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VALIDAÇÃO DE TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA MÃES E PAIS COM DEFICIêNCIA VISUAL: ENFOQUE NA INTRODUÇÃO ALIMENTAR DO LACTENTE

VALIDATION OF ASSISTIVE TECHNOLOGY FOR MOTHERS AND FATHERS WITH VISUAL IMPAIRMENT: FOCUS ON INFANT FEEDING INTRODUCTION

RESUMO

Mães e pais com deficiência visual podem ter dificuldades na introdução alimentar de seus filhos. Desse modo, foi desenvolvida uma Tecnologia Assistiva (TA) sobre essa temática. Objetivou-se, assim, validar a TA sobre introdução alimentar do lactente. Trata-se de um estudo metodológico conforme adaptação do modelo de Pasquali (2010)Pasquali, L. (2010). Instrumentação psicológica - Fundamentos e práticas. Artmed.. A TA foi previamente construída e avaliada por especialistas e por um teste piloto com a população meta. O presente estudo contemplou o polo empírico, por meio do qual a TA foi avaliada por um novo e amplo grupo de mães e pais. Todos responderam a um instrumento em formato de escala do tipo Lickert a respeito do conteúdo, dos aspectos pedagógicos e da acessibilidade da TA. Outrossim, o estudo contemplou o polo analítico por meio da análise estatística dos dados. Respeitaram-se os aspectos éticos de pesquisas envolvendo seres humanos. Participaram 89 mães e pais, principalmente mulheres (53,9%), com deficiência visual congênita (55,1%), com idade média de 37,91 anos, não casados (52,8%), com ensino médio (60,7%) e exercendo atividade remunerada (56,2%). Dentre os tópicos da tecnologia, todos apresentaram médias favoráveis, sendo melhor avaliado o conteúdo (91,1±11,7), seguido de acesso online (84,4±18,9) e aspectos pedagógicos (82,9±15,9). A TA é meio válido de disseminação de informações a mães e pais com deficiência visual.

PALAVRAS-CHAVE:
Deficiência visual; Cuidados parentais; Tecnologia Assistiva

ABSTRACT

Mothers and fathers with visual impairments may have difficulty introducing their children to food. In this way, an Assistive Technology (AT) was developed on this topic. The objective, therefore, was to validate the AT on infant food introduction. This is a methodological study according to the adaptation of the Pasquali’s (2010) model. The AT was previously constructed and evaluated by experts and through a pilot testing with the target population. The present study considered the empirical pole, through which the AT was assessed by a new and broad group of mothers and fathers. Everyone responded to an instrument in a Lickert scale format regarding the content, pedagogical aspects and accessibility of AT. Furthermore, the study also included an analytical pole through statistical analysis of the data. The ethical aspects of research involving human beings were respected. Eighty-nine mothers and fathers participated, mainly women (53.9%), with congenital visual impairment (55.1%), with average age of 37.91 years old, not married (52.8%), with secondary education (60.7% ) and carrying out paid work (56.2%). Among the technology topics, all presented favorable averages, with content being best evaluated (91.1±11.7), followed by online access (84.4±18.9) and pedagogical aspects (82.9±15.9). The AT is a valid means of disseminating information to mothers and fathers with visual impairments.

KEYWORDS:
Visual impairment; Parental care; Assistive technology

1 INTRODUÇÃO

A promoção da saúde de pessoas com deficiência visual pode ser viabilizada por meio do desenvolvimento de Tecnologia Assistiva (TA), uma vez que esse tipo de tecnologia compreende recursos, serviços, estratégias e práticas que auxiliam no desempenho das atividades de vida diária de pessoas com deficiência ou idosos.

O conceito e a finalidade de uma TA, contudo, não se restringem ao desenvolvimento de materiais duros e equipamentos, nem visam exclusivamente uma compensação da deficiência, mas possui como objetivo promover uma melhor qualidade de vida e autonomia no desempenho das atividades diárias (Cook & Polgar, 2019Cook, A. M., & Polgar, J. M. (2019). Cook & Hussey - Assistive technologies: principles and practice. Mosby Elsevier.). A TA possibilita ao indivíduo com deficiência a realização de atividades dificultadas ou impedidas pela sua limitação, proporcionando, assim, o seu desenvolvimento global (Bersch, 2017Bersch, R. (2017). O que é tecnologia assistiva?https://www.assistiva.com.br/Introducao_Tecnologia_Assistiva.pdf
https://www.assistiva.com.br/Introducao_...
).

Desse modo, o desenvolvimento de TA em saúde para pessoas com deficiência visual torna-se relevante. Seu objetivo, além dos já expressos, está relacionado também à integração desse público em contextos diferenciados, o que lhes propiciará a inclusão e a autonomia, com consequente diminuição do isolamento social, muitas vezes imposto às pessoas com deficiência, promovendo uma comunicação efetiva (Stasolla et al., 2013Stasolla, F., Caffo, A. O., Picucci, L., & Bosco, A. (2013). Assistive technology for promoting choice behaviors in three children with cerebral palsy and severe communication impairments. Research in Developmental Disabilities, 34(9), 2694-2700. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2013.05.029
https://doi.org/10.1016/j.ridd.2013.05.0...
). Nesse prisma, as TAs que ampliam o acesso à informação de pessoas com deficiência visual com o ambiente ao seu redor tem sido viabilizado especialmente por meio dos mecanismos de acessibilidade virtual, como softwares sintetizadores de voz e leitores de tela (Hakobyan et al., 2013Hakobyan, L., Lumsden, J., O’Sullivan, D., & Bartlett, H. (2013). Mobile assistive technology for people with low vision. Survey of Ophthalmology, 58(6), 513-528. https://doi.org/10.1016/j.survophthal.2012.10.004
https://doi.org/10.1016/j.survophthal.20...
).

Concernente às questões relacionadas à introdução alimentar de seus filhos lactentes, mães e pais com deficiência visual relataram ter recebido orientações precárias por parte dos profissionais de saúde acerca do aleitamento materno; consequentemente, ocorreram o desmame precoce e a inadequada introdução e preparo da introdução alimentar (Cezario et al., 2016Cezario, K. G., Oliveira, P. M. P., Sousa, A. A. S., Carvalho, Q. C. M., Pennafort, V. P. S., & Santos, L. A. P. F. (2016). Pais cegos e a nutrição dos filhos: vivências e cuidados, Revista RENE, 17(6), 850-857. https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000600017
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). Nesse contexto, consoante se observa, são extremamente críticas as lacunas relativas à alimentação complementar dos seus filhos. De modo geral, os pais com deficiência visual sentem dificuldades semelhantes às dos pais videntes, acrescidas da insegurança de realizar cuidados desprovidos do sentido da visão e da precariedade da rede social de apoio em orientá-los devidamente (Bezerra et al., 2020Bezerra, C. P., Nicolau, A. I. O., Bezerra, G. P. P., Machado, M. M. T., & Pagliuca, L. M. F. (2020). Acesso aos serviços de saúde por mães cegas: dos enfrentamentos aos ensinamentos. Acta Paulista de Enfermagem, 33, 1-9. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO01975
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).

Entretanto, segundo se verifica, muitas vezes os constituintes da rede social de apoio, representados por familiares, vizinhos e profissionais de saúde, têm dificuldades de repassar informações sobre o cuidado em saúde da criança, talvez pela falta de experiência em acessibilizar orientações para uma pessoa com deficiência. Acresce-se o fato de as informações prestadas não considerarem as características da pessoa com deficiência visual necessárias ao desempenho das atividades adequadamente, tais como o estímulo ao uso do tato e do olfato, que são os sentidos remanescentes mais frequentemente utilizados, e a necessidade de uma orientação espacial dos objetos.

Diante do exposto, e em virtude de mulheres e homens com deficiência visual vivenciarem a experiência de ter e cuidar de seus filhos, embora muitas vezes lhes falte suporte acessível à execução desse cuidado, evidenciou-se a necessidade de desenvolvimento de TA para promover orientações adequadas para facilitar o cuidado dos seus filhos lactentes, pois essa fase contempla diversas experiências e adaptações na vida da criança. Em acréscimo a essas considerações, constata-se que a opção de usar o meio virtual para a inserção de uma TA se dá em face de a oferta de informações pelo acesso online propiciar a oportunidade de acessar e compartilhar conteúdo, conforme a conveniência de quem acessa, ultrapassando barreiras de tempo e espaço. Tal afirmação se justifica, pois uma parcela da população, e aqui se enfatiza a clientela com deficiência visual, não dispõe de acesso à educação em saúde em suas instituições de ensino/trabalho, tampouco os serviços de saúde possuem material acessível para atender a esse tipo de demanda.

Nesse contexto, desenvolveu-se uma TA denominada “Cuidando da alimentação do bebê”, a qual aborda temáticas significativas relacionadas à introdução alimentar (principais alimentos para o bebê; refeições diárias da criança; como preparar os alimentos; como oferecer os alimentos; higiene da criança; cuidado geral com os alimentos), associando ao conteúdo orientações voltadas a mães e pais com deficiência visual, como, por exemplo: na temática “Como preparar os alimentos”, a identificação das frutas maduras por meio da palpação da textura de sua casca e percepção de sua polpa; identificação do cozimento dos alimentos salgados (carnes, legumes, hortaliças) por meio da percepção da textura e maciez com o uso de um garfo; sugestão de uso de copos ou recipientes de medida única de 30 ml ou uso de velcro ou outra textura para marcação de dosagem dos copos na oferta de água ou leite artificial; em relação ao conteúdo sobre “Como oferecer os alimentos”, orientações sobre as cores dos alimentos (com descrição nominal das cores dos principais alimentos a serem ofertados) e a importância da sua variedade e da sua combinação no estímulo visual de lactentes videntes; posicionar-se sentado(a) no chão de pernas cruzadas e colocar o bebê sentado ou semi-sentado no colo ao oferecer o alimento; permitir que o bebê se posicione de modo a olhar o rosto do pai ou mãe ao se alimentar; tocar o rosto da criança para perceber seu processo de mastigação do alimento bem como para ajudar na oferta do alimento por colher.

Esse conteúdo foi desenvolvido e alojado em página da web desenvolvida com mecanismo de acessibilidade à pessoa com deficiência visual, tais como: conteúdo também em formato TxT/Word para as mães e os pais que optassem pela impressão em Braille e leitura do conteúdo, contraste de cores, ampliação de tela e sintetizador de voz (Dosvox). A tecnologia passou por avaliação de especialistas em saúde da criança, aspectos pedagógicos da pessoa com deficiência visual e acesso online, bem como por teste piloto com mães e pais com deficiência visual. A sua adequação de conteúdo e de acessibilidade, indicada pelos especialistas e corroborada no teste piloto com representantes da população-meta descrita, ensejou um processo de validação com grupo amplo de potenciais usuários (Oliveira et al., 2012Oliveira, M. S., Santos, M. L. C., Almeida, P. C., Panobianco, M. S., & Fernandes, A. F. C. (2012). Evaluation of an educational handbook as a knowledge-acquisition strategy for mastectomized women. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 20(4), 668-676. https://doi.org/10.1590/S0104-11692012000400006
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; Rebouças et al., 2012Rebouças, C. B. A., Pagliuca, L. M. F., Sawada, N. O., & Almeida, P. C. (2012). Validation of a non-verbal communication protocol for nursing consultations with blind people. Revista Rene, 13(1), 25-39. http://www.periodicos.ufc.br/rene/article/view/4880
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).

Objetivou-se, assim, validar uma TA desenvolvida para mães e pais com deficiência visual sobre introdução alimentar, disponibilizada por meio de acesso online.

2 MÉTODO

Trata-se de um estudo de validação de TA conforme o modelo de Pasquali (2010)Pasquali, L. (2010). Instrumentação psicológica - Fundamentos e práticas. Artmed., o qual foi adaptado ao percurso metodológico de desenvolvimento da TA, executando os polos empírico e analítico. O polo teórico construiu a TA e a avaliou por nove especialistas, sendo três em saúde da criança, três em aspectos pedagógicos da pessoa com deficiência visual e três em acesso online. Além disso, desenvolveu um teste piloto com um grupo de dez mães e pais cegos. Ambos os grupos de avaliadores consideraram a TA um meio viável de disseminação de informações sobre introdução alimentar do lactente para pais com deficiência visual (Cezario et al., 2012Cezario, K. G., Oliveira, P. M. P., Abreu, M. S. N., & Pagliuca, L. M. F. (2012). Avaliação de tecnologia assistiva sobre alimentação complementar do lactente para pais cegos [Apresentação de artigo]. 3º Congresso de Investigação em Enfermagem Ibero Americano e de Países de Língua Oficial Portuguesa, Coimbra, Portugal.).

A partir das etapas precedentes, relatadas acima, desenvolveu-se o polo empírico do estudo. O polo empírico contou com a participação de mulheres e homens com deficiência visual, com idade igual ou superior a 18 anos, que vivenciaram a experiência da paternidade ou da maternidade, seja biológica ou por adoção.

Para operacionalização dessa etapa, a qual demandava um número amplo de mães e pais com deficiência visual, empreendeu-se a divulgação do estudo para a formulação de convite a possíveis participantes. Inicialmente, solicitou-se à instituição que congrega em sua página web os contatos das associações de cegos de todo o país, via correio eletrônico, uma lista com o endereço e contato de todas as suas filiadas. Além disso, identificaram-se, em páginas de busca, outras associações não cadastradas nessa instituição. Essas pesquisas totalizaram aproximadamente 100 instituições identificadas.

Em seguida, fez-se contato por meio de mensagem eletrônica com as referidas instituições, no intuito de promover a pesquisa, seus objetivos e sua relevância, e solicitar a divulgação entre os associados. Após várias rodadas de divulgação, obteve-se retorno de instituições dos estados do Maranhão, Paraná, Pernambuco e Piauí. Delimitaram-se, assim, os indivíduos que compuseram a amostra pelo tempo proposto para coleta. Em virtude da dificuldade de acesso a essa clientela por meio probabilístico, o número de mães e pais com deficiência visual avaliadores foi limitado ao quantitativo de sujeitos que se dispuseram a avaliar a TA dentro do prazo estabelecido.

Após o aceite de participação no estudo, os participantes receberam orientações via correio eletrônico e telefone sobre como participar da pesquisa acessando a TA na página virtual na qual estava alojada. Os participantes acessavam a página, que foi desenvolvida com recursos de acessibilidade, e, após esse passo, e de maneira sucessiva, seguiam ao sítio onde se encontrava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os recursos de acessibilidade disponíveis eram: conteúdo também em formato TxT/Word para as mães e os pais que optassem pela impressão em Braille e leitura do conteúdo, contraste de cores, ampliação de tela e sintetizador de voz (Dosvox). Somente concluído esse passo obrigatório, os participantes tinham acesso ao conteúdo da tecnologia. Encerrada essa etapa, eles respondiam ao instrumento de avaliação; em seguida, clicavam na opção “enviar”, encerrando sua participação no estudo.

O instrumento de avaliação preenchido compunha-se de dados sociodemográficos, identificação da causa da deficiência visual, além de três tópicos que mesclavam os aspectos já avaliados pelos especialistas e participantes do teste piloto: Conteúdo, Aspectos pedagógicos e Acesso online. Em relação ao conteúdo, as mães e os pais com deficiência visual respondiam se ele ressaltava a importância da família nos cuidados com a introdução alimentar, se era reflexivo, se trazia conteúdo que motivava o diálogo, se esclarecia dúvidas sobre introdução alimentar e se trazia novos conhecimentos sobre o tema.

Concernentes aos aspectos pedagógicos, os participantes avaliavam se a TA possuía formato interessante e atraente para uma pessoa com deficiência visual, se promovia a autonomia, se estimulava a mudança de atitude e comportamento, se os tópicos tinham sequência lógica, se os recursos de acessibilidade estavam adequados e se correspondiam ao nível de conhecimento dos participantes. Finalmente, no acesso online, avaliavam se o tom do texto da TA era amigável, se a tecnologia era interessante para acessar pela internet, se seu acesso era prático e fácil, se estimulava a privacidade e autonomia do leitor, se o acesso online era um meio viável de promoção da saúde e se a tecnologia estava em página acessível.

O instrumento de avaliação era constituído por afirmativas, às quais deveriam atribuir nota de um a cinco, sendo um a menor nota e cinco a maior. Ademais, o instrumento também possuía espaço para críticas e sugestões. A análise dos dados da avaliação dessa etapa considerou como adequados os itens que receberam notas cinco e quatro da maioria das mães e dos pais.

A última etapa do estudo, o polo analítico, contemplou a análise estatística dos dados. Ela foi processada no software Statistical Product and Service Solutions (SPSS), versão 18.0. As respostas das mães e dos pais com deficiência visual foram organizadas em tabelas e a média e o desvio padrão das variáveis quantitativas foram calculadas. Por sua vez, a análise das associações entre as variáveis categóricas se deu pelos testes de qui-quadrado e de razão de verossimilhança. Para comparação das médias dos tópicos, foram utilizados os testes t de Student para dados independentes ou F de Snedecor (ANOVA). Consideraram-se como estatisticamente significantes as análises estatísticas inferenciais quando p<0,05.

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e aprovado. Cumpriram-se as orientações para a pesquisa envolvendo seres humanos.

3 RESULTADOS

Participaram do estudo 89 mães e pais com deficiência visual, com discreta predominância do sexo feminino (53,9%) e deficiência visual congênita (55,1%). A faixa etária mais relevante se situou entre os 30 e 39 anos (46,6%), com média de 37,91 ± 11,41 anos; pequena predominância de não casados (52,8%), com ensino médio (60,7%), renda familiar de um salário-mínimo (43,8%), sujeitos exercendo atividade remunerada (56,2%). O maior quantitativo de participantes advinha dos estados de Pernambuco (51,6%) e Piauí (41,6%). Na Tabela 1, seguem as demais informações.

Tabela 1
Distribuição do número de mães e pais com deficiência visual segundo características sociodemográficas

De acordo com o observado, a avaliação do tópico “Conteúdo” apresentou dados estatisticamente significantes em quase todas as características dos participantes (p<0,05), exceto em relação ao sexo (p=0,366). Os sujeitos que atribuíram nota cinco à TA possuíam como perfil: deficiência visual congênita (89,9%), faixa etária entre 30 e 39 anos (92,7%), casados (95,2%), com ensino médio (90,7%), exercendo atividade remunerada (98%) e renda familiar de 2,2 a seis salários-mínimos (90,9%), conforme mostra a Tabela 2.

Tabela 2
Distribuição do número de mães e pais com deficiência visual segundo o tópico “Conteúdo” e características* * Escala cuja valoração varia de 1 a 5, sendo 1 a menor nota atribuída e 5 maior;

Concernente ao tópico “Aspectos pedagógicos”, houve relação estatisticamente significante quanto às características dos sujeitos, com exceção do sexo (p= 0,638). As mães e os pais que atribuíram nota cinco na avaliação da tecnologia tinham deficiência visual congênita (83,7%), faixa etária de 30 a 39 anos (82,9%), casados (92,9%), com ensino médio (83,3%), exerciam atividade remunerada (93%), renda familiar de 2,2 a seis salários-mínimos (81,8%). As demais informações se encontram na Tabela 3.

Tabela 3
Distribuição do número de pais cegos segundo o tópico “Aspectos pedagógicos” e características* * Escala cuja valoração varia de 1 a 5, sendo 1 a menor nota atribuída e 5 maior;

Conforme evidenciado, a avaliação do tópico “Acesso online” apontou para relação estatisticamente significante quanto às características das mães e dos pais com deficiência visual. Como mostra a Tabela 4, o perfil dos sujeitos que atribuíram a nota máxima tinha deficiência visual congênita (83,7%), com faixa etária entre 30 e 39 anos (85,4%), casados (92,9%), ensino médio (85,2%), trabalhando (96%), com renda familiar de 2,2 a seis salários-mínimos (87,9%).

Tabela 4
Distribuição do número de mães e pais com deficiência visual segundo o tópico “Acesso online” e características* * Escala cuja valoração varia de 1 a 5, sendo 1 a menor nota atribuída e 5 a maior;

Na comparação direta das médias obtidas entre os três tópicos, verifica-se que somente a variável sexo obteve médias semelhantes (p: 0,431, p: 0,765 e p: 0,837, respectivamente). Consoante se conclui, homens e mulheres avaliaram a TA de maneira parecida e, embora não haja significância estatística, as mulheres apontaram melhores médias em relação ao conteúdo e ao acesso online (91,9 e 84,8, respectivamente).

Concernente à variável faixa etária, a melhor avaliação se deu entre os 30-49 anos, com médias: conteúdo (95,3), aspectos pedagógicos (89,5) e acesso online (92,2), com p<0,0001, exceto em relação ao conteúdo (p: 0,003). No tocante à escolaridade, houve diferença estatística entre as médias (p<0,0001), sendo os participantes com ensino médio os responsáveis pelas melhores pontuações (conteúdo: 95,7; aspectos pedagógicos: 90,2; acesso online: 93,6).

Quanto ao estado civil, apesar de se constituírem em discreta minoria, os participantes casados/união estável atribuíram pontuação diferenciada (p<0,0001) e melhor advinda dos não casados (conteúdo: 97,6; aspectos pedagógicos: 92,8; acesso online: 94,8). Participantes com renda familiar entre 1,1 e dois salários-mínimos mensais também avaliaram com melhores médias os tópicos (p<0,0001), sendo conteúdo: 100,0; aspectos pedagógicos: 94,3; e acesso online: 98,3. Além disso, mães e pais que trabalhavam avaliaram melhor (p<0,0001) comparativamente aos que não trabalhavam, com médias de conteúdo (98,5), aspectos pedagógicos (93,2) e acesso online (97,1) superiores.

Participantes com deficiência congênita julgaram os tópicos de maneira distinta daqueles com deficiência adquirida (p<0,0001), com médias de conteúdo (96,3), aspectos pedagógicos (90,1) e acesso online (91,5). Mais detalhes das médias e suas comparações estão expostos na Tabela 5.

Tabela 5
Comparação das médias dos tópicos “Conteúdo”, “Aspectos pedagógicos” e “Acesso online” segundo o perfil das mães e dos pais com deficiência visual

Na Tabela 6, evidencia-se a avaliação dos tópicos constituintes da tecnologia, com médias favoráveis nos três tópicos. Contudo, o tópico “Conteúdo” recebeu avaliação distinta dos demais e melhor média segundo os participantes (p <0,0001), enquanto o tópico com menor avaliação foi o referente aos aspectos pedagógicos (M: 82,9; DP: ± 15,9).

Tabela 6
Avaliação dos tópicos “Conteúdo”, “Aspectos pedagógicos” e “Acesso online”

Ao compararem-se as médias dos tópicos em escala de grandeza de 0 a 5, todos os itens receberam notas entre 4,18 e 4,79, com exceção de item do tópico “Aspectos pedagógicos”. Concernente ao conteúdo, o item melhor avaliado foi “Aborda a importância da família na saúde da criança” (M: 4,79) e o que recebeu menor avaliação “O tema retrata aspectos-chave importantes” (M: 4,56).

O segundo tópico teve como melhor item avaliado “Os recursos de acessibilidade estão adequados” (M: 4,44) e o pior “O tempo de apreciação está adequado” (3,93). Finalmente o tópico “Aspectos online” teve como melhor avaliação o item “O áudio está adequado” (M: 4,63) de mais baixa avaliação “O acesso à tecnologia é prático e fácil” (M: 4,22). Seguem os detalhes na Tabela 7.

Tabela 7
Média e mediana dos tópicos “Conteúdo”, “Aspectos pedagógicos” e “Acesso online”

4 DISCUSSÕES

A diversidade de aspectos que envolvem o cuidado da introdução alimentar dos lactentes, reforçada pela vigência da deficiência visual em seus pais, permite concluir que a divulgação de informações sobre esse assunto é essencial na atenção integral em saúde desse estrato da população. Segundo a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência (2010Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. (2010). https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_pessoa_com_deficiencia.pdf
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), dentre as suas diretrizes está a melhoria dos mecanismos de informação, relacionados à criação, à produção e à distribuição de material educativo em saúde acessível.

Como se depreende, e conforme o conceito de tecnologia assistiva adotado, a TA “Cuidando da alimentação do bebê” também é um mecanismo de informação em saúde e, uma vez utilizado em meio de divulgação ampla, como o caso da web, permite maior disseminação entre as pessoas com deficiência, especialmente entre pessoas com deficiência visual. Dessa forma, promove-se não somente mais qualidade de vida, mas também inclusão.

Estudos envolvendo a experiência da maternidade/paternidade entre pessoas com deficiência enfatizam o despreparo constante de profissionais da saúde para compreender e cuidar de forma acessível dessa clientela nessa etapa do seu ciclo vital. São constantes os relatos de falta de apoio profissional, conhecimento sobre as necessidades oriundas das distintas deficiências, aceitação da sexualidade dessas mães e desses pais e, especialmente, tecnologias assistivas viáveis a esse público (Carty et al., 1990Carty, E. M., Conine, T. A., & Hall, L. (1990). Comprehensive health promotion for the pregnant woman who is disabled. Journal of Nurse-Midwifery, 25(3),133-142. https://doi.org/10.1016/0091-2182(90)90163-y
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; Conley-Jung & Olkin, 2001Conley-Jung, C., & Olkin, R. (2001). Mothers with visual impairments who are raising young children. Journal of Visual Impairment & Blindness, 95(1), 14-29. https://doi.org/10.1177/0145482X0109500103
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; Walsh-Gallagher et al., 2012Walsh-Gallagher, D., Sinclair, M., & McConkey, R. (2012). The ambiguity of disabled women’s experiences of pregnancy, childbirth and motherhood: a phenomenological understanding. Midwifery, 28(2), 156-162. https://doi.org/10.1016/j.midw.2011.01.003
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).

Conforme observado nos resultados, os participantes atribuíram majoritariamente nota cinco aos itens do instrumento, e a avaliação estatística dos seus dados apontou para médias favoráveis a essa conclusão, majoritariamente acima de 80,0. O perfil dessas mães e desses pais denotou discreta predominância do sexo feminino, de não casados, com idade sobretudo entre os 30 a 39 anos e renda média de um salário-mínimo. E, ainda: o tipo de deficiência visual, congênita, o grau de escolaridade, ensino médio, e o fato de exercerem atividade remunerada.

Ao considerar-se o perfil de mães e pais que atribuíram melhores médias aos tópicos “Conteúdo”, “Aspectos pedagógicos” e “Acesso online”, obteve-se como resultado, respectivamente: pessoas com deficiência congênita (96,3; 90,1; 91,5), na faixa etária de 30 a 39 anos (95,3; 89,5; 92,2) e casadas (97,6; 92,8; 94,8). Em relação à renda familiar, o tópico “Conteúdo” foi melhor avaliado por pessoas que recebem de 2,2 a seis salários-mínimos (100,0); já os tópicos “Aspectos pedagógicos” e “Acesso online” melhor foram avaliados por mães e pais com renda de 1,1 a 2,1 salários (94,3; 98,3).

Segundo se evidenciou, homens e mulheres avaliaram a tecnologia de maneira semelhante, embora as mulheres tenham atribuído melhores médias ao conteúdo e acesso online (91,9; 84,8, respectivamente). Existe tendência constante das mulheres em procurar mais os serviços de saúde, em seguir o conselho dos profissionais e buscar mecanismos diversificados de informação em comparação ao comportamento masculino (Pinheiro et al., 2002Pinheiro, R. S., Viacava, F., Travassos, C., & Brito, I. A. S. (2002). Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 7(4), 687-707. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400007
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).

Ademais, consoante apontaram as experiências de mães com deficiência visual norte-americanas no cuidado dos seus filhos, relatadas por Conley-Jung e Olkin (2001)Conley-Jung, C., & Olkin, R. (2001). Mothers with visual impairments who are raising young children. Journal of Visual Impairment & Blindness, 95(1), 14-29. https://doi.org/10.1177/0145482X0109500103
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, o estado civil predominante entre as 47 entrevistadas foi casado (80,9%) e o tipo de deficiência visual, a congênita (88,1%). De acordo com entrevistas com 17 mulheres irlandesas com tipos variados de deficiências, sobre a experiência da gestação, nascimento e maternidade, dez dessas mulheres eram casadas ou viviam em união estável e 15 do total exerciam atividade remunerada (Walsh-Gallagher et al., 2012Walsh-Gallagher, D., Sinclair, M., & McConkey, R. (2012). The ambiguity of disabled women’s experiences of pregnancy, childbirth and motherhood: a phenomenological understanding. Midwifery, 28(2), 156-162. https://doi.org/10.1016/j.midw.2011.01.003
https://doi.org/10.1016/j.midw.2011.01.0...
). Finalmente, em artigo cuja autora é uma mãe cega que reflete sobre sua própria experiência durante a gravidez, parto e criação do seu filho, era casada e desempenhava atividade remunerada (Kent, 2002Kent, D. (2002). Beyond expectations: being blind and becoming a mother. Sexuality and Disability, 20(1), 81-88. https://doi.org/10.1023/A:1015238505439
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).

Aspecto relevante a ser destacado é a diferença de avaliação da TA em relação às faixas etárias dos participantes: todos os grupos avaliaram de maneira distinta, mas as maiores médias (95,3; 89,5; 92,2) advieram do grupo situado entre 30 e 39 anos e as menores (84,1; 69,9; 64,8) do grupo mais velho, entre 50 e 72 anos. Desse modo, entre participantes mais novos, a TA foi melhor aceita em comparação ao grupo no qual se inserem idosos, por exemplo, que apresentou piores notas quanto aos aspectos pedagógicos e acesso online.

Como identificados, os participantes apresentaram como escolaridade predominante o ensino médio. Tal aspecto se destaca porquanto no Brasil 51,3% das pessoas com deficiência têm até três anos de estudo. Aspecto relevante no presente estudo é que mães e pais com ensino médio avaliaram melhor a TA (M: 95,7; 90,2; 93,6) em relação aos com ensino superior (M: 89,4; 85,7; 90,3) demonstrando ser a TA viável para diversificados níveis de escolaridade.

Embora haja tendência de a pessoa com deficiência adquirida, sobretudo a partir da adolescência, ter melhor adequabilidade no tocante aos recursos educacionais adaptados, a demanda por informações demonstrou ser aspecto independente a essa condição, porquanto os pais com deficiência visual congênita avaliaram melhor a tecnologia assistiva (M: 96,3). Essa evidência aponta uma viabilidade na utilização do acesso online entre pessoas com deficiência visual, independentemente da sua etiologia. Nesse caso, importa, principalmente, a demanda por informações em saúde. A TA desenvolvida e ora validada foi desenvolvida considerando orientações pertinentes à deficiência visual independentemente de sua origem, visto que as orientações de seu conteúdo são adequadas aos distintos graus de deficiência visual.

No tocante à avaliação dos itens da tecnologia, o tópico com melhores médias foi conteúdo (91,1), seguido do acesso online (84,4) e aspectos pedagógicos (82,9). Concernente ao conteúdo, os itens melhores avaliados pelos participantes foram: “Aborda a importância da família na saúde da criança” (M: 4,79) e “Aborda assuntos necessários aos pais” (M: 4,73). Como, em geral, são as mães e os pais que executam os cuidados básicos de saúde dos seus filhos lactentes, com destaque para a nutrição, chama atenção o fato de considerarem a tecnologia avaliada como promotora desses aspectos.

A ênfase maior nesses itens remete ao fato de constantemente mães e pais com deficiência visual demandarem o auxílio da sua rede de apoio social para suporte a situações no cuidado da criança cuja resolutividade por eles próprios fica limitada em face da própria deficiência. Enfatizar a importância da família nesse contexto de desafios aponta para um desejo de autonomia e até mesmo de autoeficácia materna/paterna no cuidado da saúde das suas crianças.

Comumente, mães e pais sentem ansiedade diante da oferta dos novos alimentos aos seus filhos lactentes, sobretudo quando são mães e pais pela primeira vez. Há uma tendência de esses homens e essas mulheres procurarem informações sobre essa temática não somente na rede social de apoio, mas também em livros e em meios virtuais. Logo, atribui-se como uma das responsabilidades dos profissionais de saúde evidenciar quais entre esses meios são mais fidedignos e podem ser melhor explorados (Allcut & Sweeney, 2010Allcut, C., & Sweeney, M. S. (2010). An exploration of knowledge, attitudes and advice given by health professionals to parents in Ireland about the introduction of solid foods, a pilot study. BMC Public Health, 201(10), 1-8. https://doi.org/10.1186/1471-2458-10-201
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).

Mães e pais com deficiência visual, cearenses, mencionaram como maiores desafios no processo de nutrição dos seus filhos lactentes a falta de encorajamento da manutenção do aleitamento materno exclusivo, o medo de acidentes durante a oferta dos alimentos sólidos da introdução alimentar e as dúvidas não esclarecidas ante esses dois processos. Em acréscimo, conforme relataram, o despreparo dos profissionais de saúde para lhes dar suporte nesse momento da vida dos seus filhos gerou desencorajamento e até mesmo questionamentos sobre a capacidade de cuidar (Cezario et al., 2016Cezario, K. G., Oliveira, P. M. P., Sousa, A. A. S., Carvalho, Q. C. M., Pennafort, V. P. S., & Santos, L. A. P. F. (2016). Pais cegos e a nutrição dos filhos: vivências e cuidados, Revista RENE, 17(6), 850-857. https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000600017
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).

Estudo fenomenológico com 17 mães irlandesas com diferentes tipos de necessidades especiais (visual, intelectual, espinha bífida, esclerose múltipla, entre outros) gerou relatos inesperados. Exemplo deles é o fato de que, para muitos dos profissionais de saúde que detectaram suas respectivas gestações, tal situação foi vista como chocante, pois as consideraram incapazes de cuidar dos filhos. Assim, propuseram em dois casos o abortamento dos bebês. Houve relatos também de despreparo por parte dos enfermeiros que as assistiam e sentimento de solidão durante o pós-parto (Walsh-Gallagher et al., 2012Walsh-Gallagher, D., Sinclair, M., & McConkey, R. (2012). The ambiguity of disabled women’s experiences of pregnancy, childbirth and motherhood: a phenomenological understanding. Midwifery, 28(2), 156-162. https://doi.org/10.1016/j.midw.2011.01.003
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).

A experiência de Kent (2002)Kent, D. (2002). Beyond expectations: being blind and becoming a mother. Sexuality and Disability, 20(1), 81-88. https://doi.org/10.1023/A:1015238505439
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durante o período de pós-parto também foi negativa, pois, consoante relatou, a enfermeira do alojamento conjunto no qual estava internada quis retirá-la deste setor por julgá-la incapaz de cuidar e até mesmo de encontrar o berço do seu bebê, situado ao lado do seu leito. Ademais, segundo Conley-Jung e Olkin (2001)Conley-Jung, C., & Olkin, R. (2001). Mothers with visual impairments who are raising young children. Journal of Visual Impairment & Blindness, 95(1), 14-29. https://doi.org/10.1177/0145482X0109500103
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várias mães cegas mudaram o pediatra dos seus bebês em virtude de o médico as considerar incapazes de cuidar dos seus filhos.

Os relatos comumente identificados nesses estudos direcionam, conforme mencionado, para um constante questionamento da autoeficácia dessas mães e desses pais no cuidado independente dos seus filhos. Compreendida como a crença de um indivíduo sobre a própria capacidade de realizar determinadas ações e a sua possível influência sobre suas vidas, a autoeficácia se aplica no contexto da promoção da saúde por compreender também a resiliência dos indivíduos perante os obstáculos com os quais tem de se defrontar, sendo essa situação uma constante na vida de mães e pais com deficiência (Malagris et al., 2020Malagris, L. E. N., Ribeiro, J. A. A., Teixeira, L. G., & Mourão, S. E. Q. C. (2020). Senso de autoeficácia, comportamentos de saúde e adesão ao tratamento em pacientes portadores de diabetes e/ou hipertensão. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 16(1), 6-33. https://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20200005
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).

Dessa forma, independentemente ou não de deficiência paterna e/ou materna, a família tem sua relevância no cuidado da criança em suas diversas necessidades. Esse processo se torna ainda mais efetivo quando há um estímulo da potencialização da capacidade de cuidar por parte dos pais, que inclusive precisam passar por diversos ajustes em seus papéis ante as demandas variadas da vida (Hockenberry & Wilson, 2023Hockenberry, M. J., & Wilson, D. (2023). Wong Fundamentos de Enfermagem Pediátrica. Elsevier.).

No estudo, o item “O tema retrata aspectos-chave importantes” obteve a menor pontuação entre os pais cegos avaliadores. Essa negativa desperta atenção porquanto a totalidade do conteúdo foi avaliada pelas especialistas em saúde da criança e o conteúdo da tecnologia foi suscitado mediante extensa consulta à literatura na área, utilizando método de revisão integrativa. Além disso, a vivência das pesquisadoras com mães e pais com deficiência visual também norteou o desenvolvimento de seu conteúdo.

Concernente aos aspectos pedagógicos, o item melhor avaliado, “Estimula a mudança de atitude e comportamento” (M: 4,60), denota a relevância da presente TA para aquisição de novas habilidades no cuidado da alimentação complementar da criança. Embora a “mudança de atitude e comportamento” não tenha sido mensurada metodologicamente, o fato de ter sido apontada como aspecto mais relevante na TA a direciona para a sua finalidade central: a promoção da saúde de mães e pais com deficiência visual. O segundo aspecto melhor avaliado, “Os recursos de acessibilidade estão adequados” (M: 4,44), evidencia a adequabilidade da tecnologia aos aspectos a serem considerados no acesso à internet por parte de pessoas com deficiência visual.

Por tratar-se de um conceito amplo e holístico, a promoção da saúde envolve praticamente todos os aspectos de vida de dada população: compreende a assistência em saúde nos seus mais variados níveis de complexidade e engloba a educação em saúde, qualidade de vida e prevenção. Contudo, não são somente estes os objetos de ação da promoção da saúde. Incluem-se também o empoderamento da clientela, a construção de parcerias, a centralização no cliente e a colaboração.

Especificamente para a promoção da saúde das pessoas com deficiência, exige-se conhecimento adequado sobre a comunicação com essa clientela, além de competência, habilidade e estratégias favoráveis à inclusão e à acessibilidade dessas pessoas à saúde. Ao longo das décadas, conforme se tem percebido, apesar de alguns avanços quanto aos amparos legais sobre a inclusão desse público na sociedade, princípios fundamentais da promoção da saúde como autonomia, empoderamento e participação social ainda não são plenamente respeitados (Roscoche et al., 2018Roscoche, K. G. C., Sousa, A. A. S., & Aguiar, A. S. C. (2018). Saúde da pessoa com deficiência visual: aspectos conceituais e legais. Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde, 20(4), 46-54. https://periodicos.ufes.br/rbps/article/view/24597
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).

A TA “Cuidando da alimentação do bebê” tentou se enquadrar nessa proposta de empoderamento de mães e pais com deficiência visual, pois sua finalidade essencial é transmitir informações a esse público que, em inúmeros relatos, afirma negligência em relação às suas necessidades. Cabe, portanto, a essas mães e a esses pais a decisão de adotar ou não as práticas recomendadas na TA.

Cabe ressaltar que o item “Tempo de apreciação está adequado” (M: 3,93) recebeu a menor pontuação por parte dos participantes. Ao se questionar acerca desse tópico, o objetivo foi verificar se o tempo despendido para a leitura ao se navegar pelas páginas que compõem a TA era suficiente para apreciação. Como se pode inferir pela média e mediana mais baixas nesse tópico, as mães e os pais cegas/os consideraram o material extenso para leitura.

Contudo, em relação a esse resultado, pode-se deduzir que se trata da necessidade de inclusão das diversas temáticas abordadas na TA (tipos de alimentos, como ofertar os alimentos, como preparar os alimentos, entre outros) como aspectos relevantes a serem tratados, que não podem ser excluídos desse processo. Ademais, recomendou-se, durante o processo de validação da tecnologia, que se apreciassem todos os seus aspectos, embora não necessariamente as mães e os pais terão dúvidas sobre todos eles, mas, sim, optarão apenas pelo item no qual buscam esclarecimentos sobre a temática.

Concernente aos aspectos de acessibilidade, o item “O acesso online é viável para promover saúde” (M: 4,49) foi o segundo melhor avaliado pelas mães e pelos pais cegas/os. Conforme essas mães e esses pais, elas/es frequentemente recorrem a grupos de discussão virtuais, web sites e conferências para esclarecer dúvidas sobre os cuidados dos seus filhos e das suas filhas; no entanto, há uma demanda de identificação desse tipo de material que seja acessível e focado nas necessidades de mães e pais com deficiência visual (Rosenblum et al., 2009Rosenblum, L. P., Hong, S., & Harris, B. (2009). Experiences of parents with visual impairments who are raising children. Journal of Visual Impairment & Blindness, 107(3), 79-91. https://doi.org/10.1177/0145482X0910300207
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).

De modo geral, independentemente da existência da experiência da maternidade/paternidade, as/os deficientes visuais buscam suporte social e apoio nas relações mediadas pelo acesso online (Gold et al., 2010Gold, D., Shaw, A., & Wolffe, K. (2010). The social lives of Canadian youths with visual impairments. Journal of Visual Impairment & Blindness, 104(7), 431-443. https://doi.org/10.1177/0145482X101040070
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). Esse aspecto se torna ainda mais significativo diante das dificuldades vivenciadas no processo de criação dos/as filhos/as. Complementa-se essa constatação na vigência de mães e pais com outros tipos de deficiência e até mesmo quando essa situação ocorre com suas crianças e não com elas/es próprias/os.

5 CONCLUSÕES

Os resultados expostos apontam para a viabilidade da TA no fornecimento de informações sobre introdução alimentar para mães e pais com deficiência visual, e esse aspecto se confirma pela atribuição de pontuação máxima entre os itens avaliados pelos participantes.

Todavia, apesar desses resultados, houve limitações no desenvolvimento do estudo. Conforme mencionado, foram diversas as dificuldades vivenciadas no convite aos participantes. Isso culminou na delimitação deles a praticamente o Nordeste do Brasil, sobretudo Pernambuco e Piauí. Sugere-se, então, a realização do mesmo processo de validação entre mães e pais de outras regiões do Brasil.

Outro ponto significativo, que é ao mesmo tempo limitação do estudo e relevância a ser discutida, é o acesso online como meio viável à promoção da saúde, e aqui se enfatiza a pessoa com deficiência visual. Embora seja notório haver menos acesso dessa clientela ao uso de computadores e à internet do que do público vidente em geral, percebe-se uma inserção crescente deles a esse meio, e se este pode ser utilizado para estudos, trabalhos, lazer, interação social, por que não como fonte de informações em saúde? O presente estudo responde: é viável.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2023
  • Revisado
    30 Out 2023
  • Aceito
    20 Nov 2023
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