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Graxaim/Laboratório Virtual de Termodinâmica: Um aplicativo configurável de simulação de processos termodinâmicos

Graxaim/Virtual Thermodynamics Laboratory: A Configurable Application for Simulating Thermodynamic Processes

Resumos

Desenvolvemos e apresentamos um aplicativo para ser integrado a páginas da internet denominado Graxaim – Laboratório Virtual de Termodinâmica, ou Graxaim/LVT. Através de arquivos de configuração, o aplicativo pode ser usado para propor diferentes situações-problema experimentais virtuais, com diferentes subsistemas e equipamentos de medidas, equivalentes a diferentes kits experimentais. Apresentamos o algoritmo baseado no princípio de máxima entropia que desenvolvemos para as interações térmicas e mecânicas utilizadas pelo aplicativo para simular uma grande variedade de processos termodinâmicos reversíveis e irreversíveis. O aplicativo possui sete configurações pré-instaladas. Utilizamos uma delas para mostrar como o encadeamento de processos termodinâmicos, obtidos pela modificação de arranjos experimentais, pode ser usada para simular um Ciclo de Carnot. Mostramos como dificuldades técnicas do simulador podem ser resolvidas através de processos irreversíveis que degradam a eficiência da máquina térmica e argumentamos que essa discussão pode ser utilizada para fazer analogias com dificuldades técnicas de máquinas reais. Os resultados dos estados de equilíbrio obtidos na simulação foram comparados com os resultados teóricos esperados e os desvios relativos médios mostraram-se menores que 0,1%.

Palavras-chave:
Laboratório virtual; termodinâmica; processos termodinâmicos; simulação


We developed and present an application to be integrated into web pages named Graxaim – Virtual Thermodynamics Laboratory, or Graxaim/LVT. Through configuration files, the application can be used to propose different virtual experimental problem situations, with different subsystems and measurement equipment, equivalent to different experimental kits. We present the algorithm based on the maximum entropy principle that we developed for the thermal and mechanical interactions used by the application to simulate a wide variety of reversible and irreversible thermodynamic processes. The application has seven pre-installed configurations. We used one of them to show how the chaining of thermodynamic processes, obtained by modifying experimental arrangements, can be used to simulate a Carnot Cycle. We show how technical difficulties of the simulator can be resolved through irreversible processes that degrade the efficiency of the heat engine and argue that this discussion can be used to make analogies with technical difficulties of real machines. The results of the equilibrium states obtained in the simulation were compared with the expected theoretical results and the average relative deviations were found to be less than 0.1%.

Keywords:
Virtual laboratory; thermodynamics; thermodynamic processes; simulation


1. Introdução

O potencial didático de simulações computacionais é reconhecido desde que os computadores chegaram às salas de aula [1[1] C. Fiolhais e J. Trindade, Revista Brasileira de Ensino de Física 25, 259 (2003).]. Desde então muitos aplicativos de simulação vêm sendo desenvolvidos. Não raro, esses aplicativos são reunidos em repositórios de forma que estes recursos didáticos possam ser facilmente utilizados por autores de atividades didáticas. Atualmente, considerando a área da física, um dos mais famosos repositórios de simulações computacionais é a iniciativa da Universidade do Colorado, EUA, conhecida como PHET (https://phet.colorado.edu). Muitos outros existem, como mostra uma busca realizada em 27/04/2024 no Google com as palavras chave “educational physics simulation repository” resultou em 685 milhões de páginas. Em português, a busca pelas palavras chave “simulação computacional ensino” na mesma data resultou em 275 mil páginas. Uma dessas páginas é o site https://graxaim.org/sim que hospeda as simulações computacionais desenvolvidas pelos autores do presente artigo. Naturalmente, a grande maioria das páginas indexadas na pesquisa Google não é um repositório em si, mas descreve ou cita um repositório. Desta forma, simulações computacionais compõem outra categoria de recursos didáticos disponíveis para os professores1 1 Muitos estudantes acessam os recursos didáticos diretamente, mas estamos considerando um cenário em que o professor é o mediador do conhecimento. . Assim, como as demais categorias de recursos didáticos, como vídeos, material experimental, jogos, etc, cabe ao professor selecionar aqueles mais adequados aos seus propósitos.

Em geral, o processo de ensino e aprendizagem de física envolve o domínio de um determinado conjunto de conceitos que são formulados em uma versão idealizada da realidade que é dada por um modelo físico. Logo, para entender o modelo físico, o estudante precisa relacioná-lo à realidade. Uma maneira de fazer isso é através da experimentação. Em ambientes de laboratório é possível controlar aspectos da realidade, por exemplo, eliminando paulatinamente a força de atrito e através da extrapolação obter o comportamento que seria exibido na situação ideal ou modelada. Com o advento de computadores, é possível simular exatamente o comportamento do modelo matemático evoluindo no tempo de forma que os fenômenos observados na natureza são representados por animações em ambiente virtual de fácil compreensão. Logo, simulações computacionais e laboratórios didáticos são recursos que, sempre que possível, devem ser usados em paralelo no processo de ensino e aprendizagem de física, dada sua complementaridade: na experimentação trabalha-se com a realidade complexa, o que muitas vezes dificulta o isolamento do particular comportamento que se quer observar e a simulação computacional que revela sem dificuldades cada comportamento que um modelo físico é capaz de exibir.

As simulações computacionais de uso didático não se restringem a ilustrar a fenomenologia exibida pelos modelos físicos. Elas podem ser iterativas, permitindo que os estudantes modifiquem parâmetros e constituintes do sistema e também as grandezas observadas (medidas). Este tipo de aplicativo, muitas vezes, se autodenominam laboratórios virtuais, pois permitem que as etapas executadas em ambientes reais tenham equivalentes no ambiente virtual: definição do problema, levantamento de hipóteses, planejamento do arranjo experimental, execução do experimento, coleta de dados, análise e conclusão.

Um conjunto de equipamentos e instrumentos de medida feito para realizar experimentos com finalidade didática é chamado kit experimental. Dado um kit experimental, um professor pode optar por usá-lo para demonstrar o fenômeno em uma aula expositiva, ou pode fazer uma atividade didática na qual os seus estudantes manipulem o material do kit. Neste último caso, deve criar um roteiro de como a aula experimental deverá ocorrer. O tipo de roteiro criado pode dar mais ou menos liberdade ao estudante em relação às escolhas e decisões que deve fazer para atingir o objetivo do experimento. Se a escolha não é do estudante, naturalmente é feita pelo professor. Um roteiro em que todas as decisões são tomadas pelo professor é chamado fechado. A questão entre roteiros abertos ou fechados em laboratórios didáticos e suas implicações no desenvolvimento das competências relacionadas a atividades experimentais é algo identificado há muito tempo conforme Pella[2[2] M.O. Pella, em Readings in Science Education for the Secondary School, editado por H.O. Andersen (Macmillan, New York, 1969).].

Podemos imaginar cenários em que a escolha entre roteiros experimentais abertos ou fechados não é devida a razões didáticas (por exemplo, o importante no momento é apenas mostrar um particular fenômeno ocorrendo) mas sim contingenciais: (1) o equipamento é caro ou frágil e (2) há risco de ferimento ou dano à saúde. Nesses casos um roteiro experimental passo a passo, sem tomada de decisões por parte dos estudantes, busca evitar perda de material experimental ou danos à integridade física dos usuários, e por isso são plenamente justificados. Um laboratório virtual não tem esse tipo de contingência, logo, sua utilização deve ser planejada para o pleno desenvolvimento das competências científicas associadas ao experimento virtual.

O Graxaim/LVT foi concebido como uma espécie de plataforma para criar problemas desafiadores em um laboratório virtual de forma que o estudante, segundo Coll e colaboradores[3[3] C. Coll, J.I. Pozo, B. Sarabia e E. Valls, Os conteúdos na Reforma – Ensino e Aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes (ARTMED, Porto Alegre, 1998).], precise mobilizar conteúdos atitudinais, procedimentais e conceituais para resolvê-los. Ao fazer isso, através de uma abordagem científica caracterizada por Pella[2[2] M.O. Pella, em Readings in Science Education for the Secondary School, editado por H.O. Andersen (Macmillan, New York, 1969).], o estudante pode desenvolver e consolidar seus conhecimentos. De certa forma, ele é uma evolução significativa de outro aplicativo que desenvolvemos em 2011[4[4] R.A. Sauerwein e I.P.S. Sauerwein, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 29, 812 (2012).] e era restrito à simulação de alguns tipos de máquinas térmicas. Na prática, o Graxaim/LVT é um recurso didático configurável, no qual cada configuração pode ser vista como um kit de laboratório virtual diferente, com um conjunto de equipamentos virtuais e instrumentos de medidas diferentes (é possível inclusive configurar os nomes dos equipamentos, instrumentos de medida e o título do kit). A interface enxuta e intuitiva do Graxaim/LVT permite que seja incorporado em uma página web, logo, os autores de atividades didáticas podem planejar problemas ou roteiros, abertos ou fechados, de acordo com os objetivos didáticos do professor.

Este artigo é uma apresentação do Graxaim/LVT como recurso didático. Fizemos um estudo que mostra sua implementação bem sucedida em turmas de estudantes de nível médio em um trabalho de dissertação de mestrado [5[5] J. Alves, Atividades Didáticas Inovadoras de Termodinâmica baseadas em Resolução de Problemas e TIC. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria (2014).] e cujos principais resultados estão sendo reunidos em um artigo a ser publicado. O Graxaim/LVT também vem sendo utilizado como recurso de grande potencial didático pelos autores deste artigo nas disciplinas de termodinâmica avançada em cursos de graduação de licenciatura e bacharelado em física, ou fundamentos da termodinâmica (tópicos do curso de fundamentos da física) nos semestres iniciais da área de exatas ministradas na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

2. O Graxaim/LVT

O Graxaim/LVT busca apresentar ao usuário uma situação análoga à que encontraria em laboratório real onde os equipamentos localizados em uma prateleira devem ser trazidos para a bancada para a montagem do arranjo experimental com o propósito de observar controladamente fenômenos ocorrendo. Desta forma, o Graxaim/LVT inicialmente apresenta uma coleção de objetos (ou subsistemas) termodinâmicos e instrumentos de medida que estão inertes (ou na “prateleira”). Cabe ao usuário manejá-los de forma a produzir uma interação para que algum particular processo termodinâmico seja induzido. O usuário deve ainda escolher e utilizar instrumentos de medida adequados para que possa observar e descrever o processo termodinâmico desencadeado. O Graxaim/LVT está disponível a qualquer interessado em https://graxaim.org/sim/lvt_home.html.

O Graxaim/LVT possui uma interface em que se destacam duas regiões: (1) a bancada e (2) a prateleira, conforme a Figura 1. A bancada é a área com fundo branco que ocupa mais da metade da interface. Nesta área os equipamentos virtuais podem ser manipulados com o mouse através do recurso intuitivo de arrastar e soltar.

Figura 1
Interface do aplicativo Graxaim/LVT mostrando a configuração de demonstração (a 7ª predisponível). À esquerda a imagem do aplicativo assim que é acessado e à direita simulando uma expansão isotérmica. O aplicativo possui duas regiões principais: (1) a bancada do laboratório virtual corresponde ao quadro branco que contém, inicialmente, apenas cronômetro; e (2) a prateleira do laboratório virtual que contém objetos, subsistemas termodinâmicos ou instrumentos de medida, que podem ser levados ou retirados da bancada marcando ou desmarcando a correspondente caixa de seleção. Os objetos podem ser posicionados na bancada graças à interface do tipo arraste e solte. A linha entre pares de objetos indica que podem interagir. Ao pressionar o botão verde alterna-se o comportamento entre simulação em andamento (indicada pela passagem do tempo no cronômetro virtual) e pausado (o tempo congela). O botão amarelo faz com que todos os subsistemas termodinâmicos voltem ao estado inicial, mantendo os ajustes feitos. Para reiniciar completamente o aplicativo é necessário recarregar a página.

Inicialmente há na bancada apenas um cronômetro. Equipamentos (exceto o cronômetro) podem ser acrescentados ou removidos da bancada através das caixas de seleção que ocupam a parte inferior da interface do Graxaim/LVT e que denominamos região da prateleira do laboratório virtual.

A prateleira contém um conjunto de objetos virtuais que representam subsistemas termodinâmicos e instrumentos de medida. Para levar um material da prateleira para a bancada, ou vice-versa, basta marcar ou desmarcar a caixa de seleção com o rótulo do equipamento. O Graxaim/LVT pode ser configurado para realizar diferentes experimentos virtuais. A configuração é feita definindo-se o material disponível na prateleira e o estado inicial em que se encontram os subsistemas termodinâmicos. É possível ainda configurar o título do laboratório virtual e os rótulos com os quais são identificados os equipamentos da bancada. A Figura 2 mostra as seis configurações que vêm pré-instaladas no aplicativo.

Figura 2
Além da configuração de demonstração mostrada na Figura 1, o Graxaim/LVT possui seis outras pré-instaladas. As seis imagens acima mostram essas configurações no estado em que todo o material experimental disponível na prateleira foi enviado para a bancada. Uma configuração do Graxaim/LVT difere da outra pelo material disponível na prateleira, ou seja, os instrumentos de medida e subsistemas termodinâmicos disponíveis com seus respectivos estados iniciais. Esse material define as simulações que podem ser feitas e o que pode ser medido. O Graxaim/LVT é configurável por arquivos de inicialização, logo, além destas seis configurações, uma infinidade de outras pode ser criada de acordo com as necessidades didáticas de professores ou autores de atividades didáticas.

O Graxaim/LVT possui os cinco tipos de subsistemas que estão indicados na Tabela 1. Esta tabela mostra ainda as figuras que os representam na bancada, os tipos de ajuste que podem ser feitos, as grandezas que podem ser observadas e se podem trocar energia com outros subsistemas na forma de trabalho (W), calor (Q) ou ambos. Os ajustes são feitos pelo usuário clicando no pequeno ícone do canto superior direito da figura representativa do subsistema e selecionando as opções disponíveis. A figura representativa do subsistema se modifica imediatamente de acordo com cada ajustefeito.

Tabela 1
A tabela apresenta os cinco tipos de subsistemas termodinâmicos disponíveis no Graxaim/LVT, denominados gás, gás a pressão constante, sólido, dispositivo mecânico e dispositivo térmico. Um subsistema pode apresentar os ajustes descritos na 3a coluna. Quando um subsistema é ajustado, a figura que o representa sofre variações que são mostradas na 2a coluna. A coluna observáveis indica as possíveis medidas que podem ser feitas em cada subsistema: temperatura T, pressão P, volume V, energia interna U ou energia E. A coluna trocas indica se o sistema troca energia na forma de trabalho W, calor Q ou ambas.

Um subsistema do tipo gás simula uma determinada quantidade de gás encerrada em um cilindro de paredes diatérmicas ao qual está acoplado um pistão móvel de forma que este subsistema pode interagir com outro, mecânica e termicamente. A interação mecânica é feita através do movimento do pistão que, ao ser deslocado, transfere energia na forma de trabalho. A interação térmica é feita através da transferência de energia na forma de calor pelas paredes do cilindro. Um subsistema do tipo gás possui dois ajustes independentes: (1) pode ser impedido de trocar energia na forma de trabalho ou (2) pode ser impedido de trocar energia na forma de calor. A primeira restrição pode ser vista como sendo o uso de um pino para travar o movimento do pistão. A segunda restrição pode ser vista como sendo o revestimento do subsistema por paredes adiabáticas. Todos as partes do subsistema, exceto o gás, são consideradas ideais e não possuem capacidade de armazenar ou dissipar energia.

O subsistema do tipo gás a pressão constante é equivalente ao subsistema gás, porém, com o cilindro na posição vertical e com um bloco de peso apoiado na parede externa do pistão móvel. O pistão é feito de paredes adiabáticas. Toda interação mecânica do subsistema é feita com o bloco apoiado no pistão e todas as interações térmicas com esse subsistema são feitas com o gás contido no cilindro. O subsistema tipo gás a pressão constante não possui ajustes.

O subsistema do tipo sólido simula um sólido bom condutor de calor, como por exemplo, um metal, no qual a variação de volume é desprezível e que interage apenas termicamente com outros subsistemas.

O subsistema do tipo dispositivo mecânico simula uma máquina ideal, capaz de armazenar energia e que opera apenas através de forças e torques conservativos. Esse subsistema possui três tipos de ajuste: (1) receber energia, (2) ceder energia ou (3) manter a pressão fixa. Esse subsistema interage apenas com o subsistema do tipo gás. Considere que ao interagir, o dispositivo mecânico aplica uma força na parede externa do pistão móvel do subsistema gás. Quando o dispositivo mecânico é ajustado para ceder ou receber energia, sua pressão é variável e se ajusta automaticamente para ser infinitesimalmente superior ou infinitesimalmente inferior à do gás com o qual interage, de forma que o trabalho realizado é reversível e ocorre na direção definida pelo ajuste. Quando o dispositivo mecânico é ajustado para manter sua pressão constante, a direção do fluxo de energia vai depender da pressão do gás com o qual esse dispositivo interage. Na parte de baixo da figura que representa o dispositivo mecânico há uma barra que indica a energia: sistema sem energia (barra branca) ou completamente carregado de energia (barra preenchida).

O subsistema do tipo dispositivo térmico opera de forma análoga ao dispositivo mecânico, porém as trocas de energia são na forma de calor e o parâmetro interno intensivo é a temperatura (ao invés de pressão). Quando ele é ajustado para ceder ou receber energia, sua temperatura se ajusta automaticamente para um valor infinitesimalmente superior ou infinitesimalmente inferior à temperatura do subsistema com o qual interage, de forma que a transferência de calor seja reversível e ocorra na direção definida pelo ajuste. Quando o dispositivo térmico é ajustado para manter sua temperatura constante, a direção do fluxo de energia vai depender da temperatura do subsistema com o qual esse dispositivo interage. A figura que representa o dispositivo térmico também possui uma barra na parte de baixo que indica o nível da energia nele armazenado.

Um observável de cada subsistema só é acessível caso haja um instrumento na prateleira que possa ser usado para efetuar sua medida. O Graxaim/LVT possui instrumentos virtuais para medir temperatura T, pressão P, volume V, energia interna U e energia E. Como vimos, a prateleira é configurável, logo, a presença ou não de um instrumento depende da conveniência didática do proponente da atividade didática. Para efetuar uma medida, um instrumento deve ser levado para a bancada e sua figura arrastada para as proximidades do subsistema que se quer observar. A partir de uma certa distância, uma linha conectando os dois subsistemas aparece e o instrumento indica o valor da medida realizada. Quando o subsistema não apresenta o observável correspondente ao instrumento de medida, seu mostrador indica NaN, da sigla em inglês, “not a number”. O Graxaim/LVT mede temperatura em kelvin, volume em litro, pressão em atmosfera e energia em atmosfera-litro. Através da opção de menu ajuda, o Graxaim/LVT apresenta a tabela de conversão destas unidades para o SI.

Em todos os subsistemas, inclusive nos dispositivos térmicos e mecânicos, a energia é identificada pela letra U. Nos laboratórios reais não há um medidor de energia interna termodinâmica U, por isso, ele está disponível apenas na configuração de demonstração do Graxaim/LVT e talvez possa ser útil em atividades didáticas focalizadas na conservação da energia. No entanto, uma medida direta da energia dos dispositivos térmicos e mecânicos é bastante útil. Por isso, nestes dispositivos fazemos E = U e consideramos que E tem acesso experimental direto, ou seja, há um instrumento capaz de medir E. Em laboratórios reais podemos imaginar que estes dispositivos armazenam a energia em baterias elétricas e a medida da tensão em seus polos é uma medida de E.

No Graxaim/LVT, os subsistemas podem ser arrastados pela bancada. Quando dois subsistemas estão suficientemente próximos aparece uma linha entre eles, indicando a possibilidade de interação ou acoplamento. Há subsistemas que não podem interagir, neste caso, a linha que indica o acoplamento nunca se forma. A Tabela 2 apresenta os possíveis acoplamentos entre os tipos de subsistemas disponíveis. Por exemplo, quando dois subsistemas do tipo gás estão suficientemente próximos aparece uma linha de acoplamento. Pela tabela, sabemos que é possível ocorrer trocas de W ou Q. Porém, isso depende dos ajustes de cada gás. Basta um deles estar com volume fixo para não haver mais possibilidade de troca de W. Desta forma, além das linhas de acoplamento é preciso ajustar os subsistemas para que as trocas sejam realizadas de acordo com o planejado.

Tabela 2
Esta tabela é uma matriz dos possíveis acoplamentos entre os subsistemas termodinâmicos do Graxaim/LVT. Os subsistemas estão identificados por uma de suas figuras representativas conforme a Tabela 1. Os pontos de cruzamento indicam se os subsistemas interagem por troca de energia na forma de trabalho W, calor Q ou ambas. Quando dois subsistemas não interagem o cruzamento mostra um traço (). Note que o subsistema gás interage com todos os demais subsistemas, inclusive com outro gás.

A Figura 3 ilustra esquematicamente um arranjo experimental com dois subsistemas A e B do tipo gás, um dispositivo mecânico e um bloco. Na parte superior da figura esses quatro subsistemas são mostrados em um diagrama tradicional no qual os gases interagem térmica e mecanicamente entre si, o gás A interage com o dispositivo mecânico e o gás B com o sólido C. Na parte inferior o mesmo arranjo como implementado no Graxaim/LVT. Note as linhas de conexão entre as partes e os ajustes feitos nos sistemas tipo gás e no dispositivo mecânico. A representação no Graxaim/LVT é certamente menos realista, porém permite grande flexibilidade na montagem de arranjos experimentais distintos. Note que a abstração introduzida por representar todo tipo de acoplamento por uma linha reduz a complexidade da evolução do sistema a interações de trocas de energia e/ou volume entre pares.

Figura 3
Exemplo de como o arranjo experimental no Graxaim/LVT se relaciona com um diagrama usual, mostrado na parte superior da figura. O arranjo experimental contém dois gases A e B que estão encerrados em um mesmo cilindro nos quais estão acoplados dois pistões móveis, um sólido C e um dispositivo mecânico. Considerando que o pistão que separa os gases A e B é diatérmico, então os gases interagem entre si térmica e mecanicamente. Além disso, o gás A interage mecanicamente com o dispositivo mecânico e o gás B com o sólido C. A figura na parte inferior é a fotografia de um arranjo experimental do Graxaim/LVT que implementa as mesmas interações do diagrama superior. O Graxaim/LVT apresenta todos os pares de interação presentes no sistema e simulará o arranjo experimental proposto, mesmo representando cada gás em um cilindro separado.

Após definidos os acoplamentos, feitos os ajustes e posicionados os instrumentos de medida, pressiona-se o botão simular. O cronômetro marca a passagem de um tempo fictício e as variações dos valores medidos indicam que um processo termodinâmico está ocorrendo. Quando esses valores deixam de variar, um estado de equilíbrio foi atingido. É possível interromper um processo termodinâmico pressionando o botão de pausar. Assim, a simulação é suspensa e os instrumentos de medida permanecem com leituras fixas e iguais ao último estado termodinâmico simulado. Esse recurso é útil para o estudante anotar as medidas. Além disso, se necessário, o usuário pode mudar o arranjo experimental com o sistema em pausa e ao pressionar o botão simular, o sistema retoma a simulação a partir da nova configuração experimental com os subsistemas evoluindo do estado de equilíbrio pausado. Esse recurso permite o encadeamento de diferentes processos termodinâmicos. O sistema volta à configuração inicial se o botão recomeçar for pressionado.

A bancada do Graxaim/LVT não participa de nenhuma troca de energia, seu equivalente experimental seria uma sala de alto vácuo. Todas as trocas de energia na forma de calor ocorrem por condução. Logo, os subsistemas não perdem energia térmica para o ambiente, não há transferência de energia por irradiação. Apesar de não interagir por troca de energia, o vácuo pode interagir com um subsistema do tipo gás. Caso o pistão esteja destravado e não haja acoplamento com outro gás ou com um dispositivo mecânico, o gás se expandirá livremente.

Um subsistema do Graxaim/LVT pode se auto excluir da simulação, ou seja, parar de evoluir e interagir com os subsistemas com os quais está acoplado, caso algum valor limite seja atingido. Por exemplo, um dispositivo mecânico ajustado para manter a pressão fixa PM deixa de interagir com um gás de pressão PG<PM assim que sua energia se anular. Sistemas do tipo gás possuem uma pressão máxima e volumes e temperaturas mínimas.

3. Termodinâmica e Algoritmo

A simulação computacional dos processos termodinâmicos implementada pelo Graxaim/LVT está diretamente associada à formulação axiomática da termodinâmica na qual o conceito de equilíbrio termodinâmico em um sistema fechado está completamente caracterizado pela forma como um conjunto de parâmetros extensivos está distribuído por suas partes[6[6] H.B. Callen, Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics (Wiley, New York, 1985).]. No caso do Graxaim/LVT, os subsistemas são simples e fechados (não trocam matéria entre si), logo o estado de equilíbrio termodinâmico do sistema é dado pelos valores de energia U e volume V que cada subsistema assume. Quando a simulação é iniciada, o algoritmo examina os pares de subsistemas que interagem e atualiza e evolui o sistema de modo a satisfazer as leis da termodinâmica: conservação da energia (1a Lei da Termodinâmica) e o princípio de máxima entropia (2a Lei da Termodinâmica). Os gases do Graxaim/LVT interagem através de paredes móveis, então o volume total do sistema também é uma grandeza conservada. Desta forma, a evolução do sistema pode ser vista como uma redistribuição de energia e volume pelas partes, causada pelas mudanças de vínculos internos.

Os subsistemas do Graxaim/LVT podem ser divididos em dispositivos ou corpos termodinâmicos. Os dispositivos são caracterizados apenas pelas energias neles armazenadas e possuem uma dinâmica direcionável. São dispositivos ideais e realizam as trocas de energia reversíveis na direção desejada por seu operador. Quando, por exemplo, um dispositivo mecânico é ajustado para ceder energia e é acoplado a um gás, ele realizará trabalho sobre o gás até que sua energia se esgote.

A interação entre dois corpos termodinâmicos obedece às dinâmicas espontâneas implementadas para satisfazer a 2a Lei da Termodinâmica ou princípio da máxima entropia. No Graxaim/LVT são relevantes apenas os casos de transferências espontâneas de energia e volume devido às diferenças de temperatura e pressão entre as partes. As transferências no sentido de diminuir essas diferenças cessam no momento em que os subsistemas atingem os estados de equilíbrio térmico e mecânico.

As propriedades termodinâmicas dos corpos simulados no Graxaim/LVT devem ser dadas através de suas equações de estado térmica T=T(U,V,N) e mecânica P=P(U,V,N). Desta forma, a partir dos valores iniciais de energia e volume, (U,V), de todos os subsistemas, é possível determinar seus valores de T e P e, portanto, a direção dos fluxos espontâneos de redistribuição de energia e volume que se estabelecem quando os acoplamentos térmicos e mecânicos ocorrem.

No Graxaim/LVT a simulação é implementada por um processo iterativo no qual um novo estado do sistema é construído a partir de regras de microevolução de pares de corpos interagentes, nas quais efetua-se uma troca de energia ϵ ou de volume ν arbitrariamente pequenas2 2 Sejam δ⁢U e δ⁢V, respectivamente, as menores variações de energia e volume entre dois estados de equilíbrio termodinâmico que se deseja simular, então é necessário que ϵ≪δ⁢U e ν≪δ⁢V. . Imediatamente após as trocas, os valores de T e P das partes envolvidas são atualizados através das equações de estado térmica e mecânica dos subsistemas envolvidos.

Sejam os corpos A de temperatura TA,i=TA(UA,i,VA,i) e B de temperatura TB,i=TB(UB,i,VB,i) que estão acoplados termicamente. No Graxaim/LVT, seus estados evoluem de acordo com a regra de microevolução térmica:

(1) ( U A , i + 1 U B , i + 1 ) = ( U A , i sgn ( Δ T ) ϵ U B , i sgn ( Δ T ) ϵ )

onde o sinal3 3 A função sinal sgn⁢(x), assume os valores 1, 0,−1, respectivamente, quando x>0, x = 0, x<0. da diferença de temperatura ΔT=TA,iTB,i define o sentido da pequena transferência da energia ϵ (calor) de A para B na microevolução.

Analogamente, sejam os corpos A de pressão PA,i=PA(UA,i,VA,i) e B de pressão PB,i=PB(UB,i,VB,i), que estão acoplados mecanicamente. No Graxaim/LVT, seus estados evoluem de acordo com a regra de microevolução mecânica:

(2) ( U A , i + 1 V A , i + 1 U B , i + 1 V B , i + 1 ) = ( U A , i sgn ( Δ P ) ϵ U A , i + sgn ( Δ P ) × ( ϵ / min ( P A , i , P B , i ) ) U B , i + sgn ( Δ P ) ϵ V B , i sgn ( Δ P ) × ( ϵ / min ( P A , i , P B , i ) ) )

onde o sinal da diferença de pressão ΔP=PA,iPB,i determina a direção das pequenas trocas de volume ν=ϵ/min(PA,i,PB,i)4 4 A função min⁡(x,y) retorna o menor valor entre x e y. e energia (trabalho) ϵ entre os subsistemas A e B.

O algoritmo implementado pelo Graxaim/LVT e descrito pelas equações 1 e 3 são uma consequência do princípio de máxima entropia[6[6] H.B. Callen, Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics (Wiley, New York, 1985).] e de cálculo diferencial nas quais substituímos as grandezas infinitesimais por valores arbitrariamente pequenos. Desta forma, devemos esperar que as simulações forneçam resultados aproximados do comportamento teórico previsto. Observamos em nossa experiência trabalhando com professores dos níveis fundamental e médio que os processos irreversíveis são discutidos principalmente considerando duas situações: (1) a busca do equilíbrio térmico entre corpos com diferentes temperaturas e (2) na expansão livre de um gás. No Graxaim/LVT, além destas duas situações, muitas outras podem ser exploradas. Note que, processos irreversíveis ocorrem tanto na interação térmica entre subsistemas de diferentes temperaturas quanto na interação mecânica entre subsistemas de diferentes pressões.

As interações de corpos termodinâmicos com dispositivos mecânicos ou térmicos são definidas a partir destas regras de microevolução. Quando um dispositivo mecânico é ajustado para ceder ou receber energia para um gás, ele, a cada microevolução, automaticamente ajusta sua pressão para ser infinitesimalmente superior ou inferior à do gás. Feito isso, a mesma regra de microevolução mecânica é aplicada. Analogamente, o dispositivo térmico faz o mesmo tipo automático de ajuste, porém em relação à sua temperatura para que seja aplicada a mesma regra de microevolução térmica e o sentido do fluxo de energia seja o definido no dispositivo.

Quando um dispositivo mecânico ou térmico é ajustado, respectivamente, para operar com pressão ou temperatura constantes, sua dinâmica passa a ser espontânea e se comporta como um corpo termodinâmico, desde que possua energia armazenada suficiente para participar das interações especificadas. Por exemplo, se um dispositivo mecânico é ajustado para manter a pressão constante P0, mas não possui energia armazenada, ele pode interagir mecanicamente com um gás de pressão Pg>P0, pois irá receber energia do gás, mas não pode interagir se Pg<P0, pois teria que realizar trabalho sobre o gás.

Atualmente, o Graxaim/LVT é capaz de simular quatro tipos de corpos termodinâmicos: gás ideal, fluído ideal de van der Waals[6[6] H.B. Callen, Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics (Wiley, New York, 1985).]5 5 Com temperatura superior à temperatura crítica. , gás toy model6 6 Substância hipotética definida em [6] pela equação termodinâmica fundamental algebricamente simples S=(R2v0⁢θ)13⁢(U⁢V⁢N)13 e que satisfaz todos os postulados da termodinâmica. e sólido simples. A Tabela 3 apresenta suas equações de estado. Na tabela R=8,31 J/molK é a constante universal dos gases. Os valores dos parâmetros listados na última coluna são substituídos por valores numéricos nos arquivos de inicialização. Desta forma, o Graxaim/LVT permite comparar o comportamento termodinâmico do gás ideal com o de outros gases. Por exemplo, a configuração Gás Ideal – Caracterização do Graxaim/LVT disponível em https://graxaim.org/sim/lvt_conf_3.html apresenta dois subsistemas do tipo gás, onde somente um deles é um gás ideal. A questão “Qual a maneira mais simples de identificar o gás ideal nesta configuração do Graxaim/LVT?”7 7 Dica (“spoiler alert!”): observe a variação das temperaturas dos gases em expansões livres. pode ser usada como problematizadora capaz de mobilizar conteúdos atitudinais, procedimentais e conceituais.

Tabela 3
Equações de estado térmica e mecânica dos quatro tipos de sistemas termodinâmicos simulados no Graxaim/LVT: gás ideal, fluído ideal de van der Waals, gás toy model e sólido. A última coluna apresenta os parâmetros configuráveis no aplicativo. Nos três primeiros sistemas, N representa o número de moles da substância do subsistema. O parâmetro c presente no gás ideal e no fluído ideal de van der Waals relaciona-se aos graus de liberdade térmicos, c=3/2 para moléculas monoatômicas, c=5/2 para moléculas diatômicas, etc. No fluído ideal de van der Waals, a e b são as constantes empíricas ligadas, respectivamente, às forças de atração intermoleculares e ao volume das moléculas em si. R é constante dos gases perfeitos, e como tal, não é configurável. No toy model, θ e v0 são parâmetros que definem, respectivamente, as escalas de temperatura e volume molar. No Graxaim/LVT o subsistema sólido interage apenas termicamente, sendo completamente definido por sua capacidade calorífica C.

4. Resultados

Nesta seção vamos apresentar alguns resultados simulados no Graxaim/LVT e compará-los com os resultados teóricos esperados. O Ciclo de Carnot é um sistema bastante conhecido, é um tópico praticamente obrigatório e de importância histórica inquestionável pois está na base de uma das possíveis formulações da 2a Lei da Termodinâmica[6[6] H.B. Callen, Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics (Wiley, New York, 1985).].

Obtivemos nossos resultados através do Graxaim/LVT, configurado com o título Processos Cíclicos, disponível em https://graxaim.org/sim/lvt_conf_6.html. Esta versão do aplicativo possui dois dispositivos térmicos de temperaturas constantes Tc=300,0 K, e Th=400,0 K nos quais foram desabilitadas as capacidades de ajuste. Logo, na simulação esses dispositivos operam como reservatórios térmicos. Há um dispositivo mecânico ajustável e um subsistema do tipo gás, contendo gás monoatômico ideal (com coeficiente de expansão adiabática γ=5/3), de temperatura inicial TA=400,0 K, volume inicial VA=1,0000 L, e pressão inicial PA=4,500 atm. O volume máximo do gás é VC=3,000 L. Para que o gás opere como uma máquina de Carnot entre os dois reservatórios térmicos, tendo o estado inicial A do gás como o início da expansão isotérmica a Th e o ponto C como o início da compressão isotérmica a Tc, então os pontos B e D do final destes processos e início das adiabáticas são determinados por

(3) V B , D = V C , A ( T h T c ) 1 γ 1 V B 1 , 9486 L e V D 1 , 5396 L .

Com os pontos extremos do ciclo de Carnot definidos, montamos os arranjos experimentais de cada etapa, começando pela expansão isotérmica à Th. Executamos a simulação de forma a reproduzir o comportamento esperado de um estudante em uma atividade didática, ou seja, sem a necessidade de anotar todos os valores gerados dos observáveis. Pausamos a simulação nos pontos de mudança de processo termodinâmico, de isotérmico para adiabático ou vice-versa, definidos pelos volumes esperados do ciclo de Carnot. Durante essas pausas, fizemos as correspondentes mudanças nos arranjos experimentais. Desta forma, ao retomar a simulação garantimos o encadeamento dos processos termodinâmicos. Realizamos um total de 32 medidas que apresentamos, em um diagrama P×V, na Figura 4. Além dos pontos simulados, o diagrama apresenta as curvas teóricas previstas e fotografias do Graxaim/LVT com o arranjo experimental utilizado para simular cada processo termodinâmico. Na escala mostrada na figura, observa-se que os pontos simulados estão sobre as curvas teóricas previstas. De fato, a comparação entre os valores numéricos mostra que o desvio médio percentual do resultado simulado em relação ao teórico é de aproximadamente 0,07% para os processos isotérmicos e 0,08% para os adiabáticos. Desta forma, a precisão dos resultados obtidos é significativamente superior às dos resultados numéricos normalmente praticados nos ambientes escolares para os quais, não raro, uma precisão de 2% pode ser considerada satisfatória.

Figura 4
Ciclo de Carnot simulado com Graxaim/LVT. Os círculos correspondem aos valores simulados e as linhas sólidas às curvas teóricas esperadas de um ciclo de Carnot. As cores vermelha ou azul, dos círculos e linhas, correspondem, respectivamente, à expansão e à compressão isotérmicas. A linha preta e círculos brancos correspondem aos processos adiabáticos. As figuras ao lado de cada um dos 4 processos termodinâmicos são fotografias do Graxaim/LVT com o arranjo experimental utilizado para obter os valores simulados (as unidades de medida de T, V, P e E nas figuras, são respectivamente, K, litro, atm e atmlitro). O ciclo é percorrido no sentido horário, do ponto inicial A ao ponto final E. Os círculos verdes indicam os estados da simulação onde foram feitas mudanças no arranjo, de uma figura adjacente anterior para a seguinte.

Na escala do diagrama P×V usado na Figura 4, vemos que o último ponto simulado E e o ponto A, apesar de bastante próximos, não coincidem. Isso ocorre pois no Graxaim/LVT os valores do volume de um gás são gerados pela simulação e portanto pode ser que um estado de equilíbrio desejado fique inacessível entre dois estados de equilíbrio gerados consecutivamente. É exatamente isso o que ocorre quando a compressão adiabática é retomada a partir do ponto E de volume V+=1,0008 L. O próximo ponto simulado F tem volume V=0,9976 L, logo não temos acesso a um ponto com volume VA=1,0000 L na compressão adiabática. A Figura 5 apresenta o mesmo diagrama P×V anterior, porém em uma escala ampliada e com mais alguns pontos simulados para analisar uma possível solução para completar o ciclo.

Figura 5
Esta figura, em parte, é uma ampliação da Figura 4 em torno dos pontos em que o sistema deve completar o ciclo, ou seja, voltar ao estado inicial A. Nesta figura foram acrescentados os pontos F, A+ e A, e uma fotografia do arranjo experimental Graxaim/LVT que leva o sistema do estado E ao estado A+, um aquecimento isocórico irreversível (indicado pela linha laranja). Os estados A+ e A possuem a mesma temperatura Th do reservatório quente. O ponto F é o próximo ponto de equilíbrio gerado pela simulação continuando a compressão adiabática além do estado E.

Normalmente, o movimento de um pistão em uma máquina está vinculado ao movimento de um rotor. Desta forma, os volumes máximo e mínimo da câmara que contém o gás são fixos. Nesse cenário, considerando o volume mínimo como sendo VA, devemos interromper a compressão adiabática no ponto E e iniciar imediatamente o contato com o reservatório quente. Como em E o gás tem uma temperatura TE=397,7 K, haverá uma transferência de calor irreversível do reservatório quente para o gás, o que deve degradar a eficiência da máquina. Considerando que a transferência de calor é instantânea, esse processo pode ser simulado travando o pistão no ponto E e colocando o gás em contato com o reservatório quente. Esse procedimento faz com que o estado do gás evolua de E para A+ isocoricamente (processo indicado em laranja na figura). Sabemos que a eficiência teórica do ciclo de Carnot operando entre as temperaturas dos reservatórios desta configuração do Graxaim/LVT é ϵc=1Tc/Th=1/4. Desconsiderando o trecho AA+ da simulação inicial, de forma que o ciclo simulado é A+,B,C,D,E,A+, ou seja, contém o aquecimento irreversível E,A+, a sua eficiência observada na simulação é ϵs=0,2470, ou seja, como esperado, ligeiramente inferior à ϵc.

5. Considerações Finais

Desenvolvemos um aplicativo para ser integrado à página da internet denominado Graxaim – Laboratório Virtual de Termodinâmica, ou Graxaim/LVT. Este aplicativo é um recurso didático altamente configurável especialmente desenvolvido para ser incorporado a atividades didáticas com abordagem problematizadora.

A abordagem diagramática torna o Graxaim/LVT bastante flexível e capaz de implementar qualquer tipo de processo termodinâmico em sistemas fechados, isto é, sem troca de matéria, envolvendo gases ideais e dois exemplos de gases não ideais. Também simula a interação térmica entre sólidos, sólidos e gases e entre estes subsistemas e dispositivos térmicos e mecânicos (fontes de energia na forma de calor e trabalho). Os diferentes processos termodinâmicos podem ser encadeados de forma que o usuário, através da manipulação do equipamento experimental, construa máquinas térmicas.

O tipo de processo termodinâmico que pode ser observado depende da configuração do aplicativo pelo elaborador da atividade didática na qual será inserido. Por exemplo, uma configuração com 6 sólidos (a diferentes temperaturas e um subsistema gás a volume constante e sem termômetro, disponível em https://graxaim.org/sim/lvt_conf_2.html, pode se usada para discutir escalas termométricas a partir do seguinte desafio “Ordene os sólidos do Graxaim/LVT a partir do corpo de mais alta temperatura para o de mais baixa temperatura”, que é uma das configurações predisponíveis no aplicativo. Desta forma, o estudante deve mobilizar conteúdos atitudinais, procedimentais e conceituais para resolver o desafio e, neste processo, compreender melhor os conteúdos discutidos em sala de aula.

Na Seção Resultados, utilizamos a configuração predisponível https://graxaim.org/sim/lvt_conf_5.html para simular aproximadamente um Ciclo de Carnot através do encadeamento de quatro processos termodinâmicos obtidos por modificações sucessivas no arranjo experimental. Mostramos que os resultados da simulação reproduzem bem os resultados teóricos esperados, com desvios relativos menores que 0,1%, de forma que é compatível com ambientes escolares que trabalham com grandezas físicas representadas com três algarismos significativos.

O aplicativo está disponível para uso aberto na página https://graxaim.org/sim/lvt_home.html e há exemplos de atividades didáticas problematizadoras para estudantes do nível médio em https://graxaim.org/mpeac/lvt_b_home.html.

A configuração do aplicativo é feita através de arquivos de inicialização no formato não muito amigável xml. Uma interface web amigável para criação de arquivos de configuração do aplicativo está em fase de implementação. Enquanto não estiver pronta, os interessados são convidados a contactar os autores do artigo para configurar um Graxaim/LVT para as suas necessidades.

Referências

  • [1]
    C. Fiolhais e J. Trindade, Revista Brasileira de Ensino de Física 25, 259 (2003).
  • [2]
    M.O. Pella, em Readings in Science Education for the Secondary School, editado por H.O. Andersen (Macmillan, New York, 1969).
  • [3]
    C. Coll, J.I. Pozo, B. Sarabia e E. Valls, Os conteúdos na Reforma – Ensino e Aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes (ARTMED, Porto Alegre, 1998).
  • [4]
    R.A. Sauerwein e I.P.S. Sauerwein, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 29, 812 (2012).
  • [5]
    J. Alves, Atividades Didáticas Inovadoras de Termodinâmica baseadas em Resolução de Problemas e TIC Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria (2014).
  • [6]
    H.B. Callen, Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics (Wiley, New York, 1985).
  • 1
    Muitos estudantes acessam os recursos didáticos diretamente, mas estamos considerando um cenário em que o professor é o mediador do conhecimento.
  • 2
    Sejam δU e δV, respectivamente, as menores variações de energia e volume entre dois estados de equilíbrio termodinâmico que se deseja simular, então é necessário que ϵδU e νδV.
  • 3
    A função sinal sgn(x), assume os valores 1, 0,1, respectivamente, quando x>0, x = 0, x<0.
  • 4
    A função min(x,y) retorna o menor valor entre x e y.
  • 5
    Com temperatura superior à temperatura crítica.
  • 6
    Substância hipotética definida em [6[6] H.B. Callen, Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics (Wiley, New York, 1985).] pela equação termodinâmica fundamental algebricamente simples S=(R2v0θ)13(UVN)13 e que satisfaz todos os postulados da termodinâmica.
  • 7
    Dica (“spoiler alert!”): observe a variação das temperaturas dos gases em expansões livres.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2024
  • Revisado
    06 Ago 2024
  • Aceito
    21 Ago 2024
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