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Singularidade tipo delta dos campos elétrico e magnético de um dipolo

Delta-like singularity of the electric and magnetic fields of a dipole

Resumo

Neste trabalho, discutiremos a importância da função delta de Dirac na descrição do comportamento singular dos campos elétrico e magnético para os seus respectivos dipolos. Como ponto de partida, apresentremos dois teoremas fundamentais da eletrostática e magnetostática, que estão relacionados com o valor médio volumétrico dos respectivos campos sobre um volume de uma esfera de raio R. Também demonstraremos a identidade de Frahmij1r, onde i=xi é o operador diferencial associado a coordenada xi. Esta identidade envolve um termo tradicionalmente obtido por deriravas explícitas das coordenadas e um termo envolvendo a delta de Dirac δ(r). A partir desta identidade, calcularemos os campos E e B dos dipolos elétrico e magnético, respectivamente, incluindo a singularidade tipo delta na origem.

Palavras-chave:
Delta de Dirac; dipolos elétrico e magnético; singularidades dos campos eletromagnético


1. Introdução

Em teoria clássica de campos, os campos variando com o inverso da distância é de grande importância para discutirmos fontes pontuais idealizadas. Os físicos tradicionalmente usam funções delta de Dirac para descrever o comportamento não usual de problemas físicos [1[1] A. Rabinovitch, Am. J. Phys. 53, 768 (1985).,2[2] I.R. Lapidus, Am. J. Phys. 54, 459 (1986).,3[3] M.G. Calkin, D. Kiang e Y. Nogami, Am. J. Phys. 55, 737 (1987).,4[4] J.R. Mohallen e L.M. Oliveira, Am. J. Phys. 58, 590 (1990).,5[5] D. Griffiths, Am. J. Phys. 60 , 979 (1992).,6[6] P.T. Leung e G.J. Ni , Eur. J. Phys. 27, N1 (2006).,7[7] R. Skinner e J.A. Weils, Am. J. Phys. 57, 777 (1989).].

A função delta (δ) foi introduzida na literatura pelo físico teórico Paul Dirac em 1930 no seu livro: The Principles of Quantum Mechanics [8[8] P.A.M. Dirac, The Principles os Quantum Mechanics (Oxford University Press, Oxford, 1930).]. Esta “função” tem a função delta de Kronecker δi, j, que vale 0 se ij e 1 se i = j, uma representação análoga no domínio discreto.

O uso matemático da função δ foi contestado durante muito tempo, até que a partir da década de 1950 um grupo de matemáticos, entre os quais citamos o francês Laurent Schwartz, desenvolveram uma teoria rigorosa para a função δ, na qual ela é considerada uma função generalizada (distribuição). Schwartz foi o pioneiro na teoria das distribuições [9[9] L. Schwartz, Théorie des Distributions (Hermann, Paris, 1950), v. 1., 10[10] L. Schwartz, Théorie des Distributions (Hermann, Paris, 1950), v. 2.], que deu um significado bem definido aos objetos como a função delta de Dirac. Em virtude dessa teoria, o matemático Schwartz foi agraciado com a maior honraria da matemática: A medalha Fields.

A função δ tem sido aplicada rotineiramente na física. No eletromagnetismo é usada para modelar objetos pontuais e descrever as singularidades dos campos. Na mecânica quântica, onde a função δ se originou, ela é fundamental na descrição matemática do espaço de Hilbert. Na engenharia, em processamento de sinais, a função δ é usada para modelar sinais de impulso idealizados, que são essenciais para analisar e compreender sistemas lineares invariantes no tempo. A resposta impulsiva de um sistema é a saída quando a entrada é uma função δ, e ela caracteriza o comportamento do sistema.

A função delta de Dirac tem sido muito usada na física para descrever a singularidade de uma dada grandeza no certo ponto do espaço r o, na qual representamos e definimos em três dimensões como

(1) δ ( r r o ) = 0 , se r r o , se r = r o .

Rigorosamente falando, δ(rr o) não é uma função propriamente dita e sim uma distribuição de probabilidade [11[11] G.B. Arfken e H.J. Weber, Mathematical Methods for Physicists (Academic Press, California, 1985), 3 ed.,12[12] N.A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Fis. 32, 4701 (2010).,13[13] M. Amaku, F.A.B. Coutinho, O. Eboli e E. Massad, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20210132 (2021).] localizada em r o. Em termos da distribuição gaussiana, temos a definição:

(2) δ ( r r o ) = lim σ o 0 1 2 π σ o 2 3 / 2 e r r o 2 2 σ o 2 ,

onde σo2 é o desvio médio quadrátrico, que está representando a largura (σo) da distribuição de probabilidade em torno do seu valor médio r=r o.

Note que, em coordenadas cartesianas, a função delta em três dimensões δ(rr o) pode ser decomposta no produto de três deltas associadas as suas respectivas coordenadas, isto é, δ(rr o)=δ(xxo)δ(yyo) δ(zzo). Portanto, da definição (2) temos que δ(rr o) é o produto de três gaussianas nas respectivas coordenadas com a mesma largura σo. Em coordenadas curvilíneas q=(q1, q2, q3) temos que, a função delta δ(rr o) é dada por [11[11] G.B. Arfken e H.J. Weber, Mathematical Methods for Physicists (Academic Press, California, 1985), 3 ed.]

(3) δ ( r r o ) = δ ( q 1 q o 1 ) h 1 δ ( q 2 q o 2 ) h 2 δ ( q 3 q o 3 ) h 3 ,

onde hi=j=13xiqj21/2 é a métrica do espaço, pois o produto hiqi tem a dimensão de distância, e xi(q) é a lei de transformação entre as coordenadas cartesianas r=(x=x1, y=x2, z=x3) e as coordenadas curvilíneas q. Por exemplo, em coordenadas esféricas (q1 = r, q2 = θ, q3 = φ) temos que h1 = 1, h2 = r sin θ e h3 = r, onde r ∈ [0, ∞), θ ∈ [0, π] e φ ∈ [0, 2π].

Como consequência da definição (2), se tivermos uma função (escalar ou vetorial) analítica f(r), a função δ satisfaz a seguinte propriedade:

(4) D f ( r ) δ ( r r o ) d 3 r = f ( r 0 ) , se r o D 0 , se r o D ,

onde D é o domínio da integral volumérica e d3r=h1h2h3dq1dq2dq3 é o volume infinitesimal.

Usando o teorema da divergência para a função 1rr o=21rr o é simples demonstrar a identidade [11[11] G.B. Arfken e H.J. Weber, Mathematical Methods for Physicists (Academic Press, California, 1985), 3 ed.]:

(5) 2 1 r r o = 4 π δ ( r r o ) .

No eletromagnetismo, uma simples aplicação da função delta de Dirac é na definição da densidade volumétrica ρ(r) para uma distribuição de cargas puntiformes {qi}, localizadas nas respectivas posições espaciais r i, onde expressamos ρ(r) na forma [14[14] K.D. Machado, Eletromagnetismo (Toda Palavra Editora, Niteroi, 2012), v. 1.,–16[16] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova Jersey, 1998), 3 ed.]

(6) ρ ( r ) = i q i δ ( r r i ) ,

que é consistente com a relação

(7) q = ρ ( r ) d 3 r = i q i ,

onde temos usado a propriedade (4) e a integral (7) é feita sobre todo o espaço.

Um outro exemplo para exprimir ρ(r) em termos da função delta é o caso de um anel no plano z = 0 de raio a. Assumindo uma distribuição de carga q homogênea e o seu centro localizado na origem do sistema de coordenadas, temos que ρ(r) em coordenadas esféricas [14[14] K.D. Machado, Eletromagnetismo (Toda Palavra Editora, Niteroi, 2012), v. 1., 16[16] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova Jersey, 1998), 3 ed.] é dada por

(8) ρ ( r ) = λ δ ( r a ) δ ( θ π / 2 ) r sin θ

onde integrando q=ρ(r)d3r, usando a propriedade (4) e d3r=r2sinθdrdθdφ, mostramos que λ = q/2πa.

O resultado (6) pode ser usado para demonstrar a propriedade (5). Assim, considere o caso de uma carga (monopolo elétrico) q localizada em r o, logo, do eletromagnetismo o campo elétrico no ponto r é dado por

(9) E ( r ) = 1 4 π ε o q r r o r r o 3 = ϕ ( r ) ,

sendo

(10) ϕ ( r ) = 1 4 π ε o q r r o .

o potencial elétrico.

Partindo da lei de Gauss na sua forma diferencial E=ρ(r)εo, onde ρ(r)=qδ(rr o), e usando a expressão (9) do campo elétrico, demonstramos de imediato a identidade (5). Esta demonstração é semelhante a que tem sido feita por outros autores [14[14] K.D. Machado, Eletromagnetismo (Toda Palavra Editora, Niteroi, 2012), v. 1.16[16] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova Jersey, 1998), 3 ed.]. Como o campo elétrico é derivado de um potencial, isto é, E(r)=ϕ(r), então, este campo satisfaz a propriedade ×E(r)=0, portanto, dizemos que E(r) é um campo conservativo.

Um outro cálculo simples na eletrostática é o caso do potencial de um dipolo elétricop. O momento p é definido como sendo constituído por duas cargas simétricas (q e −q), separadas por uma pequena distância a, tal que, o momento de dipolo p=q a, onde a é o vetor que vai da carga negativa −q para a carga positiva q. Considerando que o centro de massa deste dipolo esteja localizado no ponto r o, então, no curso de eletromagnetismo mostramos que [14[14] K.D. Machado, Eletromagnetismo (Toda Palavra Editora, Niteroi, 2012), v. 1.16[16] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova Jersey, 1998), 3 ed.]

(11) ϕ ( r ) = 1 4 π ε o p r r o r r o 3 .

Do ponto de vista rigoroso, o momento de dipolo é definido no eletromagnetismo como sendo o limite da distância entre as cargas tendendo a zero. Assim sendo, consideramos este dipolo como um objeto pontual. Tomando o gradiente do potencial (11), obtemos o campo elétrico E(r)=ϕ(r) do dipolo elétrico, que é dado por [14[14] K.D. Machado, Eletromagnetismo (Toda Palavra Editora, Niteroi, 2012), v. 1., 17[17] J.R. Reitz e F.J. Milford, Foundations of Electromagnetic Theory (Addison-Wesley, Reading, 2008), 4 ed.]

(12) E ( r ) = 1 4 π ε o 1 R 3 3 p R ^ R ^ p ,

onde R=rr o é o vetor que liga o centro de massa do dipolo ao ponto onde desejamos calcular o campo (i.e., o ponto r), R=rr o é a distância do centro de massa do dipolo ao ponto r e R^=RR é o versor na direção do vetor R.

Este resultado muito familiar do campo elétrico (12) não está completo, pois mostraremos que está incompatível com o teorema da eletrostática que demonstraremos na seção 2 2. Teorema da Eletrostática No estudo da eletrostática em meios dielétricos é necessário conhecer o valor médio volumétrico do campo elétrico dentro de uma superfície esféria de raio R, que é definido por [21] (14) E → = 1 V ∫ V E → ( r → ) d 3 r → , onde V=4π3R3 é o volume da esfera centrada na origem. Considerando que o volume V envolve uma dada distribuição de carga ρ(r→), então, o valor da integral (14) é dado por (15) E → = − 1 V 1 3 ε o ∫ r → ρ ( r → ) d 3 r → = − 1 V p → 3 ε o , onde este resultado é conhecido como teorema da eletrostática. Se o volume V não contiver a distribuição de carga, a média volumétrica resultará no valor do campo elétrico na origem da esfera de raio R, ou seja, (16) E → = 1 V ∫ V E → ( r → ) d 3 r → = E → ( 0 ) . Os resultados (15) e (16) têm sido discutido na literatura [16], mas usando um rigor matemático além do alcance para um aluno de graduação 2.1. Demonstração A demonstração do teorema (15) tem sido muito pouco discutido nos livros-texto de eletromagnetismo. Por exemplo, no livro do Jackson [16] é usado uma linguagem matemática avançada, em termos dos harmônicos esféricos, que é um tópico não conhecido pelo estudante ao cursar a disciplina de eletromagnetismo da graduação. No livro do Lorrain e Corson [21] usaram argumentos de simetria e realizaram um cálculo para o caso de uma carga puntiforme localizada na posição a→=az^, conforme está esquematizado na Figura 1. No trabalho do Griffiths [22], e que se encontra no seu livro de eletromagnetismo [15] como problema proposto, foi argumentado que, a média volumétrica do campo elétrico de uma carga puntiforme localizada na posição a→=az^ é exatamente o mesmo que a média volumétrica do campo elétrico no ponto a→ de uma esfera de raio R com carga uniformemete distribuída com densidade ρ=−qV. Usando a lei de Gauss [17], mostra-se que E→=−ρ3εoa→. Logo, usando a definição (15) demonstra-se de imediato o teorema (15), onde p→=q a→. Figura 1 Uma carga puntiforme q localizada na posição a→=az^ do centro de uma esfera de raio R. Neste trabalho apresentaremos uma forma alternativa da demonstração do teorema da eletrostática (15), que achamos ser mais acessível de entendimento para estudante de graduação de uma maneira geral, podendo até mesmo ser facilmente compreendido por um estudante no ciclo básico dos cursos de engenharias e exatas. Primeiro, vamos escrever o campo elétrico da carga q da Figura 1 sobre o volume infinitesimal d3 r→, que é dado por (17) E → ( r → ) = 1 4 π ε o q ( r → − a → ) r → − a → 3 . Em coordenadas esféricas, onde temos r→=r sin θcos φx^+r sin θsin φy^+r cos θz^ e a→=az^, escrevemos o campo elétrico (17) por (18) E → ( r → ) = E x ( r → ) x ^ + E y ( r → ) y ^ + E z ( r → ) z ^ , sendo (19) E x ( r → ) = q 4 π ε o r sin θ cos φ r 2 + a 2 − 2 a r cos θ 3 / 2 E y ( r → ) = q 4 π ε o r sin θ sin φ r 2 + a 2 − 2 a r cos θ 3 / 2 E z ( r → ) = q 4 π ε o r cos θ − a r 2 + a 2 − 2 a r cos θ 3 / 2 as componentes do campo elétrico. Agora, substituindo (18) em (15), onde as componentes x e y se anulam devido as integrais azimutais (φ) serem nulas, ficamos com (20) E → = 1 V q 4 π ε o ​ ∫ 0 R r 2 d r ​ ∫ 0 π ​ r cos θ − a sin θ d θ r 2 + a 2 − 2 a r cos θ 3 / 2 ​ ∫ 0 2 π ​ d φ z ^ = 1 V q 2 ε o ∫ 0 R r 2 d r ∫ 0 π r cos θ − a sin θ d θ r 2 + a 2 − 2 a r cos θ 3 / 2 z ^ . Fazendo a mudança de variável x = cos θ em (20), e realizando uma integração por partes (21) u = r x − a → d u = r d x d v = d x r 2 + a 2 − 2 a r x 3 / 2 → v = 1 a r 1 r 2 + a 2 − 2 a r x 1 / 2 , ficamos com E → = q 2 V ε o ∫ 0 R r 2 d r r x − a a r r 2 + a 2 − 2 a r x − 1 1 − 1 a ∫ − 1 1 d x r 2 + a 2 − 2 a r x z ^ , e realizando a integral na variável x, obtemos (22) E → = q 2 V ε o ∫ 0 R r 2 d r 1 a r r − a r − a + 1 + 1 a 2 r r 2 + a 2 − 2 a r x − 1 1 z ^ = q 2 V ε o ∫ 0 R r 2 d r 1 a r r − a r − a + 1 + 1 a 2 r r − a − r + a z ^ . Finalmente, para realizarmos a integral radial vamos dividí-la em duas partes, uma para r ∈ [0, a] (onde |r − a| = −(r − a)) e a outra para r ∈ [a, R] (onde |r − a| = (r − a)). A segunda parte da integral é nula, logo, para R > a ficamos com (23) E → = q 2 V ε o ∫ 0 a r 2 d r 1 a r r − a − r − a + 1 + 1 a 2 r − r − a − r + a z ^ = q 2 V ε o ∫ 0 a r 2 d r 1 a 2 r − 2 r z ^ = − q a 2 V ε o ∫ 0 a r 2 d r z ^ = − q a 2 V ε o a 3 3 z ^ , resultando em (24) E → = − 1 V p → 3 ε o , onde p→=q a→. O teorema (15) foi demonstrado para uma única carga puntiforme q localizada na posição a→=az^. Se considerarmos uma coleção de cargas discretas {qi} localizadas nas respectivas posições a→i, devido ao princípio da superposição o campo resultante é a soma vetorial dos campos individuais de cada carga puntiforme, assim sendo, o resultado que encontraremos para a média volumétrica deste campo resultante é dada pela Eq. (15), onde o momento de dipolo será definido por (25) p → = ∑ i p → i = ∑ i q i a → i , e no limite do contínuo, fazemos qi→dq=ρ(r→)d3r→ e a→i→r→, resultando em (26) p → = ∫ r → ρ ( r → ) d 3 r → . Se, por outro lado, o volume V=4π3R3 não envolver a carga puntiforme q, ou seja, se R < a, na integral em (23) devemos modificar o limite de integração para r ∈ [0, R], resultando em E → = q 2 V ε o ∫ 0 R r 2 d r 1 a 2 r − 2 r z ^ = − q a 2 V ε o ∫ 0 R r 2 d r z ^ = − q a 2 V ε o R 3 3 z ^ , logo, ficamos com (27) E → = − 1 4 π ε o q a 2 z ^ = E → ( 0 ) . Em outras palavras, o valor médio do campo elétrico sobre um volume não contendo a carga (ou distribuição de carga) é igual ao valor do campo elétrico no centro da esfera. Este resultado (27) tem sido demonstrado por Jackson [16] no seu livro: Classical Electrodynamics usando métodos matemáticos avançados, neste trabalho demonstramos de uma maneira muito simples. 2.2. Material dielétrico Uma das aplicações do teorema da eletrostrática é no estudo dos materiais dielétricos (isolantes) na presença de um campo elétrico externo. Os dielétricos são constituídos por dois tipos de moléculas: i) apolares, onde os centros de massa das cargas eletrônicas e nucleares coincidem (moléculas simétricas), e ii) polares, são formados por moléculas assimétricas. Possuem moléculas simétricas todas as substâncias diatômicas de átomos iguais (H2, O2), o CO2, os gases raros, o benzeno, o naftaleno, etc, estas não possuem momentos de dipolos. Entre as substâncias polares temos a água (H2O), o álcool, o gás sulfídrico, o óxido de nitrogênio e em geral todas as substâncias diatômicas de átomos desiguais. As moléculas polares apresentam momentos de dipolos permanentes p→, da ordem de alguns debyes (1debye 3, 34 × 10−30 C.m). Por exemplo, a água e o cloreto de potássio têm momentos de dipolos 1, 8 e 6, 3 debyes, respectivamente. Sempre que uma molécula (ou átomo) apolar é colocada na presença de uma campo externo E→ o, as cargas nucleares (positiva) tendem a se deslocar no sentido do campo e as eletrônicas (negativas) no sentido contrário. Com estas separações das cargas positivas e negativas, teremos a formação de um dipolo induzido, cujo valor do momento p→ é proporcional ao campo E→ o, ou seja, p→=αE→ o, onde a constante α=4πεoα¯ é chamada de polarizabilidade. Os valores de α¯ (em unidade de 10−30 m3) têm sido medido experimentalmente para diversos átomos [23], por exemplo, α¯(H)=0,667, α¯(He)=0,205 e α¯(Li)=24,3. Sendo p→ o momento de dipolo resultante de uma dada distribuição de carga volumétrica ρ(r→), então, definimos a polarização (média) do material como a razão entre o momento resultante p→ e o volume do material. De uma maneira mais rigorosa, definimos a poralização por P→(r→)=dp→dv, onde dp→ é o momento dipolar associado ao elemento de volume infinitesimal dv=d3r→ localizado na posição r→ da amostra. O grau de polarização de um material dielétrico depende não somente do campo aplicado, mas também das propriedades constitutivas do meio, resultantes do comportamento de suas moléculas na presença do campo externo. A forma pela qual o meio se comporta na presença do campo, isto é, a forma da função P→=P→(E→) caracteriza cada meio dielétrico. Em geral, os materiais apresentam polarização nula na ausência de campo elétrico externo. Existem algumas poucas exceções, os chamados eletretos, que podem apresentar polarização permanente, isto é, têm P→=P→(E→=0)≠0. Nos materiais isotrópicos, cujas propriedades independem da direção espacial, como os fluidos em geral, sólidos amorfos ou policristalizanos, o vetor polarização é paralelo ao campo [15, 21]: (28) P → = ε o χ e ( E ) E → , onde o escalar χe (no caso geral é uma função da intensidade do campo externo) é denominado de susceptibilidade elétrica. Outros autores [16, 14, 17] têm definido diferente a expressão (25), na qual P→=χ¯eE→, onde a susceptibilidade χ¯e=εoχe tem a mesma unidade da grandeza permissividade (i. e., a unidade de χ¯e no SI é C2/N.m2), enquanto que, o valor de χe na Eq. (28) é uma grandeza adimensional. Para os meios lineares (materiais sob ação de baixos campos), a susceptibilidade e a permissividade do meio (ε) independem do campo. Assim, o comportamento de um material dielétrico fica completamente especificado, ou pelo valor de χe ou pelo valor de ε, e estas grandezas estão relacionadas entre si, ou seja, χe = k − 1, onde k = ε/εo é a permissividade relativa. Uma distribuição de dipolos induzidos por campo externo gera em todo o espaço um campo eletrostático com as mesmas propriedades que o gerado por cargas livres. O campo dos dipolos tende a se opor, dentro da amostra dielétrica (com permissividade ε), ao campo externo E→ o, então, o campo resultante será dado por (29) E → i = E → o + E → , onde E→ i denominamos do campo local no interior da amostra, E→ o é o campo externo aplicado na amostra e E→ é a média volumétrica, definida em (14), do campo elétrico gerado pelos dipolos induzidos na amostra. Para calcular o valor de E→ necessitamos da forma e da distribuição das cargas das moléculas dentro da amostra. Por simplicidade, consideramos a amostra dielétrica na forma de uma esférica de raio igual a R. Do teorema da eletrostática (15) temos que E→=−P→3εo, portanto, o campo local no interior da amostra (29) ficará escrito na forma (30) E → i = E → o − P → 3 ε o , que claramente temos um decréscimo do campo local, em relação ao campo externo E→ o, devido à polarização do dielétrico. Em geral, a expressão (30) é usada de maneira aproximada, que é exata apenas para o caso de um dielétrico esférico, mas esta aproximação concorda surpreendentemente com os dados experimentais [21]. O resultado (30) pode também ser demonstrado usando o método das condições de contorno. No curso de eletromagnetismo da graduação em física, certamente todos os estudantes têm resolvido o problema de uma esfera dielétrica, de raio R e permissividade ε, na presença de uma campo externo uniforme E→ o. O valor do campo elétrico em toda região do espaço [15–19] é dado por (31) E → = E → o + 1 4 π ε o 1 r 3 3 p → ⋅ r ^ r ^ − p → , para r > R (exterior) 3 k + 2 E → o , para r < R (interior) , onde k = ε/εo e p→=4πR33P→ é o momento de dipolo (resultante) induzido na amostra dielétrica devido ao campo elétrico externo E→ o. Usando a equação constitutiva da polarização (28), com χe = k − 1, e a expressão do campo no interior da esfera dielétrica, escrevemos a polarização na forma (32) P → = ε o k − 1 3 k + 2 E → o = 3 ε o ε − ε o ε + 2 ε o E → o = 3 ε o 1 − 3 ε o ε + 2 ε o E → o . Combinando o valor da polarização (32) com o campo no interior da amostra, a Eq. (31) para o caso r < R, mostramos que a expressão do campo local E→ i é a mesma dada pela Eq. (30). . A fim de que o campo elétrico satisfaça este teorema, um termo proporcional à função delta de Dirac δ(R) é introduzido [16[16] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova Jersey, 1998), 3 ed., 18[18] J.A. Stratton, Electromagnetic Theory (John Wiley & Sons, Hoboken, 2007), 2 ed., 19[19] W.K.H. Panofsky e M. Phillips, Classical Electricity and Magnetism (Addison-Wesley, Reading, 1962), 1 ed.] sem uma análise mais rigorosa. Na seção 3 3. Identidade da Função Delta Vamos aplicar o teorema (15) para o caso simples do dipolo elétrico, cuja expressão do campo elétrico é dada pela Eq. (12). Sem perda de generalidade, consideremos um momento de dipolo na origem e ao longo da direção do eixo z, p→=pz^. Assim sendo, em coordenadas esféricas, o campo elétrico deste dipolo é dado por (33) E → ( r → ) = 1 4 π ε o p r 3 [ 3 sin θ cos φ x ^ + 3 sin θ sin φ y ^ + ( 3 cos 2 θ − 1 ) z ^ ] . Substituindo (33) em (14), onde claramente as integrais azimutais (φ) são nulas (componentes x e y do campo), obtemos (34) E → = 1 V p 4 π ε o ∫ 0 R d r r ∫ 0 π ( 3 cos 2 θ − 1 ) sin θ d θ ∫ 0 2 π d φ z ^ = 0 ! ! que é inconsistente com o teorema (15). A fim de que o campo elétrico satisfaça este teorema da eletrostática (15), alguns autores [15, 16] têm introduzido um termo proporcional a delta de Dirac de tal maneira que, escreveram a expressão do campo elétrico no ponto qualquer no espaço por (35) E → ( r → ) = 1 4 π ε o 1 r 3 3 p → ⋅ r ^ r ^ − p → − p → 3 ε o δ ( r → ) , que agora, usando a propriedade da delta (4), a expressão (35) claramente satisfaz o teorema (15). 3.1. Singularidade do campo elétrico deum dipolo Iremos a seguir demonstrar o resultado (35) sem a necessidade de recorrer ao teorema da eletrostática (15). Nosso objetivo consiste no cálculo direto do gradiente do potencial do dipolo elétrico (11), localizado na origem do sistema de coordenadas, cuja componente i do campo elétrico é dada por (36) E i = − 1 4 π ε o ∂ i p → ⋅ r → r 3 = − 1 4 π ε o ∑ j p j ∂ i ∂ j x j r 3 , ou na forma mais simplificada (37) E i = 1 4 π ε o ∑ j p j ∂ i ∂ j 1 r . Para obter a componente Ei do campo elétrico (37), necessitamos conhecer a segunda derivada de 1/r, isto é, ∂i∂j1r. Do ponto de vista da análise vetorial, sem levar em consideração a singularidade na origem, temos que (38) ∂ i ∂ j 1 r = 3 x i x j − r 2 δ i , j r 5 . Porém, se i = j e fizermos uma soma sobre todas as variáveis (i = 1, 2, 3), a Eq. (38) não reproduz a identidade (5). Assim, é de esperar que a relação (38) deve está faltando o termo da singularidade na origem, tipo da função δ, conforme a identidade de Frahm (13). Usaremos os seguintes argumentos [20] para demonstrar a identidade (13): 1) Sobre uma rotação do espaço, a distância radial r é um escalar, enquanto os operadores diferenciais ∂i se transformam como um vetor. Então, as derivadas n-ésimas de 1/r deve se transformar como um tensor de ordem n. 2) Devido a simetria entre as derivadas, o tensor deve ser completamente simétrico. 3) As derivadas n-ésimas de 1/r devem ser expressas em termos das coordenadas xi, do tensor simétrico δi,j (símbolo delta de Kronecker) e derivadas de ordem n - 2 da função delta de Dirac δ(r→). Diante destes argumentos, a segunda derivada de 1/r será escrita na forma: (39) ∂ i ∂ j 1 r = a ( r → ) δ i , j + b ( r → ) x i x j . Os coeficientes a(r→) e b(r→) são determinados analisando alguns casos particulares. Por exemplo, usando a identidade (5) temos (40) ∑ i ∂ i ∂ i 1 r = − 4 π δ ( r → ) . Substituindo (39) em (40), obtemos (41) 3 a ( r → ) + b ( r → ) r 2 = − 4 π δ ( r → ) , onde r2=∑ixi2. Uma segunda relação pode ser encontrada avaliando explicitamente a derivada mista com i ≠ j da função 1/r, resultando em (42) ∂ i ∂ j 1 r = 3 x i x j r 3 , e comparando (42) com (39), obtemos (43) b ( r → ) = 3 r 3 . Substituindo (43) em (41), teremos (44) a ( r → ) = − 4 π 3 δ ( r → ) − 1 r 3 . Finalmente, substituindo (43) e (44) em (39), ficamos com (45) ∂ i ∂ j 1 r = − 4 π 3 δ i , j δ ( r → ) + 3 x i x j − r 2 δ i , j r 5 , provando, assim, a identidade da delta. Vamos agora substituir (45) em (37), resultando em E i = 1 4 π ε o ∑ j p j − 4 π 3 δ i , j δ ( r → ) + 3 x i x j − r 2 δ i , j r 5 = 1 4 π ε o − 4 π p i 3 δ ( r → ) + 1 r 5 3 ∑ j x j p j x i − r 2 p i , logo, mostramos que (46) E i = 1 4 π ε o 1 r 5 3 p → ⋅ r → x i − r 2 p i − p i 3 ε o δ ( r → ) , que corresponde o resultado (35), onde p→⋅r→=∑jxjpj. Podemos usar o resultado do campo elétrico (46), ou a sua forma vetorial (35), para demonstrar diretamente o teorema da eletrostática (15). Como comentado anteriormente, o primeiro termo da Eq. (35) para a integral de volume é nulo, enquanto que, o segundo termo envolvendo a delta de Dirac é não nulo. Assim sendo, usando a propriedade (4) demonstramos facilmente este teorema. De maneira análoga [20, 24, 25], podemos mostrar que o tensor de ordem três é expresso por (47) ∂ i ∂ j ∂ k 1 r = − 4 π 5 δ j , k ∂ i + δ i , k ∂ j + δ i , j ∂ k δ ( r → ) + 3 δ j , k x i + δ i , k x j + δ i , j x k r 5 − 15 x i x j x k r 7 , e assim por diante [26]. Esta nova identidade pode ser usada para determinar o divergente do campo elétrico (i.e., ∇→⋅E→=∑i∂iEi), assim podemos exprimir a lei de Gauss em termos da função delta de Dirac [6]. 3.2. Singularidade do campo magnético de um dipolo Vamos fazer uso da identidade (45) para calcular o campo magnético B→(r→) de um dipolo magnético m→. Devido a propriedade (ausência de carga magnética) ∇→⋅B→=0, temos que o campo B→ é derivado do rotacional de um potencial vetor A→(r→), isto é, B→=∇→×A→. O potencial vetor de um dipolo magnético, localizado na origem, é dado por [15–19] (48) A → ( r → ) = μ o 4 π m → × r → r 3 . Definindo os vetores a→=m→ e b→=r→r3=−∇→1r, usando a identidade do rotacional [11] (49) ∇ → × a → × b → = b → ⋅ ∇ → a → − a → ⋅ ∇ → b → − b → ∇ → ⋅ a → + a → ∇ → ⋅ b → , sendo a→ um vetor constante, então, a Eq. (49) se reduz a (50) ∇ → × a → × b → = a → ⋅ ∇ → b → + a → ∇ → ⋅ b → = m → ⋅ ∇ → ∇ → 1 r − m → ∇ 2 1 r . Combinando (48) e (50), e usando a identidade (5), escrevemos (51) B → = ∇ → × A → = μ o 4 π m → ⋅ ∇ → ∇ → 1 r + μ 0 m → δ ( r → ) . Vamos agora calcular o primeiro termo do segundo membro da Eq. (51). Assim, escrevemos a componente i do campo (51) (52) B i = μ o 4 π ∑ j m j ∂ i ∂ j 1 r + μ 0 m i δ ( r → ) . Usando a identidade da delta (45), reescrevemos a Eq. (52) por B i = μ o 4 π ∑ j m j − 4 π 3 δ i , j δ ( r → ) + 3 x i x j − r 2 δ i , j r 5 + μ 0 m i δ ( r → ) = − μ o 3 m i δ ( r → ) + μ o 4 π 1 r 5 3 ∑ j x j m j x i − m i r 2 + μ 0 m i δ ( r → ) , logo, o campo magnético B→ de um dipolo magnético, incluindo a singularidade na origem, será dado por (53) B → ( r → ) = μ o 4 π 1 r 3 3 m → ⋅ r ^ r ^ − m → + 2 μ o m → 3 δ ( r → ) . onde temos usado o fato de que m→⋅r→=∑jxjmj. Uma maneira alternativa [20] de demonstrar o resultado (53) é usando o tensor Levi-Civita εijk na definição da componente do produto vetorial (a→×b→)i=εijkajbk. Note que nesta representação tensorial temos uma soma implícita nos índices j e k. Assim sendo, a componente i do campo magnético Bi=∇→×A→i=εijk∂jAk, onde da expressão (48) Ak=−μo4πεklmml∂m 1r, é dada por (54) B i = − μ o 4 π m l ε i j k ε k l m ∂ j ∂ m 1 r , onde temos uma soma implícita nos índices j, k, l e m. Fazendo uso da identidade [11]εijkεklm = εkijεklm = δi,lδj,m − δi,mδj,l e da expressão do tensor de segunda ordem (45), reescrevemos (54) na forma B i = − μ o 4 π m l δ i , l δ j , m − δ i , m δ j , l ⋅ − 4 π 3 δ j , m δ ( r → ) + 3 x j x m − r 2 δ j , m r 5 + μ 0 m i δ ( r → ) , fazendo as somas implícitas nos índices j, k, l e m, para um dado índice i fixo, obtemos (55) B i = μ o 4 π 1 r 5 3 ∑ j x j m j x i − r 2 m i + 2 μ 0 3 m i δ ( r → ) , que corresponde ao mesmo resultado vetorial (53), onde ∑jxjmj=m→⋅r→. Podemos extender o teorema da eletrostática para o caso da magnetostática, onde o valor médio volumétrico do campo magnético B→, devido a uma distribuição arbitrária de correntes estacionárias, sobre um volume V de raio R é dado por (56) B → = 1 V ∫ V B → ( r → ) d 3 r → = 1 V 2 μ o m → 3 , onde m→=12∫r→ × J→d3r→ é o momento de dipolo magnético e J→ o vetor densidade de corrente elétrica no volume V. A expressão (56) é conhecida como o teorema na magnetostática. Demonstraremos o teorema (56) usando a expressão do campo magnético (53), mas o leitor interessado pode encontrá-la em algumas referências [16, 21, 22] formas alternativas. Sem perda de generalidade, considerando o momento de dipolo magnético na direção do eixo z, m→=mz^, o primeiro termo da Eq. (53) na integral de volume (56) é nula. Entretanto, usando a propriedade da delta (4), a integral volumétrica envolvendo o segundo termo será não nulo, e resultará no resultado do teorema da magnetostática. Um resultado bem conhecido e de grande importância da presença do termo delta na expressão (53) é na manifestação da estrutura hiperfina do estado fundamental do átomo de hidrogênio neutro [22], dando origem à famosa radiação da linha 21 cm na astronomia. Esta linha 21 cm está associada a separação do nível de energia do estado 1s, devido a interação dipolar entre os momentos magnéticos do elétron (m→1=γe S→ 1) e do próton (m→2=γp S→2), em dois níveis muito próximos (δE = 10−4 eV), um correspondente ao estado singleto (spins antiparalelo) e o outro ao estado tripleto (spins paralelo). A linha de 21 cm do hidrogênio e a radiação cósmica de fundo em micro-ondas são ferramentas poderosas em cosmologia e astrofísica, cada uma oferecendo uma janela única para entender a formação e evolução do Universo, elas são complementares. A radiação cósmica de fundo foi descoberta acidentalmente por Arno Penzias e Robert Wilson [27], em 1965, e tem uma temperatura de cerca de 2.725 K e é quase uniforme em todas as direções do espaço, com pequenas anisotropias. Esta radiação cósmica dar uma visão única do Universo como ele era cerca de 380.000 anos após o Big Bang, enquanto que, a linha de 21 cm fornece dados sobre a distribuição e a dinâmica do hidrogênio neutro em diferentes épocas cósmicas. , discutiremos os argumentos (plausíveis) de Frahm [20[20] C.P. Frahm, Am. J. Phys. 51, 826 (1983).] para demonstrar a identidade:

(13) i j 1 R = 4 π 3 δ i , j δ ( R ) + 3 X i X j R 2 δ i , j R 5 ,

onde Xi = xix0i é a componente i da coordenada cartesiana do vetor R e iXi é a componente i do operador diferencial . Note que, a identidade (13) está consistente com a propriedade (5), isto é, iii1R=4πδ(R). A identidade (13) não tem sido discutida nos livros-texto de eletromagnetismo [15[15] D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Cambridge University Press, Cambridge, 2017), 4 ed.19[19] W.K.H. Panofsky e M. Phillips, Classical Electricity and Magnetism (Addison-Wesley, Reading, 1962), 1 ed.]. Como consequência da identidade (13), calcularemos as expressões corretas do campo E para um dipolo elétrico p e do campo B para um dipolo magnético m incluindo a singularidade em r=r o. Finalmente, na seção 4 4. Conclusão Neste trabalho discutimos a importância da função delta de Dirac na descrição da singularidade de grandezas físicas, em particular, aplicamos na descrição dos campos elétrico e magnético de dipolos. A partir da identidade de Frahm [20], isto é, ∂i∂j1r=−4π3δi,jδ(r→)+3xixj−r2δi,jr5, calculamos as componentes dos campos Ei=−∂iϕ(r→) e Bi=εijk∂jAk para um dipolo elétrico p→ e magnético m→, respectivamente em todo o espaço. Usando as respectivas expressões dos potenciais escalar ϕ(r→) e vetorial A→(r→), encontramos as expressões corretas de E→ e B→ incluindo a função delta de Dirac δ(r→). Esta metodologia não tem sido discutida nos livros-texto de eletromagnetismo. Demonstramos o teorema da eletrostática de uma maneira puramente simples, muito acessível o seu entendimento para estudantes dos cursos de engenharias e exatas. apresentaremos as conclusões deste trabalho.

2. Teorema da Eletrostática

No estudo da eletrostática em meios dielétricos é necessário conhecer o valor médio volumétrico do campo elétrico dentro de uma superfície esféria de raio R, que é definido por [21[21] P. Lorrain e D. Corson, Electromagnetic Fields and Waves (Freeman, San Francisco, 1970), 2 ed.]

(14) E = 1 V V E ( r ) d 3 r ,

onde V=4π3R3 é o volume da esfera centrada na origem.

Considerando que o volume V envolve uma dada distribuição de carga ρ(r), então, o valor da integral (14) é dado por

(15) E = 1 V 1 3 ε o r ρ ( r ) d 3 r = 1 V p 3 ε o ,

onde este resultado é conhecido como teorema da eletrostática.

Se o volume V não contiver a distribuição de carga, a média volumétrica resultará no valor do campo elétrico na origem da esfera de raio R, ou seja,

(16) E = 1 V V E ( r ) d 3 r = E ( 0 ) .

Os resultados (15) e (16) têm sido discutido na literatura [16[16] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova Jersey, 1998), 3 ed.], mas usando um rigor matemático além do alcance para um aluno de graduação

2.1. Demonstração

A demonstração do teorema (15) tem sido muito pouco discutido nos livros-texto de eletromagnetismo. Por exemplo, no livro do Jackson [16[16] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova Jersey, 1998), 3 ed.] é usado uma linguagem matemática avançada, em termos dos harmônicos esféricos, que é um tópico não conhecido pelo estudante ao cursar a disciplina de eletromagnetismo da graduação.

No livro do Lorrain e Corson [21[21] P. Lorrain e D. Corson, Electromagnetic Fields and Waves (Freeman, San Francisco, 1970), 2 ed.] usaram argumentos de simetria e realizaram um cálculo para o caso de uma carga puntiforme localizada na posição a=az^, conforme está esquematizado na Figura 1. No trabalho do Griffiths [22[22] D.J. Griffiths, Am. J. Phys. 50, 698 (1982).], e que se encontra no seu livro de eletromagnetismo [15[15] D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Cambridge University Press, Cambridge, 2017), 4 ed.] como problema proposto, foi argumentado que, a média volumétrica do campo elétrico de uma carga puntiforme localizada na posição a=az^ é exatamente o mesmo que a média volumétrica do campo elétrico no ponto a de uma esfera de raio R com carga uniformemete distribuída com densidade ρ=qV. Usando a lei de Gauss [17[17] J.R. Reitz e F.J. Milford, Foundations of Electromagnetic Theory (Addison-Wesley, Reading, 2008), 4 ed.], mostra-se que E=ρ3εoa. Logo, usando a definição (15) demonstra-se de imediato o teorema (15), onde p=q a.

Figura 1
Uma carga puntiforme q localizada na posição a=az^ do centro de uma esfera de raio R.

Neste trabalho apresentaremos uma forma alternativa da demonstração do teorema da eletrostática (15), que achamos ser mais acessível de entendimento para estudante de graduação de uma maneira geral, podendo até mesmo ser facilmente compreendido por um estudante no ciclo básico dos cursos de engenharias e exatas. Primeiro, vamos escrever o campo elétrico da carga q da Figura 1 sobre o volume infinitesimal d3 r, que é dado por

(17) E ( r ) = 1 4 π ε o q ( r a ) r a 3 .

Em coordenadas esféricas, onde temos r=r sin θcos φx^+r sin θsin φy^+r cos θz^ e a=az^, escrevemos o campo elétrico (17) por

(18) E ( r ) = E x ( r ) x ^ + E y ( r ) y ^ + E z ( r ) z ^ ,

sendo

(19) E x ( r ) = q 4 π ε o r sin θ cos φ r 2 + a 2 2 a r cos θ 3 / 2 E y ( r ) = q 4 π ε o r sin θ sin φ r 2 + a 2 2 a r cos θ 3 / 2 E z ( r ) = q 4 π ε o r cos θ a r 2 + a 2 2 a r cos θ 3 / 2

as componentes do campo elétrico.

Agora, substituindo (18) em (15), onde as componentes x e y se anulam devido as integrais azimutais (φ) serem nulas, ficamos com

(20) E = 1 V q 4 π ε o 0 R r 2 d r 0 π r cos θ a sin θ d θ r 2 + a 2 2 a r cos θ 3 / 2 0 2 π d φ z ^ = 1 V q 2 ε o 0 R r 2 d r 0 π r cos θ a sin θ d θ r 2 + a 2 2 a r cos θ 3 / 2 z ^ .

Fazendo a mudança de variável x = cos θ em (20), e realizando uma integração por partes

(21) u = r x a d u = r d x d v = d x r 2 + a 2 2 a r x 3 / 2 v = 1 a r 1 r 2 + a 2 2 a r x 1 / 2 ,

ficamos com

E = q 2 V ε o 0 R r 2 d r r x a a r r 2 + a 2 2 a r x 1 1 1 a 1 1 d x r 2 + a 2 2 a r x z ^ ,

e realizando a integral na variável x, obtemos

(22) E = q 2 V ε o 0 R r 2 d r 1 a r r a r a + 1 + 1 a 2 r r 2 + a 2 2 a r x 1 1 z ^ = q 2 V ε o 0 R r 2 d r 1 a r r a r a + 1 + 1 a 2 r r a r + a z ^ .

Finalmente, para realizarmos a integral radial vamos dividí-la em duas partes, uma para r ∈ [0, a] (onde |ra| = −(ra)) e a outra para r ∈ [a, R] (onde |ra| = (ra)). A segunda parte da integral é nula, logo, para R > a ficamos com

(23) E = q 2 V ε o 0 a r 2 d r 1 a r r a r a + 1 + 1 a 2 r r a r + a z ^ = q 2 V ε o 0 a r 2 d r 1 a 2 r 2 r z ^ = q a 2 V ε o 0 a r 2 d r z ^ = q a 2 V ε o a 3 3 z ^ ,

resultando em

(24) E = 1 V p 3 ε o ,

onde p=q a.

O teorema (15) foi demonstrado para uma única carga puntiforme q localizada na posição a=az^. Se considerarmos uma coleção de cargas discretas {qi} localizadas nas respectivas posições ai, devido ao princípio da superposição o campo resultante é a soma vetorial dos campos individuais de cada carga puntiforme, assim sendo, o resultado que encontraremos para a média volumétrica deste campo resultante é dada pela Eq. (15), onde o momento de dipolo será definido por

(25) p = i p i = i q i a i ,

e no limite do contínuo, fazemos qidq=ρ(r)d3r e air, resultando em

(26) p = r ρ ( r ) d 3 r .

Se, por outro lado, o volume V=4π3R3 não envolver a carga puntiforme q, ou seja, se R < a, na integral em (23) devemos modificar o limite de integração para r ∈ [0, R], resultando em

E = q 2 V ε o 0 R r 2 d r 1 a 2 r 2 r z ^ = q a 2 V ε o 0 R r 2 d r z ^ = q a 2 V ε o R 3 3 z ^ ,

logo, ficamos com

(27) E = 1 4 π ε o q a 2 z ^ = E ( 0 ) .

Em outras palavras, o valor médio do campo elétrico sobre um volume não contendo a carga (ou distribuição de carga) é igual ao valor do campo elétrico no centro da esfera. Este resultado (27) tem sido demonstrado por Jackson [16[16] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova Jersey, 1998), 3 ed.] no seu livro: Classical Electrodynamics usando métodos matemáticos avançados, neste trabalho demonstramos de uma maneira muito simples.

2.2. Material dielétrico

Uma das aplicações do teorema da eletrostrática é no estudo dos materiais dielétricos (isolantes) na presença de um campo elétrico externo. Os dielétricos são constituídos por dois tipos de moléculas: i) apolares, onde os centros de massa das cargas eletrônicas e nucleares coincidem (moléculas simétricas), e ii) polares, são formados por moléculas assimétricas. Possuem moléculas simétricas todas as substâncias diatômicas de átomos iguais (H2, O2), o CO2, os gases raros, o benzeno, o naftaleno, etc, estas não possuem momentos de dipolos. Entre as substâncias polares temos a água (H2O), o álcool, o gás sulfídrico, o óxido de nitrogênio e em geral todas as substâncias diatômicas de átomos desiguais. As moléculas polares apresentam momentos de dipolos permanentes p, da ordem de alguns debyes (1debye 3, 34 × 10−30 C.m). Por exemplo, a água e o cloreto de potássio têm momentos de dipolos 1, 8 e 6, 3 debyes, respectivamente.

Sempre que uma molécula (ou átomo) apolar é colocada na presença de uma campo externo E o, as cargas nucleares (positiva) tendem a se deslocar no sentido do campo e as eletrônicas (negativas) no sentido contrário. Com estas separações das cargas positivas e negativas, teremos a formação de um dipolo induzido, cujo valor do momento p é proporcional ao campo E o, ou seja, p=αE o, onde a constante α=4πεoα¯ é chamada de polarizabilidade. Os valores de α¯ (em unidade de 10−30 m3) têm sido medido experimentalmente para diversos átomos [23[23] D.R. Lide, Handbook of Chemistry and Physics (CRC Press, Boca Raton, 1997), 78 ed.], por exemplo, α¯(H)=0,667, α¯(He)=0,205 e α¯(Li)=24,3.

Sendo p o momento de dipolo resultante de uma dada distribuição de carga volumétrica ρ(r), então, definimos a polarização (média) do material como a razão entre o momento resultante p e o volume do material. De uma maneira mais rigorosa, definimos a poralização por P(r)=dpdv, onde dp é o momento dipolar associado ao elemento de volume infinitesimal dv=d3r localizado na posição r da amostra.

O grau de polarização de um material dielétrico depende não somente do campo aplicado, mas também das propriedades constitutivas do meio, resultantes do comportamento de suas moléculas na presença do campo externo. A forma pela qual o meio se comporta na presença do campo, isto é, a forma da função P=P(E) caracteriza cada meio dielétrico. Em geral, os materiais apresentam polarização nula na ausência de campo elétrico externo. Existem algumas poucas exceções, os chamados eletretos, que podem apresentar polarização permanente, isto é, têm P=P(E=0)0.

Nos materiais isotrópicos, cujas propriedades independem da direção espacial, como os fluidos em geral, sólidos amorfos ou policristalizanos, o vetor polarização é paralelo ao campo [15[15] D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Cambridge University Press, Cambridge, 2017), 4 ed., 21[21] P. Lorrain e D. Corson, Electromagnetic Fields and Waves (Freeman, San Francisco, 1970), 2 ed.]:

(28) P = ε o χ e ( E ) E ,

onde o escalar χe (no caso geral é uma função da intensidade do campo externo) é denominado de susceptibilidade elétrica.

Outros autores [16[16] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova Jersey, 1998), 3 ed., 14[14] K.D. Machado, Eletromagnetismo (Toda Palavra Editora, Niteroi, 2012), v. 1., 17[17] J.R. Reitz e F.J. Milford, Foundations of Electromagnetic Theory (Addison-Wesley, Reading, 2008), 4 ed.] têm definido diferente a expressão (25), na qual P=χ¯eE, onde a susceptibilidade χ¯e=εoχe tem a mesma unidade da grandeza permissividade (i. e., a unidade de χ¯e no SI é C2/N.m2), enquanto que, o valor de χe na Eq. (28) é uma grandeza adimensional. Para os meios lineares (materiais sob ação de baixos campos), a susceptibilidade e a permissividade do meio (ε) independem do campo. Assim, o comportamento de um material dielétrico fica completamente especificado, ou pelo valor de χe ou pelo valor de ε, e estas grandezas estão relacionadas entre si, ou seja, χe = k − 1, onde k = ε/εo é a permissividade relativa.

Uma distribuição de dipolos induzidos por campo externo gera em todo o espaço um campo eletrostático com as mesmas propriedades que o gerado por cargas livres. O campo dos dipolos tende a se opor, dentro da amostra dielétrica (com permissividade ε), ao campo externo E o, então, o campo resultante será dado por

(29) E i = E o + E ,

onde E i denominamos do campo local no interior da amostra, E o é o campo externo aplicado na amostra e E é a média volumétrica, definida em (14), do campo elétrico gerado pelos dipolos induzidos na amostra.

Para calcular o valor de E necessitamos da forma e da distribuição das cargas das moléculas dentro da amostra. Por simplicidade, consideramos a amostra dielétrica na forma de uma esférica de raio igual a R. Do teorema da eletrostática (15) temos que E=P3εo, portanto, o campo local no interior da amostra (29) ficará escrito na forma

(30) E i = E o P 3 ε o ,

que claramente temos um decréscimo do campo local, em relação ao campo externo E o, devido à polarização do dielétrico. Em geral, a expressão (30) é usada de maneira aproximada, que é exata apenas para o caso de um dielétrico esférico, mas esta aproximação concorda surpreendentemente com os dados experimentais [21[21] P. Lorrain e D. Corson, Electromagnetic Fields and Waves (Freeman, San Francisco, 1970), 2 ed.].

O resultado (30) pode também ser demonstrado usando o método das condições de contorno. No curso de eletromagnetismo da graduação em física, certamente todos os estudantes têm resolvido o problema de uma esfera dielétrica, de raio R e permissividade ε, na presença de uma campo externo uniforme E o. O valor do campo elétrico em toda região do espaço [15[15] D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Cambridge University Press, Cambridge, 2017), 4 ed.19[19] W.K.H. Panofsky e M. Phillips, Classical Electricity and Magnetism (Addison-Wesley, Reading, 1962), 1 ed.] é dado por

(31) E = E o + 1 4 π ε o 1 r 3 3 p r ^ r ^ p , para r > R (exterior) 3 k + 2 E o , para r < R (interior) ,

onde k = ε/εo e p=4πR33P é o momento de dipolo (resultante) induzido na amostra dielétrica devido ao campo elétrico externo E o.

Usando a equação constitutiva da polarização (28), com χe = k − 1, e a expressão do campo no interior da esfera dielétrica, escrevemos a polarização na forma

(32) P = ε o k 1 3 k + 2 E o = 3 ε o ε ε o ε + 2 ε o E o = 3 ε o 1 3 ε o ε + 2 ε o E o .

Combinando o valor da polarização (32) com o campo no interior da amostra, a Eq. (31) para o caso rR, mostramos que a expressão do campo local E i é a mesma dada pela Eq. (30).

3. Identidade da Função Delta

Vamos aplicar o teorema (15) para o caso simples do dipolo elétrico, cuja expressão do campo elétrico é dada pela Eq. (12). Sem perda de generalidade, consideremos um momento de dipolo na origem e ao longo da direção do eixo z, p=pz^. Assim sendo, em coordenadas esféricas, o campo elétrico deste dipolo é dado por

(33) E ( r ) = 1 4 π ε o p r 3 [ 3 sin θ cos φ x ^ + 3 sin θ sin φ y ^ + ( 3 cos 2 θ 1 ) z ^ ] .

Substituindo (33) em (14), onde claramente as integrais azimutais (φ) são nulas (componentes x e y do campo), obtemos

(34) E = 1 V p 4 π ε o 0 R d r r 0 π ( 3 cos 2 θ 1 ) sin θ d θ 0 2 π d φ z ^ = 0 ! !

que é inconsistente com o teorema (15).

A fim de que o campo elétrico satisfaça este teorema da eletrostática (15), alguns autores [15[15] D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Cambridge University Press, Cambridge, 2017), 4 ed., 16[16] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova Jersey, 1998), 3 ed.] têm introduzido um termo proporcional a delta de Dirac de tal maneira que, escreveram a expressão do campo elétrico no ponto qualquer no espaço por

(35) E ( r ) = 1 4 π ε o 1 r 3 3 p r ^ r ^ p p 3 ε o δ ( r ) ,

que agora, usando a propriedade da delta (4), a expressão (35) claramente satisfaz o teorema (15).

3.1. Singularidade do campo elétrico deum dipolo

Iremos a seguir demonstrar o resultado (35) sem a necessidade de recorrer ao teorema da eletrostática (15). Nosso objetivo consiste no cálculo direto do gradiente do potencial do dipolo elétrico (11), localizado na origem do sistema de coordenadas, cuja componente i do campo elétrico é dada por

(36) E i = 1 4 π ε o i p r r 3 = 1 4 π ε o j p j i j x j r 3 ,

ou na forma mais simplificada

(37) E i = 1 4 π ε o j p j i j 1 r .

Para obter a componente Ei do campo elétrico (37), necessitamos conhecer a segunda derivada de 1/r, isto é, ij1r. Do ponto de vista da análise vetorial, sem levar em consideração a singularidade na origem, temos que

(38) i j 1 r = 3 x i x j r 2 δ i , j r 5 .

Porém, se i = j e fizermos uma soma sobre todas as variáveis (i = 1, 2, 3), a Eq. (38) não reproduz a identidade (5). Assim, é de esperar que a relação (38) deve está faltando o termo da singularidade na origem, tipo da função δ, conforme a identidade de Frahm (13). Usaremos os seguintes argumentos [20[20] C.P. Frahm, Am. J. Phys. 51, 826 (1983).] para demonstrar a identidade (13):

  • 1)

    Sobre uma rotação do espaço, a distância radial r é um escalar, enquanto os operadores diferenciais i se transformam como um vetor. Então, as derivadas n-ésimas de 1/r deve se transformar como um tensor de ordem n.

  • 2)

    Devido a simetria entre as derivadas, o tensor deve ser completamente simétrico.

  • 3)

    As derivadas n-ésimas de 1/r devem ser expressas em termos das coordenadas xi, do tensor simétrico δi,j (símbolo delta de Kronecker) e derivadas de ordem n - 2 da função delta de Dirac δ(r).

Diante destes argumentos, a segunda derivada de 1/r será escrita na forma:

(39) i j 1 r = a ( r ) δ i , j + b ( r ) x i x j .

Os coeficientes a(r) e b(r) são determinados analisando alguns casos particulares. Por exemplo, usando a identidade (5) temos

(40) i i i 1 r = 4 π δ ( r ) .

Substituindo (39) em (40), obtemos

(41) 3 a ( r ) + b ( r ) r 2 = 4 π δ ( r ) ,

onde r2=ixi2.

Uma segunda relação pode ser encontrada avaliando explicitamente a derivada mista com ij da função 1/r, resultando em

(42) i j 1 r = 3 x i x j r 3 ,

e comparando (42) com (39), obtemos

(43) b ( r ) = 3 r 3 .

Substituindo (43) em (41), teremos

(44) a ( r ) = 4 π 3 δ ( r ) 1 r 3 .

Finalmente, substituindo (43) e (44) em (39), ficamos com

(45) i j 1 r = 4 π 3 δ i , j δ ( r ) + 3 x i x j r 2 δ i , j r 5 ,

provando, assim, a identidade da delta.

Vamos agora substituir (45) em (37), resultando em

E i = 1 4 π ε o j p j 4 π 3 δ i , j δ ( r ) + 3 x i x j r 2 δ i , j r 5 = 1 4 π ε o 4 π p i 3 δ ( r ) + 1 r 5 3 j x j p j x i r 2 p i ,

logo, mostramos que

(46) E i = 1 4 π ε o 1 r 5 3 p r x i r 2 p i p i 3 ε o δ ( r ) ,

que corresponde o resultado (35), onde pr=jxjpj.

Podemos usar o resultado do campo elétrico (46), ou a sua forma vetorial (35), para demonstrar diretamente o teorema da eletrostática (15). Como comentado anteriormente, o primeiro termo da Eq. (35) para a integral de volume é nulo, enquanto que, o segundo termo envolvendo a delta de Dirac é não nulo. Assim sendo, usando a propriedade (4) demonstramos facilmente este teorema.

De maneira análoga [20[20] C.P. Frahm, Am. J. Phys. 51, 826 (1983)., 24[24] J.M. Bowen, Am. J. Phys. 62, 511 (1994)., 25[25] R. Estrada e R.P. Kanwal, Am. J. Phys. 63, 278 (1995).], podemos mostrar que o tensor de ordem três é expresso por

(47) i j k 1 r = 4 π 5 δ j , k i + δ i , k j + δ i , j k δ ( r ) + 3 δ j , k x i + δ i , k x j + δ i , j x k r 5 15 x i x j x k r 7 ,

e assim por diante [26[26] R. Estrada e R.P. Kanwal, A Distribution Approach to Asymptotics. Theory and Applications (Birkhäuser, Boston, 2002), 2 ed.]. Esta nova identidade pode ser usada para determinar o divergente do campo elétrico (i.e., E=iiEi), assim podemos exprimir a lei de Gauss em termos da função delta de Dirac [6[6] P.T. Leung e G.J. Ni , Eur. J. Phys. 27, N1 (2006).].

3.2. Singularidade do campo magnético de um dipolo

Vamos fazer uso da identidade (45) para calcular o campo magnético B(r) de um dipolo magnético m. Devido a propriedade (ausência de carga magnética) B=0, temos que o campo B é derivado do rotacional de um potencial vetor A(r), isto é, B=×A. O potencial vetor de um dipolo magnético, localizado na origem, é dado por [15[15] D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Cambridge University Press, Cambridge, 2017), 4 ed.19[19] W.K.H. Panofsky e M. Phillips, Classical Electricity and Magnetism (Addison-Wesley, Reading, 1962), 1 ed.]

(48) A ( r ) = μ o 4 π m × r r 3 .

Definindo os vetores a=m e b=rr3=1r, usando a identidade do rotacional [11[11] G.B. Arfken e H.J. Weber, Mathematical Methods for Physicists (Academic Press, California, 1985), 3 ed.]

(49) × a × b = b a a b b a + a b ,

sendo a um vetor constante, então, a Eq. (49) se reduz a

(50) × a × b = a b + a b = m 1 r m 2 1 r .

Combinando (48) e (50), e usando a identidade (5), escrevemos

(51) B = × A = μ o 4 π m 1 r + μ 0 m δ ( r ) .

Vamos agora calcular o primeiro termo do segundo membro da Eq. (51). Assim, escrevemos a componente i do campo (51)

(52) B i = μ o 4 π j m j i j 1 r + μ 0 m i δ ( r ) .

Usando a identidade da delta (45), reescrevemos a Eq. (52) por

B i = μ o 4 π j m j 4 π 3 δ i , j δ ( r ) + 3 x i x j r 2 δ i , j r 5 + μ 0 m i δ ( r ) = μ o 3 m i δ ( r ) + μ o 4 π 1 r 5 3 j x j m j x i m i r 2 + μ 0 m i δ ( r ) ,

logo, o campo magnético B de um dipolo magnético, incluindo a singularidade na origem, será dado por

(53) B ( r ) = μ o 4 π 1 r 3 3 m r ^ r ^ m + 2 μ o m 3 δ ( r ) .

onde temos usado o fato de que mr=jxjmj.

Uma maneira alternativa [20[20] C.P. Frahm, Am. J. Phys. 51, 826 (1983).] de demonstrar o resultado (53) é usando o tensor Levi-Civita εijk na definição da componente do produto vetorial (a×b)i=εijkajbk. Note que nesta representação tensorial temos uma soma implícita nos índices j e k. Assim sendo, a componente i do campo magnético Bi=×Ai=εijkjAk, onde da expressão (48) Ak=μo4πεklmmlm 1r, é dada por

(54) B i = μ o 4 π m l ε i j k ε k l m j m 1 r ,

onde temos uma soma implícita nos índices j, k, l e m.

Fazendo uso da identidade [11[11] G.B. Arfken e H.J. Weber, Mathematical Methods for Physicists (Academic Press, California, 1985), 3 ed.]εijkεklm = εkijεklm = δi,lδj,mδi,mδj,l e da expressão do tensor de segunda ordem (45), reescrevemos (54) na forma

B i = μ o 4 π m l δ i , l δ j , m δ i , m δ j , l 4 π 3 δ j , m δ ( r ) + 3 x j x m r 2 δ j , m r 5 + μ 0 m i δ ( r ) ,

fazendo as somas implícitas nos índices j, k, l e m, para um dado índice i fixo, obtemos

(55) B i = μ o 4 π 1 r 5 3 j x j m j x i r 2 m i + 2 μ 0 3 m i δ ( r ) ,

que corresponde ao mesmo resultado vetorial (53), onde jxjmj=mr.

Podemos extender o teorema da eletrostática para o caso da magnetostática, onde o valor médio volumétrico do campo magnético B, devido a uma distribuição arbitrária de correntes estacionárias, sobre um volume V de raio R é dado por

(56) B = 1 V V B ( r ) d 3 r = 1 V 2 μ o m 3 ,

onde m=12r × Jd3r é o momento de dipolo magnético e J o vetor densidade de corrente elétrica no volume V. A expressão (56) é conhecida como o teorema na magnetostática.

Demonstraremos o teorema (56) usando a expressão do campo magnético (53), mas o leitor interessado pode encontrá-la em algumas referências [16[16] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova Jersey, 1998), 3 ed., 21[21] P. Lorrain e D. Corson, Electromagnetic Fields and Waves (Freeman, San Francisco, 1970), 2 ed., 22[22] D.J. Griffiths, Am. J. Phys. 50, 698 (1982).] formas alternativas. Sem perda de generalidade, considerando o momento de dipolo magnético na direção do eixo z, m=mz^, o primeiro termo da Eq. (53) na integral de volume (56) é nula. Entretanto, usando a propriedade da delta (4), a integral volumétrica envolvendo o segundo termo será não nulo, e resultará no resultado do teorema da magnetostática.

Um resultado bem conhecido e de grande importância da presença do termo delta na expressão (53) é na manifestação da estrutura hiperfina do estado fundamental do átomo de hidrogênio neutro [22[22] D.J. Griffiths, Am. J. Phys. 50, 698 (1982).], dando origem à famosa radiação da linha 21 cm na astronomia. Esta linha 21 cm está associada a separação do nível de energia do estado 1s, devido a interação dipolar entre os momentos magnéticos do elétron (m1=γe S 1) e do próton (m2=γp S2), em dois níveis muito próximos (δE = 10−4 eV), um correspondente ao estado singleto (spins antiparalelo) e o outro ao estado tripleto (spins paralelo).

A linha de 21 cm do hidrogênio e a radiação cósmica de fundo em micro-ondas são ferramentas poderosas em cosmologia e astrofísica, cada uma oferecendo uma janela única para entender a formação e evolução do Universo, elas são complementares. A radiação cósmica de fundo foi descoberta acidentalmente por Arno Penzias e Robert Wilson [27[27] A.A. Penzias e R.W. Wilson, Astrophys. J. 142, 419 (1965).], em 1965, e tem uma temperatura de cerca de 2.725 K e é quase uniforme em todas as direções do espaço, com pequenas anisotropias. Esta radiação cósmica dar uma visão única do Universo como ele era cerca de 380.000 anos após o Big Bang, enquanto que, a linha de 21 cm fornece dados sobre a distribuição e a dinâmica do hidrogênio neutro em diferentes épocas cósmicas.

4. Conclusão

Neste trabalho discutimos a importância da função delta de Dirac na descrição da singularidade de grandezas físicas, em particular, aplicamos na descrição dos campos elétrico e magnético de dipolos. A partir da identidade de Frahm [20[20] C.P. Frahm, Am. J. Phys. 51, 826 (1983).], isto é, ij1r=4π3δi,jδ(r)+3xixjr2δi,jr5, calculamos as componentes dos campos Ei=iϕ(r) e Bi=εijkjAk para um dipolo elétrico p e magnético m, respectivamente em todo o espaço. Usando as respectivas expressões dos potenciais escalar ϕ(r) e vetorial A(r), encontramos as expressões corretas de E e B incluindo a função delta de Dirac δ(r). Esta metodologia não tem sido discutida nos livros-texto de eletromagnetismo. Demonstramos o teorema da eletrostática de uma maneira puramente simples, muito acessível o seu entendimento para estudantes dos cursos de engenharias e exatas.

Agradecimentos

Somos gratos ao Prof. Abdala Helayel (CBPF) pela leitura crítica e sugestões deste trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2024
  • Aceito
    03 Jul 2024
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