n. 2, p. 37-60, 2010. https://doi.org/10.5944/rif.2.2010.5572
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  • 10
    Os itálicos em e a partir de são destaque nosso.
  • 11
    CDC ou Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças.
  • 12
    OCEPE: Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, 2016.
  • 13
    Comentário geral n. 14 (2013) sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja primacialmente tido em conta, adotado pelo Comitê na sua 12ª sessão (14 de janeiro – 1 de fevereiro de 2013). Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/cdc_com_geral_14.pdf. Acesso em 12 fev. 2022.
  • 14
    Fonte: Dicionário Eletrónico Houaiss, in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Disponível em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt. Acesso em: 04 fev. 2022.
  • 15
    Grifo nosso.
  • Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2022
  • Revisado
    18 Abr 2023
  • Aceito
    25 Abr 2023
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