Acessibilidade / Reportar erro

Quebra espontânea de simetria e mecanismo de Higgs: uma abordagem a partir dos osciladores harmônico simples e anarmônico.

Spontaneous symmetry breaking and Higgs mechanism: an approach from the simple harmonic and anharmonic oscillators

Resumos

Nesta contribuição, apresentamos um tema avançado de grande relevância na Física: a quebra espontânea de simetria – fundamental para o chamado Mecanismo de Higgs – numa abordagem adequada ao ensino médio. O modelo matemático da quebra de simetria é abordado a partir da analogia entre os osciladores harmônico simples e anarmônico. Na sequência, discutimos como a massa física do bóson de Higgs surge a partir da oscilação da coordenada oscilatória de Higgs, aqui desempenhando o papel do campo de Higgs. Também propomos o uso de simulação computacional, utilizando o software Modellus , para estudar a energia dos osciladores. O objetivo de propor a simulação é tornar a aprendizagem mais eficiente e aumentar o protagonismo do aluno.

Palavras-chave:
Ensino médio; osciladores; quebra espontânea de simetria; campo de Higgs


This contribution sets out to present an advanced topic of major relevance in Physics: the spontaneous symmetry breaking, a crucial issue for the Higgs Mechanism, in a suitable approach for the high school level. The mathematical model of symmetry breaking is approached by exploiting the analogy between the simple harmonic and anharmonic oscillators. Next, we discuss how the Higgs boson’s physical mass arises from the oscillation of the Higgs oscillatory coordinate, here playing the role of the Higgs field. We also propose the use of a computer simulation, with the Modellus software , to compute the energy of the oscillators. The purpose of carrying out simulation is to render the learning process more efficient and to increase the action of the student.

Keywords
High school; oscillators; spontaneous symmetry breaking; Higgs field


1. Introdução

Nas últimas décadas, a inserção de Física Moderna e Contemporânea (FMC) tem sido amplamente discutida em diversos trabalhos de pesquisa [1[1] F. Ostermann e M.A. Moreira, Investigações em Ensino de Ciências 5, 1 (2000)., 2[2] A.P. Pereira e F. Ostermann, Investigações em Ensino de Ciências 14, 3 (2009)., 3[3] M. Barcellos e A. Guerra, Revista Ensaio 17, 2 (2015).]. Nesse sentido, várias propostas têm surgido para tratar esses assuntos como: efeito fotoelétrico [5[5] J.B. Rocha Filho, M.A. Salami e V. Hillebrand, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20210146 (2021).], o átomo de Bohr [4[4] F.A.G. Parente, A.C.F. Santos e A.C. Tort, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1 (2014).], espectroscopia [6[6] B.L. Nascimentos-Dias e V.L. Anjos, Revista Brasileira de Ensino de Física 28, 4 (2006).], física de partículas [7[7] M.A. Moreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 1 (2009)., 8[8] G.C. Dorsch e T.C.C. Guio, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20210083 (2021).], mecânica quântica, relatividade restrita [9[9] C.M. Rodrigues, I.P.S. Sauerwein e R. A. Sauerwein, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1 (2014).], matéria e energia [10[10] A.A. Soares, L.E. Moraes e F.G. Oliveira, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 32, 3 (2015).], radioatividade [11[11] C.A.S. Batista e M. Siqueira, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 34, 3 (2017).]. Um dos motivos desse movimento é a necessidade de preparar o aluno para compreender e viver no mundo atual, onde conteúdos de FMC tem papel cada vez mais relevante. Nesse sentido, a inserção de FMC nas salas de aula do ensino médio reflete a própria necessidade da sociedade que interage cada vez mais com as novas descobertas da física no seu cotidiano. Além disso, podemos destacar a própria mudança de paradigma que a FMC representa para física e a necessidade desse conhecimento para as relações entre ciência, tecnologia e sociedade, como discutido em [12[12] J.R.N. Silva, L.E.B. Arenghi e A. Lino. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia 6, 1 (2013).].

Nesse movimento de renovação do currículo, uma proposta ainda mais ousada tem surgido com objetivo de promover o diálogo entre as pesquisas de fronteira em física e o ensino. Para essa ação, em geral conhecida como “Física de Fronteira no Ensino Médio”, podemos destacar o livro [13[13] B.G. Sidharth, M. Michelini e L. Santi, Frontier of fundamental physics and physics education research (Ed. Springer, New York, 2014).] que trata de temas como: simetrias e modelo padrão, possibilidades para além do modelo padrão, matéria escura, termodinâmica e mecânica estatística, nanotecnologia, entre outros. Podemos adicionar ainda artigos sobre temas de física de fronteira [14[14] M. Pavlidou e C. Lazzeroni, Phys. Educ. 51, 054003 (2016)., 15[15] A.C. Ribeiro, M. Costa, C.R. Santos, T.G.M. Bonadio e T.T. Tominaga, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20200374 (2021)., 16[16] M.A. Fanaro, M. Arlego e M.R. Otero, European J of Physics Education 3, 2(2012)., 17[17] M. Gordon e G. Gordon, Physics Education 45, 4 (2010)., 18[18] P.V.S. Souza, R.L. Alves e W.F. Balthazar, The Physics Teacher 57, 467 (2019)., 19[19] P.V.S. Souza, D.P. Rodrigues, L. Silva, J.A.O. Huguenin e W.F. Balthazar, Physics Education 56, 025013 (2021).] e projetos como: o Frontier projects [20[20] http://www.frontiers-project.eu/.
http://www.frontiers-project.eu/...
], cujo objetivo é integrar pesquisa científica de fronteira e pesquisa em ensino; ou de divulgação/minicursos como o ICTP-SAIFR [21[21] http://outreach.ictp-saifr.org/.
http://outreach.ictp-saifr.org/...
] que visa a Física de Fronteira para a sala de aula e os mais variados públicos.

Dentre os temas avançados que são abordados em sala de aula, podemos destacar a descoberta do Bóson de Higgs [22[22] J.J.M. Pimenta, L.F.B. Belussi, E.R.T. Natti e P.L. Natti, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 2 (2013).] em 2012, no Large Hadron Collider (LHC). Predito em 1964 pelo físico Peter Higgs [23[23] P.W. Higgs, Physical Review Letters 13, 508 (1964).], a última partícula prevista do Modelo Padrão das interações fundamentais, responsável pela origem da massa em nosso universo, tem gerado uma série de trabalhos para o ensino de física [24[24] W.F. Balthazar e A.L. Oliveira, Partículas Elementares no Ensino Médio: uma abordagem a partir do LHC (Ed. Livraria da Física, São Paulo, 2010)., 25[25] M.A.M. Souza, A.C.S. Nascimento, D.F. Costa e O. Ferreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, 2 (2019)., 26[26] X. Cid e R. Cid. Physics Education 42, 1 (2009).]. Associado a esse tema, uma discussão interessante em aberto, segundo nosso melhor conhecimento, é quebra espontânea de simetria (mecanismo de Higgs) com uma abordagem adequada ao ensino médio. Para atingir esse objetivo, abordamos esse tema a partir dos osciladores harmônico simples e anarmônico, mostrando como a massa do bóson de Higgs surge a partir da quebra de simetria.

Em linhas gerais, iniciamos discutindo o Oscilador Harmônico Simples (OHS) e, em seguida, apresentamos o Oscilador Anarmônico (OA), cuja diferença em relação ao OHS é um termo adicional, proporcional a x3, na força descrita pela Lei de Hooke. As equações da energia para os osciladores são desenvolvidas a partir do formalismo matemático que tradicionalmente está presente no ensino médio e seus gráficos podem ser estudados com o conhecimento de funções polinomiais. Para tornar a proposta ainda mais acessível, utilizamos o software Modellus , que permite ao aluno simular diferentes potenciais, visualizar gráficos/tabelas e fazer previsões acerca do assunto proposto. Também exploramos a comparação entre os osciladores para discutir a questão da quebra espontânea de simetria e sua relação com o Campo de Higgs. Por fim, associamos a massa do bóson de Higgs à energia do campo de Higgs através da relação massa-energia.

O trabalho está esquematizado da seguinte forma: na Seção2 2. Osciladores Harmônico Simples e Anarmônico 2.1. Oscilador harmônico simples O OHS é um sistema físico unidimensional que descreve o movimento de um objeto sujeito a uma força restauradora, F=-k⁢x, onde k é uma constante positiva e o sinal negativo faz com que a força aponte sempre na direção do ponto de equilíbrio. Em geral, o sistema físico mais utilizado para descrever uma oscilação harmônica simples é o conhecido oscilador massa-mola, conforme mostra a Figura1. Figura 1: O Oscilador Harmônico Simples. Nesse sistema, a massa m do oscilador está no bloco, uma vez que a massa da mola é desprezada, e a constante de deformação elástica k é uma característica da mola que está associada à força restituidora que faz o sistema oscilar. Em geral, escolhemos a posição de equilíbrio em x=0 e quando a mola sofre uma deformação, o sistema passa a oscilar em torno desse ponto. Note que se x>0, a força aponta sempre para esquerda, e quando x<0, a força aponta para direita, em direção a posição de equilíbrio. Dessa forma, numa situação ideal, sem qualquer tipo de atrito ou resistência, o sistema passa a oscilar permanentemente em torno da posição de equilíbrio com amplitude e frequência bem definidas. Por isso, é importante definir uma frequência para essa oscilação. Isso pode ser feito se considerarmos a Segunda Lei de Newton e a Lei de Hooke, m⁢a=-k⁢x⇒a=-ω2⁢x, de forma que a frequência angular é dada por: (1) ω = k m . Note que ω tem dimensão de frequência (s-1), por isso, está associado ao número de oscilações que o sistema realiza por segundo. É importante destacar que a frequência depende exclusivamente de k e m, sendo, portanto, uma característica de cada sistema físico bloco-mola. Vale destacar que ao movimento do objeto podemos associar uma energia cinética Ec relacionada à velocidade do bloco. E como o sistema está sujeito a uma força restauradora que depende da posição, podemos associar sua localização no eixo x com uma energia potencial Ep. Assim, para identificar a energia total do sistema, ET=Ec+Ep, vamos utilizar o método das variações para obter a lei de conservação da energia total. Acreditamos que este seja um caminho mais intuitivo para contornarmos a falta do conceito de derivada por parte do programa do ensino médio, conceito este que muito facilita a derivação da conservação da energia total dos sistemas conservativos. Inicialmente, vamos considerar a=(Δ⁢v)/(Δ⁢t) na equação (1) e multiplicar os dois lados por v, de forma que obtemos : (2) m ⁢ v ⁢ Δ ⁢ v = - k ⁢ x ⁢ v ⁢ Δ ⁢ t . Como v=Δ⁢x/Δ⁢t, segue que: (3) m ⁢ v ⁢ Δ ⁢ v = - k ⁢ x ⁢ Δ ⁢ x . Se considerarmos um intervalo bem pequeno, Δ⁢x→0, podemos avaliar as quantidades Δ⁢(x2). Para isso vamos considerar um ponto x e outro subsequente x +Δ⁢x, de forma que: (4) Δ ⁢ ( x 2 ) = ( x + Δ ⁢ x ) 2 - x 2 = 2 ⁢ x ⁢ Δ ⁢ x + ( Δ ⁢ x ) 2 x ⁢ Δ ⁢ x ≈ 1 2 ⁢ Δ ⁢ ( x 2 ) , onde consideramos (Δ⁢x)2≈0. Da mesma forma, podemos avaliar a quantidade Δ⁢(v2), quando Δ⁢v→0, de forma que obteremos: (5) v ⁢ Δ ⁢ v ≈ 1 2 ⁢ Δ ⁢ ( v 2 ) . Se substituirmos as Equações (4) e (5) na Eq. (3), encontramos as duas variações, como segue (6) 1 2 ⁢ m ⁢ Δ ⁢ ( v 2 ) + 1 2 ⁢ k ⁢ Δ ⁢ ( x 2 ) = 0 . É óbvio que essa equação corresponde às variações das energias cinética e potencial elástica, de forma que Δ⁢Ec+Δ⁢Ep=0, consequentemente, temos que a variação da energia mecânica é Δ⁢E=0, como esperávamos que ocorresse num sistema sujeito a uma força conservativa. Para nosso propósito nesse trabalho é interessante olhar para a energia potencial desse sistema, Figura 2, onde consideramos que a massa m, do sistema massa mola da Figura 1, foi deslocada de 5 m da posição de equilíbrio x=0. Figura 2: Energia potencial do OHS para k=2,0 N/m e amplitute 5m. Destacamos alguns pontos, o primeiro é que a energia potencial é descrita por uma parábola, onde x=0 é um ponto de equilíbrio estável da oscilação. Outro ponto importante é que o potencial parabólico nos leva à simetria, (x→-x). 2.2. O Oscilador Anarmônico Nesta subseção, vamos apresentar e discutir o oscilador anarmônico. Para isso, vamos adicionar uma deformação a Lei de Hooke, para obter uma “Lei de Hooke deformada”, como segue (7) F = - k ⁢ x - λ ⁢ x 3 , onde λ é uma constante associada à deformação. Observa-se que, quando λ=0, recuperamos a Lei de Hooke. Naturalmente, a posição de equilíbrio para um sistema sujeito à lei deformada pode ser encontrado fazendo F=0, na equação (7). Desta forma, obtemos três posições de equilíbrio: (8) x = 0 ; x = ± - k λ . Este resultado nos leva a duas situações físicas para x∈ℝ, k<0 e λ>0 ou k>0 e λ<0. É importante notar que, quando k>0 e λ<0, a força F se torna repulsiva a grandes distâncias. Ao longo desta subseção, discutiremos esta questão detalhadamente, e mostraremos que o caso em que k<0 e λ>0 corresponde a estados ligados com oscilações estáveis em torno de posições de equilíbrio fora da origem, o que, por sua vez, configura o que denominamos como quebra espontânea de simetria. A função energia potencial é uma função par, isto é, simétrica sob reflexões em torno da origem. No entanto, nesta fase do sistema, caracterizada pelos parâmetros k<0 e λ>0, a posição de equilíbrio não se mantém invariante sob reflexões, contrariamente ao que ocorre na fase com k>0 e λ<0, na qual a posição de equilíbrio, x=0, é invariante sob reflexão. É exatamente esta característica que constitui a quebra espontânea de simetria: as configurações de equilíbrio não exibem as simetrias da função energia potencial. Agora vamos avaliar a equação (7), utilizando o método das variações já apresentado no caso do OHS para determinar a energia total do sistema (ET). Para tal, vamos utilizar a Segunda Lei de Newton e a Lei de Hooke deformada para obter: m⁢a=-k⁢x-λ⁢x3, onde fixamos λ>0. Multiplicando por v, temos: (9) m ⁢ v ⁢ Δ ⁢ v = - k ⁢ x ⁢ Δ ⁢ x - λ ⁢ x 3 ⁢ Δ ⁢ x . A diferença entre a equação (9) e a equação (3) fica por conta do termo que contém -λ⁢x3⁢Δ⁢x. Para avaliar a equação vamos utilizar os resultados obtidos nas Eqs. (4) e (5) para os termos x⁢Δ⁢x e v⁢Δ⁢v. Além disso, vamos novamente trabalhar com variações bem pequenas, Δ⁢x→0, para avaliar o termo Δ⁢(x4)=(x+Δ⁢x)4-x4, de forma que: (10) Δ ⁢ ( x 4 ) = x 4 + 4 ⁢ x 3 ⁢ Δ ⁢ x + 6 ⁢ x 2 ⁢ ( Δ ⁢ x ) 2 + 4 ⁢ x ⁢ ( Δ ⁢ x ) 3 + ( Δ ⁢ x ) 4 - x 4 . Se considerarmos (Δ⁢x)2,(Δ⁢x)3,(Δ⁢x)4→0, temos: (11) x 3 ⁢ Δ ⁢ x = 1 4 ⁢ Δ ⁢ ( x 4 ) Assim, podemos utilizar esse resultado para reescrever a energia, equação (9), de forma que obtemos a conservação da energia total, como segue: (12) Δ ⁢ ( E c + 1 2 ⁢ k ⁢ x 2 + 1 4 ⁢ λ ⁢ x 4 ) = 0 , onde o termo 12⁢k⁢x2+14⁢λ⁢x4 corresponde à energia potencial Ep do oscilador anarmônico. Portanto, a equação (12) trata da energia total do sistema. Aqui é interessante retomarmos nossa discussão sobre os possíveis valores de k e λ discutidos na equação (8). Para isso, geramos dois gráficos, Figura 3a e b, para as duas situações físicas em que: k<0 e λ>0, e k>0 e λ<0, respectivamente. Figura 3: Gráfico da energia potencial do oscilador anarmônico em função da posição para (a) k=-1,00 N/m e λ=0,20N/m3, (b) k=1,00N/m e λ=-0,20N/m3. Como podemos ver na Figura 3a, onde k<0 e λ>0, há estados ligados correspondentes às oscilações em torno das duas posições de equilíbrio, que por sua vez correspondem aos pontos de mínimo da função energia potencial. Essa é a única situação física que nos interessa, pois uma partícula não teria energia suficiente para escapar do sistema. O contrário ocorre na Figura 3b, onde vemos que para k>0 e λ<0 a força se torna repulsiva para x<--kλ e x>+-kλ. No caso específico da Figura3b, onde k=1,00N/m e λ=-0,20N/m3, a força é repulsiva para valores x<-5m e x>5m. Portanto, em termos de energia potencial, isso significa que para uma dada energia total do sistema a partícula escaparia do estado ligado e x→±∞. Portanto, esse potencial não corresponde a uma quebra de simetria. Com base na Figura3, é importante mencionar que, como ocorre com o OHS, o oscilador anarmônico possui simetria em relação ao eixo Ep(x=0). Dessa forma, o que acontece no lado esquerdo, também ocorre no lado direito. Notamos ainda que para o oscilador anarmônico existem três pontos de equilíbrio. No entanto, diferente do OHS, na Figura3a, o ponto x=0 é um máximo local de energia e um ponto de equilíbrio instável. Em geral, sistemas físicos buscam espontaneamente a posição de mínima de energia, em nosso caso, o sistema tende a oscilar em torno de x=±-kλ. Um ponto crucial é que quando o sistema “escolhe” a direita, ele deixa de oscilar na esquerda. Isso é o que chamamos de quebra espontânea de simetria. discutimos o OHS e o OA com formalismo matemático adequado do ensino médio; na Seção3 3. Quebra de Simetria e o Mecanismo de Higgs 3.1. Análise do caso anarmônico e a quebra de simetria Vamos analisar cuidadosamente o oscilador anarmônico para o caso da oscilação em torno da posição de mínima energia, que chamaremos de x0=±-kλ. Neste caso, é importante definir uma coordenada física, que designaremos por y, que descreve as oscilações em torno de x0. De forma que (13) x = x 0 + y . Utilizando a nova coordenada para avaliar a energia total do oscilador (ET), descrita na equação (12), obtemos: (14) E T = 1 2 ⁢ m ⁢ v 2 + 1 2 ⁢ k ⁢ x 0 2 + k ⁢ x 0 ⁢ y + 1 2 ⁢ k ⁢ y 2 + 1 4 ⁢ λ ⁢ x 0 4 + λ ⁢ x 0 3 ⁢ y + 3 2 ⁢ λ ⁢ x 0 2 ⁢ y 2 + λ ⁢ x 0 ⁢ y 3 + 1 4 ⁢ λ ⁢ y 4 . Notamos que os termos 12⁢k⁢x02 e 14⁢λ⁢x04 são constantes e, se utilizarmos a posição de mínima energia, x0=±-kλ, a soma dos dois termos é igual a E0=-14⁢k2λ. Ainda podemos ver que (k⁢x0+λ⁢x03)⁢y=0. Dessa forma, podemos reescrever a equação (14): (15) E T - E 0 = 1 2 ⁢ m ⁢ v 2 + ( 1 2 ⁢ k + 3 2 ⁢ λ ⁢ x 0 2 ) ⁢ y 2 + λ ⁢ x 0 ⁢ y 3 + 1 4 ⁢ λ ⁢ y 4 . Portanto, temos, agora, uma expressão da energia total expressa em termos da coordenada, y, que descreve as oscilações em torno da posição de equilíbrio. Aqui, destacamos o termo (12⁢k+32⁢λ⁢x02)⁢y2, que pode ser reescrito como 12⁢(2⁢λ⁢x02)⁢y2 ou 12⁢(-2⁢k)⁢y2, onde utilizamos x02=-kλ. Note que, quando a oscilação ocorre em torno de -kλ, podemos definir uma nova constante elástica: -2⁢k=2⁢λ⁢x02>0, com isso, recuperamos o significado físico da frequência, pois (16) ω = - 2 ⁢ k m = 2 ⁢ λ ⁢ x 0 2 m é real. Interpretamos este resultado como a recuperação da Lei de Hooke para o oscilador anarmônico, que só ocorre porque, com a quebra de simetria, o sistema físico oscila em torno de uma das duas posições de equilíbrio estável deslocadas da origem. Este resultado será retomado na subseção que segue, quando discutiremos como o caso anarmônico pode constituir um tratamento ilustrativo para o campo de Higgs, o qual realiza a quebra espontânea da simetria subjacente à Teoria Eletrofraca. 3.2. Analogia entre o oscilador anarmônico e o campo de Higgs Nesta subseção, vamos trabalhar a analogia entre o oscilador anarmônico e o campo de Higgs. Isso é viabilizado porque o potencial clássico do campo de Higgs da Teoria Eletrofraca é regido por uma função energia potencial da mesma forma que a energia potencial do oscilador anarmônico, isto é, uma função com termos quadrático e quártico. A coordenada, x, do oscilador passa a ser o campo de Higgs, ϕ. Neste sentido, podemos escrever: (17) F H = - k ⁢ ϕ - λ ⁢ ϕ 3 , onde k e λ, no sistema internacional (SI), são dados por N/m e N/m3, respectivamente. As posições de equilíbrio são ϕ0=0 e ϕ0=±-kλ. Da mesma forma, podemos associar a energia potencial, equação (12), com a energia potencial, EH, do campo de Higgs. Neste sentido, podemos escrever: (18) E H = 1 2 ⁢ k ⁢ ϕ 2 + 1 4 ⁢ λ ⁢ ϕ 4 . Como realizado na subseção anterior, a quebra de simetria ocorre quando os pontos de equilíbrio estável estão deslocados em relação à origem, estando, agora, à direita ou à esquerda. A mudança de ponto de equilíbrio corresponde ao que denominamos uma transição de fase do sistema. O sistema é essencialmente o mesmo: a massa e a mola, mas com os parâmetros em outra região de valores, de forma que o sistema apresenta uma física diferente daquela correspondente à fase (ou situação) em que a oscilação se dá em torno da origem, quando não ocorre quebra de simetria. Desta forma, precisamos reinterpretá-lo para o caso em que o campo não flutua em torno da configuração de campo trivial (campo nulo), de forma que o problema requer a introdução de uma nova coordenada física, H, como mostra a equação (19). (19) ϕ = ϕ 0 + H . É importante destacar que, nesta situação, H representa o campo que corresponde às flutuações (oscilações) em torno da configuração de equilíbrio, ϕ0; é ao campo H que nos referimos como campo de Higgs e a partícula a este associada é o bóson de Higgs. O ponto central na analogia oscilador anarmônico – campo de Higgs consiste em substituir a coordenada oscilatória, y, em torno da posição de equilíbrio, x0, pelo campo de Higgs, H, que flutua em torno da configuração de mínima energia, ϕ0. Seguindo com o paralelo entre o oscilador anarmônico e o campo de Higgs, destacamos que o termo em y2 na expressão da energia dada pela equação (15), cujo coeficiente é 12⁢k+32⁢λ⁢x02=λ⁢x02=12⁢2⁢λ⁢x02, corresponde à massa do bóson de Higgs segundo a relação abaixo: (20) m H 2 = 2 ⁢ λ ⁢ ϕ 0 2 = - 2 ⁢ k . Lembramos aqui a relação k=-λ⁢x02 e que, na versão do campo de Higgs, y se torna H e x0 é substituído ϕ0. O fator 2 na expressão acima aparece porque a forma canônica do termo de massa de um campo escalar real, como é o campo H, tem a forma 12⁢m2⁢H2. Aqui, cabe um comentário oportuno, já que se trata de um ponto nevrálgico, e ainda em aberto, da Teoria Eletrofraca; na verdade, do Modelo-Padrão. O parâmetro de restauração, k, é, na verdade, a menos do fator (–2), a própria massa do bóson de Higgs, como fica explícito na equação acima para mH2. A justa crítica que se faz é que a massa do bóson de Higgs não é um subproduto do mecanismo de Higgs, ou seja, não é gerada pela dinâmica do sistema; ao contrário, é introduzida de forma ad-hoc ao se formular o modelo, é um “input”. Em outras palavras, esta massa já está presente ao se construir o modelo, quando se propõe a expressão da energia potencial. Com as demais partículas do Modelo-Padrão, a situação é bem diferente: os léptons carregados (elétron, múon, tau e suas correspondentes antipartículas), os seis sabores de quarks (u,d,c,s,t,b) e os correspondentes antiquarks e os bósons mediadores dos processos fracos (W+, W-, Z0), todos adquirem massa através do mecanismo de Higgs, ou seja, as suas respectivas massas são geradas através do mecanismo de Higgs e são todas proporcionais a ϕ0. E como ϕ0, pela relação acima, é proporcional à massa, mH, do bóson de Higgs, resulta que todas as partículas massivas do Modelo-Padrão têm suas massas parametrizadas pela massa do bóson de Higgs. Assim, designando a massa de uma partícula genérica por mp e a constante de acoplamento desta partícula ao bóson de Higgs por gp⁢H, podemos escrever que (21) m p = g p ⁢ H ⁢ m H . Retornaremos a esta questão ao final da Seção4, quando será apresentado um gráfico da Colaboração ATLAS do LHC expressando a relação entre gp⁢H e mp, deixando clara a reta que expressa esta dependência, uma vez que, nesta relação, a massa mH do bóson de Higgs é uma constante. No Modelo-Padrão, uma partícula, p, adquire a sua massa, mp, quando o campo associado à mesma interage com o campo de Higgs, H. Neste caso, o modelo matemático deve ser descrito por osciladores acoplados, o que não tratamos nesse trabalho. Mas, fica como uma proposta avançar, a partir do presente trabalho, considerando sistemas acoplados de osciladores para mostrar como a transição de fase sofrida por um dos osciladores influencia nas frequências de vibração daqueles acoplados ao oscilador que dirige a transição de fase. Em Física de Partículas, ou mais especificamente, no Modelo-Padrão, esta situação simula o mecanismo de geração de massa dos léptons carregados, dos quarks e dos bósons vetoriais fracos através de seus respectivos acoplamentos ao campo de Higgs. , apresentamos a análise do OA e sua relação com o problema da quebra de simetria e o campo de Higgs; na Seção4 4. Proposta para Abordar a Quebra de Simetria e Mecanismo de Higgs no Ensino Médio Abordar um tema tão avançado e atual da física, numa sala de aula de ensino médio, é um grande desafio. Por isso, mesmo adequando o tema ao formalismo matemático do ensino médio, adicionamos à proposta a simulação computacional através software Modellus . Entendemos que essa abordagem permite que professor e alunos possam estabelecer um melhor diálogo sobre os resultados obtidos pelos modelos matemáticos. 4.1. Simulação dos osciladores com o software Modellus A simulação com o software Modellus é uma excelente ferramenta para explorar modelos matemáticos, como os osciladores apresentados neste trabalho. Um aspecto positivo que merece ser destacado, é que no Modellus as simulações são realizadas a partir de equações escritas, da mesma forma que o aluno as escreve em seu caderno, como mostra a Figura 4, onde escrevemos as equações que regem o movimento harmônico simples. Figura 4: Caixa modelo matemático do software Modellus. O fato dos alunos não necessitarem de nenhuma noção de programação para utilizar o software é uma das vantagens do Modellus . Uma vez que as equações estão escritas, basta clicar no botão “Play” para o obter as gráficos e tabelas, como mostra a Figura5, onde apresentamos o gráfico da energia potencial (Ep), cinética (Ec) e mecânica (EM) em função da posição (x). Figura 5: Gráfico e tabela retirados do software Modellus com as energias em função da posição para o oscilador harmônico simples. Ainda na Figura5, a posição e as energias são apresentadas numa tabela, onde podemos verificar como EP, EC, e x variam com o tempo. Ainda, podemos comparar quando e em que posição essas energias são máximas ou mínimas, enquanto a EM permanece constate. Resumindo, de posse das equações, das constantes do problema e das condições iniciais, obtemos várias informações com tratamento gráfico diferenciado através de um comando simples (apertar o “Play ”). Isso pode permitir uma série de discussões entre professor e aluno, bem como a exploração por parte do aluno de diferentes situações e modelos. É importante destacar alguns pontos. Primeiro, as variáveis que aparecem no gráfico e na tabela, bem como as cores que as representam, são definidas pelo estudante/professor nas abas Gráfico e Tabela. Segundo, que as constantes do movimento são inseridas na aba Parâmetros, por exemplo, em nossa simulação escolhemos k=1,0 N/m e m=1,0 kg. Da mesma forma, as condições iniciais são inseridas na aba Condições iniciais , onde escolhemos v(t=0)=1,0 m/s e x(t=0)=0 m. Também é importante dizer que o programa gera gráficos e tabela animadas (com movimento) para um dado intervalo de tempo de t0 a t em s. Na sequência, apresentamos a simulação para o modelo matemático do oscilador anarmônico utilizando o Modellus . Novamente, escrevemos a equação na “caixa” Modelo Matemático, só que agora a equação (12), definimos parâmetros e condições iniciais, e apertamos a tecla “Play ” para reproduzir o gráfico da energia potencial em função da posição. Isso pode ser abordado de forma bem interessante em sala de aula, quando simulamos os gráficos Ep⁢(x) para diferentes valores para as constantes k e λ, como mostra a Figura6. Figura 6: Simulação da Energia potencial para o oscilador anarmônico: a) k=-2,0 N/m e λ=0,80 N/m3; b) k=2,0 N/m e λ=-0,80 N/m3; c) k=2,0 N/m e λ=0,80 N/m3; d) k=-2,0 N/m e λ=-0,80 N/m3. Como podemos ver a quebra de simetria só ocorre para valores de k<0 e λ>0, Figura6a. Para k>0 e λ<0, Figura6b, vemos que a força é repulsiva para valores grandes de x, como discutido na Figura3b. É importante notar que os gráficos apresentados na Figura 6 a-b têm o mesmo formato do apresentado na Figura3. Nos outros casos, (Figura6c–d), fica claro que não há quebra de simetria do sistema físico. De forma geral, para além do cálculo analítico do problema dos osciladores simples e anarmônico, o software Modellus pode colaborar efetivamente para uma boa visualização do problema da quebra de simetria, permitindo que os estudantes façam de forma simples suas próprias investigações. Concluindo esta subseção, consideramos ilustrativo trazer o gráfico da Figura7, no qual a Colaboração ATLAS do LHC apresenta a relação entre as massas de algumas partículas do Modelo-Padrão, lançadas no eixo horizontal, e as constantes de acoplamento destas partículas ao bóson de Higgs, que são lançadas no eixo vertical. Isto ilustra uma importante característica da física associada ao campo de Higgs: na Teoria Eletrofraca, as massas de todas as partículas de matéria – léptons carregados e quarks – e as massas dos mediadores da interação fraca – os bósons-W carregados e o bóson mediador neutro, Z, são proporcionais ao valor do campo de Higgs correspondente ao mínimo da energia, ϕ0. Na Teoria Eletrofraca, permanecem com massa nula o fóton e os neutrinos, já que os campos que descrevem estas partículas não têm interação direta com o campo de Higgs. Figura 7: Relação linear entre as massas de algumas partículas e as constantes de acoplamento dessas partículas com o bóson de Higgs. Fonte: https://cds.cern.ch/images/ATLAS-PHOTO-2020-023-1 , discutimos e apresentamos resultados da simulações com o software Modellus ; finalmente, na Seção5 5. Conclusões e Perspectivas Neste artigo, apresentamos um tema avançado da Física, o tópico da quebra espontânea de simetria, ingrediente fundamental para a ocorrência do mecanismo de Higgs. Para adequar o tema ao ensino médio, a proposta teve como ponto de partida o estudo dos osciladores harmônico simples e anarmônico, com um tratamento matemático e conceitual adequado a essa etapa do Ensino Médio. Para consolidar o estudo do modelo matemático dos osciladores, propomos a utilização do software Modellus , que permite ao estudante explorar e visualizar o modelo através de gráficos, tabelas e animações. Por fim, ilustramos, com um gráfico da Colaboração ATLAS do LHC, a relação que havíamos abordado e que ilustra como a massa do bóson de Higgs, que é, na verdade, um parâmetro da Teoria Eletrofraca, parametriza as massas dos lépton carregados, dos quarks e dos bósons mediadores da interação nuclear fraca, como ilustra a equação (21). Para finalizar esta nossa contribuição, gostaríamos de salientar que, aqui, tratamos exclusivamente do setor de Higgs isolado, representado pelo oscilador anarmônico, sem acoplá-lo a outros osciladores que poderiam representar os campos de matéria (quarks, léptons carregados e neutrinos) e os bósons mediadores da Teoria Eletrofraca. É nosso propósito, em um trabalho futuro, já em elaboração, utilizar o modelo aqui discutido do oscilador anarmônico em uma situação em que este esteja acoplado a um outro oscilador, que fará papel de campo de matéria, para ilustrar a geração de massa da mesma. Reafirmando, a ideia é justamente mostrar como os osciladores acoplados podem ilustrar o acoplamento de matéria ao campo de Higgs, o que induz, através da quebra de simetria, geração de massa para a matéria a ele acoplada. Podemos ir além e introduzir o oscilador anarmônico em uma situação de simetria contínua, por exemplo, um oscilador anarmônico duplo com simetria local SO(2), à qual é associado um chamado campo de calibre (ou campo de gauge), que adquirirá massa através do acoplamento ao osilador anarmônico na situação de simetria (local) quebrada. Estas ilustrações poderão complementar a presente contribuição, mostrando como todas as massas são geradas na Teoria Eletrofraca. Entendemos, porém, que a introdução dos campos de calibre requer um tratamento especial para apresentação em um nível compreensível para estudantes principiantes. Este será o nosso próximo desafio, no esforço de proporcionar a abordagem no ensino médio de temas avançados da corrente pesquisa nas diversas áreas da Física. , apresentamos as conclusões e perspectivas definidas a partir deste trabalho.

2. Osciladores Harmônico Simples e Anarmônico

2.1. Oscilador harmônico simples

O OHS é um sistema físico unidimensional que descreve o movimento de um objeto sujeito a uma força restauradora, F=-kx, onde k é uma constante positiva e o sinal negativo faz com que a força aponte sempre na direção do ponto de equilíbrio. Em geral, o sistema físico mais utilizado para descrever uma oscilação harmônica simples é o conhecido oscilador massa-mola, conforme mostra a Figura1.

Figura 1:
O Oscilador Harmônico Simples.

Nesse sistema, a massa m do oscilador está no bloco, uma vez que a massa da mola é desprezada, e a constante de deformação elástica k é uma característica da mola que está associada à força restituidora que faz o sistema oscilar. Em geral, escolhemos a posição de equilíbrio em x=0 e quando a mola sofre uma deformação, o sistema passa a oscilar em torno desse ponto. Note que se x>0, a força aponta sempre para esquerda, e quando x<0, a força aponta para direita, em direção a posição de equilíbrio. Dessa forma, numa situação ideal, sem qualquer tipo de atrito ou resistência, o sistema passa a oscilar permanentemente em torno da posição de equilíbrio com amplitude e frequência bem definidas. Por isso, é importante definir uma frequência para essa oscilação. Isso pode ser feito se considerarmos a Segunda Lei de Newton e a Lei de Hooke, ma=-kxa=-ω2x, de forma que a frequência angular é dada por:

(1) ω = k m .

Note que ω tem dimensão de frequência (s-1), por isso, está associado ao número de oscilações que o sistema realiza por segundo. É importante destacar que a frequência depende exclusivamente de k e m, sendo, portanto, uma característica de cada sistema físico bloco-mola.

Vale destacar que ao movimento do objeto podemos associar uma energia cinética Ec relacionada à velocidade do bloco. E como o sistema está sujeito a uma força restauradora que depende da posição, podemos associar sua localização no eixo x com uma energia potencial Ep. Assim, para identificar a energia total do sistema, ET=Ec+Ep, vamos utilizar o método das variações para obter a lei de conservação da energia total. Acreditamos que este seja um caminho mais intuitivo para contornarmos a falta do conceito de derivada por parte do programa do ensino médio, conceito este que muito facilita a derivação da conservação da energia total dos sistemas conservativos.

Inicialmente, vamos considerar a=(Δv)/(Δt) na equação (1) e multiplicar os dois lados por v, de forma que obtemos :

(2) m v Δ v = - k x v Δ t .

Como v=Δx/Δt, segue que:

(3) m v Δ v = - k x Δ x .

Se considerarmos um intervalo bem pequeno, Δx0, podemos avaliar as quantidades Δ(x2). Para isso vamos considerar um ponto x e outro subsequente x +Δx, de forma que:

(4) Δ ( x 2 ) = ( x + Δ x ) 2 - x 2 = 2 x Δ x + ( Δ x ) 2 x Δ x 1 2 Δ ( x 2 ) ,

onde consideramos (Δx)20. Da mesma forma, podemos avaliar a quantidade Δ(v2), quando Δv0, de forma que obteremos:

(5) v Δ v 1 2 Δ ( v 2 ) .

Se substituirmos as Equações (4) e (5) na Eq. (3), encontramos as duas variações, como segue

(6) 1 2 m Δ ( v 2 ) + 1 2 k Δ ( x 2 ) = 0 .

É óbvio que essa equação corresponde às variações das energias cinética e potencial elástica, de forma que ΔEc+ΔEp=0, consequentemente, temos que a variação da energia mecânica é ΔE=0, como esperávamos que ocorresse num sistema sujeito a uma força conservativa.

Para nosso propósito nesse trabalho é interessante olhar para a energia potencial desse sistema, Figura 2, onde consideramos que a massa m, do sistema massa mola da Figura 1, foi deslocada de 5 m da posição de equilíbrio x=0.

Figura 2:
Energia potencial do OHS para k=2,0 N/m e amplitute 5m.

Destacamos alguns pontos, o primeiro é que a energia potencial é descrita por uma parábola, onde x=0 é um ponto de equilíbrio estável da oscilação. Outro ponto importante é que o potencial parabólico nos leva à simetria, (x-x).

2.2. O Oscilador Anarmônico

Nesta subseção, vamos apresentar e discutir o oscilador anarmônico. Para isso, vamos adicionar uma deformação a Lei de Hooke, para obter uma “Lei de Hooke deformada”, como segue

(7) F = - k x - λ x 3 ,

onde λ é uma constante associada à deformação. Observa-se que, quando λ=0, recuperamos a Lei de Hooke. Naturalmente, a posição de equilíbrio para um sistema sujeito à lei deformada pode ser encontrado fazendo F=0, na equação (7). Desta forma, obtemos três posições de equilíbrio:

(8) x = 0 ; x = ± - k λ .

Este resultado nos leva a duas situações físicas para x, k<0 e λ>0 ou k>0 e λ<0. É importante notar que, quando k>0 e λ<0, a força F se torna repulsiva a grandes distâncias. Ao longo desta subseção, discutiremos esta questão detalhadamente, e mostraremos que o caso em que k<0 e λ>0 corresponde a estados ligados com oscilações estáveis em torno de posições de equilíbrio fora da origem, o que, por sua vez, configura o que denominamos como quebra espontânea de simetria. A função energia potencial é uma função par, isto é, simétrica sob reflexões em torno da origem. No entanto, nesta fase do sistema, caracterizada pelos parâmetros k<0 e λ>0, a posição de equilíbrio não se mantém invariante sob reflexões, contrariamente ao que ocorre na fase com k>0 e λ<0, na qual a posição de equilíbrio, x=0, é invariante sob reflexão. É exatamente esta característica que constitui a quebra espontânea de simetria: as configurações de equilíbrio não exibem as simetrias da função energia potencial.

Agora vamos avaliar a equação (7), utilizando o método das variações já apresentado no caso do OHS para determinar a energia total do sistema (ET). Para tal, vamos utilizar a Segunda Lei de Newton e a Lei de Hooke deformada para obter: ma=-kx-λx3, onde fixamos λ>0. Multiplicando por v, temos:

(9) m v Δ v = - k x Δ x - λ x 3 Δ x .

A diferença entre a equação (9) e a equação (3) fica por conta do termo que contém -λx3Δx. Para avaliar a equação vamos utilizar os resultados obtidos nas Eqs. (4) e (5) para os termos xΔx e vΔv. Além disso, vamos novamente trabalhar com variações bem pequenas, Δx0, para avaliar o termo Δ(x4)=(x+Δx)4-x4, de forma que:

(10) Δ ( x 4 ) = x 4 + 4 x 3 Δ x + 6 x 2 ( Δ x ) 2 + 4 x ( Δ x ) 3 + ( Δ x ) 4 - x 4 .

Se considerarmos (Δx)2,(Δx)3,(Δx)40, temos:

(11) x 3 Δ x = 1 4 Δ ( x 4 )

Assim, podemos utilizar esse resultado para reescrever a energia, equação (9), de forma que obtemos a conservação da energia total, como segue:

(12) Δ ( E c + 1 2 k x 2 + 1 4 λ x 4 ) = 0 ,

onde o termo 12kx2+14λx4 corresponde à energia potencial Ep do oscilador anarmônico. Portanto, a equação (12) trata da energia total do sistema.

Aqui é interessante retomarmos nossa discussão sobre os possíveis valores de k e λ discutidos na equação (8). Para isso, geramos dois gráficos, Figura 3a e b, para as duas situações físicas em que: k<0 e λ>0, e k>0 e λ<0, respectivamente.

Figura 3:
Gráfico da energia potencial do oscilador anarmônico em função da posição para (a) k=-1,00 N/m e λ=0,20N/m3, (b) k=1,00N/m e λ=-0,20N/m3.

Como podemos ver na Figura 3a, onde k<0 e λ>0, há estados ligados correspondentes às oscilações em torno das duas posições de equilíbrio, que por sua vez correspondem aos pontos de mínimo da função energia potencial. Essa é a única situação física que nos interessa, pois uma partícula não teria energia suficiente para escapar do sistema. O contrário ocorre na Figura 3b, onde vemos que para k>0 e λ<0 a força se torna repulsiva para x<--kλ e x>+-kλ. No caso específico da Figura3b, onde k=1,00N/m e λ=-0,20N/m3, a força é repulsiva para valores x<-5m e x>5m. Portanto, em termos de energia potencial, isso significa que para uma dada energia total do sistema a partícula escaparia do estado ligado e x±. Portanto, esse potencial não corresponde a uma quebra de simetria.

Com base na Figura3, é importante mencionar que, como ocorre com o OHS, o oscilador anarmônico possui simetria em relação ao eixo Ep(x=0). Dessa forma, o que acontece no lado esquerdo, também ocorre no lado direito. Notamos ainda que para o oscilador anarmônico existem três pontos de equilíbrio. No entanto, diferente do OHS, na Figura3a, o ponto x=0 é um máximo local de energia e um ponto de equilíbrio instável. Em geral, sistemas físicos buscam espontaneamente a posição de mínima de energia, em nosso caso, o sistema tende a oscilar em torno de x=±-kλ. Um ponto crucial é que quando o sistema “escolhe” a direita, ele deixa de oscilar na esquerda. Isso é o que chamamos de quebra espontânea de simetria.

3. Quebra de Simetria e o Mecanismo de Higgs

3.1. Análise do caso anarmônico e a quebra de simetria

Vamos analisar cuidadosamente o oscilador anarmônico para o caso da oscilação em torno da posição de mínima energia, que chamaremos de x0=±-kλ. Neste caso, é importante definir uma coordenada física, que designaremos por y, que descreve as oscilações em torno de x0. De forma que

(13) x = x 0 + y .

Utilizando a nova coordenada para avaliar a energia total do oscilador (ET), descrita na equação (12), obtemos:

(14) E T = 1 2 m v 2 + 1 2 k x 0 2 + k x 0 y + 1 2 k y 2 + 1 4 λ x 0 4 + λ x 0 3 y + 3 2 λ x 0 2 y 2 + λ x 0 y 3 + 1 4 λ y 4 .

Notamos que os termos 12kx02 e 14λx04 são constantes e, se utilizarmos a posição de mínima energia, x0=±-kλ, a soma dos dois termos é igual a E0=-14k2λ. Ainda podemos ver que (kx0+λx03)y=0. Dessa forma, podemos reescrever a equação (14):

(15) E T - E 0 = 1 2 m v 2 + ( 1 2 k + 3 2 λ x 0 2 ) y 2 + λ x 0 y 3 + 1 4 λ y 4 .

Portanto, temos, agora, uma expressão da energia total expressa em termos da coordenada, y, que descreve as oscilações em torno da posição de equilíbrio. Aqui, destacamos o termo (12k+32λx02)y2, que pode ser reescrito como 12(2λx02)y2 ou 12(-2k)y2, onde utilizamos x02=-kλ. Note que, quando a oscilação ocorre em torno de -kλ, podemos definir uma nova constante elástica: -2k=2λx02>0, com isso, recuperamos o significado físico da frequência, pois

(16) ω = - 2 k m = 2 λ x 0 2 m

é real. Interpretamos este resultado como a recuperação da Lei de Hooke para o oscilador anarmônico, que só ocorre porque, com a quebra de simetria, o sistema físico oscila em torno de uma das duas posições de equilíbrio estável deslocadas da origem. Este resultado será retomado na subseção que segue, quando discutiremos como o caso anarmônico pode constituir um tratamento ilustrativo para o campo de Higgs, o qual realiza a quebra espontânea da simetria subjacente à Teoria Eletrofraca.

3.2. Analogia entre o oscilador anarmônico e o campo de Higgs

Nesta subseção, vamos trabalhar a analogia entre o oscilador anarmônico e o campo de Higgs. Isso é viabilizado porque o potencial clássico do campo de Higgs da Teoria Eletrofraca é regido por uma função energia potencial da mesma forma que a energia potencial do oscilador anarmônico, isto é, uma função com termos quadrático e quártico. A coordenada, x, do oscilador passa a ser o campo de Higgs, ϕ. Neste sentido, podemos escrever:

(17) F H = - k ϕ - λ ϕ 3 ,

onde k e λ, no sistema internacional (SI), são dados por N/m e N/m3, respectivamente. As posições de equilíbrio são ϕ0=0 e ϕ0=±-kλ.

Da mesma forma, podemos associar a energia potencial, equação (12), com a energia potencial, EH, do campo de Higgs. Neste sentido, podemos escrever:

(18) E H = 1 2 k ϕ 2 + 1 4 λ ϕ 4 .

Como realizado na subseção anterior, a quebra de simetria ocorre quando os pontos de equilíbrio estável estão deslocados em relação à origem, estando, agora, à direita ou à esquerda. A mudança de ponto de equilíbrio corresponde ao que denominamos uma transição de fase do sistema. O sistema é essencialmente o mesmo: a massa e a mola, mas com os parâmetros em outra região de valores, de forma que o sistema apresenta uma física diferente daquela correspondente à fase (ou situação) em que a oscilação se dá em torno da origem, quando não ocorre quebra de simetria. Desta forma, precisamos reinterpretá-lo para o caso em que o campo não flutua em torno da configuração de campo trivial (campo nulo), de forma que o problema requer a introdução de uma nova coordenada física, H, como mostra a equação (19).

(19) ϕ = ϕ 0 + H .

É importante destacar que, nesta situação, H representa o campo que corresponde às flutuações (oscilações) em torno da configuração de equilíbrio, ϕ0; é ao campo H que nos referimos como campo de Higgs e a partícula a este associada é o bóson de Higgs. O ponto central na analogia oscilador anarmônico – campo de Higgs consiste em substituir a coordenada oscilatória, y, em torno da posição de equilíbrio, x0, pelo campo de Higgs, H, que flutua em torno da configuração de mínima energia, ϕ0. Seguindo com o paralelo entre o oscilador anarmônico e o campo de Higgs, destacamos que o termo em y2 na expressão da energia dada pela equação (15), cujo coeficiente é 12k+32λx02=λx02=122λx02, corresponde à massa do bóson de Higgs segundo a relação abaixo:

(20) m H 2 = 2 λ ϕ 0 2 = - 2 k .

Lembramos aqui a relação k=-λx02 e que, na versão do campo de Higgs, y se torna H e x0 é substituído ϕ0. O fator 2 na expressão acima aparece porque a forma canônica do termo de massa de um campo escalar real, como é o campo H, tem a forma 12m2H2.

Aqui, cabe um comentário oportuno, já que se trata de um ponto nevrálgico, e ainda em aberto, da Teoria Eletrofraca; na verdade, do Modelo-Padrão. O parâmetro de restauração, k, é, na verdade, a menos do fator (–2), a própria massa do bóson de Higgs, como fica explícito na equação acima para mH2. A justa crítica que se faz é que a massa do bóson de Higgs não é um subproduto do mecanismo de Higgs, ou seja, não é gerada pela dinâmica do sistema; ao contrário, é introduzida de forma ad-hoc ao se formular o modelo, é um “input”. Em outras palavras, esta massa já está presente ao se construir o modelo, quando se propõe a expressão da energia potencial. Com as demais partículas do Modelo-Padrão, a situação é bem diferente: os léptons carregados (elétron, múon, tau e suas correspondentes antipartículas), os seis sabores de quarks (u,d,c,s,t,b) e os correspondentes antiquarks e os bósons mediadores dos processos fracos (W+, W-, Z0), todos adquirem massa através do mecanismo de Higgs, ou seja, as suas respectivas massas são geradas através do mecanismo de Higgs e são todas proporcionais a ϕ0. E como ϕ0, pela relação acima, é proporcional à massa, mH, do bóson de Higgs, resulta que todas as partículas massivas do Modelo-Padrão têm suas massas parametrizadas pela massa do bóson de Higgs. Assim, designando a massa de uma partícula genérica por mp e a constante de acoplamento desta partícula ao bóson de Higgs por gpH, podemos escrever que

(21) m p = g p H m H .

Retornaremos a esta questão ao final da Seção4 4. Proposta para Abordar a Quebra de Simetria e Mecanismo de Higgs no Ensino Médio Abordar um tema tão avançado e atual da física, numa sala de aula de ensino médio, é um grande desafio. Por isso, mesmo adequando o tema ao formalismo matemático do ensino médio, adicionamos à proposta a simulação computacional através software Modellus . Entendemos que essa abordagem permite que professor e alunos possam estabelecer um melhor diálogo sobre os resultados obtidos pelos modelos matemáticos. 4.1. Simulação dos osciladores com o software Modellus A simulação com o software Modellus é uma excelente ferramenta para explorar modelos matemáticos, como os osciladores apresentados neste trabalho. Um aspecto positivo que merece ser destacado, é que no Modellus as simulações são realizadas a partir de equações escritas, da mesma forma que o aluno as escreve em seu caderno, como mostra a Figura 4, onde escrevemos as equações que regem o movimento harmônico simples. Figura 4: Caixa modelo matemático do software Modellus. O fato dos alunos não necessitarem de nenhuma noção de programação para utilizar o software é uma das vantagens do Modellus . Uma vez que as equações estão escritas, basta clicar no botão “Play” para o obter as gráficos e tabelas, como mostra a Figura5, onde apresentamos o gráfico da energia potencial (Ep), cinética (Ec) e mecânica (EM) em função da posição (x). Figura 5: Gráfico e tabela retirados do software Modellus com as energias em função da posição para o oscilador harmônico simples. Ainda na Figura5, a posição e as energias são apresentadas numa tabela, onde podemos verificar como EP, EC, e x variam com o tempo. Ainda, podemos comparar quando e em que posição essas energias são máximas ou mínimas, enquanto a EM permanece constate. Resumindo, de posse das equações, das constantes do problema e das condições iniciais, obtemos várias informações com tratamento gráfico diferenciado através de um comando simples (apertar o “Play ”). Isso pode permitir uma série de discussões entre professor e aluno, bem como a exploração por parte do aluno de diferentes situações e modelos. É importante destacar alguns pontos. Primeiro, as variáveis que aparecem no gráfico e na tabela, bem como as cores que as representam, são definidas pelo estudante/professor nas abas Gráfico e Tabela. Segundo, que as constantes do movimento são inseridas na aba Parâmetros, por exemplo, em nossa simulação escolhemos k=1,0 N/m e m=1,0 kg. Da mesma forma, as condições iniciais são inseridas na aba Condições iniciais , onde escolhemos v(t=0)=1,0 m/s e x(t=0)=0 m. Também é importante dizer que o programa gera gráficos e tabela animadas (com movimento) para um dado intervalo de tempo de t0 a t em s. Na sequência, apresentamos a simulação para o modelo matemático do oscilador anarmônico utilizando o Modellus . Novamente, escrevemos a equação na “caixa” Modelo Matemático, só que agora a equação (12), definimos parâmetros e condições iniciais, e apertamos a tecla “Play ” para reproduzir o gráfico da energia potencial em função da posição. Isso pode ser abordado de forma bem interessante em sala de aula, quando simulamos os gráficos Ep⁢(x) para diferentes valores para as constantes k e λ, como mostra a Figura6. Figura 6: Simulação da Energia potencial para o oscilador anarmônico: a) k=-2,0 N/m e λ=0,80 N/m3; b) k=2,0 N/m e λ=-0,80 N/m3; c) k=2,0 N/m e λ=0,80 N/m3; d) k=-2,0 N/m e λ=-0,80 N/m3. Como podemos ver a quebra de simetria só ocorre para valores de k<0 e λ>0, Figura6a. Para k>0 e λ<0, Figura6b, vemos que a força é repulsiva para valores grandes de x, como discutido na Figura3b. É importante notar que os gráficos apresentados na Figura 6 a-b têm o mesmo formato do apresentado na Figura3. Nos outros casos, (Figura6c–d), fica claro que não há quebra de simetria do sistema físico. De forma geral, para além do cálculo analítico do problema dos osciladores simples e anarmônico, o software Modellus pode colaborar efetivamente para uma boa visualização do problema da quebra de simetria, permitindo que os estudantes façam de forma simples suas próprias investigações. Concluindo esta subseção, consideramos ilustrativo trazer o gráfico da Figura7, no qual a Colaboração ATLAS do LHC apresenta a relação entre as massas de algumas partículas do Modelo-Padrão, lançadas no eixo horizontal, e as constantes de acoplamento destas partículas ao bóson de Higgs, que são lançadas no eixo vertical. Isto ilustra uma importante característica da física associada ao campo de Higgs: na Teoria Eletrofraca, as massas de todas as partículas de matéria – léptons carregados e quarks – e as massas dos mediadores da interação fraca – os bósons-W carregados e o bóson mediador neutro, Z, são proporcionais ao valor do campo de Higgs correspondente ao mínimo da energia, ϕ0. Na Teoria Eletrofraca, permanecem com massa nula o fóton e os neutrinos, já que os campos que descrevem estas partículas não têm interação direta com o campo de Higgs. Figura 7: Relação linear entre as massas de algumas partículas e as constantes de acoplamento dessas partículas com o bóson de Higgs. Fonte: https://cds.cern.ch/images/ATLAS-PHOTO-2020-023-1 , quando será apresentado um gráfico da Colaboração ATLAS do LHC expressando a relação entre gpH e mp, deixando clara a reta que expressa esta dependência, uma vez que, nesta relação, a massa mH do bóson de Higgs é uma constante.

No Modelo-Padrão, uma partícula, p, adquire a sua massa, mp, quando o campo associado à mesma interage com o campo de Higgs, H. Neste caso, o modelo matemático deve ser descrito por osciladores acoplados, o que não tratamos nesse trabalho. Mas, fica como uma proposta avançar, a partir do presente trabalho, considerando sistemas acoplados de osciladores para mostrar como a transição de fase sofrida por um dos osciladores influencia nas frequências de vibração daqueles acoplados ao oscilador que dirige a transição de fase. Em Física de Partículas, ou mais especificamente, no Modelo-Padrão, esta situação simula o mecanismo de geração de massa dos léptons carregados, dos quarks e dos bósons vetoriais fracos através de seus respectivos acoplamentos ao campo de Higgs.

4. Proposta para Abordar a Quebra de Simetria e Mecanismo de Higgs no Ensino Médio

Abordar um tema tão avançado e atual da física, numa sala de aula de ensino médio, é um grande desafio. Por isso, mesmo adequando o tema ao formalismo matemático do ensino médio, adicionamos à proposta a simulação computacional através software Modellus . Entendemos que essa abordagem permite que professor e alunos possam estabelecer um melhor diálogo sobre os resultados obtidos pelos modelos matemáticos.

4.1. Simulação dos osciladores com o software Modellus

A simulação com o software Modellus é uma excelente ferramenta para explorar modelos matemáticos, como os osciladores apresentados neste trabalho. Um aspecto positivo que merece ser destacado, é que no Modellus as simulações são realizadas a partir de equações escritas, da mesma forma que o aluno as escreve em seu caderno, como mostra a Figura 4, onde escrevemos as equações que regem o movimento harmônico simples.

Figura 4:
Caixa modelo matemático do software Modellus.

O fato dos alunos não necessitarem de nenhuma noção de programação para utilizar o software é uma das vantagens do Modellus . Uma vez que as equações estão escritas, basta clicar no botão “Play” para o obter as gráficos e tabelas, como mostra a Figura5, onde apresentamos o gráfico da energia potencial (Ep), cinética (Ec) e mecânica (EM) em função da posição (x).

Figura 5:
Gráfico e tabela retirados do software Modellus com as energias em função da posição para o oscilador harmônico simples.

Ainda na Figura5, a posição e as energias são apresentadas numa tabela, onde podemos verificar como EP, EC, e x variam com o tempo. Ainda, podemos comparar quando e em que posição essas energias são máximas ou mínimas, enquanto a EM permanece constate.

Resumindo, de posse das equações, das constantes do problema e das condições iniciais, obtemos várias informações com tratamento gráfico diferenciado através de um comando simples (apertar o “Play ”). Isso pode permitir uma série de discussões entre professor e aluno, bem como a exploração por parte do aluno de diferentes situações e modelos.

É importante destacar alguns pontos. Primeiro, as variáveis que aparecem no gráfico e na tabela, bem como as cores que as representam, são definidas pelo estudante/professor nas abas Gráfico e Tabela. Segundo, que as constantes do movimento são inseridas na aba Parâmetros, por exemplo, em nossa simulação escolhemos k=1,0 N/m e m=1,0 kg. Da mesma forma, as condições iniciais são inseridas na aba Condições iniciais , onde escolhemos v(t=0)=1,0 m/s e x(t=0)=0 m. Também é importante dizer que o programa gera gráficos e tabela animadas (com movimento) para um dado intervalo de tempo de t0 a t em s.

Na sequência, apresentamos a simulação para o modelo matemático do oscilador anarmônico utilizando o Modellus .

Novamente, escrevemos a equação na “caixa” Modelo Matemático, só que agora a equação (12), definimos parâmetros e condições iniciais, e apertamos a tecla “Play ” para reproduzir o gráfico da energia potencial em função da posição. Isso pode ser abordado de forma bem interessante em sala de aula, quando simulamos os gráficos Ep(x) para diferentes valores para as constantes k e λ, como mostra a Figura6.

Figura 6:
Simulação da Energia potencial para o oscilador anarmônico: a) k=-2,0 N/m e λ=0,80 N/m3; b) k=2,0 N/m e λ=-0,80 N/m3; c) k=2,0 N/m e λ=0,80 N/m3; d) k=-2,0 N/m e λ=-0,80 N/m3.

Como podemos ver a quebra de simetria só ocorre para valores de k<0 e λ>0, Figura6a. Para k>0 e λ<0, Figura6b, vemos que a força é repulsiva para valores grandes de x, como discutido na Figura3b. É importante notar que os gráficos apresentados na Figura 6 a-b têm o mesmo formato do apresentado na Figura3. Nos outros casos, (Figura6c–d), fica claro que não há quebra de simetria do sistema físico.

De forma geral, para além do cálculo analítico do problema dos osciladores simples e anarmônico, o software Modellus pode colaborar efetivamente para uma boa visualização do problema da quebra de simetria, permitindo que os estudantes façam de forma simples suas próprias investigações.

Concluindo esta subseção, consideramos ilustrativo trazer o gráfico da Figura7, no qual a Colaboração ATLAS do LHC apresenta a relação entre as massas de algumas partículas do Modelo-Padrão, lançadas no eixo horizontal, e as constantes de acoplamento destas partículas ao bóson de Higgs, que são lançadas no eixo vertical. Isto ilustra uma importante característica da física associada ao campo de Higgs: na Teoria Eletrofraca, as massas de todas as partículas de matéria – léptons carregados e quarks – e as massas dos mediadores da interação fraca – os bósons-W carregados e o bóson mediador neutro, Z, são proporcionais ao valor do campo de Higgs correspondente ao mínimo da energia, ϕ0. Na Teoria Eletrofraca, permanecem com massa nula o fóton e os neutrinos, já que os campos que descrevem estas partículas não têm interação direta com o campo de Higgs.

Figura 7:
Relação linear entre as massas de algumas partículas e as constantes de acoplamento dessas partículas com o bóson de Higgs. Fonte: https://cds.cern.ch/images/ATLAS-PHOTO-2020-023-1

5. Conclusões e Perspectivas

Neste artigo, apresentamos um tema avançado da Física, o tópico da quebra espontânea de simetria, ingrediente fundamental para a ocorrência do mecanismo de Higgs. Para adequar o tema ao ensino médio, a proposta teve como ponto de partida o estudo dos osciladores harmônico simples e anarmônico, com um tratamento matemático e conceitual adequado a essa etapa do Ensino Médio. Para consolidar o estudo do modelo matemático dos osciladores, propomos a utilização do software Modellus , que permite ao estudante explorar e visualizar o modelo através de gráficos, tabelas e animações. Por fim, ilustramos, com um gráfico da Colaboração ATLAS do LHC, a relação que havíamos abordado e que ilustra como a massa do bóson de Higgs, que é, na verdade, um parâmetro da Teoria Eletrofraca, parametriza as massas dos lépton carregados, dos quarks e dos bósons mediadores da interação nuclear fraca, como ilustra a equação (21).

Para finalizar esta nossa contribuição, gostaríamos de salientar que, aqui, tratamos exclusivamente do setor de Higgs isolado, representado pelo oscilador anarmônico, sem acoplá-lo a outros osciladores que poderiam representar os campos de matéria (quarks, léptons carregados e neutrinos) e os bósons mediadores da Teoria Eletrofraca. É nosso propósito, em um trabalho futuro, já em elaboração, utilizar o modelo aqui discutido do oscilador anarmônico em uma situação em que este esteja acoplado a um outro oscilador, que fará papel de campo de matéria, para ilustrar a geração de massa da mesma. Reafirmando, a ideia é justamente mostrar como os osciladores acoplados podem ilustrar o acoplamento de matéria ao campo de Higgs, o que induz, através da quebra de simetria, geração de massa para a matéria a ele acoplada. Podemos ir além e introduzir o oscilador anarmônico em uma situação de simetria contínua, por exemplo, um oscilador anarmônico duplo com simetria local SO(2), à qual é associado um chamado campo de calibre (ou campo de gauge), que adquirirá massa através do acoplamento ao osilador anarmônico na situação de simetria (local) quebrada. Estas ilustrações poderão complementar a presente contribuição, mostrando como todas as massas são geradas na Teoria Eletrofraca. Entendemos, porém, que a introdução dos campos de calibre requer um tratamento especial para apresentação em um nível compreensível para estudantes principiantes. Este será o nosso próximo desafio, no esforço de proporcionar a abordagem no ensino médio de temas avançados da corrente pesquisa nas diversas áreas da Física.

References

  • [1]
    F. Ostermann e M.A. Moreira, Investigações em Ensino de Ciências 5, 1 (2000).
  • [2]
    A.P. Pereira e F. Ostermann, Investigações em Ensino de Ciências 14, 3 (2009).
  • [3]
    M. Barcellos e A. Guerra, Revista Ensaio 17, 2 (2015).
  • [4]
    F.A.G. Parente, A.C.F. Santos e A.C. Tort, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1 (2014).
  • [5]
    J.B. Rocha Filho, M.A. Salami e V. Hillebrand, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20210146 (2021).
  • [6]
    B.L. Nascimentos-Dias e V.L. Anjos, Revista Brasileira de Ensino de Física 28, 4 (2006).
  • [7]
    M.A. Moreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 1 (2009).
  • [8]
    G.C. Dorsch e T.C.C. Guio, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20210083 (2021).
  • [9]
    C.M. Rodrigues, I.P.S. Sauerwein e R. A. Sauerwein, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1 (2014).
  • [10]
    A.A. Soares, L.E. Moraes e F.G. Oliveira, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 32, 3 (2015).
  • [11]
    C.A.S. Batista e M. Siqueira, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 34, 3 (2017).
  • [12]
    J.R.N. Silva, L.E.B. Arenghi e A. Lino. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia 6, 1 (2013).
  • [13]
    B.G. Sidharth, M. Michelini e L. Santi, Frontier of fundamental physics and physics education research (Ed. Springer, New York, 2014).
  • [14]
    M. Pavlidou e C. Lazzeroni, Phys. Educ. 51, 054003 (2016).
  • [15]
    A.C. Ribeiro, M. Costa, C.R. Santos, T.G.M. Bonadio e T.T. Tominaga, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20200374 (2021).
  • [16]
    M.A. Fanaro, M. Arlego e M.R. Otero, European J of Physics Education 3, 2(2012).
  • [17]
    M. Gordon e G. Gordon, Physics Education 45, 4 (2010).
  • [18]
    P.V.S. Souza, R.L. Alves e W.F. Balthazar, The Physics Teacher 57, 467 (2019).
  • [19]
    P.V.S. Souza, D.P. Rodrigues, L. Silva, J.A.O. Huguenin e W.F. Balthazar, Physics Education 56, 025013 (2021).
  • [20]
    http://www.frontiers-project.eu/
    » http://www.frontiers-project.eu/
  • [21]
    http://outreach.ictp-saifr.org/
    » http://outreach.ictp-saifr.org/
  • [22]
    J.J.M. Pimenta, L.F.B. Belussi, E.R.T. Natti e P.L. Natti, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 2 (2013).
  • [23]
    P.W. Higgs, Physical Review Letters 13, 508 (1964).
  • [24]
    W.F. Balthazar e A.L. Oliveira, Partículas Elementares no Ensino Médio: uma abordagem a partir do LHC (Ed. Livraria da Física, São Paulo, 2010).
  • [25]
    M.A.M. Souza, A.C.S. Nascimento, D.F. Costa e O. Ferreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, 2 (2019).
  • [26]
    X. Cid e R. Cid. Physics Education 42, 1 (2009).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2021
  • Revisado
    03 Nov 2021
  • Aceito
    05 Nov 2021
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br