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Estudo de vocábulos para avaliação de crianças com deficiência sem linguagem oral

Study of words for assessing non-speaking children with disabilities

Resumos

Pesquisadores da área de comunicação suplementar e alternativa consideram a falta de instrumentos para avaliar crianças e jovens com necessidade complexa de comunicação. Este trabalho objetivou selecionar vocábulos para um instrumento de avaliação do repertório de vocabulário de crianças não-oralizadas com idade de dois a 11 anos e 11 meses. Para a seleção dos vocábulos foram realizados três estudos. O primeiro estudo identificou e descreveu instrumentos disponíveis para avaliação do vocabulário receptivo e suas listas de vocábulos. O segundo estudo identificou e descreveu pesquisas que apresentaram inventários ou listas de vocábulos empregados por crianças e seus parceiros de comunicação. O terceiro estudo identificou o vocabulário relatado por pais e professores. Os vocábulos identificados nos três estudos foram analisados de acordo com: o número de ocorrência dos vocábulos; a classificação do sistema Picture Communication Symbols e uma classificação semântica e sintática. A partir dos estudos foram estabelecidos como critérios para a seleção dos vocábulos: os 45 vocábulos presentes nos três estudos; os vocábulos que tiveram ocorrência maior ou igual a cinco, considerando os três estudos, representando 167 (14,14%) vocábulos; os vocábulos que estiveram presentes no estudo 1 ou 2, mas que foram citados pelas famílias, 183 (19,37% de 945 vocábulos) ou pelas professoras 108 (11,43% de 945 vocábulos). A lista de vocábulos apresentou 269 itens, classificadas em 18 temas semânticos e sintático e representa um instrumento inicial para profissionais da saúde e educação estabelecerem metas para a avaliação inicial de crianças e jovens usuários de sistemas de comunicação suplementar e alternativa.

Educação Especial; Sistemas de Comunicação Alternativos e Suplementares; Paralisia Cerebral; Vocabulário; Linguagem Infantil


Researchers in the field of Augmentative and Alternative Communication point out the lack of instruments for assessing children and young people with a complex communication needs. This study's focus is the selection of words for creating an instrument for the vocabulary range in non-speaking children aged two to eleven years and eleven months. Three studies were performed. The first study identified and described tools available for assessing receptive vocabulary and their respective word lists. The second identified and described research that presented word inventories or word lists. The third study identified the vocabulary reported by parents and teachers. The words that were identified in the three studies were analyzed according to: the number of times they occurred; the Picture Communication Symbols system classification; and a semantic and syntactic classification. Based on these studies the following criteria for vocabulary selection were established for word selection: the 45 words which appeared in all three studies, the words that occurred five times or more, considering the three studies, representing 167 (14.14%) words; the words identified in study one or two, but that had been reported by the families - 183 (19.37% out of 945 words) - or by teachers - 108 (11.43% out of 945 words). The word list was composed of 269 items, classified in 18 semantic and syntactic topics; it represents an initial tool for professionals in the field of health and education to set goals for beginning assessment of children and teenagers who are users of Augmentative and Alternative Communication systems.

Special Education; Augmentative and Alternative Communication; Cerebral Palsy; Vocabulary; Child Language


RELATO DE PESQUISA

Estudo de vocábulos para avaliação de crianças com deficiência sem linguagem oral1 1 . Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - Unesp-Marília (SP), Brasil. Apoio: CNPq

Study of words for assessing non-speaking children with disabilities

Andréa Carla PauraI; Débora DeliberatoII

IDoutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"- Marília SP. Orientador de Disciplina do Curso de Pedagogia UNESP-UNIVESP

IIProfessor Adjunto do Departamento de Educação Especial e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - Marília SP. Livre- Docente em Comunicação Alternativa. delibera@marilia.unesp.br

RESUMO

Pesquisadores da área de comunicação suplementar e alternativa consideram a falta de instrumentos para avaliar crianças e jovens com necessidade complexa de comunicação. Este trabalho objetivou selecionar vocábulos para um instrumento de avaliação do repertório de vocabulário de crianças não-oralizadas com idade de dois a 11 anos e 11 meses. Para a seleção dos vocábulos foram realizados três estudos. O primeiro estudo identificou e descreveu instrumentos disponíveis para avaliação do vocabulário receptivo e suas listas de vocábulos. O segundo estudo identificou e descreveu pesquisas que apresentaram inventários ou listas de vocábulos empregados por crianças e seus parceiros de comunicação. O terceiro estudo identificou o vocabulário relatado por pais e professores. Os vocábulos identificados nos três estudos foram analisados de acordo com: o número de ocorrência dos vocábulos; a classificação do sistema Picture Communication Symbols e uma classificação semântica e sintática. A partir dos estudos foram estabelecidos como critérios para a seleção dos vocábulos: os 45 vocábulos presentes nos três estudos; os vocábulos que tiveram ocorrência maior ou igual a cinco, considerando os três estudos, representando 167 (14,14%) vocábulos; os vocábulos que estiveram presentes no estudo 1 ou 2, mas que foram citados pelas famílias, 183 (19,37% de 945 vocábulos) ou pelas professoras 108 (11,43% de 945 vocábulos). A lista de vocábulos apresentou 269 itens, classificadas em 18 temas semânticos e sintático e representa um instrumento inicial para profissionais da saúde e educação estabelecerem metas para a avaliação inicial de crianças e jovens usuários de sistemas de comunicação suplementar e alternativa.

Palavras-chave: Educação Especial. Sistemas de Comunicação Alternativos e Suplementares. Paralisia Cerebral. Vocabulário. Linguagem Infantil.

ABSTRACT

Researchers in the field of Augmentative and Alternative Communication point out the lack of instruments for assessing children and young people with a complex communication needs. This study's focus is the selection of words for creating an instrument for the vocabulary range in non-speaking children aged two to eleven years and eleven months. Three studies were performed. The first study identified and described tools available for assessing receptive vocabulary and their respective word lists. The second identified and described research that presented word inventories or word lists. The third study identified the vocabulary reported by parents and teachers. The words that were identified in the three studies were analyzed according to: the number of times they occurred; the Picture Communication Symbols system classification; and a semantic and syntactic classification. Based on these studies the following criteria for vocabulary selection were established for word selection: the 45 words which appeared in all three studies, the words that occurred five times or more, considering the three studies, representing 167 (14.14%) words; the words identified in study one or two, but that had been reported by the families - 183 (19.37% out of 945 words) - or by teachers - 108 (11.43% out of 945 words). The word list was composed of 269 items, classified in 18 semantic and syntactic topics; it represents an initial tool for professionals in the field of health and education to set goals for beginning assessment of children and teenagers who are users of Augmentative and Alternative Communication systems.

Keywords: Special Education. Augmentative and Alternative Communication. Cerebral Palsy. Vocabulary. Child Language.

1 INTRODUÇÃO

A Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) pode ser considerada, atualmente, como um dos recursos que auxiliam o processo de aprendizagem e, consequentemente, o processo de inclusão de alunos com ou sem necessidades educacionais especiais (PAURA; DELIBERATO, 2007).

Beukelman e Mirenda (2007) relataram que o objetivo central da CSA é providenciar ao indivíduo oportunidade e capacidade para comunicar mensagens que possam interagir na conversação; participar em diferentes ambientes; aprender sua língua nativa; estabelecer e manter seu papel social, e satisfazer suas necessidades pessoais. A CSA pode ser usada como suporte para o desenvolvimento da linguagem e como recurso pedagógico, na área da educação e da educação especial.

A intervenção por meio da CSA deve ser iniciada precocemente, a fim de se evitar ou minimizar as diferenças entre a linguagem receptiva e a expressiva, bem como suas consequências no desenvolvimento global da pessoa com dificuldade de expressão, tanto no aprendizado, como em sua autonomia e integração social (MARTINSEN; VON TETZCHNER; 1996, DELIBERATO, 2013).

Crianças e jovens com severas dificuldades de comunicação podem ter dificuldade para elaborar e expressar suas mensagens e até mesmo para selecionar o vocabulário de que necessitam, para o seu recurso de comunicação. Os usuários de Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) que não são capazes de escolher seu vocabulário e suas mensagens dependem das decisões realizadas por outras pessoas, como profissionais e familiares (BEUKELMAN; JONES; ROWAN, 1989; FRIED-OKEN; MORE, 1992; VON TETZCHNER, 2009). Identificar o vocabulário de um usuário de CSA pode ser uma tarefa difícil e demorada. Requer considerar as necessidades comunicativas, objetivos, experiências pessoais, diferentes ambientes a participação do usuário e de uma equipe significante, como os profissionais, a família, amigos e a escola (ROMSKI; SEVCIK, 2005; BEUKELMAN; MIRENDA, 2007; DELIBERATO, MANZINI, 2012)

Yorkston et al. (1988) descreveram a seleção de vocabulário como "o processo de escolha de uma pequena lista de vocábulos ou itens apropriados vindos de um conjunto de todas as possibilidades". São muitas as técnicas ou procedimentos descritos para a seleção do vocabulário de crianças e jovens não-oralizados: revisão do vocabulário por meio de listas, entrevistas com cuidadores, diários de comunicação, inventários formais sobre o ambiente, lista de vocábulos em uma folha de papel em branco, seleção de vocábulos advindos dos sistemas de comunicação ou conjuntos de símbolos, comparações de listas de vocábulos com ajuda de software (YORSTON et al., 1988; ARVIDSON; LLOID, 1997; MILLIKIN, 1997; BEUKELMAN; MIRENDA, 2007).

As listas de vocabulário podem ser úteis, quando há a necessidade de individualizar o vocabulário para determinado usuário. As listas podem ajudar a reduzir omissões de vocabulário importantes. Listas de vocabulário padronizadas têm sido desenvolvidas para várias idades, baseadas em análise detalhada dos ambientes específicos (FRIED-OKEN; MORE, 1992; YORKSTON et al., 1989, THOMAS; PFISTER; PETERSON, 2004).

A seleção do vocabulário não deve ser uma tarefa única, mas um processo contínuo, uma vez que a atualização do vocabulário envolve verificar o quão frequentemente e sob quais circunstâncias o vocabulário está sendo usado.

O objetivo de selecionar vocábulos para a elaboração de um instrumento para identificação do repertório do vocabulário é contribuir para a otimização do processo de seleção e manutenção do vocabulário, favorecendo a comunicação de necessidades e desejos, expressões de ajuda, conversação com trocas de turnos, variedade de temas, respeitando relações temporais e espaciais - e, assim, o desenvolvimento da linguagem. Dessa forma, a utilização de um instrumento de avaliação para identificação do vocabulário adquirido pela criança não-oralizada, com deficiência neuromotora, poderá facilitar e propiciar a implantação dos recursos de CSA nos ambientes naturais como a família e o contexto escolar (SMITH, 2003; DELIBERATO, 2013).

Pensando na necessidade da identificação do repertório do vocabulário, das crianças não-oralizadas, com o intuito de proporcionar melhores e mais possibilidades comunicativas, educacionais e sociais, foi definida a problemática desta pesquisa.

É possível selecionar vocábulos que auxiliem a identificação do repertório de vocabulário de crianças não-oralizadas, com idade de dois a onze anos e onze meses, considerando o período escolar referente à Educação Infantil, o início do Ensino Fundamental e a possibilidade de intervenção precoce, por meio dos sistemas de CSA?

2 OBJETIVO

Selecionar vocábulos para uma proposta de um instrumento de avaliação que auxilie a identificação do repertório de vocabulário de crianças não-oralizadas com idade de dois a 11 anos e 11 meses, usuárias ou em fase de implantação de sistemas de comunicação suplementar e alternativa.

3 MÉTODO

A realização deste trabalho foi estruturada em três Estudos. O primeiro Estudo identificou e descreveu instrumentos - testes, escalas e inventários - de avaliação do vocabulário e suas respectivas listas de vocábulos. O segundo Estudo investigou estudos que apresentaram inventários e listas de vocábulos frequentemente mais utilizados por crianças e jovens. O terceiro Estudo buscou a identificação do vocabulário relacionado às preferências e situações da rotina, relatados por familiares e professores em entrevistas norteadas por meio dos protocolos de identificação das habilidades comunicativas propostos por Delagracia (2007) e Paula (2007). A seleção dos vocábulos ocorreu a partir do relacionamento das listas de vocábulos originadas dos três Estudos.

De acordo com as recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, este projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP de Marília (Parecer nº 1311/2007).

O primeiro estudo identificou e descreveu instrumentos de avaliação do vocabulário receptivo e suas listas de vocábulos. Foram selecionados os instrumentos: ABFW Teste de Vocabulário de Befi-Lopes (2004); MacArthur Communicative Development Inventory: protocolo de palavras e gestos de Fenson et al (1993), PPVT - Peabody Picture Vocabulary Test of Dunn and Dunn (1981) e LAVE- List Assessment of Expressive Vocabulary adaptado por Capovilla e Capovilla (1997).

Para orientar a coleta de informações a respeito dos instrumentos foi desenvolvido um roteiro (PAURA, 2009). Foram obtidos 973 vocábulos por meio da associação das listas dos vocábulos, 320 (32,90%) vocábulos repetidos e lexias foram excluídos. A lista resultou em 653 (67,10%) vocábulos.

O segundo estudo identificou e descreveu pesquisas relativas a inventários ou listas de vocábulos usados por crianças e seus parceiros de comunicação. Foram selecionados os estudos de Richards (1974) com 300 vocábulos; Beukelman, Jones e Rowan (1989) com 250 vocábulos, Fried-Oken e More (1992) com 212 vocábulos, Marvin, Beukelman, e Bilyeu (1994) com 332 vocábulos; Fallon, Light e Paige (2001) com 279 vocábulos, e por fim Bastos, Ramos e Marques (2004) com 245 vocábulos.

A soma dos vocábulos provenientes destes estudos totalizou 1.618 (100%) itens. Após a exclusão dos vocábulos repetidos e das lexias 1.077 (66,55%), foram considerados 541 (33,45%) vocábulos.

O terceiro estudo identificou o vocabulário a respeito da rotina relatado em entrevistas por 12 mães de 12 crianças e jovens e quatro professoras, acerca de nove alunos não-oralizados usuários de comunicação suplementar e alternativa assistidos por um centro de atendimento especializado de uma cidade do interior do Estado de São Paulo, utilizando o Protocolo de avaliação das habilidades comunicativas para alunos não falantes em situação familiar e escolar, proposto por Delagracia (2007) e Paula (2007). Para este estudo, dentre as habilidades focalizadas pelo protocolo de avaliação das habilidades comunicativas para alunos não falantes, em situação familiar, foram considerados somente os itens relacionados às preferências, rotinas, atividades diárias, ajuda em serviço doméstico e os parceiros de comunicação. Assim, foram selecionados trechos dos relatos obtidos nas entrevistas e distribuídos em eixos temáticos, a partir dos quais foram delineadas as unidades e temas de análise do material escrito: identificação das atividades de rotina semelhantes encontradas no relato das famílias e professoras; e identificação do vocabulário no relato dos familiares e professoras - substantivos, verbos, adjetivos e advérbios relatados das suas rotinas. A lista de vocábulos totalizou 560 vocábulos; 347 proveniente das entrevistas com as famílias e 213 proveniente dos relatos das professoras. Entretanto, observou-se que dos 560 (100%) vocábulos, 104 (18,60%) foram comuns em ambos relatos: famílias e professoras.

A partir do resultado de vocábulos identificados nos três estudos foram estabelecidos critérios para a seleção dos vocábulos. Os vocábulos provenientes dos três estudos foram unidos, classificados e analisados. Para tanto, um banco de vocábulos foi criado, totalizando 1.401 vocábulos. Os vocábulos foram ordenados alfabeticamente e excluídos os vocábulos redundantes. Foram excluídos 220 vocábulos, perfazendo o total de 1.181, conforme Figura 1, a seguir:


Figura 1 - Clique para ampliar

A Tabela 1, a seguir, apresenta o relacionamento das listas de vocábulos do Estudo 1 - Instrumentos e Estudo 2 - listas, com os vocábulos obtidos dos relatos das famílias e professores. Essa Tabela pretende demonstrar qual a porcentagem de vocábulos presentes no Estudo 1 e 2, que foram mencionados pelos pais ou professores ou ainda por ambos.

Com respeito aos 653 (100%) vocábulos identificados nas listas de vocábulos dos instrumentos - Estudo 1, verificou-se que 153 (44,10%) foram relatados pelas famílias, 83 (38,95%) pelas professoras, ao passo que 61 (58,65%) foram mencionados pelas famílias e professoras.

Quanto aos 541 (100%) vocábulos provenientes do Estudo 2 - listas, observou-se que 132 (38,05%) foram relatados pelas famílias, 81(38 %) pelas professoras e 56 (53,85%) pelas famílias e professoras.

Ao se agruparem as listas dos Estudos 1 e 2, obteve-se o total de 945 (100%) vocábulos, dos quais 183 (52,73%) foram relatados pelas famílias, 108 (50,70%) pelas professoras e 72 (69,23%) pelas famílias e professoras.

Com relação aos 251 (100%) vocábulos comuns entre as listas do Estudo 1 e 2 - Instrumentos e listas, 102 (29,40%) foram relatados pelas famílias, 56 (26,30%) pelas professoras e 45 (43,26) pelas famílias e professoras.

Outras análises com base em três critérios ainda foram realizadas, após a união das listas de vocábulos: número de ocorrência dos vocábulos; classificação de acordo com o Sistema Picture Communication Symbols - PCS; e classificação semântica e sintática.

O primeiro critério de análise observou a frequência de ocorrência de cada vocábulo, considerando as 31 oportunidades de aparecimento para cada vocábulo, ou seja, a descrição de quatro instrumentos, no Estudo 1, a descrição de seis estudos com listas de vocábulos realizada, no Estudo 2, 12 entrevistas feitas com as famílias e nove entrevistas realizadas com as professoras, que, somados, totalizaram 31 oportunidades.

O segundo critério de análise baseou-se na classificação dos vocábulos segundo o sistema Picture Communication Symbols (PCS) (MAYER-JOHNSON, 2004). Esse sistema é provavelmente um dos mais utilizados atualmente por pessoas com deficiência que apresentam necessidades complexas de comunicação (NUNES, 2003). O PCS propõe a utilização de cinco cores, para classificar os itens da comunicação: laranja representa substantivos concretos e abstratos; amarelo é usado para pessoas e pronomes pessoais; verde para verbos; azul para adjetivos e advérbios; rosa para elementos sociais; e o branco para miscelânea, isto é, preposições, conjunções, adjuntos adverbiais, artigos, conceitos de tempo, alfabeto, cores, dias da semana.

O terceiro critério de análise realizou uma classificação semântica e sintática dos vocábulos em 24 temas: alimentos; animais; brinquedos, música, entretenimentos, esportes, instrumentos; rotinas e atividades da casa; comportamento e estado; rotinas e atividades da escola; lugares; móveis e aposentos; natureza; partes do corpo; pessoas; profissões; transportes; utensílios e objetos; vestuário; expressões sociais e interjeições; perguntas e respostas; descritores; outros; verbos ou ações; artigos; conjunções; preposições e pronomes.

Optou-se por empregar o termo temas, ao invés de categorias, por abranger - além das categorias semânticas - as classes gramaticais. Os vocábulos identificados foram distribuídos em eixos temáticos, uma vez que os mesmos puderam ser representados em mais de um tema, com sobreposição de assuntos (MANZINI, 2004; OLIVEIRA, 2003).

A classificação proposta neste estudo contempla vocábulos de estrutura, ou funcionais, e vocábulos de conteúdo (BOWEN; MADSEN; HILFERTY, 1985): vocábulos de estrutura ou funcionais - artigos, conjunções, preposições e pronomes; e vocábulos de conteúdo - substantivos, verbos, adjetivos e advérbios.

As classificações dos 1.181 itens da lista de vocábulos, de acordo com o PCS e sua natureza semântica e sintática, passaram por avaliações de dois juízes atuantes na área de Comunicação Suplementar e Alternativa, com a finalidade de verificar o índice de concordância.

4 RESULTADOS

Com respeito à frequência de ocorrência dos vocábulos, dos 1.181 vocábulos identificados nos três estudos observou-se que 648 (54,87%) vocábulos foram citados uma única vez, 1.014 (85,86%) dos vocábulos ocorreram de uma a quatro vezes e somente 167 (14,14%) vocábulos foram verificados com frequência de ocorrência igual ou maior que cinco.

A Tabela 2, a seguir, mostra o número de vocábulos por número de vezes de ocorrência, considerando os três Estudos, isto é, 31 possibilidades de aparecimento: os quatro instrumentos, seis estudos com listas de vocábulos, 12 entrevistas com as famílias e nove entrevistas com as professoras.

Com respeito à classificação dos vocábulos pelo sistema Picture Communication Symbols, observou-se que a classificação dos vocábulos substantivo concreto e abstrato representou a maior parte dos vocábulos da lista, (684; 57,92%). Em segundo lugar de ocorrência, estiveram os verbos (177; 14,99%), seguidos pelos adjetivos e advérbios (173; 14,65%), miscelânea (63; 5,33%), pessoas e pronomes pessoais (50; 4,23%) e elementos sociais (34; 2,88%).

4.1 CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO DOS VOCÁBULOS

Após as análises provenientes do relacionamento entre os vocábulos dos Estudos 1, 2 e 3, foram definidos critérios baseados na frequência de ocorrência dos vocábulos, com ênfase nos de conteúdo; tais critérios levaram em conta os vocábulos de conteúdo habituais, ou seja, os mais comuns usados nos instrumentos de avaliação, citados nas listas de vocábulos dos estudos apresentados pela literatura e avalizados pelos relatos de familiares e professores.

Para a escolha dos vocábulos, foram selecionados: 1. os 45 vocábulos presentes nos três estudos: instrumentos, listas de vocábulos e entrevistas com pais e professores; 2. os vocábulos que tiveram número de ocorrência maior ou igual a cinco, considerando os três Estudos. Assim, a soma do número de vocábulos que tiveram a frequência de ocorrência maior ou igual a cinco foi de 167 (14,15%) vocábulos, dos 1.181 (100%); portanto, foram desconsiderados os vocábulos com frequência de ocorrência de um a quatro, perfazendo 1.014 (85,85%) vocábulos; 3. os vocábulos que estiveram presentes nos Estudos 1 ou 2, mas que foram citados pelas famílias 183 (19,37% de 945 vocábulos); e 4. os vocábulos que estiveram presentes nos Estudos 1 ou 2, porém que foram citados pelas professoras 108 (11,43% de 945 vocábulos), conforme pôde ser verificado na Tabela 6.

Com a aplicação desses quatro critérios, foram selecionados 269 vocábulos. Esses 269 vocábulos sofreram classificação, de acordo com o sistema PCS e a classificação semântica e sintática.

Segundo a classificação do PCS, os 269 vocábulos apresentaram-se da seguinte forma:

Tabela 3 - Clique para ampliar

A Figura 2 a seguir apresenta a distribuição dos 269 vocábulos (segundas colunas do gráfico) de acordo com a classificação do sistema PCS, comparada à distribuição dos 1.181 vocábulos (nas primeiras colunas do gráfico).


Na Figura 2, observou-se que dos 269 vocábulos selecionados os temas pessoas, pronomes pessoais; expressões sociais e verbos apresentaram maior porcentagem de vocábulos do que a lista com 1.181 vocábulos; ao contrário dos temas adjetivos e advérbios; miscelânea e substantivos concretos e abstratos que apresentaram uma porcentagem menor que a lista de 1.181vocábulos.

Quanto à classificação semântica e sintática, pôde-se perceber que a distribuição dos vocábulos mostrou-se, em ordem decrescente de porcentagem, da seguinte maneira:

Tabela 4 - Clique para ampliar

Alguns agrupamentos foram realizados com respeito aos temas. Nesse sentido, ao tema pessoas foram somados os temas pronomes pessoais e profissões; ao tema perguntas e respostas, acrescentou-se o tema expressões sociais, e foram mantidos em apenas um tema, pronomes e preposições. Esses agrupamentos ocorreram em virtude do pequeno número de vocábulos que ficariam em um número grande de temas. Dessa forma, os vocábulos foram distribuídos em 18 temas.

Segundo Barret (1997), quando a criança apresenta entre 50 e 100 vocábulos, seu inventário de verbos começa a aumentar, estendendo-se até o momento em que ela possui cerca de 500 vocábulos, em seu vocabulário; a partir desse instante, ocorre a equiparação entre a proporção de verbos e os demais vocábulos. Os verbos possuem grande variedade semântica, o que dificulta sua rápida generalização, já que seu referente não é tão claro quanto o do substantivo, de maneira que sua aquisição costuma ocorrer de forma mais gradual.

Bastos, Ramos e Marques (2004), entre outros objetivos, ao analisarem se há ou não explosão do vocabulário infantil ao redor de dois anos com crianças oralizadas, verificaram um índice maior de expressão na categoria substantivo. Os autores sugeriram para esta ocorrência a importância e frequência com que determinadas pessoas e objetos fazem parte dos contextos culturais das crianças, no mundo e no Brasil.

Nesse sentido, Befi-Lopes, Cáceres e Araújo (2007) realizaram um estudo com pré-escolares, com o objetivo de analisar quantitativamente a relação entre o uso de substantivos e verbos, em situação de fala espontânea, em pré-escolares em desenvolvimento normal de linguagem, bem como de examinar a classificação dos verbos utilizados. A análise dos dados demonstrou que os pré-escolares estudados usam mais verbos que substantivos, desde o segundo ano de vida.

Com respeito ao relato dos pais, a literatura tem demonstrado o reconhecimento do relato dos pais como auxílio à avaliação do vocabulário. Pine, Lieven e Rowland (1996) investigaram qual seria o método ideal para se avaliar o vocabulário das crianças, se o método de observação ou o de preenchimento pelos pais. Observaram que os pais sempre acabam superestimando o vocabulário de suas crianças, ao mesmo tempo em que a observação fornece apenas uma medida indireta sobre o vocabulário. Concluíram que a melhor forma de se avaliar o vocabulário é combinar as informações sobre a entrevista materna e as medidas de observação. Os achados estão de acordo com a pesquisa de Deliberato e Manzini (2012). That et al. (1999) verificaram a eficácia do MacArthur Communicative Development Inventories, em dois estudos, e validaram o apoio dos pais para a detecção de crianças com alteração de linguagem.

Befi-Lopes e Galea (2000), ao verificar o desempenho lexical em crianças de 2,8 a 6,5 anos de idade, com alterações no desenvolvimento da linguagem, consideraram que seria de grande valia a realização de estudos para a criação de protocolos nos quais os pais pudessem auxiliar a avaliação lexical das crianças falantes do português do Brasil. Os métodos de preenchimento de protocolos, para os pais verificarem o desempenho lexical de seus filhos, devem fazer parte da complementação das avaliações formais e de observações realizadas com a criança e o avaliador.

Lamônica, Chiari e Pereira (2000), estudando a recepção lexical de 80 indivíduos com paralisia cerebral espásticos e atetóides e de um grupo-controle composto por 62 indivíduos, com idade cronológica de sete a 16 anos, por meio de prova de reconhecimento semântico comparada com o desempenho receptivo compreendido pelos familiares por meio de um inventário de habilidades receptivas, perceberam que a opção por um inventário que solicitasse o auxílio familiar foi extremamente importante, principalmente por avaliar indivíduos severamente comprometidos, pois a situação de avaliação é momentânea e a compreensão dos resultados pode ficar vinculada ao comportamento momentâneo do indivíduo participante. Mcdougall, Vessoyan e Duncan (2012) investigaram a avaliação de usuários de sistemas gráficos na faixa etária de seis a 21 anos, por meio do uso de métodos tradicionais e computadorizados. Em ambos os métodos utilizados para a avaliação, os pesquisadores indicaram a necessidade de identificar o vocabulário necessário para os recursos de comunicação independente do seu comprometimento. Os autores demonstraram que o uso da tecnologia, como no caso do uso do Test of aided-communication symbols performance (TASP) (BRUNO, 2007) poderia oferecer informações a respeito das questões linguísticas dos usuários de sistemas gráficos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a aplicação dos critérios, a lista de vocábulos apresentou 269 itens, classificadas em 18 temas semânticos e sintáticos (APÊNDICE A). A lista de vocábulos selecionada representa um instrumento inicial para profissionais da saúde e educação estabelecerem metas para a avaliação inicial de crianças e jovens com necessidades complexas de comunicação, usuários de sistemas de comunicação suplementar e alternativa.

A utilização desta lista de vocábulos poderá ser realizada de diferentes modos: investigação com a criança sobre a compreensão dos vocábulos selecionados com a opção de escolha ou exclusão destes por ela, para seu recurso de comunicação ou, ainda, a seleção dos vocábulos pela família e professor. Assim, o profissional terá a possibilidade de comparar os achados, verificados com a criança, com as informações coletadas pelos informantes.

Enfim, a lista de vocábulos selecionados pode ser considerada um ponto de partida para a avaliação dos profissionais da saúde e educação, principalmente fonoaudiólogos. Esses vocábulos podem servir como norteadores para as pranchas de comunicação possam ser mais funcionais.

Recebido: 17/11/2011

Reformulado: 26/08/2013

Aprovado: 19/12/2013

APÊNDICE A - CLASSIFICAÇÃO DOS VOCÁBULOS

Pessoas: amigo/ avó, vovó, avô, vovô/ bebê ou nenê/ criança/ eu/ irmã, irmão/ mãe, mamãe/ menina, menino/ mulher/ nós/ pai, papai/ pessoas/ professor, professora/ secretária/ tia, tio/ vizinho, vizinha

Alimentos: água/ arroz/ banana/ bolacha/ bolo/ café/ carne/ chocolate/ coca-cola/ comida/ danone/ doce/ feijão/ gelatina/ laranja/ leite/ maçã/ macarrão/ mamão/ manteiga, margarina/ mingau/ ovo/ pão/ papinha/ pizza/ refrigerante/ remédio/ salada/ salgadinho/ sopa/ sorvete/ suco

Partes do corpo: barriga / boca/ braço/ cabeça/ cabelo/ corpo/ dedo/ dente/ joelho/ mão/ nariz/ olho/ pé/ perna/ rosto

Vestuário: bolsa/ calças/ casaco, jaqueta/ fralda/ roupa, tecido/ sapato/ tênis/ vestido

Brinquedos: bicicleta/ bola/ boneca/ brinquedo/ carrinho/ futebol /jogo/ jogo de encaixe/ música/ revista

Animais: cachorro/ cavalo/ coelho/ galinha/ gato/ passarinho/ pato/ peixe/ porco/ urso/ vaca

Transporte: ambulância/ barco/ caminhão/ carro/ moto/ ônibus/ perua

Lugares: calçada/ campo/ casa/ chão/ escola/ estacionamento/ fazenda/ igreja/ loja/ piscina/ porta/ restaurante/ rua

Utensílios: caixa/ caneta/ colher/ copo / garfo/ luz/ mamadeira/ panela/ rádio/ telefone/ tv, televisão

Móveis e aposentos: banheiro /cadeira/ cama/ cozinha/ fogão/ geladeira/ mesa/ privada/ quarto/ quintal/ sala/ sofá

Natureza: árvore/ flor/ pedra/ praia

Rotina e atividades em casa: almoço/ aniversário/ banho/ jantar/ refeição

Rotina e atividades escolares: apagador/ atividade /biblioteca/ carteira escolar, mesinha/ colar/ computador/ desenho/ figura/ folha de papel/ giz de cera/ lápis/ livro/ lousa/ papel/ sala de aula/ tarefa

Comportamento: fome/ medo/ feliz/ quieto/ xixi

Expressões sociais: sim /não/ oi/ tchau/ por favor/ por quê?/ quando?/ quem?/ onde?/ obrigado

Verbos: abrir/ ajudar/ alimentar/ almoçar/ andar/ arrumar/ assistir/ bater/ beber/ brincar/ cair/ chutar/ coçar/ colocar/ comer/ comprar/ conseguir/ conversar/ correr/ dançar/ dar/ deitar-se/ descansar/ descer/ desenhar/ dormir/ empurrar/ enxugar/ escovar/ escrever/ esperar/ falar/ fazer/ fechar/ ficar/ gostar/ guardar/ ir/ jogar, brincar/ lavar/ ler/ machucar/ olhar/ parar/ passear/ pegar/ pintar/ pular/ querer/ rasgar/ sair/ sentar-se/ ter/ tirar/ tocar/ tomar/ trabalhar/ trocar/ usar

Adjetivos e advérbios: antes/ aqui/ atrás/ bom/ cedo/ dentro/ dia/ doente/ em cima/ embaixo/ fora/ frio/ grande/ hoje/ hora/ lá/ lado/ líquido/ mais/ manhã/ muito / nada/ noite/ pequeno/ quente/ sujo/ tarde/ tempo (horário)/ vermelho

Pronome: dela, dele, meu, minha

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  • 1
    . Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - Unesp-Marília (SP), Brasil. Apoio: CNPq
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Recebido
      17 Nov 2011
    • Aceito
      19 Dez 2013
    • Revisado
      26 Ago 2013
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