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Rolamento de uma roda sobre uma rampa cicloide

Wheel rolling on a cycloid-shaped ramp

Resumos

Este trabalho é um estudo experimental, com algumas práticas computacionais, do movimento de rolamento de uma roda sobre um plano e sobre uma rampa na forma cicloide. O experimento é planejado e construído de modo a permitir que a roda gire sem deslizamento. O movimento de um ponto da periferia do corpo rolante é filmado e o vídeo produzido é analisado usando o programa Tracker. Com os dados experimentais coletados, a equação da trajetória do ponto periférico é obtida e sua forma identificada.

Palavras-chave:
Cicloide; programa Tracker; rolamento de uma roda; videoanálise


This work is an experimental study, with some computational pratices of the rolling movement of a wheel on the plane and on a cycloid-shaped ramp. The experiment is designed and constructed where the wheel is allowed to roll without slipping. The movement of a point on the periphery of the body is filmed and the video is analyzed using the Tracker program. With the experimental data collected, the trajectory equation of the edge point is obtained and identified.

Keywords:
Cycloid; Tracker program; rolling wheel; videoanalysis


1. Introdução

O movimento de rolamento é apresentado inicialmente na disciplina de Física I e está contido em muitos textos clássicos [1[1] H.M. Nussenzveig, Gurso de Física Básica (Edgard Bücher, São Paulo, 2002), 4 ed., 2[2] D. Halliday e R. Resnick, Física (Livros Técnicos e Científicos, Rio de Janeiro, 1978), 4 ed., 3[3] A.P. French, Newtonian Mechanics (Norton, New York, 1971).], geralmente para desenvolver o início da dinâmica de rotações dos corpos rígidos. Por outro lado, a trajetória descrita por um ponto na periferia de uma roda em rolamento puro, em uma superfície plana, rígida e horizontal é um assunto que pode ser estudado de um ponto de vista da cinemática rotacional. Mas esse assunto é abordado em livros textos básicos de Cálculo [4[4] N. Piskunov, Differential and Integral Calculus (Mir, Moscow, 1969)., 5[5] L. Leithold, O Cálculo com Geometria Analítica (Harbra, São Paulo, 1994), 3 ed.], onde a cicloide é apresentada para exemplificar uma equação de trajetória escrita na forma paramétrica. Seguindo as referências citadas anteriormente, direcionadas para uma maneira geométrica de parametrizar uma curva, a Figura 1 é então construída e destinada para esse fim.

Figura 1:
Rolamento de uma roda sobre uma superfície rígida e horizontal.

Na Figura 1 tem-se as seguintes igualdades CB¯=CP¯=r e, satisfazendo a condição de rolamento sem deslizamento, o segmento OB¯ tem mesmo comprimento que o arco de circunferência PB. O arco OP é a trajetória do ponto P escolhido na periferia da roda no estado de rolamento puro. Após alguns exercícios de trigonometria no triângulo PCD obtém-se CD¯=rcosθ e PD¯=rsenθ. As coordenadas (x, y) do ponto P são calculadas e representam a equação da sua trajetória na forma paramétrica

(1) { x = r ( θ - s e n θ ) y = r ( 1 - c o s θ ) .

O raio da roda pode ser obtido substituindo a coordenada (x, y) = (L, 0) em (1) e o resultado obtido é

(2) r = L 2 π ,

que será muito útil, mais adiante, para obter a expressão analítica da curva de ajuste dos dados coletados, que são as coordenadas (x, y) de um ponto marcado na borda da circunferência da roda rolando. O valor de L é a coordenada horizontal do ponto P, após uma volta completa da roda, conforme mostrado na Figura 1. A incerteza do diâmetro D = 2r é obtido diferenciando a equação (2) e rotulando adequadamente as diferenciais na forma

(3) σ D = 1 π σ L ,

onde σD é a incerteza do diâmetro da roda que rola no plano e σL é a incerteza do valor de L.

Em livros de Mecânica Analítica [6[6] H. Goldstein, C. Poole e J. Safko, Classical Mechanics (Addison-Wesley, San Francisco, 2002), 3 ed., 7[7] S.T. Thornton e J.B. Marion, Classical Dynamics of Particles and Systems (Brooks/Cole, Belmont, 2004), 5 ed., 8[8] N.A. Lemos, Mecânica Analítica (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2007), 2 ed.] a trajetória entre dois pontos percorrida por um móvel em um tempo mínimo é obtida por meio do Cálculo Variacional e recebe o nome de braquistócrona, que em última análise é uma curva cicloide. Essa abordagem é revisitada em outros trabalhos [9[9] A.L.S. Tagliolatto, Braquistócrona . Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro (2015)., 10[10] M. Burrowes e C. Farina, Revista Brasileira de Ensino de Física 27, 175 (2005).] que se aprofundam no tema, seja em em uma visão pedagógica ou resgatando o contexto histórico. Além dos livros citados de Física, a braquistócrona é apresentada em Matemática no ensino do Cálculo das Variações [11[11] R. Courant, Cálculo Diferencial e Integral (Globo, São Paulo, 1966), 1 ed.], exemplificando a importância dessa curva em variadas situações.

A curva paramétrica da cicloide representada pela equação (1), se refere ao movimento de um ponto P na periferia da roda, que está em rolamento puro em uma superfície plana, rígida e horizontal. A pergunta a ser respondida nesse trabalho é a seguinte: Qual é a trajetória de um ponto da periferia de uma roda, que rola sem deslizar sobre uma rampa em formato de uma cicloide? Uma possível resposta a essa pergunta é que a trajetória desse ponto da periferia também será uma cicloide. Nesse artigo será feito uma verificação experimental de um caso particular.

Um aparato é planejado, construído e utilizado para os ensaios em laboratório, com a intenção de aplicação futura em disciplinas de Física básica experimental, que participam da grade curricular dos cursos de Engenharia e Física. A experiência realizada é inteiramente filmada com um smartphone e o vídeo é analisado no programa Tracker, utilizado em muitos trabalhos [12[12] A.G. Bezerra Jr, J.A. Lenz, L.P. Oliveira e N. Savedra, Manual para Usuários Iniciantes no software Tracker (Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2011)., 13[13] V.L.B. de Jesus e D.G.G. Sasaki, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 3503 (2014)., 14[14] G.D. Bordin, I.H. França e A.G. Bezerra Jr, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220058 (2022).] e disponíveis para consulta e aprendizagem. O estudo translacional de uma pequena esfera se deslocando em uma rampa ciclóide está publicado em [15[15] R.P.R. de Oliveira e S.B. Soltau, Sitientibus Série Ciências Físicas 17, scf20211711 (2021).], e outro estudo [16[16] P. Onorato, P. Mascheretti e A. Deambrosis, European Journal of Physics 34, 921 (2013).] é sobre uma massa pendular que descreve uma trajetória cicloide, ambos utilizando a prática de análise de imagem com o Tracker. Os dados coletados são os pontos experimentais (x, y), apresentados em um gráfico contendo uma curva de ajuste do tipo cicloide (1). Os detalhes das etapas experimentais e computacionais são mostrados nas seções ao longo do texto desteartigo.

2. Construção da Rampa Cicloide

Para descobrir a equação paramétrica da trajetória de um ponto da periferia da roda, que rola sem deslizamento sobre uma rampa cicloide é necessário um aparato adequado para realizar a experiência e coletar os dados experimentais. O aparato é composto principalmente pela rampa cicloide, planejada e construída conforme as etapas mostradas na Figura 2.

Figura 2:
Planejamento e construção da rampa cicloide.

A Figura 2(a ) mostra o planejamento da rampa cicloide desenhada por meio de um programa computacional apropriado [17[17] Autodesk Inc., Inventor 2021 (2022).], detalhando todas as medidas necessárias e definindo cuidadosamente a forma da curva parametrizada da rampa, representada pelo sistema de equações

(4) { X = 70 ( θ - s e n θ ) Y = 70 ( 1 - c o s θ ) ,

que fisicamente descreve um arco da trajetória de um ponto na circunferência de uma roda de raio r = 70 mm e θ[0,π], em rolamento sobre uma superfície plana. A Figura 2(b) mostra a usinagem da rampa de acrílico em um equipamento automatizado [18[18] Romi S.A, Centro de usinagem CNC ROMI, modelo D800 (2015).], para que a curva da rampa seja uma cicloide bem delineada, minimizado as possíveis irregularidades de construção. Na Figura 2(c) é mostrada a transformação da placa acrílica (imagem superior do quadro) em uma rampa cicloide (imagem inferior do quadro), que compõem parte do aparato experimental. A equação parametrizada da rampa (4) é aquela em que as coordenadas são obtidas no referencial (X, Y) mostrado na Figura 2(c). A rampa cicloide foi revestida com uma fina camada de cola silicone para evitar possíveis deslizamentos no decorrer do movimento da roda. O aparato experimental finalizado é composto pela rampa de acrílico, por uma roda de diâmetro d = (80,35 ± 0,05) mm usinada em acrílico e um smatphone que possui uma câmera com sensor de quarenta e oito megapixels e filmagem em sessenta quadros por segundo.

3. Filmagem e Análise de Imagem

As filmagens [19[19] A.C. Bertuola e C.A. da Rocha, Cicloide, disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PL7M_L3_nST37r2cfLrRGjEZEcu4-p_EL0, acessado em 15/04/2023.
https://www.youtube.com/playlist?list=PL...
] e suas respectivas analises são realizadas para uma roda em rolamento sobre um plano horizontal e outra sobre uma rampa cicloide.

3.1. Rolamento em um plano horizontal

A experimentação inicial é uma filmagem realizada para uma roda de diâmetro D = (148,55 ± 0,05) mm, usinada em plástico poliacetal e que está em rolamento sobre um trilho de alumínio, que é o suporte rígido, plano e horizontal. A experiência é realizada com a participação de um experimentador que rola a roda sobre o plano e outro que realiza a filmagem. A Figura 3 mostra um instante ocorrido na experimentação e nas análises.

Figura 3:
Rolamento de uma roda em um plano rígido e horizontal. A imagem é uma captura do programa Tracker que mostra os eixos (x, y) do referencial adotado.

A Figura 3 mostra um quadro selecionado a partir da filmagem em vídeo, quando essa é analisada no programa Tracker. Os pontos em vermelho foram obtidos com uma marcação manual da posição do ponto da periferia da roda. As incertezas das coordenadas (x, y) podem ser estimadas quadro a quadro e se valendo de construções de formas geométricas retangulares, conforme é mostrado na Figura 4.

Figura 4:
Construções geométricas para estimar as incertezas de (x, y).

A Figura 4 mostra apenas dois quadros para exemplificar o estudo de todos os quadros do vídeo por meio de um programa adequado [20[20] Microsoft Corporation, Powerpoint Ofice 365 (2022).], por possuir os recursos necessários para as análises das imagens. A Figura 4(a ) mostra a construção de dois retângulos na cor amarela. O maior engloba a roda inteira e o menor o ponto periférico da roda. As dimensões dos retângulos são apresentadas pelo próprio programa. Conhecido o valor médio medido do diâmetro (D) da roda, as dimensões reais dos retângulos menores são obtidas utilizando uma regra simples de proporcionalidade. Dessa forma é possível obter as incertezas (σx,σy) geometricamente, pois seus valores serão definidos como a metade das dimensões reais dos retângulos menores.

3.2. Rolamento sobre uma rampa cicloide

A segunda execução experimental também é realizada manualmente, com a participação de um experimentador responsável em soltar uma roda sobre a rampa cicloide e o outro, que realiza a filmagem com um smatphone. A experimentação em execução é representada por duas imagens, ambas captadas em dois instantes diferentes, conforme os quadros mostrados na Figura 5.

Figura 5:
Roda rolando em uma rampa cicloide. O quadro (a) mostra o ponto inicial a = (0,ymá x) e o quadro (b) o ponto final B = (+L/2,0).

A Figura 5(a) mostra o início do rolamento do ponto da periferia marcada com uma fita colante branca. Conforme mostrado na Figura 5(b), o ponto A pertence ao eixo vertical de um referencial convenientemente adotado no programa Tracker, justamente para estudar o movimento do ponto na borda da roda vermelha. Após uma volta completa, esse ponto da roda se encontrará novamente em contato com a rampa em B, por onde passa o eixo horizontal do referencial adotado. Os dados experimentais (x, y) no referencial da Figura 5(b) são coletados ponto a ponto pelo experimentador, devido a rapidez do rolamento sobre a rampa, que dificulta a coleta dos pontos (x, y) na função automática do Tracker. Para verificar qualidade da técnica de análise da imagem, o movimento do ponto central da roda vermelha é mapeado no referencial (X, Y) anteriomente mostrado na Figura 2(c). O que se espera é que sua trajetória tenha a mesma forma da rampa construída cuidadosamente, obedecendo a curva parametrizada definida em (4).

4. Resultados Experimentais e Análises

Os resultados apresentados a seguir com suas respectivas análises, se referem as experiências realizadas, envolvendo as filmagens, os estudos de imagens e as coletas de dados. Os primeiros resultados se referem a uma roda em rolamento em uma superfífie rígida, plana e horizontal. Em seguida, os resultados são referentes a outra roda em rolamento em uma rampa cicloide.

4.1. Rolamento de uma roda sobre um plano

Os resultados das análises experimentais do rolamento de uma roda em um plano estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1:
Dados experimentais do rolamento de uma roda em um plano horizontal.

Os valores das coordenadas (x, y) estão apresentados na Tabela 1 acompanhados dos valores de suas respectivas incertezas (σx,σy).

Coletando os valores (x, σx) na última linha da Tabela 1 e substituindo nas equações (1) e (2) obtém-se o valor do diâmetro da roda que rola, que é mostrado na Tabela 2.

Tabela 2:
Valores experimentais do diâmetro da roda que rola em um plano. A segunda linha é o valor experimental obtido com as equações (2) e (3) e os pontos experimentais na Tabela 1. A Terceira linha mostra a medida com o paquímetro.

O valor experimental (DL) apresentado na segunda linha da Tabela 2 é aquele obtido com os valores da Tabela 1 e as equações (2) e (3). O valor experimental (D) apresentado na última lina da Tabela 2 é aquele obtido com o uso de um paquímetro. Este último valor será utilizado como referência para as análises dos erros sistemáticos.

Os gráficos referente aos dados experimentais da Tabela 1 e a curva de ajuste definida na equação 1 estão apresentados na Figura 6.

Figura 6:
Dados experimentais e curva de ajuste da roda em rolamento em uma superfície plana, rígida e horizontal.

A legenda na Figura 6 apresenta as equações paramétricas da curva de ajuste, onde o valor médio do raio é a metade do valor médio de DL apresentado a Tabela 2. O ajuste da curva aos dados experimentais é visualmente agradável. Isso pode induzir a uma conclusão precipitada sobre a boa qualidade do ajuste. Para uma conferência adicional, os valores experimentais do diâmetro da roda, já divulgados anteriormente na Tabela 2 podem ser comparados por meio de um teste, que utiliza a equação

(5) Z = | D ¯ L - D ¯ σ D L | ,

em que σDL é o valor da incerteza referente ao diâmetro da roda DL. A incerteza de D foi desconsiderada na equação (5) pois σDLσD.

A compatibilidade entre os valores experimentais D e DL é avaliada pelo valor assumido pela variável Z, conforme o sistema

(6) { Z 1 1 < Z 3 Z 3 ,

onde a primeira desigualdade no sistema (6), indica a alta probabilidade de compatibilidade entre os valores. As desigualdades simultâneas apresentadas em (6), imediatamente abaixo da primeira desigualdade, aponta para uma baixa probabilidade de compatibilidade. A última desigualdade em (6) é aquela em que prevalece a incompatibilidade entre os valores experimentais comparados.

Substituindo os valores da Tabela 2 na equação (5) obtém-se Z = 1,4, cujo valor remete a comparação entre os valores experimentais D e DL, ao critério das duas desigualdades simultânea em (6). Nesse caso, a compatibilidade com baixa probabilidade pressupõe a existência de erros sistemáticos, que devem ser atenuados com novas experiências mais aperfeiçoadas e assim, melhorar a qualidade dos dados experimentais coletados. Por exemplo, alguns estudantes já possuem smatphones que realizam filmagem a cento e vinte quadros por segundo, ou até mesmo a duzentos e quarenta quadros por segundo. Esse aperfeiçoamento temporal no detector de movimento pode oferecer uma grande vantagem na melhoria da qualidade dos dados experimentais.

As barras de erros (σx,σy) foram ambas desenhadas na Figura 6 propositadamente, para que o leitor tenha a possibilidade, por ele próprio, fazer uma rápida comparação entre as incertezas das coordenadas de localização do ponto periférico. Geralmente, cada ponto experimental é apresentado somente com uma barra vertical de incerteza, conforme será mostrado mais adiante.

4.2. Rolamento de uma roda sobre uma rampa cicloide

O primeiro passo é coletar da filmagem as coordenadas (X, Y) do centro da roda vermelha, no referencial mostrado na Figura 2(c) e construir os gráficos com os dados experimentais e as curvas parametrizadas, que podem ser visualizadas na Figura 7. Lembrando que nessa etapa a intenção é conferir a qualidade dos dados experimentais.

Figura 7:
Curva da rampa cicloide e a trajetória do ponto central da roda.

A equação da trajetória da rampa é a cicloide da equação (3) e está desenhada na Figura 7 na cor verde. Os dados experimentais da trajetória do ponto central da roda rolando na rampa cicloide são representadas pelos anéis na cor azul. A curva que está ajustando os pontos experimen tais é própria curva da rampa cicloide (3), apenas transladada conforme as transformações (X,Y)(X-21,5,Y+32,5). A plena concordância da curva de ajuste dos pontos experimentais da Figura 4 atesta uma confiabilidade dessa técnica experimental de análise de imagem.

As coordenadas do ponto da periferia da roda vermelha de raio de r = 38,5 mm foram coletadas ponto a ponto, durante as análises das imagens no programa Tracker. As coordenadas para um ensaio de laboratório estão organizadas na Tabela 3.

Tabela 3:
Dados experimentais das coordenadas (x, y) do ponto periférico fixado na roda rolando na rampa cicloide.

Os dados da Tabela 3 foram obtidos usando o referencial da Figura 5(b). Inicialmente são usadas as coordenadas (201, 0) desse ensaio, para obter o valor L = 402 mm, que é utilizado na equação (2) para determinar o valor do raio r = 64 mm, cujo dobro coincide com o valor da coordenada y = 128 mm, para o primeiro par apresentado no ensaio. Os dados experimentais do ensaio da Tabela 3 são ajustados pela equação paramétrica

(7) { x = - 201 + 64 ( θ - s e n θ ) y = 64 ( 1 - c o s θ )

onde o parâmetro θ varia no intervalo [π, 2π]. A equação paramétrica em (7) é reconhecidamente uma cicloide e ela está escrita de uma forma um pouco diferente da expressão apresentada em (1), por causa de uma translação do eixo vertical para a direita.

Os gráficos dos dados experimentais desse ensaio e sua respectiva curva de ajuste definida em (7) estão apresentados simultaneamente na Figura 8.

Figura 8:
Dados experimentais (x, y) e curva de ajuste correspondente de uma roda em rolamento em uma rampa cicloide.

A qualidade do ajuste da curva cicloide aos dados experimentais é visivelmente notada na Figura 8. Esses dados experimentais se referem as coordenadas (x, y) do ponto da periferia da roda vermelha, rolando sobre a rampa cicloide em um período de tempo. Pode-se imaginar que a curva de ajuste é aquela cicloide associada ao movimento de um ponto, fixado na periferia de uma roda virtual de raio r = 64 mm, rolando sem deslizamento sobre um eixo horizontal. Isso indica que a trajetória de um ponto de uma roda rolando em uma rampa cicloide é um arco de cicloide, que responde afirmativamente a pergunta elaborada e registrada no início desse artigo.

As barras de erros verticais foram obtidas supondo que os valores das incertezas, horizontal e vertical de um ponto experimental são quase independentes entre si, ou fracamente correlacionados. Então o valor (σ) da barra de erro vertical é calculado usando o teorema de Pitágoras, por meio da equação σ=σx2+σy2, com os valores (σx,σy) organizados na Tabela 3.

5. Comentários Finais

A resposta da pergunta sobre a forma da equação da trajetória de um ponto na periferia de uma roda real (R = 38,5 mm), rolando sem deslizamento sobre uma rampa cicloide foi respondida nesse trabalho, com os procedimentos, experimental e computacional, planejando e construindo um aparato e registrando a experimentação por meio de uma filmagem com um Smartphone. A análise do vídeo de cada ensaio foi realizada no programa Tracker e permitiu a coleta dos dados experimentais, que são os valores das coordenadas do ponto periférico (x, y), em um período de tempo de rolamento. Para provar que a curva de ajuste é um arco de cicloide, ela foi identificada com a equação da trajetória de um ponto, adotado na circunferência de uma roda virtual (r = 64,0 mm), rolando sem deslizamento sobre um eixo horizontal. Essa forma empírica de verificação requer o difícil empreendimento de construção do aparato. No entanto, a identificação da equação da trajetória do ponto da periferia, de uma roda rolando na rampa cicloide, se torna muito simples e quase imediata.

Ainda que o aparato fosse disponibilizado para experimentação na forma de um conjunto pronto (kit), o estudante experimentador deve filmar, analisar as imagens, coletar os dados experimentais, construir os gráficos e identificar a equação da trajetória. Esses trabalhos ainda seriam valiosos para a qualidade do aprendizado, pois essas práticas tecnológicas estão enquadradas nas pedagogias ativa e contemporânea [21[21] V.B. Henriques, C.P.C. Prado e A.P. Viera, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 4001 (2014).], propostas para nossa realidade atual do Ensino de Física. Os ensaios declarados anteriormente poderiam ter sido realizados com rodas de diâmetros menores rolando sobre a rampa várias vezes. O experimentador interessado em realizar um ensaio com uma pequena roda, certamente descobrirá (por si mesmo) outras características apontadas nas análises de imagens dos vídeos, nas coletas de dados experimentais e na descoberta da correta expressão analítica da curva de ajuste.

Pretendemos, em trabalhos futuros, fazer verificações para outros casos particulares, para fortalecer a conjectura de que a trajetória de um ponto da borda de uma roda, que rola sem deslizar sobre uma rampa cicloide, também é uma cicloide.

Agradecimentos

Agradecimentos especiais são destinados ao Departamento de Mecânica (DME – IFSP – Campus São Paulo) pelo interesse demonstrado nesse trabalho, autorizando a utilização das máquinas e ferramentas de oficinas para construção dos componentes do aparato experimental. É oportuno lembrar dos professores Gilberto Fernandes, Eduardo Stefanelli e Clovis Velecico por suas contribuições nos trabalhos de oficina. O primeiro autor G. M. Ledo agradece ao CNPq pelo suporte financeiro.

Referências

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    H.M. Nussenzveig, Gurso de Física Básica (Edgard Bücher, São Paulo, 2002), 4 ed.
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    N. Piskunov, Differential and Integral Calculus (Mir, Moscow, 1969).
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    Microsoft Corporation, Powerpoint Ofice 365 (2022).
  • [21]
    V.B. Henriques, C.P.C. Prado e A.P. Viera, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 4001 (2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2022
  • Revisado
    31 Mar 2023
  • Aceito
    07 Abr 2023
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