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Composição de cores através da calibração radiométrica e fotométrica de LEDs: teoria e experimento

Color composition by radiometric and photometric calibration of LEDs: theory and experiment

Resumos

Neste trabalho, são apresentados os conceitos básicos de calibração radiométrica, fotométrica e colorimétrica de fontes de luz, os quais foram aplicados na prática a três diodos emissores de luz (LEDs) comerciais, utilizados para compor as diferentes sensações de cor que o olho humano percebe na região visível do espectro eletromagnético. Para tanto, um sistema experimental composto por um circuito de controle de corrente para os LEDs e uma esfera integradora artesanal foi montado tanto para a calibração radiométrica e fotométrica inicial quanto para a obtenção de um conjunto de combinações de intensidade e de espectros associadas a diferentes coordenadas colorimétricas CIE (Commission internationale de l'Eclairage). Dessa forma, é possível que o leitor compreenda, de uma forma bastante simples, o processo de composição de cores de um elemento de imagem (pixel) de um monitor ou tela colorida.

diodos emissores de luz; calibração radiométrica; calibração fotométrica; coordenadas CIE; composição de cores; elementos de imagem


In the present work, the basic concepts of radiometric, photometric and colorimetric calibration are presented, which were applied to three light-emitting diodes (LEDs) used to compose the different color sensations that the human eye perceives in the visible region of the electromagnetic spectrum. In this sense, an experimental setup comprising a LED drive circuit and a home-made integrating sphere was assembled for the initial radiometric and photometric calibration as well as to obtain a set of intensity and spectral combinations associated to different colorimetric CIE (Commission Internationale de l'Eclairage) coordinates. The reader can, therefore, understand, in a simple manner, the process of color composition inside a color monitor or display picture element (pixel).

light-emitting diodes; radiometric calibration; fotometric calibration; CIE coordinates; color composition; picture elements


ARTIGOS GERAIS

Composição de cores através da calibração radiométrica e fotométrica de LEDs: teoria e experimento

Color composition by radiometric and photometric calibration of LEDs: theory and experiment

Lucas Fugikawa Santos11 E-mail: lucas@sjrp.unesp.br.; Clayton José Pereira

Departamento de Física, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho'' São José do Rio Preto, SP, Brasil

RESUMO

Neste trabalho, são apresentados os conceitos básicos de calibração radiométrica, fotométrica e colorimétrica de fontes de luz, os quais foram aplicados na prática a três diodos emissores de luz (LEDs) comerciais, utilizados para compor as diferentes sensações de cor que o olho humano percebe na região visível do espectro eletromagnético. Para tanto, um sistema experimental composto por um circuito de controle de corrente para os LEDs e uma esfera integradora artesanal foi montado tanto para a calibração radiométrica e fotométrica inicial quanto para a obtenção de um conjunto de combinações de intensidade e de espectros associadas a diferentes coordenadas colorimétricas CIE (Commission internationale de l'Eclairage). Dessa forma, é possível que o leitor compreenda, de uma forma bastante simples, o processo de composição de cores de um elemento de imagem (pixel) de um monitor ou tela colorida.

Palavras-chave: diodos emissores de luz, calibração radiométrica, calibração fotométrica, coordenadas CIE, composição de cores, elementos de imagem.

ABSTRACT

In the present work, the basic concepts of radiometric, photometric and colorimetric calibration are presented, which were applied to three light-emitting diodes (LEDs) used to compose the different color sensations that the human eye perceives in the visible region of the electromagnetic spectrum. In this sense, an experimental setup comprising a LED drive circuit and a home-made integrating sphere was assembled for the initial radiometric and photometric calibration as well as to obtain a set of intensity and spectral combinations associated to different colorimetric CIE (Commission Internationale de l'Eclairage) coordinates. The reader can, therefore, understand, in a simple manner, the process of color composition inside a color monitor or display picture element (pixel).

Keywords: light-emitting diodes, radiometric calibration, fotometric calibration, CIE coordinates, color composition, picture elements.

1. Introdução

De uma forma geral, a luz visível pode ser definida como sendo a radiação eletromagnética que pode ser percebida pelo olho humano, dando origem ao sentido da visão. A região visível do espectro eletromagnético se situa, aproximadamente, entre 380 nm e 740 nm, limitada pela região do infravermelho no extremo de maiores comprimentos de onda e pela região do ultravioleta, na extremidade de menores comprimentos de onda.

Na maior parte das aplicações em ciência, para se caracterizar uma determinada fonte, basta se especificar a intensidade e a freqüência (ou o comprimento de onda) da radiação emitida, quando esta é monocromática. Caso a radiação possua componentes com diferentes comprimentos de onda, é mais apropriado descrevê-la através de sua distribuição espectral de intensidade, ou radiância espectral.

Grandezas físicas como a radiância espectral são diretamente proporcionais à energia (ou à potência) da radiação emitida, sendo indiferentes ao fato dela se encontrar ou não na região do visível, e são denominadas grandezas radiométricas.

No entanto, o olho humano não responde igualmente em toda região visível do espectro eletromagnético, muito menos tem uma resposta linear com a energia associada a uma determinada radiação. A máxima sensibilidade típica do olho humano se encontra em torno de 555 nm, que fica na região correspondente à cor verde, e decai rapidamente indo tanto para comprimentos de onda menores (região do azul) quanto para comprimentos de onda maiores (região do vermelho). De forma a se quantificar a resposta do olho humano a uma determinada fonte de luz, é preciso definir grandezas que não variam diretamente com a radiância espectral, denominadas grandezas fotométricas [1].

Em geral, nos cursos de física, engenharia e demais ciências exatas, não é apresentada a correlação entre grandezas fotométricas e colorimétricas a grandezas radiométricas. No entanto, esses conceitos são de fundamental importância para a calibração de instrumentos e equipamentos utilizados para gerar ou capturar imagens coloridas como, respectivamente, displays e câmeras digitais, encontrados praticamente em toda parte nos dias atuais. Para tanto, é preciso saber converter grandezas físicas diretamente mensuráveis e de fácil associação (como correntes e tensões em circuitos eletrônicos) a grandezas indiretas como, por exemplo, a radiância, a luminância e as coordenadas colorimétricas CIE.

A seguir, faremos uma breve exposição dos conceitos necessários para entender a caracterização de fontes de luz e para descrever os estímulos associados às diferentes cores percebidas pela visão humana.

2. Grandezas radiométricas, fotométricas e coordenadas colorimétricas

A radiância espectral nos permite determinar a energia que atravessa uma determinada área, subentendida por um determinado ângulo sólido, em um dado intervalo de tempo e em uma faixa de comprimento de onda. Portanto, a radiância espectral pode ser expressa, por exemplo, em W.m-2.sr-1.nm-1. Uma outra grandeza radiométrica também bastante utilizada é o fluxo radiante, definido por

onde é a radiância espectral, A, uma área arbitrária através da qual é calculado o fluxo e , o ângulo sólido subentendido pela área A. Por exemplo, se considerarmos uma fonte pontual, localizada no centro de uma esfera de área A, o fluxo luminoso calculado é igual à potência total emitida pela fonte.

O gráfico da Fig. 1 mostra a função de eficiência luminosa do olho humano, ou resposta fotóptica (resposta do olho humano adaptado à intensidade da luz do dia), de onde se pode obter a relação entre qualquer grandeza radiométrica e sua correspondente grandeza fotométrica. Esta função foi definidada pela Commission Internationale de l'Eclairage (CIE) em 1924 [2, 3], tendo como base a resposta média a determinados estímulos luminosos, obtida a partir de um grande número de experimentos realizados em diferentes grupos de população.

Figura 1
- Curvas de resposta do olho humano (resposta fotóptica, em lumens/Watt), estabelecida de acordo com a CIE 1924, e de resposta do fotodiodo (fornecida pelo fabricante, em A/W) utilizado na parte experimental.

Uma grandeza fotométrica básica que pode ser usada para caracterizar uma fonte é o fluxo luminoso, definido como

onde (Eq. (1)) é a distribuição espectral de potência da fonte e é a resposta fotóptica do olho humano. O fluxo luminoso tem o lúmen como sua a unidade básica, que é definido como sendo o fluxo luminoso proveniente de uma fonte monocromática, a 5.4 x 1014 Hz (ou 555 nm), que emite uma potência de 1/683 W.

Duas outras grandezas importantes para caracterizar uma fonte são o comprimento de onda médio () e o comprimento de onda dominante (), definidas como

É importante notar que o comprimento de onda médio pode ser considerado uma grandeza radiométrica, pois independe da sensibilidade do olho humano à radiação eletromagnética. No entanto, o comprimento de onda dominante é uma grandeza fotométrica. O produto é definido como sendo a distribuição espectral de potência luminosa da fonte e é a correspondente fotométrica da distribuição espectral de potência.

O comprimento de onda médio, como o próprio nome sugere, representa o valor médio de comprimento de onda emitido por uma determinada fonte enquanto o comprimento de onda dominante representa o comprimento de onda que, na média, causa a maior sensação luminosa para a visão humana. Dependendo da forma da distribuição espectral de uma determinada fonte, estas duas grandezas podem ser consideravelmente diferentes. Aproximadamente, pode-se dizer que o comprimento de onda dominante define a cor associada a uma determinada fonte de radiação. No entanto, é importante notar que distribuições espectrais completamente distintas podem resultar nos mesmos valores de comprimento de onda médio, ou de comprimento de onda dominante. Se, por exemplo, considerarmos uma fonte de luz monocromática e outra fonte, com uma particular distribuição espectral bastante larga, elas podem ter os mesmos valores de comprimento de onda dominante. No entanto, sabemos na prática que as duas fontes têm a mesma cor, mas diferem na tonalidade, sendo possível distingui-las facilmente. Portanto, embora o comprimento de onda dominante ajude na descrição da sensação de cor sentida pelo olho humano, ele não contém toda a informação necessária, referente à distribuição espectral, para definir univocamente o estímulo visual causado.

A visão humana associa uma sensação diferente de cor à medida que se muda o comprimento de onda emitido por uma determinada fonte, devido ao fato de existirem três diferentes tipos de células (cones) que funcionam como fotoreceptores de intensidade de luz. Um quarto tipo de célula (denominada bastonete) também atua como fotoreceptor, mas, como elas não se encontram em grande número na região central do ângulo visual humano e atuam basicamente somente em baixos níveis de luminosidade, elas são responsáveis, principalmente, pela visão adaptada à luminosidade noturna (resposta escotópica) [4], que é praticamente monocromática. Portanto, pode-se dizer que, em princípio, qualquer sensação de cor pode ser descrita a partir da determinação de três parâmetros independentes, denominados valores triestímulo [5].

A definição destes três parâmetros independentes pode ser feita de forma totalmente arbitrária, desde que eles sejam definidos de forma a abranger o maior número possível de possibilidades de cores perceptíveis pela visão humana, ou, em outras palavras, toda a gama de cores da visão humana. Um padrão bastante utilizado em sistemas ópticos é conhecido por padrão RGB (Red, Green, Blue) [6], onde três cores primárias (vermelho, verde e azul) são combinadas de forma a compor um grande conjunto de cores dentro da gama de cores da visão humana. A combinação linear de duas cores primárias resulta em uma cor secundária, ao passo que a combinação linear de uma cor primária com uma secundária dá origem a o que chamamos de uma cor terciária.

No entanto, as cores que compõem um sistema RGB geralmente não apresentam uma superposição razoável em seus espectros, diferentemente das respostas espectrais dos cones presentes no olho humano, que apresentam bandas relativamente largas cujos máximos se situam em torno de 430 nm, 535 nm e 570 nm, respectivamente. O resultado disso é que, utilizando um padrão RGB, nem sempre é possível recompor todas as sensações de cores percebidas pelo olho humano.

Com o intuito de quantificar os estímulos visuais associados a quaisquer composições de cores, a CIE definiu, em 1931, a partir de observações feitas com um grande número de indivíduos, um conjunto de três funções de cores correspondentes [2, 3], cujas distribuições espectrais () são apresentadas na Fig. 2. Estas três funções permitem definir três valores triestímulo (Z, Y e Z da seguinte forma [7]

Figura 2
- Funções de cores correspontes utilizadas para determinar os parâmetros triestímulo XYZ, definidas de acordo com a CIE 1931.

onde é a distribuição espectral de potência da fonte, normalizada de forma que a sua integral seja igual à unidade.

Uma característica interessante deste sistema é que a função possui exatamente a mesma distribuição espectral que a resposta fotóptica do olho humano (Fig. 1). Desta forma, uma variação no valor de Y não corresponde a nenhuma mudança real na tonalidade da cor, mas somente a uma variação na luminância ou no brilho associado à fonte de luz. A conseqüência disso é que, por exemplo, as cores branca e cinza diferem em sua luminância, mas possuem a mesma cromaticidade. O mesmo ocorre entre as cores laranja e marrom. Em função dessa característica desse sistema de cores, é possível definir a cromaticidade de uma determinada cor a partir de somente duas coordenadas independentes (x e y), derivadas dos valores triestímulo da seguinte forma

O espaço de cores resultante é, então, denominado CIE xyY, onde as coordenadas x e y representam a cromaticidade de uma determinada cor e a coordenada xy, seu brilho ou sua luminância.

A Fig. 3 mostra o gráfico de cromaticidade definido pelas coordenadas CIE xy. Neste diagrama, os comprimentos de onda associados a cores monocromáticas (puras ou saturadas) do espectro visível são encontradas percorrendo, em sentido horário, o contorno da figura, a partir do canto inferior esquerdo, até o canto inferior direito, indo desde menores comprimentos de onda (região do azul) até maiores comprimentos de onda (região do vermelho). Qualquer ponto sobre a linha que liga os dois cantos inferiores do diagrama não pode ser associado a nenhum comprimento de onda específico, o que significa que pontos sobre essa reta não podem ser obtidos a partir de luz monocromática. No interior do diagrama, se encontram as cores menos puras (ou menos saturadas), que podem ser obtidas a partir de combinações lineares de cores mais saturadas.


Figura 3 - Gráfico de cromaticidade CIE xy.

Se dois pontos no diagrama de cromaticidade forem escolhidos, todas as cores associadas aos pontos que caem sobre a reta que liga esses dois pontos podem ser obtidas a partir da combinação linear das duas cores associadas a eles. Conseqüentemente, todas as cores dentro de um triângulo definido por três pontos no diagrama podem ser obtidas a partir da combinação linear resultante das três cores associadas a esses três pontos. Dessa forma, se escolhermos três fontes de luz, cujo triângulo formado pelos pontos correspondentes às suas coordenadas CIE xy abranja uma área considerável no diagrama de cromaticidade, é possível se obter uma gama de cores bastante próxima à gama de cores do olho humano. Esse é o caso da formação de um elemento de imagem (pixel) em um display colorido, onde, em geral, três pixels (um vermelho, um verde e um azul) são utilizados para compor um grande número de cores dentro de um triângulo de cores RGB.

A seguir, descreveremos as etapas de calibração radiométrica, fotométrica e colorimétrica de três LEDs utilizados para compor um padrão RGB e, dessa forma compor diferentes cores associadas a pontos no diagrama de coordenadas CIE xy.

3. Calibração radiométrica, fotométrica e colorimétrica de diodos emissores de luz

Neste trabalho, foram utilizados três LEDs comerciais diferentes (vermelho, verde e azul) para compor um padrão RGB. As características dos LEDs utilizados, com seus valores típicos, são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1 - Gráfico de cromaticidade CIE xy.

Embora a Tabela 1 apresente os valores típicos de corrente, tensão, brilho e comprimento de onda dos LEDs utilizados, precisamos levantar as curvas características dessas propriedades para obter as informações necessárias para se fazer a devida calibração do sistema RGB construído. A Fig. 4 mostra as curvas de corrente (símbolos cheios) dos LEDs, em função da tensão aplicada. Esses dados mostram que a corrente cresce exponencialmente com a tensão aplicada a partir de uma determinada tensão mínima de operação. Na figura, também são apresentadas as curvas da fotocorrente obtidas utilizando um fotodiodo calibrado, que é proporcional à intensidade de luz emitida pelos LEDs, em função da tensão aplicada (símbolos vazios). O fotodiodo utilizado (Hamamatsu S1133-01) possui uma resposta essencialmente linear com a intensidade de luz incidente em todo intervalo utilizado, como pode ser verificado na documentação fornecida pelo fabricante. Os resultados mostram que, aproximadamente, a emissão de luz acompanha a corrente do dispositivo depois que ele entra no modo de operação. A tensão inicial de operação do LED vermelho se encontra em torno de 1.5 V, ao passo que as tensões iniciais de operação para os LEDs azul e verde estão em torno de 2 V e 2.1 V, respectivamente.

Figura 4
- Curvas da corrente e da intensidade da luz emitida (aqui quantificada pela corrente registrada pelo fotodiodo utilizado como detector) pelos três LEDs como função da tensão aplicada. Símbolos cheios representam as curvas de corrente enquanto símbolos vazios representam as curvas de emissão.

Com o objetivo de realizar uma calibração mais precisa, na qual fatores geométricos não tivessem um papel tão relevante nos resultados, construímos um sistema de medidas composto por uma esfera integradora artesanal e um circuito de controle da intensidade de luz emitida por cada LED, esquematizado na Fig. 5.

Figura 5
- Representação esquemática do aparato experimental para a realização das medidas.

A esfera integradora tem a função de fazer com que a luz proveniente de cada um dos LEDs sofra inúmeras reflexões nas paredes internas antes de atingir o fotodetector evitando, dessa forma, que um determinado LED contribuísse mais (ou menos) para a intensidade de luz registrada por conta de um posicionamento mais (ou menos) favorável em relação ao detector. Ela foi confeccionada usando um molde em gesso, com aproximadamente 50 mm de diâmetro, no qual foram feitos quatro furos, através dos quais foram inseridos os três LEDs e o fotodetector.

Embora a superfície interna da esfera não tenha recebido um tratamento especial de forma a refletir igualmente todos os comprimentos de onda, como seria o caso de uma esfera integradora ideal, foi realizada uma verificação do quanto a variação da refletividade da superfície interna da esfera afetaria os resultados utilizando uma lâmpada halógena (50 W de potência, 3000 K de temperatura de cor). Observou-se que os espectros da luz proveniente diretamente da lâmpada e da luz refletida pela superfície interna da esfera apresentaram uma diferença inferior a 10%, em um intervalo de comprimento de onda entre 400 nm e 800 nm, que contém maior parte do espectro eletromagnético visível. Tal diferença além de ser aceitável para a maioria das aplicações práticas, não compromete seriamente a validade dos experimentos realizados. Cabe ressaltar, porém, que toda a calibração posterior foi realizada considerando a luz refletida pela superfície interna da esfera, constituindo, de forma, resultados relativos e, não absolutos, como seria a situação idealizada.

Como a intensidade luminosa de cada LED pode variar várias ordens de grandeza em um curto intervalo de tensão aplicada, um circuito de controle de corrente para os LEDs foi construído de forma que a intensidade de cada um variasse linearmente com uma determinada tensão no circuito. Para tanto, circuitos conversores tensão/corrente foram montados utilizando amplificadores operacionais (LM741C) que fazem com que a corrente que atravessa cada LED seja diretamente proporcional à tensão V de entrada (lida separadamente por três multímetros digitais), e que pode ser controlada para variar, em uma faixa de 0 a 5 V, por um potenciômetro P. Os valores dos resistores R foram ajustados individualmente para cada LED, a partir dos dados provenientes de sua calibração fotométrica. A Fig. 6 mostra fotos do sistema montado em operação.

Figura 6
- Fotos dos aparatos experimentais montados para a realização das medidas.

Como foi dito anteriormente, a corrente medida no fotodetector utilizado é proporcional à intensidade luminosa emitida por cada LED. Para isso, é preciso conhecer a curva de resposta espectral do fotodiodo, mostrada na Fig. 1, fornecida pelo fabricante. Esta curva, dada em A/W, nos diz qual a fotocorrente gerada (em A), a uma intensidade luminosa inferior ao limiar de saturação do fotodiodo, devida à incidência de uma determinada intensidade de luz (em W) sobre o detector. Portanto, para se determinar a potência luminosa total que chega até o detector, devida à emissão de um determinado LED, é preciso também se conhecer o espectro de emissão do LED. Essa potência é dada por

onde é o espectro de emissão do LED normalizado de forma que a sua integral seja igual à unidade, ID, a corrente medida no fotodiodo e é a curva de resposta do fotodiodo, apresentada na Fig. 1.

Para calcular a potência luminosa total emitida, por outro lado, é preciso levar em conta também a resposta fotóptica do olho humano

A Fig. 7 mostra as curvas de potência radiante emitida e luminância em função da corrente que atravessa cada um dos três LEDs utilizados. Por esses dados, dá para se verificar que a intensidade de luz emitida realmente varia de forma aproximadamente linear com a corrente dos LEDs.



Figura 7 - Curvas de emissão dos LEDs em função da corrente dos LEDs. A potência radiante emitida pelos LEDs foi calculada a partir da corrente no fotodiodo calibrado e de sua curva de resposta em função do comprimento de onda.

Na Fig. 7-a, observa-se que o LED azul emite uma potência radiante consideravelmente superior, para um mesmo valor de corrente, que os LEDs vermelho e verde, que apresentam curvas mais próximas uma da outra. É importante notar que a potência radiante emitida foi calculada a partir da corrente medida no fotodiodo calibrado e considerando a sua responsividade (dada na Fig. 1), que apresenta uma maior sensibilidade na região de maiores comprimentos de onda.

Quando as curvas de luminância são calculadas, por outro lado, verifica-se que a curva para o LED verde apresenta uma amplitude muito maior que as outras duas curvas, que se tornam quase coincidentes no intervalo observado. Este comportamento se deve ao fato do espectro do LED verde possuir uma grande superposição com a curva da resposta fotóptica, enquanto que o do LED vermelho apresenta uma menor superposição e o do LED azul, uma superposição menor ainda.

Na Fig. 7-b, a unidade de luminância é dada em cd/m2 (candelas por metro quadrado). A candela é a unidade base do SI para intensidade luminosa, correspondendo a um lúmen por esterradiano (1 cd = 1 lm.sr-1. Os valores de luminância foram obtidos dividindo a potência luminosa (em lumens), calculada segundo a Eq. (7), pelo ângulo sólido subentendido pela esfera integradora () e pela área compreendida pelo detector.

Valores típicos, fornecidos pelos fabricantes, das propriedades físicas dos LEDs utilizados nos ensaios.

A partir do resultado da Fig. 7-b, vemos que, para uma mesma faixa de corrente aplicada, os valores de luminância dos LEDs azul e vermelho estão praticamente na mesma região, mas que isso não se aplica ao LED verde. Para corrigir isto, utilizamos um resistor de maior valor para o LED verde (R2 = 890 que os utilizados para os LEDs vermelho e azul (R2 = R3 = 160. Dessa forma, a corrente no LED verde, para uma mesma tensão de entrada ajustada pelos potenciômetros do circuito da Fig. 5, é cerca de 5.5 vezes menor que a corrente para os outros dois LEDs, compensando, dessa forma, a sua maior luminância.

Finalizada a calibração radiométrica e fotométrica dos LEDs, procuramos compor diferentes cores a partir do ajuste dos três potenciômetros do circuito de controle representado na Fig. 5. A Tabela 1 mostra os valores das tensões de entrada no circuito de controle de corrente de cada LED, em nove condições diferentes de teste, assim como as coordenadas CIE xy, o comprimento de onda médio e o comprimento de onda dominante calculados a partir dos espectros medidos utilizando um espectrômetro acoplado por fibra óptica (Ocean Optics USB 2000+) com a entrada na mesma posição que o fotodiodo utilizado na calibração.

A Fig. 8 mostra os espectros de emissão obtidos em cada uma das nove condições de teste descritas na Tabela 2. Os três primeiros espectros (a, b e c) são os espectros individuais de cada LED (vermelho, verde e azul, respectivamente.


Figura 8 - Espectros de emissão captados na saída da esfera integradora, na mesma posição do fotodiodo, com a combinação de tensões aplicadas na mesma seqüência descrita na Tabela 1.

Tabela 2
- Valores tópicos, fornecidos pelos fabricantes, das propriedades físicas dos LEDs utilizados nos ensaios.

De posse dos espectros resultantes de cada uma das condições de teste da Tabela 2, é possível se determinar as coordenadas CIE xy e lançá-las em um gráfico de cromaticidade, como mostra a Fig. 8. As composições resultantes podem ser associadas, aproximadamente, às seguintes cores: vermelho (a), verde (b), azul (c), laranja (d), amarelo (e), magenta (f), ciano (g), verde-amarelado (h) e branco (i). Na Fig. 9, é possível ver o triângulo de cores formado pelas coordenadas CIE xy dos três LEDs e que as coordenadas obtidas a partir dos espectros compostos estão dentro da gama de cores formada. Um aspecto interessante é que os pontos associados aos espectros das composições d, e e h se encontram, aproximadamente, sobre a aresta que liga o ponto associado ao LED verde e o ponto associado ao LED vermelho. Observando a Tabela 2, vê-se que, conforme esperado, a tensão aplicada ao LED azul é, nestes casos, igual a zero.


Figura 9 - Coordenadas CIE dos espectros compostos utilizando as combinações descritas na Tabela 1.

Situação semelhante ocorre para a composição associada ao ponto g, que é uma mistura pura dos LEDs verde e azul e para a composição associada ao ponto f, que é uma mistura pura dos LEDs azul e vermelho. O ponto associado à composição i, que fornece o estímulo da cor branca, se encontra próximo ao centro do triângulo, onde se encontra o chamado ponto acromático. Este ponto, de coordenadas x = 0.33 e y = 0.33, é obtido para um espectro "plano'', ou seja, de intensidade constante em toda a região do visível, cuja luminância possui, portanto, a mesma distribuição espectral que a resposta fotóptica.

Para confirmar que as composições de cores formadas realmente estão associadas às cores esperadas pelas coordenadas CIE xy, fotografias foram tiradas da saída da esfera, nas mesmas condições de teste descritas na Tabela 2, utilizando uma câmera digital. Estas fotos são mostradas na Fig. 10. Embora uma câmera digital tenha um sistema de detecção também baseado em um padrão RGB, possuindo, portanto, uma gama de cores inferior à da visão humana, o procedimento permitiu constatar visualmente que é possível reproduzir o estímulo visual de cor descrito pelos espectros medidos e pelas coordenadas CIE calculadas.


Figura 10 - Fotografias da saída da esfera integradora para cada uma das condições de teste descritas na Tabela 2.

4. Conclusões

O presente artigo apresenta uma revisão sobre alguns conceitos básicos de radiometria, fotometria e colorimetria que permite o leitor encontrar, de forma bastante simples, toda a informação necessária de como calcular as coordenadas de cromaticidade CIE de uma determinada fonte de luz a partir do seu espectro de emissão, assim de como calibrar um fotodiodo, cuja curva de resposta radiométrica é conhecida, para obter leituras em unidades fotométricas. A partir de experimentos relativamente simples, foram aplicados os conceitos de calibração radiométrica, fotométrica e de colorimetria para se compor diferentes estímulos de cor utilizando um sistema RGB composto por três LEDs comerciais. Foi possível constatar a composição de cores secundárias e terciárias simplesmente a partir do controle das tensões de entrada em um circuito de controle de corrente construído especificamente para esta finalidade. Além disso, puderam ser comparados os valores das coordenadas CIE xy de diferentes composições de cores com o estímulo visual obtido pela observação de fotografias tiradas da entrada/saída da esfera integradora.

O equipamento desenvolvido neste trabalho poderia ser utilizado, por exemplo, em práticas de ensino de física, nas quais alunos pudessem verificar que fontes de luz com espectros completamente distintos podem resultar na mesma sensação aparente de cor. Outro experimento bastante interessante seria o de quantificar como pessoas provenientes de um grupo composto por um grande número de indivíduos podem responder diferentemente a estímulos visuais de cor. Neste experimento, seria solicitado que as pessoas ajustassem um dos potenciômetros de controle de corrente para reconstituir o estímulo visual de uma fonte de luz padrão, fixa. Seria possível determinar, dessa forma, o valor médio e o respectivo desvio padrão a partir do levantamento da distribuição de valores obtidos de tensão ou corrente do circuito de controle.

5. Agradecimentos

Os autores agradecem ao Prof. Dante Luis Chinaglia (DF/UNESP Rio Claro), ao Dr. Giovani Gozzi (DF/UNESP Rio Claro) e à Dra. Emanuelle Reis Simas (Technische Universität Darmstadt) pelo auxílio e pelas sugestões dadas. O trabalho contou com a utilização de recursos obtidos de apoios financeiros concedidos pela CAPES, CNPq e PROPE/ UNESP. Clayton José Pereira agradece particularmente à bolsa de mestrado da CAPES, concedida por cota ao Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (INEO).

Recebido em 9/7/2012;

Aceito em 2/3/2013;

Publicado em 28/5/2013

  • [1] G. Waldman, Introduction to Light, The Physics of Light, Vision and Color (Prentice-Hall, 1983).
  • [2] CIE, Commission Internationale de l'Eclairage Proceedings (Cambridge University Press, Cambridge, 1931).
  • [3] T. Smith and J. Guild. Transactions of the Optical Society 33, 73 (1931-32).
  • [4] CIE Proceedings, v. 1, sec. 4; v. 3, p. 37 (Bureau Central de la CIE, Paris, 1951).
  • [5] R.W. Hunt, Measuring colour (Fountain Press, England, 1998), 3rd ed., p. 39-46.
  • [6] D. Pascale, disponível em http://www.babelcolor.com/download/AAcessado em 6/7/2012.
    » link
  • [7] CIE 1931 color space, disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/CIE_1931_color_space, acessado em 20/2/13.
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      09 Jul 2012
    • Aceito
      02 Mar 2013
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