Open-access Metas de Socialização e Estratégias de Ação de Mães de Crianças com Suspeita de Transtorno do Espectro Autista

RESUMO:

A presente pesquisa teve como objetivo principal investigar as metas de socialização e estratégias de ação de mães de crianças com suspeita de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Participaram desta pesquisa 20 mães de crianças com TEA com idade de zero a seis anos, que recebem atendimento em um centro especializado. Para coleta de dados, utilizou-se uma entrevista de metas de socialização e um questionário sociodemográfico. Para o tratamento dos dados da entrevista, utilizou-se da técnica de Análise de Conteúdo. Os resultados indicaram que, como meta de socialização, a categoria de autoaperfeiçoamento, que está relacionada à autonomia e à independência, foi significativamente a mais almejada. Com relação às estratégias de ação, as mais utilizadas pelas mães foi à centrada em si, que se refere ao papel dos genitores como modelo. Dessa forma, os resultados contribuem com a literatura da área e corrobora com a importância de esclarecer sobre as características de desenvolvimento da criança com TEA para os pais e como eles podem agir em prol da autonomia da criança. Ao levar em conta a visão inexplorada atual da sociedade com relação ao TEA, este estudo tem o intuito de proporcionar o repensar sobre as estratégias que possibilitam qualidade de vida à criança.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial; Autismo; Mães; Família

ABSTRACT:

The main objective of the present research was to investigate the socialization goals and action strategies of mothers who have children with suspected Autism Spectrum Disorder (ASD). Twenty mothers of children with ASD aged from zero to six years, who receive care in a specialized center, participated in this study. For data collection, an interview about socialization goals and a socio-demographic questionnaire were used. For the treatment of the interview data, the Content Analysis technique was used. The results indicated that the category of self-improvement, which is related to autonomy and independence, was significantly the most desired goal of socialization. Regarding action strategies, the most used by the mothers was self-centeredness, which refers to the role of the parents as a model. In this way, the results contribute to the literature of this area and corroborates the importance of clarifying the developmental characteristics of the child with ASD for the parents and how they can act in favor of autonomy of the child. Taking into account the current unexplored view of society regarding ASD, this study aims to provide a rethinking of the strategies that make the child’s quality of life possible.

KEYWORDS: Special education; Autism; Mothers; Family

1 Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado pelos prejuízos persistentes na comunicação social recíproca, na interação social e nos padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Esses sintomas são pertinentes desde o início da infância e limitam ou prejudicam o desenvolvimento da criança. O estágio em que o prejuízo funcional fica evidente irá variar de acordo com características do indivíduo e seu ambiente. O transtorno manifesta-se de formas diferenciadas dependendo da gravidade da condição autista, do nível de desenvolvimento e da idade cronológica (American Psychiatric Association [APA], 2014).

A descoberta do diagnóstico do TEA poderá influenciar na maneira como a família enfrenta uma situação adversa, o que pode levar os seus membros a se adaptarem de forma imediata ou em longo prazo. Assim, a resiliência familiar tem um resultado duradouro, podendo gerar consequências positivas no desenvolvimento do grupo familiar (Rooke & Pereira-Silva, 2012).

Os cuidados empregados pelos pais na criação dos filhos são influenciados pelas etnoteorias parentais, as quais podem ser caracterizadas como o conjunto organizado de ideias que estão implícitas na atividade cotidiana, nos julgamentos, nas escolhas e nas decisões dos cuidadores, agindo como modelos para suas práticas parentais, juntamente ao ambiente físico e social, bem como costumes e práticas de cuidado compartilhadas e estabelecidas cultural e historicamente. As etnoteorias parentais constituem o “Nicho de Desenvolvimento”, o qual contém três subsistemas (Harkness & Super, 2005). O primeiro subsistema caracteriza-se pelo ambiente físico e social; o segundo subsistema são os costumes e as práticas de cuidados compartilhados pela história e no meio cultural; e o último subsistema é a psicologia dos cuidadores, também conhecida como etnoteorias parentais, mais conhecidas como crenças e expectativas dos pais em relação aos seus filhos.

Dessa forma, entende-se que os três subsistemas - ambiente físico e social, crenças dos cuidadores e práticas de cuidado - possuem uma ligação, visto que um influencia de forma mútua o outro. Para a compreensão das estratégias de ação que os pais utilizam para o desenvolvimento de seus filhos, é essencial compreender as crenças, pois elas envolvem um conjunto de ideias que são compartilhadas pelos indivíduos de um grupo cultural (Harkness & Super, 2005).

As metas de socialização, por sua vez, são descritas como os comportamentos ou estados desejados pelos pais e pelas mães para as suas crianças quando estas se tornarem adultas. Pode-se incluir ainda a essa definição as expectativas dos pais quanto aos conhecimentos e aos valores morais que seus filhos deveriam adquirir ao longo de sua vida. São entendidas, portanto, como objetivos em longo prazo estimados pelos pais, que sofrem influência pelo contexto cultural, interferindo diretamente nas práticas de cuidado parental. De forma mais ampla, entende-se as metas de socialização como um conjunto de valores e de crenças culturalmente construídas que se materializam em objetivos em longo prazo que os pais desejam para seus filhos e que influenciam as suas práticas de cuidado para com suas crianças (Miller & Harwood, 2001).

Na literatura, três modelos culturais de parentalidade vêm ganhando força para fomentar o impacto das práticas de cuidado nos processos de desenvolvimento e socialização da criança. O primeiro - orientação cultural independente, individualista ou autônoma - refere-se à construção do self como único e distinto, prioriza as metas pessoais e as necessidades do indivíduo de forma autônoma e independente. Esse tipo de modelo é característico de sociedades urbanas com alto grau de escolaridade. O segundo modelo, denominado como interdependente, sociocênctrica ou relacional, compreende o self ligado aos demais membros da família, priorizando, assim, metas grupais e com mais atenção a papéis sociais, deveres e obrigações. Esse modelo é comumente encontrado em ambientes rurais baseados em economia de subsistência (Keller, Borke, Yovsi, Lohaus, & Jensen, 2005). O terceiro modelo - autônomo-relacional - é compreendido como a junção das características dos dois primeiros modelos propostos pela autora Heidi Keller. Ele engloba autonomia e relação, em que o self é definido como autônomo, quanto à sua ação, e relacional, quanto à proximidade interpessoal. Esse modelo é típico em famílias de classe média que residem na área urbana e inseridas em sociedades tradicionalmente interdependentes (Kagitcibasi, 2005).

Foram realizadas buscas nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), do Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com as palavras-chave: metas de socialização, valores parentais, expectativas parentais, crenças parentais, parentalidade, família e pais, combinadas com a palavra “autismo”. Depois, substituiu-se o termo “autismo” para “transtorno do espectro autista” com as mesmas combinações nas referidas bases de dados. Essa busca foi realizada entre os dias 9 e 10 de novembro de 2017, com recorte de estudos publicados nos últimos cinco anos. Sobre a temática deste estudo, constatou-se que não existem estudos nesse sentido; no entanto, existem outros estudos que investigaram o fenômeno em populações com desenvolvimento atípico no contexto brasileiro. Destacam-se os estudos sobre metas de socialização e estratégias de ação de pais e mães de crianças com Síndrome de Down (Portes, Vieira, & Faraco, 2016), e outro estudo que discorre sobre metas e estratégias de socialização que mães de crianças surdas valorizam para seus filhos (Freitas & Magalhães, 2013).

O principal objetivo deste estudo é compreender as metas de socialização e as estratégias de ação adotadas por mães de crianças com suspeita de Transtorno do Espectro Autista. A partir desse objetivo, foram descritas as características sociodemográficas da família e da criança-alvo. Posterior a isso, realizou-se a análise das metas de socialização que as mães desejam a seus filhos quando estes se tornarem adultos e as estratégias que elas utilizam para que seus filhos alcancem as metas traçadas.

2 Método

A presente pesquisa caracteriza-se como exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa. Como exploratória, pois foi realizado um levantamento a partir das entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado, com o objetivo de investigar e distinguir conceitos e ideias sobre o fenômeno. Como descritiva, porque teve o objetivo de descrever as características da população e do fenômeno estudado (Gil, 2008).

2.1 Participantes

Nesta pesquisa, foram entrevistadas vinte mães de crianças, com até seis anos de idade, com suspeita de Transtorno do Espectro Autista ou que já receberam o diagnóstico. Ressalta-se que todas as mães convidadas aceitaram participar da pesquisa. As crianças eram atendidas por uma equipe multiprofissional no Centro Especializado de Reabilitação (CER II), localizado no sul do Brasil. Para a amostra, foram incluídas as mães que têm um filho ou filha na faixa etária entre zero e seis anos, com laudo diagnóstico, segundo o DSM-5, com (299.00) Transtorno do Espectro Autista ou com essa hipótese diagnóstica durante o processo de avaliação (APA, 2014). A faixa etária das crianças foi estabelecida como um critério de inclusão na amostra por corresponder a um dos momentos críticos do desenvolvimento humano, no qual o investimento parental é decisivo para a sobrevivência dos filhos e por ser representativa das possibilidades de interação descritas no instrumento a ser utilizado nesta pesquisa.

2.2 Instrumentos

Utilizou-se um questionário que foi desenvolvido por pesquisadores vinculados ao Núcleo de Estudos e Pesquisa em Desenvolvimento Infantil (NEPEDI) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e foi adaptado para as especificidades da população a ser pesquisada neste estudo. É composto por doze perguntas referentes a dados dos membros da família (número de membros, idade, sexo), renda familiar, escolaridade dos pais, jornada de trabalho, presença de pessoas que contribuem para os cuidados da criança e questões relacionadas à inclusão da criança em instituições escolares e especializadas. Além disso, foi empregada uma entrevista semiestruturada, desenvolvida por Harwood, Schoelmerich, Ventura-Cook, Schulze e Wilson (1996) e adaptada para o contexto brasileiro em famílias de crianças com desenvolvimento típico por Seidl-de-Moura et al. (2008). Essa entrevista tem como objetivo identificar quais são as metas de socialização em longo prazo e classificar as estratégias parentais de ação. As perguntas selecionadas foram: 1. Que qualidades você desejaria que seu filho/a tivesse como adulto/a?; 2. O que você acha necessário para que ele/a possa desenvolver essas qualidades?

2.3 Procedimentos de coleta de dados

Inicialmente, o convite foi feito pessoalmente pelas pesquisadoras enquanto as mães aguardavam o atendimento de seu filho ou filha na instituição. Caso as mães aceitassem, elas eram convidadas a dirigirem-se a uma sala disponibilizada pelo serviço, no qual as pesquisadoras explicavam os objetivos, os métodos da pesquisa e solicitavam a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As entrevistas foram realizadas individualmente, pelas pesquisadoras, em sala reservada. A aplicação de todos os instrumentos levou aproximadamente 25 minutos e seguiram os critérios de sua validação. Para isso, foi utilizado um gravador de voz para, posteriormente, transcrever as informações na íntegra e realizar a análise de dados.

2.4 Análise dos dados

As entrevistas foram analisadas com a técnica de Análise de Conteúdo (Bardin, 2011). Todas as três etapas da análise foram seguidas, quais sejam: a) pré-análise; b) exploração do material; e c) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Trabalhou-se com categorias prévias validadas pelo instrumento, as quais eram excludentes. Desse modo, nenhuma descrição foi classificada em mais de uma categoria. As categorias são:

  • Autoaperfeiçoamento: preocupação com que a criança se torne autoconfiante, independente e que desenvolva totalmente seus talentos e capacidades como indivíduo.

  • Autocontrole: preocupação com que a criança desenvolva a capacidade de controlar impulsos negativos de ganância, agressão ou egocentrismo.

  • Emotividade: preocupação com que a criança desenvolva a capacidade para intimidade emocional com outros, e que seja amada.

  • Expectativas sociais: Preocupação com que a criança atenda às expectativas sociais de ser trabalhador, honesto e seguidor das leis.

  • Bom comportamento: preocupação com que a criança se comporte bem, se dê bem com os outros e desempenhe bem papéis esperados (bom pai, boa mãe, boa esposa, etc.), especialmente em relação à família.

Além dessas categorias, foi utilizada a classificação de Desenvolvimento típico criada por Portes et al. (2016). Nesse estudo sobre metas de socialização com crianças com Síndrome de Down (SD), devido à especificidade da população, notou-se a importância de criar a categoria para completar o estudo, denominada desenvolvimento típico (DT), a qual se refere à preocupação de a criança com SD conseguir ter um desenvolvimento semelhante às crianças sem nenhuma deficiência apesar das suas limitações.

As respostas das participantes em cada categoria foram consideradas sempre que o seu conteúdo expressasse uma aproximação com a definição da categoria. Por isso, a mesma participante poderia apresentar mais de uma categoria na sua resposta sobre o questionamento das suas expectativas sobre o desenvolvimento do/a seu/sua filho/a quando for adulto/a.

A primeira pergunta ainda pôde ser classificada nas dimensões individualista e sociocêntrica, conforme Harwood et al. (1996), e adaptadas para o contexto brasileiro por Seidl-de-Moura et al. (2008):

  • Individualista: Construção do self como fundamentalmente único e distinto; independência, autonomia, autoestima, felicidade, autocontrole para se tornar uma pessoa melhor; autoaperfeiçoamento; autossuperação. Qualidades relacionadas às categorias autoaperfeiçoamento e autocontrole. Para formar essa categoria, foram contabilizadas as frequências das duas categorias autoaperfeiçoamento e autocontrole.

  • Sociocêntrica: construção do self como fundamentalmente ligado a outros seres. Envolve interdependência social, ênfase no respeito, rede social, pertencimento a grupo ou coletividade. Qualidades relacionadas às categorias: emotividade, expectativas sociais e bom comportamento. Para formar essa categoria, foram contabilizadas as frequências das três categorias emotividade, expectativas sociais e bom comportamento.

Já, para a segunda pergunta, o mesmo autor classifica em termos de possíveis estratégias de ação:

  • Centrada em si (CS): os pais seriam modelos ou ofereceriam modelos, iriam disciplinar, aconselhar, ensinar por demonstração ou participação.

  • Centrada no contexto (CC): oferecer boas oportunidades sociais; dar educação de qualidade, entre outros.

  • Centrada na criança (CCr): quando a criança tem participação ativa no processo de desenvolver determinadas qualidades por uma predisposição ou por uma autonomia de decidir o que fazer e que caminho seguir.

Em seguida, foi realizado o teste de fidedignidade para avaliar se as unidades de análise estavam inseridas nas categorias adequadas. Para realizar esse procedimento, os pesquisadores analisaram separadamente as entrevistas. O índice de concordância (IC) ficou acima de 70%, sendo considerado um resultado confiável para realizar as demais análises estatísticas desse estudo. As frequências das respostas da entrevista para cada categoria foram analisadas estatisticamente, bem como a estatística descritiva (média e desvio padrão).

2.5 Aspectos éticos

O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa em agosto de 2017 (Parecer nº 2.217.065). As participantes maiores de idade de acordo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

3 Resultados

Inicialmente, serão apresentados os dados sociodemográficos, a fim de caracterizar as famílias das crianças com Transtorno de Espectro Autista (TEA). E, posteriormente, serão apresentados os resultados da entrevista sobre as metas de socialização e as estratégias utilizadas pelas mães para atingirem as expectativas sobre o desenvolvimento dos filhos.

A média de idade dos pais foi de aproximadamente 32 anos (M = 32,90 DP = 7,94) e das mães de 35 anos (M= 35,75 DP= 8,34). Observou-se que a composição familiar dos participantes, na maioria das famílias (n= 19), a criança reside com os pais biológicos, ou seja, família do tipo nuclear, com exceção de apenas uma família a qual a mãe compartilha os cuidados com o padrasto da criança. Quanto ao estado civil atual desses pais (n= 18), as mães entrevistadas declararam-se como casadas ou em união estável. Referente ao número de pessoas residentes na casa da criança, na maioria das famílias pesquisadas (n= 13), as crianças com TEA têm irmãos, e em (n= 7) das treze famílias, a idade dos irmãos é de sete a dezesseis anos. Das famílias pesquisadas, houve uma variação do nível de escolaridade dos genitores de Ensino Fundamental incompleto à Pós-Graduação. Nove mães e pais concluíram o Ensino Médio, e 4 mães e 5 pais possuem o Ensino Superior completo.

No que se refere à atividade atual do pai, é relevante destacar que todos exercem alguma atividade remunerada. Dentre eles, 13 possuem uma jornada de trabalho com duração de quarenta horas semanais, com exceção de apenas um que, atualmente, se encontra desempregado. No que se refere às mães, 13 das 20 não exercem atividade remunerada - declararam ser donas de casa. No que diz respeito à renda familiar, constatou-se que a renda de toda a amostra varia entre um salário mínimo a dois salários mínimos e meio.5

A idade das crianças pesquisadas varia de 26 a 66 meses, apresentando (M= 42,5 DP= 11,22). De todas as crianças da amostra, observou-se grande prevalência do sexo masculino, com total de 15. Com relação à escolaridade das crianças, 16 frequentam a escola de ensino regular, e as demais não frequentam nenhum tipo de instituição de ensino. Com relação à idade em meses que a criança entrou na escola, a média foi de 23 meses com desvio padrão de 17 (M= 23 DP= 17,01), o que sugere uma grande variabilidade no período de ingresso da criança com TEA na escola.

Todas as crianças frequentam uma instituição com atendimento multidisciplinar, e 10 das 20 crianças não possuem o diagnóstico concluído, pois estão em processo de avaliação pelo serviço do CER II. Dentro dessa amostra, apenas 5 receberam o diagnóstico de TEA com aproximadamente 24 meses de idade.

Das 16 crianças que frequentam a escola, em 9 famílias a mãe é a figura principal para levar e buscá-las na instituição, e, em 4 famílias, a mãe e o pai desempenham juntos ou alternam essa tarefa. Dezoito famílias não possuem cuidadora ou empregada doméstica.

No que se refere a outros cuidadores que auxiliam na criação das crianças pesquisadas, em 14 famílias a mãe destaca-se como a principal provedora de cuidados básicos de seu filho(a), como ajudá-los a se alimentar e tomar banho. No entanto, fora do período escolar, nos cuidados, essas mães contam com auxílio, em primeiro lugar, de seus maridos (pai da criança-alvo) e, em seguida, das avós. É importante destacar que em nenhuma das famílias o pai ficou como responsável exclusivo pelos cuidados com a criança.

Na análise realizada na primeira pergunta para as entrevistadas, foram identificadas 220 respostas referentes às metas de socialização. Identificou-se que todas as categorias foram mencionadas pelas participantes. A Tabela 1 a seguir apresenta dados descritivos referentes às categorias das metas de socialização.

Tabela 1
Total de respostas codificadas das mães, segundo as categorias de metas de socialização

As categorias pertencentes a Autoaperfeiçoamento (AA), as quais se referem a preocupações com que a criança se torne autoconfiante, independente e que desenvolva totalmente seus talentos e capacidades como indivíduo, foram as mais almejadas com um total de 107 respostas mencionadas pelas mães durante as entrevistas. Uma das falas das mães que expressou essa categoria foi: “Eu quero que ele estude, que tenha uma formação” (Mãe 12).

Em seguida, a categoria Expectativa Social (ES) foi a segunda mais frequente na fala das mães com 39 menções, visto que essa categoria se refere a preocupações com que a criança atenda às expectativas sociais de ser trabalhador, honesto e seguidor das leis. Essa meta pôde ser identificada nas falas das mães, por exemplo: “Que ele fosse uma boa pessoa, fosse educado, que fosse trabalhador né, honesto principalmente” (Mãe 4).

Na sequência, a categoria de Bom Comportamento (BC) destacou-se com um total de 34 vezes nos discursos das mães, a qual condiz com preocupações que a criança se comporte bem, se dê bem com os outros e desempenhe bem papéis esperados (bom pai, boa mãe, boa esposa, etc.), especialmente em relação à família. Em uma das entrevistas, a participante evidenciou a categoria ao relatar: “Se tornar um homem né, assim bom pra ser um bom pai, bom pra ser um bom filho né” (Mãe 4).

Na categoria Emotividade (E), classificada por preocupações com que a criança desenvolva a capacidade para intimidade emocional com outros, e que seja amada, foi mencionada 28 vezes pelas mães. Esta pode ser exemplificada por meio da fala da mãe 14: “E também uma qualidade que ele vê o outro e reconhecer assim as outras pessoas de ver e ajudar”.

Com relação ao Desenvolvimento Típico (DT), que se refere a preocupação de a criança com TEA ter um desenvolvimento semelhante ao das crianças sem deficiência apesar das suas limitações, foi manifestada pelas mães onze vezes. Essa meta pode ser identificada nesta fala: “Que ela seja uma adolescente normal, [...] que ela tenha um futuro normal” (Mãe 18).

Por fim, a categoria Autocontrole (AC1), relacionada a preocupações de a criança desenvolver a capacidade de controlar impulsos negativos de ganância, agressão ou egocentrismo, foi mencionada apenas uma vez. Essa única menção pode ser identificada na fala desta mãe: “Assim, não fazer mal pra ninguém né” (Mãe 1). Esse resultado chama atenção para o fato de que, na literatura, muitas vezes, as crianças com TEA apresentam problemas de comportamento, relacionados à agressividade. A partir dos dados, esta pesquisa evidencia que as mães não apresentam essa preocupação em relação ao desenvolvimento dos filhos no futuro.

Com base nas respostas mencionadas pelas entrevistadas, observou-se que grande parte dessas mães traçam as metas socializadoras de seus filhos envolvendo as categorias expectativa social, emotividade e bom comportamento - que indicam o modelo sociocêntrico; e as categorias autoaperfeiçoamento e autocontrole, que completam o modelo individualista. Identificaram-se 209 respostas relacionadas a esses modelos, sendo 108 atribuídas ao modelo individualista e 101 ao modelo sociocêntrico.

Observa-se que as mães não apresentaram diferenças significativas quanto aos modelos individualista e sociocêntrico. Ficou evidente que as genitoras valorizam tanto as metas relacionadas à dimensão individualista, quanto à dimensão sociocêntrica. O modelo individualista refere-se à construção do self como fundamentalmente único e distinto; independência, autonomia, autoestima, felicidade, autocontrole para se tornar uma pessoa melhor; autoaperfeiçoamento; autosuperação. Já, o modelo sociocêntrico refere-se à construção do self como essencialmente associado a outros seres, envolvendo interdependência social, ênfase no respeito, rede social, pertencimento a grupo ou coletividade.

Em se tratando dos resultados obtidos referentes às estratégias de ação das mães para que os seus filhos alcancem as metas almejadas para o seu desenvolvimento, as estratégias mais valorizadas pelas mães foi a Centrada em Si (CS), com um total de 63 respostas. Essa estratégia está associada aos pais, pois estes seriam modelos ou ofereceriam modelos aos filhos e iriam disciplinar, aconselhar, ensinar a criança por demonstração ou participação. Essa estratégia fica evidente na fala da Mãe 13, quando diz: “Que eu dê bons exemplos pra ele, ensinar ele como chegar nas pessoas, como conversar, não mexer no que não é dele, tudo isso eu ensino já pra ele”.

Em seguida, a categoria com maior frequência foi a Centrada no Contexto (CC), que diz respeito a oferecer boas oportunidades sociais, dar educação de qualidade, entre outros. Ela foi mencionada 49 vezes pelas mães. Essa estratégia ficou evidente na fala da Mãe 9, quando relata: “Com todos da equipe multidisciplinar eu sei que ele vai criar essas habilidades”.

A categoria Centrada na Criança (CCR), que se refere à quando a criança tem participação ativa no processo de desenvolver determinadas qualidades por uma predisposição ou por uma autonomia de decidir o que fazer e que caminho seguir, foi referenciada pelas mães por 48 vezes. Pode ser exemplificada na fala da Mãe 2, quando relata: “Ela precisa é aprender a se comunicar”.

4 Discussão

Dentre as famílias pesquisadas, destacam-se as diferenças nos papéis desempenhados pelo pai e pela mãe nesse contexto. Geralmente a mãe fica como responsável exclusiva pelos cuidados com a criança, diferentemente do pai que em todos os casos exercem a função de provedor financeiro e permanecem pouco tempo com a criança. As investigações com famílias de crianças com TEA têm encontrado resultados semelhantes ao do presente estudo e reforçam o papel mais tradicional do pai na garantia dos recursos e das mães no provimento de cuidados (Meimes, Saldanha, & Bosa, 2015; Schmidt, Dell’Aglio, & Bosa, 2007; Smeha & Cezar, 2011).

Com relação às metas de socialização, os resultados obtidos, neste estudo, evidenciam que as mães almejam para seus filhos com TEA valores relacionados à autonomia, à independência, que tenham um bom trabalho, que estudem, sendo esses traços relacionados à categoria de autoaperfeiçoamento. No entanto, essa estimativa sobre o desenvolvimento das crianças com TEA está diretamente ligada a habilidades de comunicação, porém essas qualidades almejadas muitas vezes não são coerentes com o esperado prognóstico de um indivíduo com TEA, pois se espera que as crianças tenham dificuldades de comunicação; logo, interfere na interação social, bem como na independência do indivíduo.

Em virtude da limitação no desenvolvimento da criança, os pais, muitas vezes, temem o futuro de seus filhos. Uma preocupação central para eles é se o filho conseguirá viver de forma independente, principalmente quando eles não estiverem mais presentes para prover o cuidado (Depape & Lindsay, 2015; Smeha & Cezar, 2011). Na pesquisa de Smeha e Cezar (2011), algumas mães perceberam que o seu filho com TEA causa um incômodo nas pessoas porque elas olham com uma aparência de reprovação, o que denota um gesto de preconceito. Possivelmente as mães interpretam qualquer discriminação dirigida aos seus filhos como se fossem para elas e, consequentemente, elas se sentem fragilizadas em situações sociais (Mannoni, 1999). Por outro lado, as mães participantes deste estudo demonstraram boas expectativas sobre o futuro do filho com TEA. Essa visão positiva sobre o desenvolvimento da criança pode auxiliar as mães a enfrentarem as adversidades oriundas da criação do seu filho com autismo. Compreende-se que essas qualidades podem ser resultado do grande avanço da sociedade frente à compreensão da deficiência, principalmente quanto ao TEA e suas possibilidades de tratamento.

A meta de autoaperfeiçoamento, também foi encontrada em outras pesquisas que utilizaram da mesma metodologia empregada nesta investigação, em famílias de crianças sem deficiência (Bandeira, Seidl-de-Moura, & Vieira, 2009; Diniz & Salomão, 2010; Borges & Salomão, 2015; Lins, Salomão, Borges, Lins, & Carneiro, 2015); e com pais de crianças com diagnóstico de Síndrome de Down (Portes et al., 2016); e no estudo de crianças em tratamento oncológico (Sant’Anna & Mendes, 2017).

Segundo Diniz e Salomão (2010), a preocupação com os filhos, ao atingirem a idade adulta, de se tornarem autosuficientes, independentes, que possuam um bom trabalho, que se sintam realizados, pode estar associada a uma questão cultural que aponta para uma tendência, mesmo em países latinos, a enfatizar princípios de uma sociedade individualista que valoriza a autonomia, a independência e o sucesso profissional. Na literatura, observa-se que essa tendência vem desde a década de 1970, quando os pais passaram a priorizar o desenvolvimento com relação ao que seus filhos virão a ser no futuro (Bandeira et al., 2009). Já, no estudo de Sant’Anna e Mendes (2017), a valorização das metas relacionadas à categoria de autoaperfeiçoamento, segundo as autoras, está associada à saúde dos pacientes, ou seja, as mães estimam que os filhos continuem saudáveis, que tenham saúde, que se curem da doença.

A segunda meta mais estimada pelas mães de crianças com TEA está associada a expectativas sociais. Qualidades como ser honesto, seguidor das leis, trabalhador, são valores indispensáveis paras essas mães. Pode-se relacionar esse resultado com o estudo de Diniz e Salomão (2010) realizado com pais de crianças com desenvolvimento típico, em que essa meta também foi a segunda mais esperada pelos genitores. Eles ainda contribuem apontando que a ênfase para essa categoria leva a pensar em uma cultura que valoriza o comportamento disciplinado e seguidor de normas, ou seja, orientação sociocêntrica que destaca o desenvolvimento de qualidades desejáveis socialmente e que prioriza o relacionamento interpessoal entre criança, família e sociedade (Harwood et al., 1996). E, também, na pesquisa de Borges e Salomão (2015), a qual se investigou as metas de socialização materna no contexto não urbano, obteve-se a categoria de expectativas sociais como a segunda meta mais estimada pelas mães. As autoras relacionam a escolha por essa categoria a um contexto característico de famílias não urbanas, baseadas na agricultura de subsistência, na qual as famílias dão ênfase à autonomia dos filhos e priorizam as responsabilidades voltadas à sociedade, em que eles devem atender às necessidades e às obrigações ligadas a esses grupos sociais.

A escolha por metas relacionadas à expectativa social pode estar atrelada a questões sociodemográficas. Na pesquisa de Lins et al. (2015), os autores destacam que todos os participantes eram religiosos, o que sugere uma valorização de metas orientadas para as relações intergrupais e de cunho religioso, como o respeito aos outros, à família e a Deus.

No estudo de mães com crianças surdas, a meta de expectativa social foi a mais almejada. Dessa forma, fica evidente que essa categoria é diretamente influenciada pelas variáveis sociodemográficas, pois a valorização das metas referentes à categoria expectativas sociais foi maior no grupo com menor escolaridade, ou seja, as mães com alto nível de instrução tendem a dar mais importância às metas individualistas que aquelas com baixo nível de instrução (Freitas & Magalhães, 2013).

Por um lado, as mães de crianças com TEA atribuem importância de forma semelhante para as metas relacionadas ao modelo cultural individualista, bem como ao modelo sociocêntrico. Por outro lado, o estudo de Portes et al. (2016), com os pais de crianças com Síndrome de Down, também teve a prevalência do modelo individualista, assim como no estudo de Seidl-de-Moura et al. (2008), com mães cariocas de crianças sem deficiência, no qual há um predomínio do modelo individualista sobre o sociocêntrico.

Devido ao equilíbrio na frequência dos modelos de parentalidade individualista e sociocêntrico, pode-se dizer que as mães das crianças com TEA apresentam um modelo de parentalidade com orientação autônomo-relacional (Kagitcibasi, 2005). Esse modelo prioriza que s filhos valorizem a relação com outras pessoas e vivam em harmonia com o grupo, sem abandonar a autonomia e a independência. Fica evidente esse modelo em estudos envolvendo sete capitais brasileiras e países da América, uma vez que as mães desejaram que seus filhos fossem autoconfiantes, independentes e bem-sucedidos profissionalmente, ao mesmo tempo que valorizaram que eles fossem honestos e cumpridores de suas obrigações com a família e com a sociedade (Bandeira et al., 2009; Diniz & Salomão, 2010; Vieira et al., 2010).

Outro aspecto de suma importância está relacionado à categoria de desenvolvimento típico (DT), que envolve a expectativa das mães em relação ao desejo que seus filhos tenham um desenvolvimento semelhante ao de crianças sem deficiência. As mães das crianças com TEA não apresentaram essa preocupação com o filho. Esses resultados são divergentes em relação ao estudo de Portes et al. (2016) feito com pais de crianças com Síndrome de Down, no qual a categoria de desenvolvimento típico é a segunda mais esperada pelos genitores. Essa diferença entre os estudos pode ser explicada pelo fato de as crianças com síndrome de Down serem marcadas pelas características físicas que logo a identificam com uma pessoa com deficiência. Isso pode fazer com que os pais tenham de lidar com a realidade de ter um filho com deficiência de modo mais direto desde o nascimento. Entretanto, as crianças com TEA não apresentam muitas vezes características sindrômicas e, portanto, a sua deficiência não fica muito aparente, o que pode corroborar para que os pais não a considerem como uma pessoa com deficiência e não tenham a preocupação que o filho apresente um desenvolvimento típico no futuro.

Por fim, a categoria Autocontrole, que está relacionada a preocupações com que a criança desenvolva a capacidade de controlar impulsos negativos de ganância, agressão ou egocentrismo, foi mencionada apenas uma vez neste estudo. Esse resultado chama atenção para o fato de que, na literatura pesquisada, muitas vezes, as crianças com TEA apresentam problemas de comportamento, principalmente relacionados à agressividade (Gray, Keating, Taffe, & Brereton, 2012). Os resultados desta pesquisa são divergentes dessas investigações, porque as mães não apresentam essa preocupação em relação ao desenvolvimento futuro dos filhos. Outros estudos com famílias de crianças com deficiência também encontraram resultados que se aproximam dos achados desta pesquisa, como em Portes et al. (2016), que, em sua pesquisa, obtiveram apenas duas menções relacionadas a essa meta. No estudo de Freitas e Magalhães (2013), os genitores não demonstraram expectativa sobre o desenvolvimento dos filhos com deficiência auditiva.

Para que essas metas sejam alcançadas, buscou-se investigar quais as estratégias utilizadas para a conquista das metas estimadas no desenvolvimento dos filhos das participantes, bem como indicadores das práticas de criação. Neste estudo, a estratégia mais almejada refere-se às práticas relacionadas aos pais, ou seja, a estratégia centrada em si. É possível que os genitores acreditem serem eles os principais responsáveis por auxiliar a criança a alcançar seus objetivos ao longo de seu desenvolvimento, por meio da transmissão de bons exemplos, ensinamentos, amor, atenção e carinho. Em estudos realizados com famílias de crianças com desenvolvimento típico, os pesquisadores também identificaram a estratégia centrada em si também como a mais utilizada (Bandeira et al., 2009; Diniz & Salomão, 2010). E com mães de crianças com deficiência destacam-se os estudos de Freitas e Magalhães (2013) e Portes et al. (2016). Diante disso, os estudos com famílias de crianças com desenvolvimento típico e atípico parecem concordar que, para o alcance das expectativas sobre o desenvolvimento da criança, a estratégia mais utilizada está relacionada aos cuidados dos pais.

As estratégias de ação centradas em si podem ser influenciadas por outras variáveis. Diniz e Salomão (2010) apontam que a faixa etária das crianças do seu estudo variou de dois a 40 meses, nesse período a criança precisa de cuidados que garantam a sua sobrevivência. Portanto, conforme a criança cresce, suas necessidades desenvolvimentais modificam-se e tendem a modificar-se também as crenças dos pais a respeito de suas próprias estratégias e metas. Dessa maneira, entende-se que a idade da criança é um fator diretamente influenciável nas estratégias utilizadas pelos genitores, e, à medida que a criança se desenvolve, suas relações sociais se ampliam e a fase escolar inicia, possivelmente menos vezes aparecerá essa estratégia (Diniz & Salomão, 2010). É importante enfatizar que o estudo mencionado anteriormente se trata de crianças sem deficiência, apesar de os resultados serem iguais ao do presente estudo. Deve-se enfatizar, assim, que as estratégias adotadas pelas mães podem não estar relacionadas à faixa etária da criança, mas, sim, à sua deficiência. O estudo de Freitas e Magalhães (2013) ressalta que, quando a família recebe o diagnóstico de uma criança com deficiência, as concepções sobre o que é ser pai/mãe alteram-se. Essa crise de identidade e de vínculo articula-se com as crenças e práticas de cuidado parental, direcionando as relações estabelecidas no grupo familiar.

As estratégias centradas no contexto e centradas na criança apresentaram resultados similares. No que se refere à estratégia voltada ao contexto que envolve fatores como dar oportunidades sociais, que incluem educação, saúde, entre outros, pode-se destacar a importância da rede de apoio social, que é caracterizada como um conjunto de relações interpessoais que a pessoa considere significativa. Esta pode ser composta por familiares, amigos, colegas de trabalho ou estudo, pessoas da comunidade e profissionais de saúde. Por meio dessa rede, é possível receber suporte social, emocional, cognitivo e até financeiro; ela favorece também o desenvolvimento humano e preenche as necessidades que a pessoa tem de relacionar-se com o outro. Além disso, proporciona conforto de pertencer a um grupo, de ser amada - condições importantes para a manutenção da autoestima (Brusamarello, Guimarães, Labronici, Mazza, & Maftum, 2011).

Com o surgimento de políticas públicas e das redes de apoio social que visam à promoção do desenvolvimento e à garantia dos direitos dessa população, possibilitando o acesso aos serviços, é relevante enfatizar que essa estratégia pode ser associada ao serviço ao qual todas as famílias entrevistadas frequentam, o Centro Especializado em Reabilitação (CER II), em que essas crianças recebem tratamento. Além disso, as redes de apoio social fornecem informações e orientações às famílias, bem como as portarias resoluções e instruções normativas que regulamentam a assistência, na perspectiva da atenção integral à saúde da pessoa com deficiência, inaugurando um modelo assistencial pautado na abordagem multiprofissional e multidisciplinar, com ênfase nas ações de promoção à saúde, na reabilitação e na inclusão social (Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil, 2006a, 2006b).

Por fim, ao comparar a frequência de todas as estratégias, nota-se que os genitores atribuem menor importância às estratégias centradas nas habilidades da própria criança. Contudo, esse resultado é contraditório pelo fato de as mães estimarem metas relacionadas à independência e à autonomia de seus filhos, e não acreditarem que essa criança possa ser protagonista. No estudo de Portes et al. (2016), essa estratégia também foi a menos utilizada pelos genitores. Frente a isso, os autores acrescentam que, mesmo que os pais esperem a independência da criança na vida adulta, parecem não acreditar que o filho com deficiência possa ser o próprio autor do seu desenvolvimento, pois acreditam que, em virtude da sua condição, a criança será dependente da ajuda dos genitores e da sua rede de apoio. Esse mesmo resultado foi encontrado nos estudos de Freitas e Magalhães (2013), com crianças surdas, e de Diniz e Salomão (2010), com crianças com desenvolvimento típico, em que os pais acreditam que eles deveriam ser modelos para seus filhos e instruí-los para que pudessem atingir as metas esperadas para seu desenvolvimento.

5 Conclusão

Os resultados desta pesquisa indicam que as mães esperam que seus filhos alcancem a autonomia e a independência ao longo da idade. O principal caminho para o alcance dessas metas são as estratégias que eles atribuem a si como modelos para o alcance dessas expectativas. Pode-se concluir que a meta mais almejada não é condizente com a estratégia mais utilizada. Isso pode estar relacionado a diversos fatores, dentre eles nível socioeconômico, contexto e cultura mais ampla no modo como as mães pensam sobre criação de filhos e como isso pode refletir nas expectativas que elas têm sobre o futuro deles.

O presente estudo buscou preencher uma lacuna na literatura por meio de algumas evidências encontradas nesta pesquisa, com relação ao que as mães de crianças com TEA desejam que seus filhos tenham no futuro. Nesse sentido, os resultados obtidos trazem contribuições relevantes à literatura da área e sinalizam a importância de esclarecer sobre as características de desenvolvimento da criança com TEA para os pais e como eles podem agir em prol da autonomia da criança para que ela também consiga ser protagonista da sua trajetória de desenvolvimento. Indicam-se, para novas pesquisas, estudos que aprimorem a compreensão dos pais com relação ao futuro de seus filhos.

  • 5
    Salário mínimo equivalente a R$ 937,00, vigente no ano de 2017.

Referências

  • American Psychiatric Association (2014). DSM-V: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5a ed.). Porto Alegre: Artmed.
  • Bandeira, T. T. A., Seidl-de-Moura, M. L., & Vieira, M. L. (2009). Metas de socialização de pais e mães para seus filhos. Revista Brasileira Crescimento Desenvolvimento Humano, Rio de Janeiro, 19(3), 445-456.
  • Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo (70a ed.). Lisboa: LDA.
  • Borges, L. C., & Salomão, N. M. R. (2015). Concepções de desenvolvimento infantil e metas de socialização maternas em contexto não urbano. Estudos de Psicologia, Natal, 20(2), 114-125. doi: http://dx.doi.org/10.5935/1678-4669.20150013
    » http://dx.doi.org/10.5935/1678-4669.20150013
  • Brusamarello, T., Guimarães, A. N., Labronici, L. M., Mazza, V. de A., & Maftum, M. A. (2011). Redes sociais de apoio de pessoas com transtornos mentais e familiares. Texto & Contexto - Enfermagem, Florianópolis, 20(1), 33-40. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072011000100004
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072011000100004
  • Depape, A. M., & Lindsay, S. (2015). Parents’ experiences of caring for a child with autism spectrum disorder.Qualitative Health Research, 25(4), 569-583. doi: http://dx.doi.org/10.1177/1049732314552455
    » http://dx.doi.org/10.1177/1049732314552455
  • Diniz, P. K. C., & Salomão, N. M. R. (2010). Metas de socialização e estratégias de ação paternas e maternas. Paidéia, Paraíba, 20(46), 145-15.
  • Freitas, H. R. M., & Magalhães, C. M. C. (2013). Metas e estratégias de socialização que mães de crianças surdas valorizam para os seus filhos. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, 19(4), 545-562.
  • Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social (6a ed.). São Paulo: Atlas.
  • Gray, K., Keating, C., Taffe, J., & Brereton, A. (2012). Trajectory of behavior and emotional problems in autism. American Journal on Intellectual Developmental Disorders, 117(2), 121-133. doi: http://dx.doi.org/10.1352/1944-7588-117-2.121
    » http://dx.doi.org/10.1352/1944-7588-117-2.121
  • Harkness, S., & Super, C. M. (2005). Themes and variations: Parental ethnotheories in Western cultures. In K. H. Rubin, & O. B. Chung (Eds.). Parental beliefs, parenting, and child development in cross-cultural perspective (pp. 61-79). New York: Psychology Press.
  • Harwood, R. L., Schoelmerich, A., Ventura-Cook, E., Schulze, P. A., & Wilson, S. P. (1996). Culture and class influences on Anglo and Puerto Rican mothers’ beliefs regarding long-term socialization goals and child behavior. Child Development, 67, 2446-2461.
  • Kagitcibasi, C. (2005). Autonomy and relatedness in cultural context: Implications for self and family. Journal of Cross-Cultural Psychology, 36(4), 403-422. doi: http://dx.doi.org/10.1177/0022022105275959
    » http://dx.doi.org/10.1177/0022022105275959
  • Keller, H., Borke, J., Yovsi, R., Lohaus, A., & Jensen, H. (2005). Cultural orientations and historical changes as predictions of parenting behavior. International Journal of Behavioral Development, 29(3), 229-237.
  • Lins, Z. M. B., Salomão, N. M. R., Borges, L. C., Lins, S. L. B., & Carneiro, T. F. (2015). Metas parentais de socialização em relação ao desenvolvimento de seus filhos. Interação em Psicologia, Curitiba, 19(1), 85-96. doi:http://dx.doi.org/10.5380/psi.v19i1.35870
    » http://dx.doi.org/10.5380/psi.v19i1.35870
  • Mannoni, M. (1999). A criança retardada e a mãe (M. R. G. Duarte, Trad., 5a ed.). São Paulo: Martins Fontes.
  • Meimes, M. A., Saldanha, H. C., & Bosa, C. A. (2015). Adaptação materna ao transtorno do espectro autismo: Relações entre crenças, sentimentos e fatores psicossociais.Psico, Porto Alegre, 46(4), 412-422. doi: http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2015.4.18480
    » http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2015.4.18480
  • Miller, A. M., & Harwood, R. L. (2001). Long-term socialization goals and the construction of infants’ social networks among middle class Anglo and Puerto Rican mothers. International Journal of Behavioral Development, 25, 450-457.
  • Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil (2006a). (Vol. 1). Brasília, DF: MEC/SEB. Recuperado em 16 de Maio de 2018 de http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf
    » http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf
  • Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil (2006b). (Vol. 2). Brasília, DF: MEC/SEB. Recuperado em 16 de Maio de 2018 de http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol2.pdf
    » http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol2.pdf
  • Portes, J. R. M., Vieira, M. L., & Faraco, A. M. X. (2016). Metas de socialização e estratégias de ação de pais e mães de crianças com Síndrome de Down. Acta Colombiana de Psicología, 19(1), 176-186.
  • Rooke, M. I., & Pereira-Silva, N. L. (2012). Resiliência familiar e desenvolvimento humano: Análise da produção científica. Psicologia em Pesquisa, Juiz de Fora, 6, 179-186. doi: http://dx.doi.org/10.5327/Z1982-12472012000200011
    » http://dx.doi.org/10.5327/Z1982-12472012000200011
  • Sant’Anna, J. L., & Mendes, D. M. F. L. (2017). Metas de socialização e práticas educativas de mães de crianças com câncer: Um estudo comparativo com mães de crianças sem diagnóstico de doença. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, 29(1), 111-132.
  • Schmidt, C., Dell’Aglio, D. D., & Bosa, C. A. (2007). Estratégias de coping de mães de portadores de autismo: Lidando com dificuldades e com a emoção.Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, 20(1), 124-131.
  • Seidl-de-Moura, M. L., Lordelo, E., Piccinini, M. L. V. C. A., Siqueira, J. de O., Magalhães, C. M. C., Pontes, F. A. R., ... Rimoli, A. (2008). Brazilian mothers’ socialization goals: Intracultural differences in seven Brazilian cities. International Journal of Behavioral Development, 32, 465-472.
  • Smeha, L. N., & Cezar, P. K. (2011). A vivência da maternidade de mães de crianças com autismo. Psicologia em Estudo, Maringá, 16(1), 43-50.
  • Vieira, M. L., Seidl-de-Moura, M. L., Macarini, S. M., Martins, G. D., Lordelo, E. da R., Tokumaru, R. S., Oliva, A. D. (2010). Autonomy and interdependence: Beliefs of Brazilian mothers from state capitals and small towns. The Spanish Journal of Psychology, (13), 816-824.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2017
  • Revisado
    20 Mar 2018
  • Aceito
    20 Mar 2018
location_on
Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial - ABPEE Av. General Rondon, 1799, Centro, Zip Code: 79331-030 - Corumbá - MS - Brazil
E-mail: revista.rbee@gmail.com
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro