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É possível promover aprendizado sobre Mecânica Quântica em projetos de divulgação científica? Análise estatística sobre a potencialidade de um curso de extensão virtual

Is it possible to promote learning about Quantum Mechanics in science outreach projects? A statistical analysis on the potential of a virtual course

Resumos

Em um cenário de desinformação generalizada e crescentes ataques às comunidades científicas, a divulgação científica ganha um papel cada vez mais importante. No campo da Física, por exemplo, conceitos da Mecânica Quântica circulam pela internet de forma completamente distorcida, associados a concepções equivocadas e com interesses financeiros sem nenhum lastro na formulação científica da teoria. Buscando se contrapor a esse cenário, o presente trabalho tem por objetivo avaliar o impacto de um curso de divulgação científica (cinco horas de duração) no conhecimento declarativo de pessoas com diferentes níveis de formação em física (educação básica, graduação e pós-graduação) com relação à dualidade onda partícula e o experimento de fenda dupla. Para tanto foi elaborado um instrumento utilizado como pré-teste e pós-teste, o qual passou por validação de conteúdo, concorrente e de fidedignidade (alpha de cronbach = 0,8). Os dados foram analisados usando testes não-paramétricos, executados na plataforma RStudio. Os resultados indicam que, embora haja diferença de número de acertos com relação ao grupo da educação básica em comparação aos demais níveis de escolaridade, quando medimos o aprendizado por meio do ganho normalizado, não há diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Em média, os participantes aprenderam mais de 60% do que teriam para aprender.

Palavras-chave:
Mecânica Quântica; dualidade onda-partícula; ensino de Mecânica Quântica; divulgação científica; métodos quantitativos


In a scenario characterized by widespread misinformation and escalating assaults on scientific communities, science communication assumes an increasingly vital role. Within the realm of Physics, for instance, concepts from Quantum Mechanics propagate across the internet in a thoroughly distorted manner, entangled with misconceptions and driven by financial interests devoid of any tether to the scientific formulation of the theory. In an effort to counteract this landscape, the present study aims to assess the impact of a science communication course (five hours in duration) on the declarative knowledge of individuals with varying levels of physics education (basic education, undergraduate, and postgraduate) concerning the wave-particle duality and the double-slit experiment. To this end, an instrument was devised and utilized as both a pre-test and a post-test, which underwent content, concurrent, and reliability validation (Cronbach’s alpha = 0.8). The data were analyzed using non-parametric tests, conducted within the RStudio platform. The findings suggest that, although there exists a discrepancy in the number of correct responses between the basic education group and the other educational levels, when measuring learning through normalized gain, there is no statistically significant difference among the groups. On average, participants acquired over 60% of the knowledge they were tasked to learn.

Keywords
Quantum Mechanics; wave-particle duality; Quantum Mechanics teaching; science outreach; quantitative methods


1. Introdução

O ensino de Física, mais especificamente, e o ensino de ciências, de uma forma geral, têm assumido um papel cada vez mais fundamental na sociedade contemporânea. A maioria dos nossos problemas atuais são atravessados por dimensões científicas, técnicas ou tecnológicas (ainda que não se resumam a elas) e, portanto, formar cidadãos que entendam ciências e sobre ciências é crucial para a construção das soluções necessários para o nosso mundo [1[1] D. Hodson, Int J Sci Educ 25, 645 (2003).,2[2] N.W. Lima e M.M. Nascimento, Sci & Educ 31, 1363 (2022).,3[3] C.B. Moura, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 36, 1 (2019).].

Sobretudo com o advento da pandemia, percebeu-se que a identificação da ciência e das comunidades científicas enquanto fonte segura e confiável de conhecimento está profundamente abalada frente à opinião pública [2[2] N.W. Lima e M.M. Nascimento, Sci & Educ 31, 1363 (2022).]. Tal reconhecimento levou a uma série de publicações sobre como resgatar a confiança na ciência em revistas da área de ensino tanto no contexto internacional quanto nacional [4[4] I. Gurgel, Por que confiar nas ciências? Epistemologias para os nossos tempos (Livraria da Física, São Paulo, 2023).,5[5] S. Erduran, Sci & Educ 31, 1101 (2022).,6[6] A. Guerra, C.B. Moura e I. Gurgel, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 37, 1010 (2020).].

Nesse contexto, temos defendido que tão importante quanto os cidadãos confiarem nas instituições científicas é terem conhecimento sobre conceitos científicos e sobre como a ciência funciona [7[7] N.W. Lima e L.A. Heidemann, Revista Brasileira de Ensino de Física 45, e20220330 (2023).]. Tais conhecimentos são necessários para que as pessoas possam se posicionar em meio ao debate público (como no caso das vacinas contra a COVID) ou até mesmo para saber diferenciar o que são práticas e conhecimentos científicos daquilo que não é.

Além do espaço formal de ensino, no qual todo estudante deveria aprender conceitos científicos e sobre como a ciência funciona, a divulgação científica tem sido um campo explorado para alcançar esses objetivos há bastante tempo [8[8] S. Albagli, Ciência da Informação 25, 396 (1996).]. Ademais, entende-se por divulgação científica o conjunto de práticas que têm por objetivo comunicar conhecimentos sobre a ciência e da ciência para a população que não têm formação específica na área científica [9[9] P.M. Valeiro e L.V.R. Pinheiro, TransInformação 20, 159 (2008).].

Originalmente, a divulgação científica foi pensada na forma de livros, revistas ou até mesmo programas de rádio e televisão, e, hoje, ganha outros formatos com o desenvolvimento das redes sociais [10[10] A.R. Barbosa, Divulgação Científica na Internet: Criatividade e (Re)Produção Didática no Trabalho de ‘Criadores de Conteúdo Online’ de Física para Youtube e TikTok. Tese de Doutorado, Universidade Federal da Bahia, Salvador (2023).]. Ainda que as mais diferentes iniciativas de divulgação científica tenham seu mérito e valor para a sociedade, desconhecemos estudos que avaliem o impacto de ações de divulgação científica no aprendizado das pessoas sobre conceitos científicos. Isto é, como sabemos se as diferentes ações realizadas estão promovendo aprendizado? O que as pessoas estão aprendendo e entendendo com as ações realizadas? Há diferença no impacto dessas ações em diferentes grupos sociais?

Algumas dificuldades associadas a essas questões se dá exatamente pela própria natureza da divulgação científica. Diferentemente do espaço formal, em que temos um ambiente controlado de ensino e aprendizado, em que as avaliações desempenham o importante papel de indicar como está ocorrendo (ou não) o processo de aprendizado, na divulgação científica, usualmente, não temos avaliações ou formas de verificar como o conhecimento apresentado está sendo apropriado pela população. Ademais, apresentando os conteúdos nas redes sociais abarca-se um público muito amplo, com diferentes formações e níveis de escolaridade, o que dificulta encontrar uma linguagem apropriada, que dê conta da complexidade dos conceitos abordados sem perder o rigor, por um lado, e sem ficar incompreensível, por outro.

Nesse contexto, a Física é uma área extremamente importante, que pode subsidiar o entendimento de diferentes conceitos que são chave para compreender problemas contemporâneos, seja no campo ambiental, científico ou tecnológico. Dentre todas as possíveis áreas da Física, talvez aquela que apresente a maior circulação na internet, carregada de concepções equivocadas, distorcidas, e coadunadas com propostas comerciais (sem nenhum subsídio científico) seja a Mecânica Quântica [11[11] M.T. Saito, A gênese e o desenvolvimento da relação entre Física Quântica e misticismo e suas contribuições para o Ensino de Ciências. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo (2019).]. Alguns autores indicam que essa circulação de conhecimentos equivocados está comprometida não somente com concepções místicas, mas sobretudo faz parte do período de desinformação e ascensão de perspectivas neoliberais (que vendem a ideia de um sujeito capaz de obter tudo que quer) [12[12] O. Freire Jr, O. Pessoa Jr. e Bromberg J.L., Teoria quântica: estudos históricos e implicações culturais (EDUEPB/Livraria da Física, Campina Grande, 2011), 1 ed., 13[13] D. Pigozzo, M.M. Nascimento e N.W. Lima, Alexandria: Revista de Educação em Ciências e Tecnologia 15, 63 (2022).].

Frente a isso, buscando contribuir para as pesquisas que discutem o papel do Ensino de Física no combate à desinformação na internet, o presente trabalho tem por objetivo avaliar o impacto de um curso de divulgação científica sobre dualidade de onda partícula no experimento de fenda dupla no conhecimento declarativo de pessoas com diferentes níveis de formação em física (educação básica, graduação e pós-graduação). Esse curso foi divulgado, primeiramente, em um perfil do Instagram, no qual se fala sobre Mecânica Quântica, História da Ciência e Educação. Esse perfil conta, hoje, com mais de 29 mil seguidores. Fizemos, também, uma ampla divulgação na lista de contatos do CREF (Centro de Referência para o Ensino de Física da UFRGS), um programa de extensão dedicado para divulgação científica e formação continuada de professores.

O curso oferecido teve 5 horas de duração, divididas em duas noites. Ao todo, recebemos 543 inscrições. Finalizaram o curso (respondendo um pré-teste, assistindo as aulas, e respondendo um pós-teste) 121 participantes, sendo 29 pessoas com escolaridade em nível de ensino médio, 56 com escolaridade em nível de graduação, e 36 em nível de pós-graduação.

Para alcançar o objetivo proposto, propusemos três objetivos específicos para essa pesquisa, quais sejam: (1) Elaborar e validar um questionário que avalie aprendizado declarativo sobre dualidade onda partícula e o experimento de fenda dupla; (2) Investigar o aprendizado de diferentes populações (pessoas com diferentes níveis de formação em física) no curso de divulgação científica; e (3) Avaliar, em linhas gerais, o impacto de um curso de divulgação científica como promotora de aprendizado e refletir sobre potencialidades e desafios da divulgação científica.

Ademais, neste trabalho, vamos responder as seguintes questões de pesquisa: (i) Quais conceitos são identificados como fundamentais pela literatura especializada para ensinar conceito de dualidade onda partícula e o experimento de fenda dupla? (ii) Como pessoas de diferentes escolaridades performam inicialmente em um teste de conhecimentos declarativos sobre dualidade onda partícula? (iii) Podemos promover aprendizado sobre dualidade onda partícula a pessoas sem contato com Física em nível superior ou essa compreensão fica restrita a quem já tem formação na área? (iv) Há correlação entre aprendizado sobre a dualidade onda partícula e conhecimento prévio? Caso sim, qual intensidade dessa correlação (fraca, moderada ou forte)? (v) Quais elementos associados aos conceitos de dualidade onda-partícula são os menos compreendidos pelos diferentes grupos?

Na seção 2 2. Fundamentos Pedagógicos do Curso de Divulgação Científica A área de Ensino de Mecânica Quântica reconhece três grandes abordagens didáticas para o tema [14]: histórica (em que se introduz a teoria a partir da radiação de corpo negro, como fazem muitos livros introdutórios), postulacional (em que se apresentam os postulados da quântica e, rapidamente, parte-se para a utilização do formalismo matemático), e fenomenológica (em que se parte do estudo de alguns fenômenos chave para discutir conceitos fundamentais da teoria). Cada uma dessas abordagens possui potencialidades a serem exploradas e desafios a serem superados. Pesquisas no campo educacional apontam que o conhecimento prévio e concreto dos estudantes é um fator fundamental para o processo de aprendizado [15, 16]. Da mesma forma, entende-se que é preferível partir de situações concretas no início do processo de aprendizado em comparação com abordagens mais abstratas. Como o curso foi pensado para o público geral, optou-se por partir de um experimento concreto (abordagem fenomenológica) para que os participantes pudessem partir de uma situação concreta e em que pudesse analisar os resultados experimentais das situações abordadas. Da mesma forma, podemos diferenciar conhecimentos declarativos de procedimentais. Enquanto o primeiro se situa apenas no campo das declarações sobre um dado tema (ou conceito), o segundo exige uma apropriação e manipulação de ferramentas simbólicas no desenvolvimento de ações concretas [17]. Como estamos preocupados com o problema da desinformação na internet, o presente curso e pesquisa se focou no campo do conhecimento declarativo. Ademais, poderia se ter escolhido diferentes conceitos ou experimentos durante o curso. Entretanto, como se trata de um curso de divulgação científica, buscou-se dar subsídios para os participantes analisarem de forma crítica conteúdos que circulam na internet e que falam, por exemplo, sobre o “papel do observador” ou da “consciência” na Mecânica Quântica, muitas vezes recorrendo de forma equivocada ao experimento de fenda dupla. Assim, escolheu-se falar do experimento de fenda dupla e da dualidade onda partícula. A proposta pedagógica do curso era permitir que os estudantes entendam o experimento de fenda dupla e saibam prever os resultados experimentais para diferentes arranjos. Assim, o enfoque foi explicitamente em aspectos fenomenológicos, buscando evitar, dentro do possível, discussões do formalismo matemático, de interpretações filosóficas e de aspectos históricos. De uma forma geral, entretanto, adotou-se a interpretação ortodoxa da Mecânica Quântica ao falar do experimento. Para elaborar o curso e, posteriormente, o questionário que serviu de instrumento de avaliação (pré e pós-teste), primeiramente, os pesquisadores se debruçaram sobre a literatura especializada, analisando não somente livros didáticos [18], mas também livros paradidáticos [19] e artigos sobre ensino e aprendizagem de Mecânica Quântica [20,21,22]. A partir desses trabalhos, o grupo delimitou quais são os pontos centrais no entendimento do conceito de dualidade, a dizer, O elétron é indivisível e, portanto, sempre detectado de forma bem localizada. Em um experimento de fenda dupla, quando não há informação de caminho (nenhum medidor que indique a fenda pela posição), o elétron é detectado em regiões que correspondem a franjas de interferência da função de onda associada. Quando há informação de caminho, não há qualquer fenômeno de interferência. Medir é interagir fisicamente com o sistema. Uma vez delimitadas essas quatro proposições, o curso e um instrumento de avaliação (um questionário que foi utilizado como pré e pós-teste – ver Apêndice A1) foram organizados de forma a mostrar (e avaliar, no caso do questionário), no experimento de fenda dupla, como os diferentes arranjos experimentais levam ao entendimento do que Osvaldo Pessoa Jr [19] chama de versão forte da dualidade onda-partícula. Assim, o curso teve a organização indicada no Quadro 1. Quadro 1 Organização do curso. Etapa Atividade Etapa 1 Realização de um pré-teste. Etapa 2 Aulas expositivas sobre:a) Experimento de fenda dupla com partículas e ondas clássicas.b) Uma breve história do elétron: experimento de Thomson e Millikan.c) Experimentos históricos com difração de elétron.d) Experimento de Fenda dupla com elétrons únicos (diferentes arranjos). Etapa 3 Realização de um pós-teste. Sobretudo na parte (d) da segunda etapa, foi-se discutindo, passo a passo, o que acontece no experimento a fim de chegar nas quatro proposições mencionadas acima. Assim, por exemplo, primeiro se perguntava o que iria ocorrer ao passar um único elétron. Mostrava-se, então, a detecção pontual (Figura 1). Figura 1 Imagem usada no curso representando detecção de elétrons bem localizados. Depois, discutia-se o que acontece após muitos elétrons (sendo um lançado por vez), mostrando o aparecimento do padrão de interferência (Figura 2): Figura 2 Imagem do curso mostrando o aparecimento do padrão de interferência no experimento de fenda dupla. Por fim, ainda foi discutido como é possível identificar por qual fenda o elétron passou, usando, por exemplo, alguma fonte de radiação gama (indicando que medir é interagir fisicamente com o equipamento) e mostrando o resultado final no anteparo (Figura 3). Figura 3 Imagem do curso indicando a distribuição de elétrons no anteparo ao se determinar a fenda por que o elétron passou. Assim, o curso ministrado fundamentou-se em conceitos e abordagens bem estabelecidas na literatura. A diferença principal, entretanto, reside no fato de ele seguir uma abordagem conceitual (com pouco formalismo matemático) e sem entrar no mérito das diferentes interpretações da Mecânica Quântica. O foco foi prover declarações fenomenológicas corretas e precisas que habilitassem os participantes a entender aspectos básico do experimento de fenda dupla. Assim, o curso foi bastante assertivo ao apresentar diretamente aquilo que a literatura especializada vem apontando como fundamental no conceito de dualidade onda-partícula. Essa apresentação, também, foi organizada de forma a partir de situações concretas e do entendimento clássico do mundo, o que vai ao encontro das indicações das teorias de ensino e aprendizado. Ademais, o pré e pós-teste foram partes integrantes do curso, o que também tem um aspecto pedagógico. Ao responder uma série de questões iniciais sobre o tema, espera-se que os alunos já participem do curso com dúvidas e curiosidade sobre os possíveis resultados, isto é, se promove um engajamento inicial dos alunos com o conteúdo do curso, fator que é explorado, por exemplo, em diversos métodos ativos [23,24,25]. , nós apresentamos os fundamentos pedagógicos que subsidiaram a construção do curso, tanto do ponto de vista didático (estrutural) quanto conceitual. Na seção 3 3. Metodologia de Pesquisa A metodologia está fundamentada teoricamente e epistemolgicamente no uso de métodos quantitativos na pesquisa em Educação [26]. Ela está dividida em duas grandes partes: (1) metodologia para elaboração do questionário, validação do conteúdo por especialistas e por alunos, e aplicação do questionário, e (2) metodologia para análise dos resultados do curso. 3.1. Metodologia para elaboração doquestionário, validação do conteúdo porespecialista e por alunos e aplicação Conforme mencionado na Seção 2, tanto o curso quanto as questões do questionário foram construídos a partir da literatura especializada sobre o ensino de dualidade onda-partícula e ensino de Mecânica Quântica, o que levou à identificação dos cinco pontos conceituais mencionados anteriormente. As questões do questionário avaliam o conhecimento e entendimento desses cinco pontos. Na sequência, o questionário elaborado foi enviado para outros três docentes de Física do ensino superior, da área de Ensino de Física, a fim de avaliarem o conteúdo e redação do questionário – garantindo sua correção conceitual, relevância dos temas abordados, e clareza na formulação dos itens. Essa versão foi, então, aplicada em um curso de Mecânica Quântica do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física (mestrado e doutorado acadêmico da instituição), e as questões foram discutidas com os alunos, também com o objetivo de garantir que elas estavam sendo bem compreendidas pelos participantes. Uma vez que o curso e o questionário estavam prontos, foi feita uma ampla divulgação no perfil do Instagram em que tópicos de Mecânica Quântica são abordados bem como na lista de e-mails do Centro de Referência para o Ensino de Física da UFRGS. Os respondentes do questionário, portanto, são aqueles que participaram integralmente do curso. Não foi feito nenhum processo de randomização de amostra para realização da pesquisa. Assim, a validade do questionário e dos resultados é referente à população que consome conteúdo de divulgação científica sobre mecânica quântica. Os resultados obtidos podem apresentar diferenças para populações específicas cujas características difiram do grupo estudado. 3.2. Metodologia para análise dos resultados A metodologia para análise dos resultados do pré e pós-teste foi dividida em duas partes: (1) análise da fidedignidade e de validade concorrente do teste e (2) análise do impacto do curso sobre o desempenho dos participantes. Todos os testes realizados foram implementados usando a linguagem R e a plataforma R Studio. 3.2.1. Metodologia para análise de fidedignidade e de validade concorrente do teste Primeiramente, fez-se uma análise da fidedignidade do teste. Isto é, espera-se que o teste meça o conhecimento do respondente sobre dualidade onda-partícula. Se o instrumento está bem elaborado, há consistência na forma como os participantes o respondem. Tal consistência interna, a fidedignidade do teste, foi medida determinando o seu alpha de Cronbach. Na sequência, avaliou-se a validade concorrente do teste. Uma forma usual de se fazer isso é comparando o resultado obtido com outros instrumentos já validados. Na presente pesquisa, foi feita uma análise diferente: analisamos os resultados do pré-teste para pessoas com diferente formação (educação básica, graduação e pós-graduação2) e aplicamos o teste estatístico Kruskal-Wallis3 para verificar se há diferença estatisticamente significativa entre os resultados dos diferentes grupos. Se os resultados apresentados pelas pessoas com graduação e pós-graduação são maiores do que os resultados da educação básica podemos garantir a validade concorrente do teste, visto que um bom resultado está associado a uma maior formação em Física. 3.2.2. Metodologia par análise do impactodo curso sobre o desempenho dosparticipantes Para análise do impacto do curso no desempenho dos participantes, as seguintes análises foram realizadas: i) Caracterização descritiva da amostra: histograma de acertos, mínimo de acertos, máximo de acertos, quadrantes, médias,antes e depois do curso. ii) Teste de Shapiro-wilk para acertos finais e ganho padronizado para turma toda e por sub-grupos para verificar se podíamos assumir distribuição normal das variáveis. Como o teste indicou a não normalidade em todos os casos, optou-se pelo uso de testes não-paramétricos nos passos subsequentes. iii) Teste de Wilcoxon para avaliar se houve aumento no número de acertos estatisticamente significativo na turma como um todo. iv) Teste de Kruskal-Wallis para identificar se há diferença entre educação básica, graduação e pós graduação nos acertos iniciais, final e ganho padronizado. v) Comparação entre Pares usando teste de Wilcoxon para verificar qual dos grupos acima é aquele que se diferencia dos demais. vi) Análise da correlação entre acertos finais, ganho padronizado versus acertos iniciais. , apresentamos a metodologia de pesquisa. Na seção 4 Resultados A análise dos resultados está dividida em duas partes, seguindo as duas etapas indicadas na seção de metodologia 3.2. 4.1. Validação do teste: fidedignidade e validade concorrente O alfa de Cronbach obtido com os resultados do pré e pós teste foi de 0,8. A literatura considera valores a partir de 0,8 como adequados para considerar a fidedignidade do instrumento [27]. Isso significa que, para o público selecionado, o instrumento mediu o conhecimento de um constructo específico, a dizer, o conhecimento sobre dualidade onda-partícula no experimento de fenda dupla. Na sequência, investigou-se os acertos iniciais para cada nível de escolaridade (educação básica, graduação e pós-graduação). Uma síntese dos resultados é apresentada na forma de um boxplot, na Figura 4. Pode-se ver, claramente, que o desempenho de integrantes do grupo “graduação” é, em média, superior ao desempenho dos integrantes do grupo “ensino médio” e, por sua vez, os resultados do grupo “pós-graduação”, em média, é o superior entre os três grupos. Figura 4 Boxplot para acertos versus escolaride. O teste de Krusal-Wallis indicou que há diferença estatisticamente significativa entre os grupos, respeitando-se o nível de significância de 5% (p-value = 0,01404). Esse teste, entretanto, não nos informa qual ou quais grupos se diferenciam dos demais. Para isso, realizamos, o teste comparação de pares de Wilcoxon. Os resultados estão sintetizados na Tabela 1 e indicam que há diferença do grupo do Ensino Médio com relação aos demais grupos, mas não há diferença estatisticamente significativa entre graduação e pós-graduação. Tabela 1 Resultados de p-value para o teste de comparação de pares de Wilcoxon para questões iniciais. Ensino Médio Graduação Graduação 0,026 – Pós-Graduação 0,019 0,430 Isso indica que o teste tem validade concorrente, uma vez que ele distingue, na população geral, quem tem uma formação superior na área de exatas. Ele não é capaz, entretanto, de distinguir quem tem graduação de quem tem pós-graduação. Esse resultado é esperado visto que as questões tratam de conceitos introdutórios sobre o experimento de dupla fenda, o que é tipicamente abordado em cursos iniciais. Nos cursos avançados e de pós-graduação, o foco das discussões tende a se localizar em aspectos formais e mais abstratos da teoria. Assim não era esperado que o questionário fosse capaz de distinguir esse grupo com relação à graduação. Por outro lado, o questionário distingue significativamente quem teve uma educação formal em Física em nível superior de quem não teve. 4.2. Impacto do curso nas respostas da turma: comparação entre pré e pós-teste para o grupo inteiro Para apresentar os resultados do pré e pós-teste para o grupo como um todo, alguns parâmetros fundamentais foram listados na Tabela 2. Determinou-se o valor mínimo, máximo, média, mediana, primeiro e terceiro quadrante para o número de acertos iniciais, acertos finais, e para um parâmetro de ganho normalizado (GN), que foi determinado da seguinte forma: G N = A F − A I T − A I ⋅ 100 , Tabela 2 Síntese dos resultados do pré e pós-teste (número de acertos antes, número de acertos depois e ganho normalizado). Mínimo 1◦ Quadrante Mediana Média 3◦ Quadrante Máximo Antes 0 3 4 4,13 6 10 Depois 1 7 9 7,98 10 10 Ganho normalizado −33,33 50 75 66,31 100 100 em que AF é o número de acertos finais, AI é o número de acertos iniciais e T é o número total de questões (que no caso do questionário é 10). Assim, o GN indica o percentual de quanto a pessoa melhorou no seu desempenho com relação a tudo que ela poderia melhorar. Para melhor visualização dos resultados, apresentamos um histograma de acertos iniciais e finais na Figura 5. Figura 5 Histograma de acertos no pré e pós teste. Um histograma do ganho padronizado também foi produzido (Figura 6). Pode-se perceber, a partir da comparação dos dois histogramas da Figura 5, que houve uma mudança perceptível na distribuição de frequência dos acertos. Enquanto no pré-teste a moda era 3, essa passa a ser 10 (nota máxima) no pós-teste. Ademais, tem-se uma mudança perceptível na mediana (de 4 para 9) e na média (de 4,13 para 7,98). Figura 6 Histograma do ganho normalizado. Para avaliar se essas diferenças são estatisticamente significativas, realizamos um teste de Wilcoxon, que indicou que as diferenças são estatisticamente significativas com um intervalo de confiança superior a 99,9% . Esse resultado indica que o curso teve um impacto estatisticamente significativo no desempenho dos participantes no pré e pós-teste com relação aos seus conhecimentos de fenda dupla e dualidade onda-partícula. A diferença de média e mediana encontrada é bastante expressiva – o que é corroborado pelo resultado do teste. Esse resultado é um indicativo da eficiência de um curso pedagogicamente bem estruturado na compreensão de um conceito físico. Deve-se, entretanto, ter em mente que as questões abordavam conhecimento declarativo de forma que, o que sabemos nesse momento, é que os participantes assimilaram as informações sobre o experimento de fenda dupla e dualidade onda partícula. Fizemos, também, uma análise dos acertos no pós-teste, o que está representado na Figura 7. Pode-se perceber o aumento de todos os parâmetros (valor mínimo, quadrantes, mediana) comparando essa figura com a Figura 4. Percebe-se, também, uma semelhança entre o desempenho de integrantes do grupo da graduação e pós-graduação, enquanto parece haver uma diferença com relação aos integrantes do grupo do ensino médio. Figura 7 Box plot de acertos no pós-teste para diferentes escolaridades (Ensino Médio, Graduação e Pós-Graduação). Realizamos o teste de Kruskal-Wallis, o qual indica a diferença estatisticamente significativa entre grupos com intervalo de confiança de 95% (p-value = 0,01045). Para identificar qual grupo é diferente dos demais, realizamos um teste de Wilcoxon, o qual novamente indicou a diferença do grupo do Ensino Médio em relação aos demais grupos (os resultados do teste estão sintetizados na Tabela 3). Tabela 3 Resultados de p-value para o teste de comparação de pares de Wilcoxon para questões finais. Ensino Médio Graduação Graduação 0,023 – Pós 0,014 0,387 Entende-se, portanto, que – apesar de haver um aumento expressivo no número de acertos em todos grupos – alunos que têm acesso ao ensino de Física na formação superior continuam tendo um desempenho superior a quem teve contato com a Física no Ensino Médio. Podemos investigar, ademais, se existe correlação entre o número de acertos finais e iniciais (o que é algo esperado). Para tanto, fizemos a regressão linear para esses dados, obtendo um coeficiente de correlação de Sperman (r-value) igual a 0,535, com p-value igual a 2,5 e-10. Observamos, portanto, que há correlação estatisticamente significativa entre acertos finais e iniciais. Entretanto, uma vez que r-value = 0,535, podemos dizer que essa correlação é moderada (na Figura 8 plotamos os dados e a reta obtida com o processo de regressão linear). Figura 8 Regressão Linear para acertos finais e iniciais. É esperado que participantes com maior rendimento no primeiro teste também tenham maior rendimento no segundo teste. Para compararmos, entretanto, o aprendizado para cada grupo, é mais apropriado tratarmos em termos de ganho normalizado (ou ganho padronizado), uma vez que esse avalia o quanto cada pessoa aprendeu em relação ao que ainda faltava aprender. Na Figura 9, apresentamos um boxplot para ganho normalizado (padronizado) para as diferentes escolaridades. Visualmente, ainda se nota uma diferença entre participantes que tem formação superior na área de Física e aqueles que não tem. Para avaliarmos se essa diferença é estatisticamente significativa, precisamos aplicar os testes estatísticos adequados. Figura 9 Boxplot para ganho normalizado versus escolaridade. Implementamos o teste Kruskal-Wallis, o qual – dessa vez – indicou não haver diferença estatisticamente significativa entre os grupos considerando um intervalo de confiança de 95% (p-value = 0,08993). Ou seja, embora o número de acertos no pós-teste esteja associado à escolaridade, o aprendizado medido por ganho padronizado é independente da formação das pessoas. Não há diferença estatisticamente significativa entre o aprendizado normalizado dos participantes de diferentes escolaridades. Esse resultado é extremamente positivo para pensarmos o impacto da divulgação científica. Embora tenhamos alcançado mais pessoas próximas da Física, e esses terem um desempenho superior no pré e pós-teste, pessoas que não têm formação em física tem um aprendizado semelhante aos demais grupos. Deve-se ressaltar que a mediana do pós-teste para integrantes da educação básica é 8, enquanto a mediana para pessoas formadas, no pré teste, é 4. Ou seja, pessoas formadas na educação básica, ao passar pelo curso de divulgação científica, têm, em média, um desempenho superior no instrumento de avaliação do que pessoas formadas em Física que não passaram por essa exposição sobre o experimento de fenda dupla e dualidade onda-partícula. Por um lado, esse resultado é muito positivo, pois indica que em um tempo muito pequeno conseguimos viabilizar que um grupo de pessoas sem formação em Física tivesse um conhecimento declarativo sobre dualidade onda partícula, em média, superior a pessoas com formação em Física. Por outro lado, esse resultado sugere a deficiência dos cursos de Mecânica Quântica ofertados em nossos cursos de graduação, uma vez que não fomentam o aprendizado conceitual de aspectos fundamentais da teoria. Com os resultados obtidos, podemos argumentar que um curso pedagogicamente estruturado tem o potencial muito significativo de promover aprendizagem, a despeito da complexidade do assunto. Ainda avaliamos se há correlação entre o ganho normalizado e os acertos iniciais. Os resultados da regressão linear obtida fornecem um coeficiente de correlação (r-value) igual a 0,26 com p-value igual a 0,004. Observa-se que a correlação do ganho normalizado em relação ao número de acerto no pré-teste pode ser considerada fraca (r-value 0,26) e é menor do que a correlação obtida ao analisar o número de acertos no pós teste em relação ao pré teste. Ou seja, embora o número de acertos no pré teste tenha correlação com o aprendizado (medido em ganho normalizado), essa correlação é fraca e, portanto, mesmo pessoas com pouco conhecimento sobre o assunto podem ter ganho normalizado tão altos quanto quem já possuía um conhecimento prévio sobre o assunto. Uma imagem da dispersão dos dados e da regressão linear está na Figura 10. Figura 10 Regressão linear para ganho normalizado e acertos iniciais. Por fim, analisamos também a proporção de acertos em cada questão para todo o grupo e para os grupos de diferentes escolaridades no pré-teste e pós-teste (Tabela 4). As três questões com piores proporções de acertos no pré-teste foram a questão 02, 03 e 06. Tanto a Questão 02 quanto a Questão 03 referem-se à indivisibilidade do fóton, enquanto a Questão 06 demanda um entendimento de medida como um processo de interação física. De fato, tanto a dificuldade em entender como o elétron pode ser detectado de forma pontual (mesmo em um experimento que há interferência quanto a dificuldade em entender o que é uma medida na mecânica quântica são relatadas na literatura) [22]. Tabela 4 Proporção de acertos em cada questão para o grupo como um todo e para o grupo de diferentes escolaridades, no pré-teste e pós-teste. Questão Pré-teste Pós-teste Todos Ed. B. Grad. P.G Todos Ed. B. Grad. P.G 01 0,33 0,20 0,39 0,33 0,86 0,76 0,89 0,89 02 0,21 0,07 0,21 0,33 0,88 0,79 0,93 0,89 03 0,25 0,14 0,29 0,28 0,84 0,76 0,86 0,89 04 0,62 0,52 0,59 0,75 0,83 0,76 0,87 0,83 05 0,49 0,38 0,52 0,56 0,83 0,65 0,89 0,86 06 0,37 0,31 0,39 0,39 0,72 0,59 0,73 0,81 07 0,66 0,59 0,64 0,75 0,79 0,65 0,79 0,92 08 0,46 0,41 0,46 0,50 0,74 0,65 0,77 0,75 09 0,44 0,28 0,46 0,53 0,74 0,55 0,79 0,81 10 0,57 0,48 0,64 0,53 0,75 0,65 0,79 0,78 Ao aplicar um teste de Kruskal-Wallis para todas as questões do pré-teste (com relação à escolaridade), somente a Questão 02 apresenta diferença estatisticamente significativa. Pode-se perceber, de fato, que pessoas com formação básica erraram muito mais essa questão, embora o índice de acertos seja baixo para todas as escolaridades. No pós-teste, as questões com menor proporção de acertos foram as 06, 08 e 09 – todas essas questões se referem ao processo de medida. Assim, entendemos que a indivisibilidade do elétron passou a ser um conceito bem entendido enquanto há nuances do processo de medida que podem estar confusos para parte do grupo. Ao aplicar o teste de Kruskal-Wallis para o pós-teste, há diferença estatisticamente significativa nas questões 05, 07 e 09. Enquanto as questões 07 e 09 se referem ao processo de medida, a questão 05 envolve a noção de complementaridade entre informação de caminho e padrão de interferência. De fato, percebe-se uma diferença significativa com relação aos acertos da educação básica no item 05, indicando que essa é uma questão que merece maior atenção ao tratar o tema com pessoas que não tem formação em física. , apresentamos todos os resultados e, na seção 5 5. Considerações Finais No presente trabalho, discutimos o impacto de um curso de divulgação científica sobre a dualidade onda-partícula, realizado de forma virtual, para grupos que consomem esse tipo de conteúdo nas redes sociais. Nosso objetivo foi avaliar como uma iniciativa de divulgação científica impacta pessoas de diferentes escolaridades a fim de refletir sobre as potencialidades e desafios da divulgação científica. A partir dos resultados obtidos, retomamos as questões que foram apresentadas na introdução. (i) Quais conceitos são identificados como fundamentais pela literatura especializada para ensinar conceito de dualidade onda partícula e o experimento de fenda dupla? A partir do estudo da literatura especializada, elencamos quatro pontos fundamentais para o entendimento desse conceito (seção 2), a dizer: (i) O elétron é indivisível e, portanto, sempre detectado de forma bem localizada; (ii) Quando não há informação de caminho em um experimento de fenda dupla (nenhum medidor que indique a fenda pela posição) o elétron é detectado em regiões que correspondem a franjas de interferência da função de onda associada; (iii) Quando há informação de caminho, não há qualquer fenômeno de interferência; (iv) Medir é interagir fisicamente com o sistema. Esses pontos foram elencados a fim de organizar tanto o curso quanto o instrumento de avaliação que foi usado para medir o aprendizado em termos de conhecimento declarativo dos participantes. (ii) Como pessoas de diferentes escolaridades performam inicialmente em um teste de conhecimentos declarativos sobre dualidade onda partícula? Nossos resultados indicam que há diferença estatisticamente significativa entre o desempenho inicial dos participantes da educação básica em relação aos demais grupos (Figura 4). O instrumento não possibilita a detecção de diferenças entre pessoas com escolaridade em nível de graduação e pós-graduação, o que é esperado dado o conteúdo introdutório que discute. De qualquer forma, destaca-se o baixo número de acerto de todos os grupos no pré-teste. A literatura aponta que a formação usual oferecida no nível superior usa livros que, muitas vezes, não apresentam esses conceitos com clareza, levando a confusões conceituais [28]. Uma implicação desse mau preparo pedagógico é o resultado de pessoas com escolaridade em nível superior no pré-teste, que é inferior ao de pessoas de ensino médio no pós-teste. Isto é, pessoas sem formação em física que passam por um curso pedagogicamente e conceitualmente bem estruturado, em média, são mais capazes de mobilizar conhecimento declarativo sobre dualidade onda partícula do que pessoas com formação superior na área. (iii) Podemos promover aprendizado sobre dualidade onda partícula a pessoas sem contato com Física em nível superior ou essa compreensão fica restrita a quem já tem formação na área? Essa é a pergunta principal da presente pesquisa. O objetivo da divulgação científica é levar conhecimento para a população geral e não somente aqueles já integrantes da comunidade científica. Dessa forma, embora haja diferença entre o número de acertos no pós-teste (Figura 7), a avaliação do aprendizado em termos de ganho normalizado se mostrou sem diferença estatisticamente significativa para os diferentes grupos (em um intervalo de confiança de 95%) (Figura 9). Em média, os participantes de diferentes escolaridades aprenderam aproximadamente 66% do que tinham para aprender (considerando o que não acertaram no pré-teste). Esse é um valor bastante elevado e indica, sim, o resultado positivo e significativo da ação de divulgação científica. Por outro lado, não se deve tomar tal resultado com otimismo excessivo. Deve-se fazer a ressalva de que se avaliou apenas conhecimento declarativo, e não operatório. Próximas pesquisas devem aprofundar o domínio de conceitos e ferramentas simbólicas a fim de avaliar o impacto de ações de divulgação científica no domínio do conhecimento operativo. (iv) Há correlação entre aprendizado sobre a dualidade onda partícula e conhecimento prévio? Caso sim, qual intensidade dessa correlação (fraca, moderada ou forte)? Como é esperado, o resultado do pós-teste está correlacionado significativamente com o resultado do pré-teste, entretanto essa correlação é moderada (Figuras 8 e 10). Quando se mede aprendizado em termos de ganho normalizado, a correlação passa a ser fraca. Ou seja, embora saber inicialmente mais sobre dualidade onda-partícula seja indicativo de aprendizado, isso não é suficiente para explicar o aprendizado. Mesmo pessoas com baixo desempenho inicial conseguiram ter aprendizado tão bom quanto o de pessoas com melhor resultado no pré-teste. Tal resultado também corrobora a potencialidade da divulgação científica, indicando que cursos bem estruturados tem o potencial de promover aprendizado. (v) Quais elementos associados aos conceitos de dualidade onda-partícula são os menos compreendidos pelos diferentes grupos? Os resultados do pré-teste indicam que as principais dificuldades de compreensão estão associadas ao entendimento sobre a indivisibilidade do elétron, que se mantém independentemente de haver padrão de interferência, e sobre o que é medida na Mecânica Quântica (ver Tabela 4). Embora o entendimento de todos os pontos melhorou no pós-teste, as questões sobre o que é medida continuaram a ser aquelas com menor número de acertos. Os resultados obtidos nessa pesquisa, portanto, apresentam evidência do potencial de aprendizado promovido por cursos de divulgação científica, quando estruturados do ponto de vista conceitual e pedagógico. Conforme ressaltamos, a pesquisa se centrou na promoção de conhecimento declarativo, o que – no primeiro momento – nos parece mais importante no sentido de promover aprendizado sobre informações corretas sobre a mecânica quântica, opondo-se à rede de desinformação que existe nas redes sociais. Esperamos que os presentes resultados motivem maiores esforços tanto na divulgação científica quanto na pesquisa sobre o impacto da divulgação científica. , as considerações finais.

2. Fundamentos Pedagógicos do Curso de Divulgação Científica

A área de Ensino de Mecânica Quântica reconhece três grandes abordagens didáticas para o tema [14[14] N.W. Lima, F. Ostermann e C.J.H. Cavalcanti, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 32, 435 (2017).]: histórica (em que se introduz a teoria a partir da radiação de corpo negro, como fazem muitos livros introdutórios), postulacional (em que se apresentam os postulados da quântica e, rapidamente, parte-se para a utilização do formalismo matemático), e fenomenológica (em que se parte do estudo de alguns fenômenos chave para discutir conceitos fundamentais da teoria). Cada uma dessas abordagens possui potencialidades a serem exploradas e desafios a serem superados.

Pesquisas no campo educacional apontam que o conhecimento prévio e concreto dos estudantes é um fator fundamental para o processo de aprendizado [15[15] D.P. Ausubel, J.D. Novak e H. Hanesian, Educational psychology: A cognitive view (Rinehart & Winston, New York, 1968)., 16[16] J.D. Bransford, A.L. Brown e R.R. Cocking, How People Learn Brain, Mind, Experience, and School (National Academies Press, Washington, 2000).]. Da mesma forma, entende-se que é preferível partir de situações concretas no início do processo de aprendizado em comparação com abordagens mais abstratas. Como o curso foi pensado para o público geral, optou-se por partir de um experimento concreto (abordagem fenomenológica) para que os participantes pudessem partir de uma situação concreta e em que pudesse analisar os resultados experimentais das situações abordadas. Da mesma forma, podemos diferenciar conhecimentos declarativos de procedimentais. Enquanto o primeiro se situa apenas no campo das declarações sobre um dado tema (ou conceito), o segundo exige uma apropriação e manipulação de ferramentas simbólicas no desenvolvimento de ações concretas [17[17] T.M.A. Oliveira e N.B. Mozzer, Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências 19, e2602 (2017).]. Como estamos preocupados com o problema da desinformação na internet, o presente curso e pesquisa se focou no campo do conhecimento declarativo.

Ademais, poderia se ter escolhido diferentes conceitos ou experimentos durante o curso. Entretanto, como se trata de um curso de divulgação científica, buscou-se dar subsídios para os participantes analisarem de forma crítica conteúdos que circulam na internet e que falam, por exemplo, sobre o “papel do observador” ou da “consciência” na Mecânica Quântica, muitas vezes recorrendo de forma equivocada ao experimento de fenda dupla. Assim, escolheu-se falar do experimento de fenda dupla e da dualidade onda partícula. A proposta pedagógica do curso era permitir que os estudantes entendam o experimento de fenda dupla e saibam prever os resultados experimentais para diferentes arranjos. Assim, o enfoque foi explicitamente em aspectos fenomenológicos, buscando evitar, dentro do possível, discussões do formalismo matemático, de interpretações filosóficas e de aspectos históricos. De uma forma geral, entretanto, adotou-se a interpretação ortodoxa da Mecânica Quântica ao falar do experimento.

Para elaborar o curso e, posteriormente, o questionário que serviu de instrumento de avaliação (pré e pós-teste), primeiramente, os pesquisadores se debruçaram sobre a literatura especializada, analisando não somente livros didáticos [18[18] R. Feynman, R. Leighton e M. Sands, Feynman’s Lectures on Physics, disponível em:https://www.feynmanlectures.caltech.edu/.
https://www.feynmanlectures.caltech.edu/...
], mas também livros paradidáticos [19[19] O. Pessoa Jr., Conceitos de Física Quântica (Livraria da Física, São Paulo, 2003).] e artigos sobre ensino e aprendizagem de Mecânica Quântica [20[20] C. Singh, Am J Phys 69, 885 (2001).,21[21] C. Singh e E. Marshman, Physical Review Special Topics – Physics Education Research 11, 020117 (2015).,22[22] E. Marshman e C. Singh, Physical Review Special Topics – Physics Education Research 13, 010117 (2017).]. A partir desses trabalhos, o grupo delimitou quais são os pontos centrais no entendimento do conceito de dualidade, a dizer,

  1. O elétron é indivisível e, portanto, sempre detectado de forma bem localizada.

  2. Em um experimento de fenda dupla, quando não há informação de caminho (nenhum medidor que indique a fenda pela posição), o elétron é detectado em regiões que correspondem a franjas de interferência da função de onda associada.

  3. Quando há informação de caminho, não há qualquer fenômeno de interferência.

  4. Medir é interagir fisicamente com o sistema.

Uma vez delimitadas essas quatro proposições, o curso e um instrumento de avaliação (um questionário que foi utilizado como pré e pós-teste – ver Apêndice A1 1 No questionário, apesar de se dar ánfase ao aspecto fenomenológico, adotou-se, também, a interpretação ortodoxa da mecânica quântica. Além disso, as questões levam em conta a ideia de que o arranjo experimental não é modificado ao longo do experimento. Sugerimos que, caso se deseje aplicar o questionário, essas informações sejam adicionadas na sua apresentação. ) foram organizados de forma a mostrar (e avaliar, no caso do questionário), no experimento de fenda dupla, como os diferentes arranjos experimentais levam ao entendimento do que Osvaldo Pessoa Jr [19[19] O. Pessoa Jr., Conceitos de Física Quântica (Livraria da Física, São Paulo, 2003).] chama de versão forte da dualidade onda-partícula. Assim, o curso teve a organização indicada no Quadro 1.

Quadro 1
Organização do curso.

Sobretudo na parte (d) da segunda etapa, foi-se discutindo, passo a passo, o que acontece no experimento a fim de chegar nas quatro proposições mencionadas acima. Assim, por exemplo, primeiro se perguntava o que iria ocorrer ao passar um único elétron. Mostrava-se, então, a detecção pontual (Figura 1).

Figura 1
Imagem usada no curso representando detecção de elétrons bem localizados.

Depois, discutia-se o que acontece após muitos elétrons (sendo um lançado por vez), mostrando o aparecimento do padrão de interferência (Figura 2):

Figura 2
Imagem do curso mostrando o aparecimento do padrão de interferência no experimento de fenda dupla.

Por fim, ainda foi discutido como é possível identificar por qual fenda o elétron passou, usando, por exemplo, alguma fonte de radiação gama (indicando que medir é interagir fisicamente com o equipamento) e mostrando o resultado final no anteparo (Figura 3).

Figura 3
Imagem do curso indicando a distribuição de elétrons no anteparo ao se determinar a fenda por que o elétron passou.

Assim, o curso ministrado fundamentou-se em conceitos e abordagens bem estabelecidas na literatura. A diferença principal, entretanto, reside no fato de ele seguir uma abordagem conceitual (com pouco formalismo matemático) e sem entrar no mérito das diferentes interpretações da Mecânica Quântica. O foco foi prover declarações fenomenológicas corretas e precisas que habilitassem os participantes a entender aspectos básico do experimento de fenda dupla. Assim, o curso foi bastante assertivo ao apresentar diretamente aquilo que a literatura especializada vem apontando como fundamental no conceito de dualidade onda-partícula. Essa apresentação, também, foi organizada de forma a partir de situações concretas e do entendimento clássico do mundo, o que vai ao encontro das indicações das teorias de ensino e aprendizado.

Ademais, o pré e pós-teste foram partes integrantes do curso, o que também tem um aspecto pedagógico. Ao responder uma série de questões iniciais sobre o tema, espera-se que os alunos já participem do curso com dúvidas e curiosidade sobre os possíveis resultados, isto é, se promove um engajamento inicial dos alunos com o conteúdo do curso, fator que é explorado, por exemplo, em diversos métodos ativos [23[23] M.G. Müller, I.S. Araujo, E.A. Veit e J. Schell, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e3403 (2017).,24[24] V. Oliveira, I.S. Araujo e E.A. Veit, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e3402 (2017).,25[25] T.I. Pasqualetto, E.A. Veit e I.S. Araujo, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 17, 551 (2017).].

3. Metodologia de Pesquisa

A metodologia está fundamentada teoricamente e epistemolgicamente no uso de métodos quantitativos na pesquisa em Educação [26[26] P. Lima Jr., Métodos Quantitativos da Pesquisa em Educação: uma introdução baseada em linguagem R (Editora Universidade de Brasília, Brasília, 2023).]. Ela está dividida em duas grandes partes: (1) metodologia para elaboração do questionário, validação do conteúdo por especialistas e por alunos, e aplicação do questionário, e (2) metodologia para análise dos resultados do curso.

3.1. Metodologia para elaboração doquestionário, validação do conteúdo porespecialista e por alunos e aplicação

Conforme mencionado na Seção 2 2. Fundamentos Pedagógicos do Curso de Divulgação Científica A área de Ensino de Mecânica Quântica reconhece três grandes abordagens didáticas para o tema [14]: histórica (em que se introduz a teoria a partir da radiação de corpo negro, como fazem muitos livros introdutórios), postulacional (em que se apresentam os postulados da quântica e, rapidamente, parte-se para a utilização do formalismo matemático), e fenomenológica (em que se parte do estudo de alguns fenômenos chave para discutir conceitos fundamentais da teoria). Cada uma dessas abordagens possui potencialidades a serem exploradas e desafios a serem superados. Pesquisas no campo educacional apontam que o conhecimento prévio e concreto dos estudantes é um fator fundamental para o processo de aprendizado [15, 16]. Da mesma forma, entende-se que é preferível partir de situações concretas no início do processo de aprendizado em comparação com abordagens mais abstratas. Como o curso foi pensado para o público geral, optou-se por partir de um experimento concreto (abordagem fenomenológica) para que os participantes pudessem partir de uma situação concreta e em que pudesse analisar os resultados experimentais das situações abordadas. Da mesma forma, podemos diferenciar conhecimentos declarativos de procedimentais. Enquanto o primeiro se situa apenas no campo das declarações sobre um dado tema (ou conceito), o segundo exige uma apropriação e manipulação de ferramentas simbólicas no desenvolvimento de ações concretas [17]. Como estamos preocupados com o problema da desinformação na internet, o presente curso e pesquisa se focou no campo do conhecimento declarativo. Ademais, poderia se ter escolhido diferentes conceitos ou experimentos durante o curso. Entretanto, como se trata de um curso de divulgação científica, buscou-se dar subsídios para os participantes analisarem de forma crítica conteúdos que circulam na internet e que falam, por exemplo, sobre o “papel do observador” ou da “consciência” na Mecânica Quântica, muitas vezes recorrendo de forma equivocada ao experimento de fenda dupla. Assim, escolheu-se falar do experimento de fenda dupla e da dualidade onda partícula. A proposta pedagógica do curso era permitir que os estudantes entendam o experimento de fenda dupla e saibam prever os resultados experimentais para diferentes arranjos. Assim, o enfoque foi explicitamente em aspectos fenomenológicos, buscando evitar, dentro do possível, discussões do formalismo matemático, de interpretações filosóficas e de aspectos históricos. De uma forma geral, entretanto, adotou-se a interpretação ortodoxa da Mecânica Quântica ao falar do experimento. Para elaborar o curso e, posteriormente, o questionário que serviu de instrumento de avaliação (pré e pós-teste), primeiramente, os pesquisadores se debruçaram sobre a literatura especializada, analisando não somente livros didáticos [18], mas também livros paradidáticos [19] e artigos sobre ensino e aprendizagem de Mecânica Quântica [20,21,22]. A partir desses trabalhos, o grupo delimitou quais são os pontos centrais no entendimento do conceito de dualidade, a dizer, O elétron é indivisível e, portanto, sempre detectado de forma bem localizada. Em um experimento de fenda dupla, quando não há informação de caminho (nenhum medidor que indique a fenda pela posição), o elétron é detectado em regiões que correspondem a franjas de interferência da função de onda associada. Quando há informação de caminho, não há qualquer fenômeno de interferência. Medir é interagir fisicamente com o sistema. Uma vez delimitadas essas quatro proposições, o curso e um instrumento de avaliação (um questionário que foi utilizado como pré e pós-teste – ver Apêndice A1) foram organizados de forma a mostrar (e avaliar, no caso do questionário), no experimento de fenda dupla, como os diferentes arranjos experimentais levam ao entendimento do que Osvaldo Pessoa Jr [19] chama de versão forte da dualidade onda-partícula. Assim, o curso teve a organização indicada no Quadro 1. Quadro 1 Organização do curso. Etapa Atividade Etapa 1 Realização de um pré-teste. Etapa 2 Aulas expositivas sobre:a) Experimento de fenda dupla com partículas e ondas clássicas.b) Uma breve história do elétron: experimento de Thomson e Millikan.c) Experimentos históricos com difração de elétron.d) Experimento de Fenda dupla com elétrons únicos (diferentes arranjos). Etapa 3 Realização de um pós-teste. Sobretudo na parte (d) da segunda etapa, foi-se discutindo, passo a passo, o que acontece no experimento a fim de chegar nas quatro proposições mencionadas acima. Assim, por exemplo, primeiro se perguntava o que iria ocorrer ao passar um único elétron. Mostrava-se, então, a detecção pontual (Figura 1). Figura 1 Imagem usada no curso representando detecção de elétrons bem localizados. Depois, discutia-se o que acontece após muitos elétrons (sendo um lançado por vez), mostrando o aparecimento do padrão de interferência (Figura 2): Figura 2 Imagem do curso mostrando o aparecimento do padrão de interferência no experimento de fenda dupla. Por fim, ainda foi discutido como é possível identificar por qual fenda o elétron passou, usando, por exemplo, alguma fonte de radiação gama (indicando que medir é interagir fisicamente com o equipamento) e mostrando o resultado final no anteparo (Figura 3). Figura 3 Imagem do curso indicando a distribuição de elétrons no anteparo ao se determinar a fenda por que o elétron passou. Assim, o curso ministrado fundamentou-se em conceitos e abordagens bem estabelecidas na literatura. A diferença principal, entretanto, reside no fato de ele seguir uma abordagem conceitual (com pouco formalismo matemático) e sem entrar no mérito das diferentes interpretações da Mecânica Quântica. O foco foi prover declarações fenomenológicas corretas e precisas que habilitassem os participantes a entender aspectos básico do experimento de fenda dupla. Assim, o curso foi bastante assertivo ao apresentar diretamente aquilo que a literatura especializada vem apontando como fundamental no conceito de dualidade onda-partícula. Essa apresentação, também, foi organizada de forma a partir de situações concretas e do entendimento clássico do mundo, o que vai ao encontro das indicações das teorias de ensino e aprendizado. Ademais, o pré e pós-teste foram partes integrantes do curso, o que também tem um aspecto pedagógico. Ao responder uma série de questões iniciais sobre o tema, espera-se que os alunos já participem do curso com dúvidas e curiosidade sobre os possíveis resultados, isto é, se promove um engajamento inicial dos alunos com o conteúdo do curso, fator que é explorado, por exemplo, em diversos métodos ativos [23,24,25]. , tanto o curso quanto as questões do questionário foram construídos a partir da literatura especializada sobre o ensino de dualidade onda-partícula e ensino de Mecânica Quântica, o que levou à identificação dos cinco pontos conceituais mencionados anteriormente. As questões do questionário avaliam o conhecimento e entendimento desses cinco pontos.

Na sequência, o questionário elaborado foi enviado para outros três docentes de Física do ensino superior, da área de Ensino de Física, a fim de avaliarem o conteúdo e redação do questionário – garantindo sua correção conceitual, relevância dos temas abordados, e clareza na formulação dos itens. Essa versão foi, então, aplicada em um curso de Mecânica Quântica do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física (mestrado e doutorado acadêmico da instituição), e as questões foram discutidas com os alunos, também com o objetivo de garantir que elas estavam sendo bem compreendidas pelos participantes.

Uma vez que o curso e o questionário estavam prontos, foi feita uma ampla divulgação no perfil do Instagram em que tópicos de Mecânica Quântica são abordados bem como na lista de e-mails do Centro de Referência para o Ensino de Física da UFRGS. Os respondentes do questionário, portanto, são aqueles que participaram integralmente do curso. Não foi feito nenhum processo de randomização de amostra para realização da pesquisa. Assim, a validade do questionário e dos resultados é referente à população que consome conteúdo de divulgação científica sobre mecânica quântica. Os resultados obtidos podem apresentar diferenças para populações específicas cujas características difiram do grupo estudado.

3.2. Metodologia para análise dos resultados

A metodologia para análise dos resultados do pré e pós-teste foi dividida em duas partes: (1) análise da fidedignidade e de validade concorrente do teste e (2) análise do impacto do curso sobre o desempenho dos participantes. Todos os testes realizados foram implementados usando a linguagem R e a plataforma R Studio.

3.2.1. Metodologia para análise de fidedignidade e de validade concorrente do teste

Primeiramente, fez-se uma análise da fidedignidade do teste. Isto é, espera-se que o teste meça o conhecimento do respondente sobre dualidade onda-partícula. Se o instrumento está bem elaborado, há consistência na forma como os participantes o respondem. Tal consistência interna, a fidedignidade do teste, foi medida determinando o seu alpha de Cronbach.

Na sequência, avaliou-se a validade concorrente do teste. Uma forma usual de se fazer isso é comparando o resultado obtido com outros instrumentos já validados. Na presente pesquisa, foi feita uma análise diferente: analisamos os resultados do pré-teste para pessoas com diferente formação (educação básica, graduação e pós-graduação2 2 A classificação levou em conta o grau de formação em que a pessoa teve contato com Física. Por exemplo, alguém formado em Engenharia foi colocado no grupo graduação pois estudou física na graduação. Alguém formado em letras foi classificado no grupo Educação Básica pois estudou física formalmente apenas na Educação Básica. ) e aplicamos o teste estatístico Kruskal-Wallis3 3 Krusk-Wallis rank sum test é um teste não paramétrico. Optou-se por esse teste após realizar o teste de Shapiro-wilk, que indicou não podermos assumir a normalidade da distribuição de acertos na amostra estudada. para verificar se há diferença estatisticamente significativa entre os resultados dos diferentes grupos. Se os resultados apresentados pelas pessoas com graduação e pós-graduação são maiores do que os resultados da educação básica podemos garantir a validade concorrente do teste, visto que um bom resultado está associado a uma maior formação em Física.

3.2.2. Metodologia par análise do impactodo curso sobre o desempenho dosparticipantes

Para análise do impacto do curso no desempenho dos participantes, as seguintes análises foram realizadas:

  • i)

    Caracterização descritiva da amostra: histograma de acertos, mínimo de acertos, máximo de acertos, quadrantes, médias,antes e depois do curso.

  • ii)

    Teste de Shapiro-wilk para acertos finais e ganho padronizado para turma toda e por sub-grupos para verificar se podíamos assumir distribuição normal das variáveis. Como o teste indicou a não normalidade em todos os casos, optou-se pelo uso de testes não-paramétricos nos passos subsequentes.

  • iii)

    Teste de Wilcoxon para avaliar se houve aumento no número de acertos estatisticamente significativo na turma como um todo.

  • iv)

    Teste de Kruskal-Wallis para identificar se há diferença entre educação básica, graduação e pós graduação nos acertos iniciais, final e ganho padronizado.

  • v)

    Comparação entre Pares usando teste de Wilcoxon para verificar qual dos grupos acima é aquele que se diferencia dos demais.

  • vi)

    Análise da correlação entre acertos finais, ganho padronizado versus acertos iniciais.

Resultados

A análise dos resultados está dividida em duas partes, seguindo as duas etapas indicadas na seção de metodologia 3.2 3.2. Metodologia para análise dos resultados A metodologia para análise dos resultados do pré e pós-teste foi dividida em duas partes: (1) análise da fidedignidade e de validade concorrente do teste e (2) análise do impacto do curso sobre o desempenho dos participantes. Todos os testes realizados foram implementados usando a linguagem R e a plataforma R Studio. 3.2.1. Metodologia para análise de fidedignidade e de validade concorrente do teste Primeiramente, fez-se uma análise da fidedignidade do teste. Isto é, espera-se que o teste meça o conhecimento do respondente sobre dualidade onda-partícula. Se o instrumento está bem elaborado, há consistência na forma como os participantes o respondem. Tal consistência interna, a fidedignidade do teste, foi medida determinando o seu alpha de Cronbach. Na sequência, avaliou-se a validade concorrente do teste. Uma forma usual de se fazer isso é comparando o resultado obtido com outros instrumentos já validados. Na presente pesquisa, foi feita uma análise diferente: analisamos os resultados do pré-teste para pessoas com diferente formação (educação básica, graduação e pós-graduação2) e aplicamos o teste estatístico Kruskal-Wallis3 para verificar se há diferença estatisticamente significativa entre os resultados dos diferentes grupos. Se os resultados apresentados pelas pessoas com graduação e pós-graduação são maiores do que os resultados da educação básica podemos garantir a validade concorrente do teste, visto que um bom resultado está associado a uma maior formação em Física. 3.2.2. Metodologia par análise do impactodo curso sobre o desempenho dosparticipantes Para análise do impacto do curso no desempenho dos participantes, as seguintes análises foram realizadas: i) Caracterização descritiva da amostra: histograma de acertos, mínimo de acertos, máximo de acertos, quadrantes, médias,antes e depois do curso. ii) Teste de Shapiro-wilk para acertos finais e ganho padronizado para turma toda e por sub-grupos para verificar se podíamos assumir distribuição normal das variáveis. Como o teste indicou a não normalidade em todos os casos, optou-se pelo uso de testes não-paramétricos nos passos subsequentes. iii) Teste de Wilcoxon para avaliar se houve aumento no número de acertos estatisticamente significativo na turma como um todo. iv) Teste de Kruskal-Wallis para identificar se há diferença entre educação básica, graduação e pós graduação nos acertos iniciais, final e ganho padronizado. v) Comparação entre Pares usando teste de Wilcoxon para verificar qual dos grupos acima é aquele que se diferencia dos demais. vi) Análise da correlação entre acertos finais, ganho padronizado versus acertos iniciais. .

4.1. Validação do teste: fidedignidade e validade concorrente

O alfa de Cronbach obtido com os resultados do pré e pós teste foi de 0,8. A literatura considera valores a partir de 0,8 como adequados para considerar a fidedignidade do instrumento [27[27] L.J. Cronbach, Psychometrika 16, 297 (1951).]. Isso significa que, para o público selecionado, o instrumento mediu o conhecimento de um constructo específico, a dizer, o conhecimento sobre dualidade onda-partícula no experimento de fenda dupla.

Na sequência, investigou-se os acertos iniciais para cada nível de escolaridade (educação básica, graduação e pós-graduação). Uma síntese dos resultados é apresentada na forma de um boxplot, na Figura 4. Pode-se ver, claramente, que o desempenho de integrantes do grupo “graduação” é, em média, superior ao desempenho dos integrantes do grupo “ensino médio” e, por sua vez, os resultados do grupo “pós-graduação”, em média, é o superior entre os três grupos.

Figura 4
Boxplot para acertos versus escolaride.

O teste de Krusal-Wallis indicou que há diferença estatisticamente significativa entre os grupos, respeitando-se o nível de significância de 5% (p-value = 0,01404). Esse teste, entretanto, não nos informa qual ou quais grupos se diferenciam dos demais. Para isso, realizamos, o teste comparação de pares de Wilcoxon. Os resultados estão sintetizados na Tabela 1 e indicam que há diferença do grupo do Ensino Médio com relação aos demais grupos, mas não há diferença estatisticamente significativa entre graduação e pós-graduação.

Tabela 1
Resultados de p-value para o teste de comparação de pares de Wilcoxon para questões iniciais.

Isso indica que o teste tem validade concorrente, uma vez que ele distingue, na população geral, quem tem uma formação superior na área de exatas. Ele não é capaz, entretanto, de distinguir quem tem graduação de quem tem pós-graduação. Esse resultado é esperado visto que as questões tratam de conceitos introdutórios sobre o experimento de dupla fenda, o que é tipicamente abordado em cursos iniciais. Nos cursos avançados e de pós-graduação, o foco das discussões tende a se localizar em aspectos formais e mais abstratos da teoria. Assim não era esperado que o questionário fosse capaz de distinguir esse grupo com relação à graduação. Por outro lado, o questionário distingue significativamente quem teve uma educação formal em Física em nível superior de quem não teve.

4.2. Impacto do curso nas respostas da turma: comparação entre pré e pós-teste para o grupo inteiro

Para apresentar os resultados do pré e pós-teste para o grupo como um todo, alguns parâmetros fundamentais foram listados na Tabela 2. Determinou-se o valor mínimo, máximo, média, mediana, primeiro e terceiro quadrante para o número de acertos iniciais, acertos finais, e para um parâmetro de ganho normalizado (GN), que foi determinado da seguinte forma:

G N = A F A I T A I 100 ,
Tabela 2
Síntese dos resultados do pré e pós-teste (número de acertos antes, número de acertos depois e ganho normalizado).

em que AF é o número de acertos finais, AI é o número de acertos iniciais e T é o número total de questões (que no caso do questionário é 10). Assim, o GN indica o percentual de quanto a pessoa melhorou no seu desempenho com relação a tudo que ela poderia melhorar.

Para melhor visualização dos resultados, apresentamos um histograma de acertos iniciais e finais na Figura 5.

Figura 5
Histograma de acertos no pré e pós teste.

Um histograma do ganho padronizado também foi produzido (Figura 6). Pode-se perceber, a partir da comparação dos dois histogramas da Figura 5, que houve uma mudança perceptível na distribuição de frequência dos acertos. Enquanto no pré-teste a moda era 3, essa passa a ser 10 (nota máxima) no pós-teste. Ademais, tem-se uma mudança perceptível na mediana (de 4 para 9) e na média (de 4,13 para 7,98).

Figura 6
Histograma do ganho normalizado.

Para avaliar se essas diferenças são estatisticamente significativas, realizamos um teste de Wilcoxon, que indicou que as diferenças são estatisticamente significativas com um intervalo de confiança superior a 99,9% .

Esse resultado indica que o curso teve um impacto estatisticamente significativo no desempenho dos participantes no pré e pós-teste com relação aos seus conhecimentos de fenda dupla e dualidade onda-partícula. A diferença de média e mediana encontrada é bastante expressiva – o que é corroborado pelo resultado do teste. Esse resultado é um indicativo da eficiência de um curso pedagogicamente bem estruturado na compreensão de um conceito físico. Deve-se, entretanto, ter em mente que as questões abordavam conhecimento declarativo de forma que, o que sabemos nesse momento, é que os participantes assimilaram as informações sobre o experimento de fenda dupla e dualidade onda partícula.

Fizemos, também, uma análise dos acertos no pós-teste, o que está representado na Figura 7. Pode-se perceber o aumento de todos os parâmetros (valor mínimo, quadrantes, mediana) comparando essa figura com a Figura 4. Percebe-se, também, uma semelhança entre o desempenho de integrantes do grupo da graduação e pós-graduação, enquanto parece haver uma diferença com relação aos integrantes do grupo do ensino médio.

Figura 7
Box plot de acertos no pós-teste para diferentes escolaridades (Ensino Médio, Graduação e Pós-Graduação).

Realizamos o teste de Kruskal-Wallis, o qual indica a diferença estatisticamente significativa entre grupos com intervalo de confiança de 95% (p-value = 0,01045). Para identificar qual grupo é diferente dos demais, realizamos um teste de Wilcoxon, o qual novamente indicou a diferença do grupo do Ensino Médio em relação aos demais grupos (os resultados do teste estão sintetizados na Tabela 3).

Tabela 3
Resultados de p-value para o teste de comparação de pares de Wilcoxon para questões finais.

Entende-se, portanto, que – apesar de haver um aumento expressivo no número de acertos em todos grupos – alunos que têm acesso ao ensino de Física na formação superior continuam tendo um desempenho superior a quem teve contato com a Física no Ensino Médio. Podemos investigar, ademais, se existe correlação entre o número de acertos finais e iniciais (o que é algo esperado). Para tanto, fizemos a regressão linear para esses dados, obtendo um coeficiente de correlação de Sperman (r-value) igual a 0,535, com p-value igual a 2,5 e-10.

Observamos, portanto, que há correlação estatisticamente significativa entre acertos finais e iniciais. Entretanto, uma vez que r-value = 0,535, podemos dizer que essa correlação é moderada (na Figura 8 plotamos os dados e a reta obtida com o processo de regressão linear).

Figura 8
Regressão Linear para acertos finais e iniciais.

É esperado que participantes com maior rendimento no primeiro teste também tenham maior rendimento no segundo teste. Para compararmos, entretanto, o aprendizado para cada grupo, é mais apropriado tratarmos em termos de ganho normalizado (ou ganho padronizado), uma vez que esse avalia o quanto cada pessoa aprendeu em relação ao que ainda faltava aprender. Na Figura 9, apresentamos um boxplot para ganho normalizado (padronizado) para as diferentes escolaridades. Visualmente, ainda se nota uma diferença entre participantes que tem formação superior na área de Física e aqueles que não tem. Para avaliarmos se essa diferença é estatisticamente significativa, precisamos aplicar os testes estatísticos adequados.

Figura 9
Boxplot para ganho normalizado versus escolaridade.

Implementamos o teste Kruskal-Wallis, o qual – dessa vez – indicou não haver diferença estatisticamente significativa entre os grupos considerando um intervalo de confiança de 95% (p-value = 0,08993). Ou seja, embora o número de acertos no pós-teste esteja associado à escolaridade, o aprendizado medido por ganho padronizado é independente da formação das pessoas. Não há diferença estatisticamente significativa entre o aprendizado normalizado dos participantes de diferentes escolaridades.

Esse resultado é extremamente positivo para pensarmos o impacto da divulgação científica. Embora tenhamos alcançado mais pessoas próximas da Física, e esses terem um desempenho superior no pré e pós-teste, pessoas que não têm formação em física tem um aprendizado semelhante aos demais grupos. Deve-se ressaltar que a mediana do pós-teste para integrantes da educação básica é 8, enquanto a mediana para pessoas formadas, no pré teste, é 4. Ou seja, pessoas formadas na educação básica, ao passar pelo curso de divulgação científica, têm, em média, um desempenho superior no instrumento de avaliação do que pessoas formadas em Física que não passaram por essa exposição sobre o experimento de fenda dupla e dualidade onda-partícula.

Por um lado, esse resultado é muito positivo, pois indica que em um tempo muito pequeno conseguimos viabilizar que um grupo de pessoas sem formação em Física tivesse um conhecimento declarativo sobre dualidade onda partícula, em média, superior a pessoas com formação em Física. Por outro lado, esse resultado sugere a deficiência dos cursos de Mecânica Quântica ofertados em nossos cursos de graduação, uma vez que não fomentam o aprendizado conceitual de aspectos fundamentais da teoria. Com os resultados obtidos, podemos argumentar que um curso pedagogicamente estruturado tem o potencial muito significativo de promover aprendizagem, a despeito da complexidade do assunto.

Ainda avaliamos se há correlação entre o ganho normalizado e os acertos iniciais. Os resultados da regressão linear obtida fornecem um coeficiente de correlação (r-value) igual a 0,26 com p-value igual a 0,004. Observa-se que a correlação do ganho normalizado em relação ao número de acerto no pré-teste pode ser considerada fraca (r-value 0,26) e é menor do que a correlação obtida ao analisar o número de acertos no pós teste em relação ao pré teste. Ou seja, embora o número de acertos no pré teste tenha correlação com o aprendizado (medido em ganho normalizado), essa correlação é fraca e, portanto, mesmo pessoas com pouco conhecimento sobre o assunto podem ter ganho normalizado tão altos quanto quem já possuía um conhecimento prévio sobre o assunto. Uma imagem da dispersão dos dados e da regressão linear está na Figura 10.

Figura 10
Regressão linear para ganho normalizado e acertos iniciais.

Por fim, analisamos também a proporção de acertos em cada questão para todo o grupo e para os grupos de diferentes escolaridades no pré-teste e pós-teste (Tabela 4). As três questões com piores proporções de acertos no pré-teste foram a questão 02, 03 e 06. Tanto a Questão 02 quanto a Questão 03 referem-se à indivisibilidade do fóton, enquanto a Questão 06 demanda um entendimento de medida como um processo de interação física. De fato, tanto a dificuldade em entender como o elétron pode ser detectado de forma pontual (mesmo em um experimento que há interferência quanto a dificuldade em entender o que é uma medida na mecânica quântica são relatadas na literatura) [22[22] E. Marshman e C. Singh, Physical Review Special Topics – Physics Education Research 13, 010117 (2017).].

Tabela 4
Proporção de acertos em cada questão para o grupo como um todo e para o grupo de diferentes escolaridades, no pré-teste e pós-teste.

Ao aplicar um teste de Kruskal-Wallis para todas as questões do pré-teste (com relação à escolaridade), somente a Questão 02 apresenta diferença estatisticamente significativa. Pode-se perceber, de fato, que pessoas com formação básica erraram muito mais essa questão, embora o índice de acertos seja baixo para todas as escolaridades.

No pós-teste, as questões com menor proporção de acertos foram as 06, 08 e 09 – todas essas questões se referem ao processo de medida. Assim, entendemos que a indivisibilidade do elétron passou a ser um conceito bem entendido enquanto há nuances do processo de medida que podem estar confusos para parte do grupo. Ao aplicar o teste de Kruskal-Wallis para o pós-teste, há diferença estatisticamente significativa nas questões 05, 07 e 09. Enquanto as questões 07 e 09 se referem ao processo de medida, a questão 05 envolve a noção de complementaridade entre informação de caminho e padrão de interferência. De fato, percebe-se uma diferença significativa com relação aos acertos da educação básica no item 05, indicando que essa é uma questão que merece maior atenção ao tratar o tema com pessoas que não tem formação em física.

5. Considerações Finais

No presente trabalho, discutimos o impacto de um curso de divulgação científica sobre a dualidade onda-partícula, realizado de forma virtual, para grupos que consomem esse tipo de conteúdo nas redes sociais. Nosso objetivo foi avaliar como uma iniciativa de divulgação científica impacta pessoas de diferentes escolaridades a fim de refletir sobre as potencialidades e desafios da divulgação científica. A partir dos resultados obtidos, retomamos as questões que foram apresentadas na introdução.

(i) Quais conceitos são identificados como fundamentais pela literatura especializada para ensinar conceito de dualidade onda partícula e o experimento de fenda dupla?

A partir do estudo da literatura especializada, elencamos quatro pontos fundamentais para o entendimento desse conceito (seção 2 2. Fundamentos Pedagógicos do Curso de Divulgação Científica A área de Ensino de Mecânica Quântica reconhece três grandes abordagens didáticas para o tema [14]: histórica (em que se introduz a teoria a partir da radiação de corpo negro, como fazem muitos livros introdutórios), postulacional (em que se apresentam os postulados da quântica e, rapidamente, parte-se para a utilização do formalismo matemático), e fenomenológica (em que se parte do estudo de alguns fenômenos chave para discutir conceitos fundamentais da teoria). Cada uma dessas abordagens possui potencialidades a serem exploradas e desafios a serem superados. Pesquisas no campo educacional apontam que o conhecimento prévio e concreto dos estudantes é um fator fundamental para o processo de aprendizado [15, 16]. Da mesma forma, entende-se que é preferível partir de situações concretas no início do processo de aprendizado em comparação com abordagens mais abstratas. Como o curso foi pensado para o público geral, optou-se por partir de um experimento concreto (abordagem fenomenológica) para que os participantes pudessem partir de uma situação concreta e em que pudesse analisar os resultados experimentais das situações abordadas. Da mesma forma, podemos diferenciar conhecimentos declarativos de procedimentais. Enquanto o primeiro se situa apenas no campo das declarações sobre um dado tema (ou conceito), o segundo exige uma apropriação e manipulação de ferramentas simbólicas no desenvolvimento de ações concretas [17]. Como estamos preocupados com o problema da desinformação na internet, o presente curso e pesquisa se focou no campo do conhecimento declarativo. Ademais, poderia se ter escolhido diferentes conceitos ou experimentos durante o curso. Entretanto, como se trata de um curso de divulgação científica, buscou-se dar subsídios para os participantes analisarem de forma crítica conteúdos que circulam na internet e que falam, por exemplo, sobre o “papel do observador” ou da “consciência” na Mecânica Quântica, muitas vezes recorrendo de forma equivocada ao experimento de fenda dupla. Assim, escolheu-se falar do experimento de fenda dupla e da dualidade onda partícula. A proposta pedagógica do curso era permitir que os estudantes entendam o experimento de fenda dupla e saibam prever os resultados experimentais para diferentes arranjos. Assim, o enfoque foi explicitamente em aspectos fenomenológicos, buscando evitar, dentro do possível, discussões do formalismo matemático, de interpretações filosóficas e de aspectos históricos. De uma forma geral, entretanto, adotou-se a interpretação ortodoxa da Mecânica Quântica ao falar do experimento. Para elaborar o curso e, posteriormente, o questionário que serviu de instrumento de avaliação (pré e pós-teste), primeiramente, os pesquisadores se debruçaram sobre a literatura especializada, analisando não somente livros didáticos [18], mas também livros paradidáticos [19] e artigos sobre ensino e aprendizagem de Mecânica Quântica [20,21,22]. A partir desses trabalhos, o grupo delimitou quais são os pontos centrais no entendimento do conceito de dualidade, a dizer, O elétron é indivisível e, portanto, sempre detectado de forma bem localizada. Em um experimento de fenda dupla, quando não há informação de caminho (nenhum medidor que indique a fenda pela posição), o elétron é detectado em regiões que correspondem a franjas de interferência da função de onda associada. Quando há informação de caminho, não há qualquer fenômeno de interferência. Medir é interagir fisicamente com o sistema. Uma vez delimitadas essas quatro proposições, o curso e um instrumento de avaliação (um questionário que foi utilizado como pré e pós-teste – ver Apêndice A1) foram organizados de forma a mostrar (e avaliar, no caso do questionário), no experimento de fenda dupla, como os diferentes arranjos experimentais levam ao entendimento do que Osvaldo Pessoa Jr [19] chama de versão forte da dualidade onda-partícula. Assim, o curso teve a organização indicada no Quadro 1. Quadro 1 Organização do curso. Etapa Atividade Etapa 1 Realização de um pré-teste. Etapa 2 Aulas expositivas sobre:a) Experimento de fenda dupla com partículas e ondas clássicas.b) Uma breve história do elétron: experimento de Thomson e Millikan.c) Experimentos históricos com difração de elétron.d) Experimento de Fenda dupla com elétrons únicos (diferentes arranjos). Etapa 3 Realização de um pós-teste. Sobretudo na parte (d) da segunda etapa, foi-se discutindo, passo a passo, o que acontece no experimento a fim de chegar nas quatro proposições mencionadas acima. Assim, por exemplo, primeiro se perguntava o que iria ocorrer ao passar um único elétron. Mostrava-se, então, a detecção pontual (Figura 1). Figura 1 Imagem usada no curso representando detecção de elétrons bem localizados. Depois, discutia-se o que acontece após muitos elétrons (sendo um lançado por vez), mostrando o aparecimento do padrão de interferência (Figura 2): Figura 2 Imagem do curso mostrando o aparecimento do padrão de interferência no experimento de fenda dupla. Por fim, ainda foi discutido como é possível identificar por qual fenda o elétron passou, usando, por exemplo, alguma fonte de radiação gama (indicando que medir é interagir fisicamente com o equipamento) e mostrando o resultado final no anteparo (Figura 3). Figura 3 Imagem do curso indicando a distribuição de elétrons no anteparo ao se determinar a fenda por que o elétron passou. Assim, o curso ministrado fundamentou-se em conceitos e abordagens bem estabelecidas na literatura. A diferença principal, entretanto, reside no fato de ele seguir uma abordagem conceitual (com pouco formalismo matemático) e sem entrar no mérito das diferentes interpretações da Mecânica Quântica. O foco foi prover declarações fenomenológicas corretas e precisas que habilitassem os participantes a entender aspectos básico do experimento de fenda dupla. Assim, o curso foi bastante assertivo ao apresentar diretamente aquilo que a literatura especializada vem apontando como fundamental no conceito de dualidade onda-partícula. Essa apresentação, também, foi organizada de forma a partir de situações concretas e do entendimento clássico do mundo, o que vai ao encontro das indicações das teorias de ensino e aprendizado. Ademais, o pré e pós-teste foram partes integrantes do curso, o que também tem um aspecto pedagógico. Ao responder uma série de questões iniciais sobre o tema, espera-se que os alunos já participem do curso com dúvidas e curiosidade sobre os possíveis resultados, isto é, se promove um engajamento inicial dos alunos com o conteúdo do curso, fator que é explorado, por exemplo, em diversos métodos ativos [23,24,25]. ), a dizer: (i) O elétron é indivisível e, portanto, sempre detectado de forma bem localizada; (ii) Quando não há informação de caminho em um experimento de fenda dupla (nenhum medidor que indique a fenda pela posição) o elétron é detectado em regiões que correspondem a franjas de interferência da função de onda associada; (iii) Quando há informação de caminho, não há qualquer fenômeno de interferência; (iv) Medir é interagir fisicamente com o sistema. Esses pontos foram elencados a fim de organizar tanto o curso quanto o instrumento de avaliação que foi usado para medir o aprendizado em termos de conhecimento declarativo dos participantes.

(ii) Como pessoas de diferentes escolaridades performam inicialmente em um teste de conhecimentos declarativos sobre dualidade onda partícula?

Nossos resultados indicam que há diferença estatisticamente significativa entre o desempenho inicial dos participantes da educação básica em relação aos demais grupos (Figura 4). O instrumento não possibilita a detecção de diferenças entre pessoas com escolaridade em nível de graduação e pós-graduação, o que é esperado dado o conteúdo introdutório que discute. De qualquer forma, destaca-se o baixo número de acerto de todos os grupos no pré-teste.

A literatura aponta que a formação usual oferecida no nível superior usa livros que, muitas vezes, não apresentam esses conceitos com clareza, levando a confusões conceituais [28[28] N.W. Lima, E. Antunes Jr., F. Ostermann e J.C Cavalcanti., em: X Congreso Internacional sobre Investigación en Didáctica de las Ciencias (Sevilha, 2017).]. Uma implicação desse mau preparo pedagógico é o resultado de pessoas com escolaridade em nível superior no pré-teste, que é inferior ao de pessoas de ensino médio no pós-teste. Isto é, pessoas sem formação em física que passam por um curso pedagogicamente e conceitualmente bem estruturado, em média, são mais capazes de mobilizar conhecimento declarativo sobre dualidade onda partícula do que pessoas com formação superior na área.

(iii) Podemos promover aprendizado sobre dualidade onda partícula a pessoas sem contato com Física em nível superior ou essa compreensão fica restrita a quem já tem formação na área?

Essa é a pergunta principal da presente pesquisa. O objetivo da divulgação científica é levar conhecimento para a população geral e não somente aqueles já integrantes da comunidade científica. Dessa forma, embora haja diferença entre o número de acertos no pós-teste (Figura 7), a avaliação do aprendizado em termos de ganho normalizado se mostrou sem diferença estatisticamente significativa para os diferentes grupos (em um intervalo de confiança de 95%) (Figura 9).

Em média, os participantes de diferentes escolaridades aprenderam aproximadamente 66% do que tinham para aprender (considerando o que não acertaram no pré-teste). Esse é um valor bastante elevado e indica, sim, o resultado positivo e significativo da ação de divulgação científica. Por outro lado, não se deve tomar tal resultado com otimismo excessivo. Deve-se fazer a ressalva de que se avaliou apenas conhecimento declarativo, e não operatório. Próximas pesquisas devem aprofundar o domínio de conceitos e ferramentas simbólicas a fim de avaliar o impacto de ações de divulgação científica no domínio do conhecimento operativo.

(iv) Há correlação entre aprendizado sobre a dualidade onda partícula e conhecimento prévio? Caso sim, qual intensidade dessa correlação (fraca, moderada ou forte)?

Como é esperado, o resultado do pós-teste está correlacionado significativamente com o resultado do pré-teste, entretanto essa correlação é moderada (Figuras 8 e 10). Quando se mede aprendizado em termos de ganho normalizado, a correlação passa a ser fraca. Ou seja, embora saber inicialmente mais sobre dualidade onda-partícula seja indicativo de aprendizado, isso não é suficiente para explicar o aprendizado. Mesmo pessoas com baixo desempenho inicial conseguiram ter aprendizado tão bom quanto o de pessoas com melhor resultado no pré-teste. Tal resultado também corrobora a potencialidade da divulgação científica, indicando que cursos bem estruturados tem o potencial de promover aprendizado.

(v) Quais elementos associados aos conceitos de dualidade onda-partícula são os menos compreendidos pelos diferentes grupos?

Os resultados do pré-teste indicam que as principais dificuldades de compreensão estão associadas ao entendimento sobre a indivisibilidade do elétron, que se mantém independentemente de haver padrão de interferência, e sobre o que é medida na Mecânica Quântica (ver Tabela 4). Embora o entendimento de todos os pontos melhorou no pós-teste, as questões sobre o que é medida continuaram a ser aquelas com menor número de acertos.

Os resultados obtidos nessa pesquisa, portanto, apresentam evidência do potencial de aprendizado promovido por cursos de divulgação científica, quando estruturados do ponto de vista conceitual e pedagógico. Conforme ressaltamos, a pesquisa se centrou na promoção de conhecimento declarativo, o que – no primeiro momento – nos parece mais importante no sentido de promover aprendizado sobre informações corretas sobre a mecânica quântica, opondo-se à rede de desinformação que existe nas redes sociais. Esperamos que os presentes resultados motivem maiores esforços tanto na divulgação científica quanto na pesquisa sobre o impacto da divulgação científica.

Material suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online:

Apêndice 1 Instrumento de Avaliação.

Referências

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  • 1
    No questionário, apesar de se dar ánfase ao aspecto fenomenológico, adotou-se, também, a interpretação ortodoxa da mecânica quântica. Além disso, as questões levam em conta a ideia de que o arranjo experimental não é modificado ao longo do experimento. Sugerimos que, caso se deseje aplicar o questionário, essas informações sejam adicionadas na sua apresentação.
  • 2
    A classificação levou em conta o grau de formação em que a pessoa teve contato com Física. Por exemplo, alguém formado em Engenharia foi colocado no grupo graduação pois estudou física na graduação. Alguém formado em letras foi classificado no grupo Educação Básica pois estudou física formalmente apenas na Educação Básica.
  • 3
    Krusk-Wallis rank sum test é um teste não paramétrico. Optou-se por esse teste após realizar o teste de Shapiro-wilk, que indicou não podermos assumir a normalidade da distribuição de acertos na amostra estudada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2024
  • Aceito
    29 Jul 2024
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