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Força de Coriolis e as grandes navegações do século XV

Coriolis Force and the great navigations of the 15th century

Resumos

Neste trabalho será apresentado como determinar os componentes do vetor força de Coriolis na superfície esférica terrestre e como essa força induz a circuitação das correntes de ar e água, as chamadas correntes eólicas e marinhas dos oceanos, mormente, no oceano Atlântico. Essas correntes eólicas e marinhas foram uma das forças motrizes das embarcações, movidas a vela do início das grandes navegações no século XV que, por conseguinte, formam trajetórias tipo circulares, sentido horário no hemisfério norte e sentido anti-horário no hemisfério sul terrestre. Ademais, um importante resultado encontrado é que, para situações que as embarcações atravessem a linha do Equador, surge uma circuitação inusitada, similarmente ao símbolo do infinito da matemática. Esse é o caminho que a força de Coriolis cria para esse tipo de embarcação nas viagens pelos mares. Apresentamos também a análise das trajetórias das quatro primeiras grandes navegações, todas corroboram que essa força foi primordial para o achamento do continente americano, do Cabo da Boa Esperança, do Brasil, e do caminho para a Índia.

Palavras-chave:
Força de Coriolis; Grandes Navegações; Achamento do Brasil


In this work, it will be presented how to determine the components of the Coriolis force vector on the spherical surface of the Earth and how this force induces the circuit of air and water currents, the so-called wind and marine currents of the oceans, especially in the Atlantic Ocean. These wind and marine currents were one of the driving forces of the vessels, powered by sail from the beginning of the great navigations in the 15th century, which, therefore, form circular paths, clockwise in the northern hemisphere and counterclockwise in the southern terrestrial hemisphere. In addition, an important result found is that, for situations in which vessels cross the equator line, an unusual circuit appears, similar to the infinity symbol of mathematics. This is the path that the Coriolis force creates for this type of vessel on voyages by the seas. We also present the analysis of the trajectories of the first four great navigations, all of which corroborate that this force was essential for the finding of the American continent, the Cape of Good Hope, Brazil, and the way to India.

Keywords:
Coriolis Force; Portuguese Navigations; Finding Brazil


1. Introdução

É do comportamento comum humano sempre se imaginar no futuro, afinal é mais fácil imaginar as inúmeras facilidades tecnológicas que estão por surgir e facilitar as tarefas cotidianas, ou ainda se imaginar na passagem pelo ideário religioso para a vida eterna. Todavia, imaginar-se no passado é assustador, pensar nos inúmeros vínculos da vida no passado, sem um celular, sem um computador, sem um forno de micro-ondas, viajar sem um GPS, entre muitas outras tecnologias surgidas nesses últimos 100 anos [1[1] ENCICLOPÉDIA BRITANNICA, History of technology, disponível em: https://www.britannica.com/technology/history-of-technology, acessado em 10/08/2021.
https://www.britannica.com/technology/hi...
]. Imagina fazer uma viagem para outro continente, usando navios movidos somente a vela, viagem que duraria meses, em situação completamente insalubre, sem qualquer tipo de conforto numa longa viagem, sem banheiros, sem alimentação adequada, correndo inúmeros riscos marítimos e usando instrumentos rústicos para navegações.

É nesse cenário que os portugueses iniciaram as chamadas grandes navegações no século XV. Nessa época, a astrologia se confundia com Astronomia, as Ciências da Natureza (Física, Química e Biologia) ainda estavam embrionárias, nem Galileu Galilei, nem Antoine Lavoisier, nem Charles Darwin havia sequer nascidos [2[2] J. Farndon, A História da Ciência por seus Grandes Nomes (Ediouro, Rio de Janeiro, 2015).]. Tudo era muito incerto e arriscadíssimo. Com certeza, não era uma viagem para turistas. Era uma viagem para cidadãos de muita coragem e valentia; desbravar o desconhecido, ou pior, se imaginar nas inúmeras lendas do século XV. Entre muitas, uma muita famosa na época era de que a Terra era plana e que acabaria a cerca de mil ou dois mil quilômetros, a oeste da costa da Europa. Entretanto, a sede pelas especiarias vindas do Oriente foi um dos motivos, pois em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos Turcos, o valor das especiarias ficou muito alto [3[3] A. Palmer, Declínio e queda do império Otomano (Globo, Rio de Janeiro, 2013).]. Ademais, a necessidade da expansão religiosa catolicista deu mais um ímpeto aos portugueses, para se aventurarem pelos oceanos, nunca antes navegados.

Do ponto de vista físico, uma viagem naútica é basicamente caracterizada pelas grandezas, distância, velocidade da embarcação e a força motriz [4[4] A. Gaspar, Compreendendo a Física (Ática, São Paulo, 2013), 2 ed.]. Para estimar as distâncias percorridas e as velocidades, as datas dos diários de bordo das viagens marítimas são dados importantes, inclusive, para comprovarmos se as datas estão corretas por medidas e comparações dos valores de ordem de grandeza dessas quantidades. Como ainda hoje, na época, era comum a prática de segredos de informações ou escrever codificamente, pois essas grandes navegações eram comparadas às atuais viagens espaciais. Informações sobre rotas e novas descobertas eram guardadas em estrito segredo, pois isso significava encontrar e possuir riquezas e poder.

Ainda do ponto de vista físico, o tema força de Coriolis é pouco abordado nos cursos de graduação, normalmente, assunto de final de capítulo ou até fim de livro, pois engloba um produto vetorial e vem sempre depois das descrições dos sistemas inerciais, como um caso à parte, dando-se pouca relevância [5[5] K.R. Symon, Mecânica (Campus, Rio de Janeiro, 1996), 1 ed.]. Com esses predicados, é comum o pouco interesse em estudar e entender o que é a força de Coriolis. Porém, como será abordado aqui, essa força, que surge do movimento de rotação diário da Terra, é uma das forças propulsoras das embarcações a vela, sendo um excelente exemplo de aplicação desse tema para uma aula didática que envolva não somente física. Passa a ser um tema interdisciplinar, com geografia e história.

No texto que segue, na seção sobre Força de Coriolis, são desenhados os componentes dessa força, em vários pontos sobre a superfície esférica da Terra, primeiro no Polo Norte e, mais especificamente, nos hemisférios Norte e Sul da Terra, destacando no oceano Atlântico. Na seção sobre a rota marítima no oceano Atlântico, é feita uma análise de como a força de Coriolis determina as melhores rotas marítimas. Será apresentado que as rotas marítimas são tipos circulares, e se transpuser a linha do Equador, a rota se assemelha ao símbolo de infinito da matemática. Na seção seguinte, uma nova análise é feita, agora de quatro grandes navegações do final do século XV, de como a força de Coriolis pode ter determinado os caminhos dessas viagens. Em foco, as aventuras de Bartolomeu Dias (achamento do final da África); de Cristovão Colombo (achamento do continente americano); de Vasco da Gama (caminho para a Índia); e Pedro Cabral (achamento do Brasil e primeira grande viagem para a Índia).

2. Força de Coriolis

Na Figura1, apresentamos um mapa terrestre planificado conforme informações dos órgãos de estudos meteorológicos no link da referência [6[6] https://earth.nullschool.net/, acessado em 23/04/2021.
https://earth.nullschool.net/...
], o qual mostra o desenho das linhas das correntes marítimas frias e quentes, suas direções e sentidos apontados por setas. Como veremos, as correntes marítimas e eólicas possuem o mesmo padrão de circuitação, por conseguinte a Figura1, as direções e sentidos, são representativas para as correntes eólicas. Outra informação importante vem dos dados geológicos. A atual geografia dos continentes da Terra não mudou muito nos últimos dez mil (10.000) anos, ou seja, no período quaternário e na época holoceno da escala geológica, que é a época do aparecimento da civilização na Terra. Isso indica que esse cenário das correntes eólicas e marinhas não mudou nesses últimos milhares de anos.

Figura 1:
Ilustração das correntes marítimas em um mapa terreste planificado, criado conforme referência [6[6] https://earth.nullschool.net/, acessado em 23/04/2021.
https://earth.nullschool.net/...
]. Fonte: Os autores (2022).

Observamos no mapa da Figura1, claramente, que no Polo Norte há uma corrente que gira no sentido horário e assim segue em todo o hemisfério norte, isto é, as correntes giram sempre nesse sentido. Entretanto, ao se olhar para o hemisfério sul, o sentido de giro das correntes eólicas ou marinhas é invertido, agora o sentido é anti-horário.

Na Figura2, observamos uma ampliação do mapa da Figura1 com foco no oceano Atlântico, mostrando as correntes ao norte e ao sul da linha do Equador. Vemos mais claramente que as linhas ao norte seguem o sentido horário de circuitação, enquanto que ao sul seguem o sentido anti-horário. Próximo ao Equador e do lado oeste da África no Golfo da Guiné, há uma região de circuitação revoltosa, devido ao encontro das correntes eólicas, vindas do norte e do sul, e também ocasionadas pelo relevo geográfico do litoral dos países próximos à Nigéria.

Figura 2:
Visão das correntes eólicas e marítimas, em um mapa terreste planificado com uma ampliação e centrado para o oceano Atlântico. Fonte: Ampliação da Figura1, conforme referência [6[6] https://earth.nullschool.net/, acessado em 23/04/2021.
https://earth.nullschool.net/...
]. Fonte: os autores (2022).

Logo mais a oeste do Golfo da Guiné, ambas as correntes do norte e do sul se combinam para uma única corrente, que se direciona ao nordeste do Brasil (forma os ventos chamados de “ventos alísios”), especificamente ao vértice geográfico no estado do Rio Grande do Norte. Esses ventos, ao chegarem às proximidades do litoral potiguar, como ventos alísios, se dividem em duas novas correntes: uma que segue leste-oeste, indo para os Estados do Ceará e Maranhão, e outra a norte-sul, para os estados da Paraíba e Pernambuco, passando pela Bahia, Rio de Janeiro e indo até o Rio Grande do Sul. Já no sul da América, a corrente torna novo rumo, agora oeste-leste e se direciona para o sul da África, chegando até o Cabo da Boa Esperança. Próximo a esse cabo se observa nova zona de circuitação revoltosa, que para os navegadores significa zona de difícil navegação, principalmente para as embarcações movidas a vela.

A explicação dos sentidos opostos dessas correntes marítimas e eólicas, quando ao norte, cujo sentido é horário e ao sul é anti-horário, é devido à chamada força de Coriolis. Conforme transcrito da referência [7[7] http://www.mat.ufrgs.br/ betta/textos_files/F_Coriolis.pdf, acessado em 30/06/2020.
http://www.mat.ufrgs.br/ betta/textos_fi...
], com inclusão de referências bibliográficas, Gaspard-Gustave Coriolis foi um engenheiro francês que, em 1835, publicou dois trabalhos científicos [8[8] G-G. Coriolis, Journal de l’École Royale Polytechnique 13, 268 (1832)., 9[9] G-G. Coriolis, Journal de l’École Royale Polytechnique 15, 144 (1835).], resultado de suas pesquisas envolvendo máquinas de rotação, como rodas d’água, nas quais menciona a existência de uma força do tipo força centrífuga e deduz, com bastante precisão, sua fórmula matemática. Contudo, somente no final do século XIX, o termo força de Coriolis começa a ser usado em meteorologia [10[10] D.W. Moore, em: Encyclopedia of Atmospheric Sciences tituloItalico, editado por G.R. North, J.A. Pyle e F. Zhang (Academic Press, San Diego, 2014), v. 2, 2 ed.].

Os efeitos da força de Coriolis são hoje bem conhecidos no movimento dos ventos em centros de baixa pressão. Isto é, quando uma área de baixa pressão se forma na atmosfera, o ar tende a fluir em sua direção, movido pelos gradientes de pressão, mas será defletido perpendicularmente à sua velocidade, pela força de Coriolis. Um sistema de equilíbrio pode então se estabelecer, criando um movimento circular e dando origem a uma formação tipo campo de giro, característica dos fluxos ciclônicos. Também em escala microscópica, os efeitos da força de Coriolis estão presentes e podemos observar, por exemplo, em moléculas poliatômicas, o movimento da molécula como o movimento de rotação de um corpo rígido, superposto ao movimento de vibração interna dos átomos, entorno de sua posição de equilíbrio. Os espectros dessas moléculas apresentam, consequentemente, uma mistura de modos rotacionais e vibracionais [11[11] E. Borges e J.P. Braga, Química Nova 33, 1416 (2010).].

Na análise física, quando um corpo de massa m está acelerado, um referencial sobre este corpo passa a ser um sistema chamado de referencial não-inercial. No caso específico da Terra, em rotação diária, a Terra é considerada um referencial não-inercial e, consequentemente, nas massas das águas oceânicas atuaram as chamadas forças centrípeta e Coriolis, em forma de equação matemática que envolve vetores e seus produtos. Essa força é dada pela soma dessas forças [7[7] http://www.mat.ufrgs.br/ betta/textos_files/F_Coriolis.pdf, acessado em 30/06/2020.
http://www.mat.ufrgs.br/ betta/textos_fi...
]:

(1) F + F Não-inercial = m a = F - 2 m ω × v - m ω × ω × r .

Nesta equação v é a velocidade da massa de água (m), que é impulsionada devido ao giro diário da Terra de velocidade angular w e r é a posição do eixo de giro até a massa m. A força de Coriolis é uma parte dessa força da equação (2) e é dada pelo termo:

(2) F Força de Coriolis = - 2 m ω × v .

Isto é, a Força de Coriolis é duas vezes o negativo (-2) do produto da massa m , vezes o produto vetorial (x) da velocidade angular w de giro da Terra pela velocidade linear v dessa massa. Vejamos um diagrama dos vetores, força de Coriolis, velocidade angular e velocidade linear na Figura3. Os vetores velocidades formam um plano geométrico, que é perpendicular ao vetor força, e nessa figura, propositalmente, todos os vetores estão perpendiculares entre si.

Figura 3:
Diagrama dos vetores, força de Coriolios FC, velocidade angular ω e velocidade linear v, quando esses são perpendiculares entre si. Observe que o eixo de giro é o eixo da Terra, eixo de giro diário. Fonte: os autores (2021).

Notamos também da Equação (2) que o segundo termo da força, a força centrífuga, não contribui para a circuitação das massas de água oceânicas. Essa contribuição não faz as massas de água e ar girarem sobre a superfície da Terra, pois a força resultante da gravidade mais a força centrífuga aponta na dentro do globo terrestre. Vale realçar que o termo chamado de força de Euler [5[5] K.R. Symon, Mecânica (Campus, Rio de Janeiro, 1996), 1 ed.] que depende da variação temporal da velocidade angular, nesse caso da Terra, é irrelevante, ou seja, esse termo também é insignificante para a circuitação das massas de ar e água.

Uma experimentação direta do efeito Coriolis foi demonstrada por Jean Bernard Leon Foucault, físico francês, em 1851. Estando a Terra em movimento de rotação em torno do seu próprio eixo, isto é, em seu movimento diário de giro, é plausível que a força de Coriolis modifique o movimento de um pêndulo (sistema formado por uma massa suspensa por fio fino). Atualmente, há um pêndulo gigante no Panthéon de Paris, composto por uma massa de 28 kg e suspenso em um fio de 67 m de comprimento. Esse pêndulo faz um movimento de precessão, que é devido ao movimento da Terra, da combinação da força gravitacional e da força de Coriolis. Há diversos vídeos no youtube que mostram o movimento desse pêndulo; basta fazer a consulta por “Foucault pêndulo”, um bom vídeo pode ser visto na referências [12[12] https://www.youtube.com/watch?v=59phxpjaefA, acessado em 16/09/2021.
https://www.youtube.com/watch?v=59phxpja...
].

Retornando ao nosso mapa planificado e transportando-o para um globo, temos uma visão na parte superior ao Polo Norte e introduzimos os vetores velocidade angular da Terra e vetor velocidade de uma massa de água, que se aproxima do centro do Polo Norte. Isso ocorre em situação em que o relevo geográfico terrestre e marítimo não seja relevante, isto é, uma configuração idealizada fisicamente, donde só houvesse água na região do Polo Norte. Nessa situação, podemos determinar a direção e sentido da força de Coriolis. Vejamos três resultantes da força de Coriolis em três posições, na Figura4 que segue.

Figura 4:
Ilustração dos vetores, velocidade angular da Terra (ω) e velocidade de uma massa de água (v), e a força de Coriolis (FC) resultante. Fonte: os autores (2022).

Em todas essas três posições, a força de Coriolis FC sempre está perpendicular à velocidade v, por conseguinte, o movimento será um movimento tipo circular; a água fará um círculo que gerará uma corrente marítima de água que se aproxima e depois se afasta do centro do Polo Norte. Este movimento é semelhante ao movimento de uma pessoa dentro de um carrosel de parque de diversão, quando se movimenta da borda ao centro. Se a rotação do carrosel for ao sentido anti-horário, a pessoa se deslocará para a direita com trajetória circular à direita e, vice-versa, trajetória circular à esquerda, se a rotação do carrosel for ao sentido horário.

Na Figura4, à esquerda, observamos marcado o centro do Polo Norte, e as regiões da Rússia, Alaska e Groenlândia que margeam o oceano Ártico. Na figura à direita, existe uma ampliação na região próxima ao centro do Polo Norte. Há uma ilustração do vetor w, com sentido anti-horário de giro da Terra e apontando para fora da página. Estão representadas também 3 posições dos vetores, primeiro próximos à Rússia, depois próximos do centro do Polo Norte e o último, próximo ao Alaska. Nesta ilustração, os três vetores também estão perpendiculares entre si. Nitidamente a força de Coriolis resultante fará surgir uma corrente marítima no oceano Ártico, de sentido horário, concordando com o sentido das linhas das correntes marítimas, conforme foi apresentado no mapa da Figura1.

Agora essa análise será realizada para o hemisfério norte e sul do globo terrestre, especificamente no oceano Atlântico Norte e Sul, entre as Américas (do Norte e do Sul) e Europa e África. Na Figura5, estão ilustrados os vetores w, v e FC em oito posições, quatro no Atlântico Norte e quatro no Atlântico Sul.

Figura 5:
Vetores velocidade angular, velocidade linear e componente tangencial da força de Coriolis em quatro posições no Atlântico Norte e outras quatro posições no Altântico Sul. Ilustramos as posições dos vetores em diferentes ângulos de visão, em especial, observamos os componentes do vetor força de Coriolis em cada uma dessas oito posições. Fonte: os autores (2022).

Para iniciar o estudo na região do oceano Atlântico, é importante observarmos que o eixo de rotação da Terra forma um ângulo em relação ao plano orbital do planeta em torno do Sol. Essa inclinação axial da Terra ou obliquidade da Terra é o ângulo formado entre o eixo de rotação e a linha perpendicular ao plano orbital. O valor medido atualmente fornece uma inclinação axial da Terra de 23°26′21′′, contudo este valor muda ao longo do tempo; estimamos que a obliquidade do planeta Terra oscila entre 22° e 25°, em um ciclo que leva 41.000 anos. A existência dessa inclinação do eixo de rotação da Terra em relação ao seu plano orbital é percebida pelo movimento do Sol no céu, ao longo das estações climáticas do ano, que, por conseguinte, dizemos que essa inclinação é a responsável pelas estações climáticas do ano [13[13] http://astro.if.ufrgs.br/tempo/mas.htm, acessado em 18/03/2022.
http://astro.if.ufrgs.br/tempo/mas.htm...
]. Na Figura5, que seguem as representações dos vetores w, há um ângulo de 23 graus.

Para completar o entendimento dos desenhos dos vetores da Figura5, usamos as propriedades do produto vetorial, conforme Eq. (2), isto é, o vetor força de Coriolis é sempre perpendicular ao plano dos vetores velocidade angular e velocidade linear e, mais, o que observamos na ilustração do vetor FC é a projeção do vetor força de Coriolis na superfície da Terra, ou seja, o componente tangencial na superficie esférica do globo. Ilustramos abaixo as posições dos vetores em diferentes ângulos de visão, em especial, observamos os componentes do vetor força de Coriolis em cada uma dessas oito posições.

Passamos agora à análise dos vetores em cada uma dessas posições. Iniciamos pelo Atlântico Norte e a posição mais ao norte. Nessa posição, a ilustração mostra que o componente tangencial à superfície da Terra do vetor força de Coriolis aponta verticalmente para dentro do globo terrestre. Esse resultado advém do produto vetorial da velocidade angular da Terra w e velocidade linear da massa de água v. Estes vetores formam um plano paralelo ao plano dessa figura, logo o vetor força de Coriolis é um vetor saindo desse plano e, por conseguinte, o componente tangencial à superfície do globo aponta verticalmente para baixo. A segunda posição agora ao leste, próxima ao litoral oeste da África na Figura5, o vetor FC, é horizontal e aponta para oeste. A representação dos vetores w e v nessa posição é uma visada tangencial desses. Caso fosse a visada perpendicular, estariam paralelos e na mesma reta. Esses vetores agora formam um plano perpendicular ao plano dessa figura, por conseguinte, o produto vetorial é horizontal e a força será no sentido oeste e representada por FC, conforme observamos nessa posição.

Na terceira posição agora ao Sul, ainda no Atlântico Norte, FC é novamente vertical só que agora aponta para o norte. Os vetores w e v formam novamente um plano paralelo ao da figura, porém v agora aponta para oeste; o negativo do produto vetorial apontará para dentro do globo terrestre e, por conseguinte, o componente tangencial apontará conforme desenhado nessa posição.

Na quarta e última posição no Atlântico Norte, vemos que a representação dos vetores w e v é uma visada também tangencial desses, semelhante à visada da segunda posição. Estes vetores agora formam um plano perpendicular ao plano dessa figura, por conseguinte, o produto vetorial é horizontal, e a força no sentido leste aqui também igual à FC, conforme está desenhada Observamos para essas quatro posições analisadas que novamente os vetores v e FC estão perpendiculares entre si, com FC apontando sempre para o centro de um círculo imaginário, desenhando na Figura5, isto é, característico de movimentos tipo circulares. Entretanto, nesse caso, o movimento não seria um movimento circular uniforme, pois FC não é constante em intensidade em todos os pontos do círculo. Somente ao longo da horizontal é que FC é constante em intensidade e de sentido contrário. Na vertical FC, em intensidade, é maior ao norte do que ao sul. Sendo no extremo norte, o valor máximo é exatamente no centro do Polo Norte e nulo ao longo da linha do Equador.

Agora a análise dos vetores e suas componentes será na região do Atlântico Sul, e a primeira posição estudada será a posição mais ao norte, perto da linha do Equador. Da análise do Atlântico Norte, concluímos que a força de Coriolis chega a ficar nula na região do Equador e máxima no centro do Polo Norte. A análise mostra que agora o componente tangencial de FC na linha do Equador também é nula e o máximo agora passa a ser no centro do Polo Sul. A análise do componente tangencial ao longo da horizontal na região do Atlântico Sul é análoga à da região do Atlântico Norte; as visões dos vetores w e v na figura também são tangenciais e o vetor resultante FC aponta na horizontal, ora leste e ora oeste.

Esta simples análise dos vetores, seu produto vetorial e o desenho dos vetores FC resultantes mostrados na Figura5 explicam o sentido das correntes marítimas e eólicas no oceano Atlântico Norte e Sul. Porém, essa análise pode ser estendida para os demais oceanos e, sempre no hemisfério norte, o sentido das correntes será horário e nos hemisférios sul sentido anti-horário, respectivamente.

3. A Rota Marítima no Oceano Atlântico

Neste cenário simplificado, contabilizando somente a força de Coriolis, se uma embarcação a vela saísse de Portugal e fosse levada pelas correntes eólicas e marítimas, sua trajetória seria uma circuitação tipo circular pelo oceano Atlântico Norte. A embarcação, saindo de Portugal, desceria seguindo a costa africana e antes da linha do Equador seria levada para o oeste e, antes de chegar à América Central, seguiria para o norte e depois para leste, retornando ao ponto de partida. Se agora a embarcação a vela desejar passar da linha do Equador, o navegador teria que usar seus dotes marítimos, para próximo ao Golfo da Guiné controlar a embarcação no sentido sul e, por conseguinte, efetuar a passagem da linha do Equador.

Na sequência, a embarcação a vela seria guiada ao oeste, até o litoral do Nordeste do Brasil, e agora as correntes marítimas e eólicas levá-las-ia para o sul do Brasil que, por conseguinte, ao chegar próximo a este sul, seria empurrada para leste até a costa oeste da África e, agora, mais uma mudança de direção: seria levada para o norte, seguindo a costa oeste africana. Com a força de Coriolis agindo, próximo ao Golfo da Guiné, o caminho seria outra vez ao oeste, para o litoral do Nordeste do Brasil. Agora, outra vez, o mestre marítimo deveria usar seus dotes para passar a linha do Equador subindo ao norte. Assim, subiria ao norte, margeando a América Central e depois se curvaria ao leste e, em seguida, ao sul com retorno outra vez para Portugal, com trajetória total, executando o contorno do número oito inclinado, semelhante ao símbolo de infinito (∞), que representa um ciclo de ida e retorno ao mesmo ponto, sem fim e sem começo.

Observamos a circuitação no hemisfério norte com sentido horário e no hemisfério sul com sentido anti-horário, que estão representados na Figura6. Esta figura é uma excelente contribuição mnemônica para a aprendizagem sobre a influência da força de Coriolis em embarcações a vela. Demonstra claramente qual é a direção e sentido de uma rota marítima para embarcações das grandes navegações do final do século XV.

Figura 6:
Representação mnemômica no oceano Atlântico da rota marítima que obedece às correntes eólicas e marítimas, induzidas pela força de Coriolis. Essa rota marítima inusitadamente é igual ao símbolo de infinito da matemática, com circuitação no sentido horário no Atlântico Norte e sentido anti-horário no Atlântico Sul e, por conseguinte, formam uma figura sem fim e sem começo. O ponto de início volta a ser o ponto do final após uma circuitação completa. As setas no símbolo gigante da figura indicam o sentido da trajetória da rota marítima entre o Atlântico Norte e Sul. Fonte: os autores (2022).

Essa análise é simplista, pois não leva em consideração várias outras contribuições relevantes para se determinar as correntes eólicas e marítimas, tais como: relevo marítimo do oceano Atlântico, geografia dos continentes e fatores metereológicos, como variações da temperatura e da pressão atmosférica. Para uma descrição mais pormenorizada das muitas contribuições, vide os livros das referências [14[14] B. Cushman-Roisin e J.M. Beckers, Introduction to Geophysical Fluid Dynamics (Academic Press, Hanover, 2010).] e [15[15] R.J. Holton, An Introduction to Dynamic Meteorology (Elsevier, Washington, 2004), 4 ed.], mais especificamente os capítulos 2 e 7 da referência [14[14] B. Cushman-Roisin e J.M. Beckers, Introduction to Geophysical Fluid Dynamics (Academic Press, Hanover, 2010).]. A variação da temperatura determina se a corrente é uma corrente chamada fria ou quente. Observa-se que as correntes que saem próximas da linha do Equador são correntes marítimas quentes, tal como a chamada de Golfo do México. Porém, as correntes que saem do Polo Norte são chamadas de correntes frias.

Ainda há as marés, devido à atração gravitacional da Lua e do Sol. Contudo, todos esses fenômenos não contribuem efetivamente para viagens marítimas de longas distâncias, viagens que duram semanas ou meses, pois as suas contribuições não são efetivas em uma mesma direção e sentido. Por exemplo, as marés ajudam num sentido da navegação, porém, no mesmo dia, há duas marés altas e duas baixas, isto é, tem momento que contribui para vencer a rota marítima e em outro momento atrasa a viagem. Outro exemplo é que uma tormenta com ventos de centenas de quilômetros por horas pode ajudar se a direção e sentido do vento forem na direção pretendida da rota marítima, todavia pode atrasar a viagem, se for a sentido contrário.

De forma geral, todos esses outros aspectos são temporais de curta duração, muitos deles possuem contribuições diárias ou, quando muito, de uma semana. Entretanto, as correntes eólicas e marítimas nos oceanos e na atmosfera são constantes num cenário de viagens que duram meses. Por exemplo, pode haver uma tormenta que mude o sentido dos ventos durante alguns dias, mas não há nenhum fenômeno que muda a direção, sentido dos ventos por muitas dias ou semana, tal como na média mensal os ventos alísios sempre apontam de leste para oeste. Dessa forma, a contribuição da força de Coriolis é predominante em um cenário de uma viagem marítima que dura um mês ou meses.

A bem da verdade, a diferença de temperatura entre os Polos e o Equador é a origem dessas correntes de ar e água [13[13] http://astro.if.ufrgs.br/tempo/mas.htm, acessado em 18/03/2022.
http://astro.if.ufrgs.br/tempo/mas.htm...
]. Entretanto, é a força de Coriolis que determina como essas massas irão se movimentar entre o Equador e os Polos, não será em linha reta, não será em linha tortuosa. Será circuitando, ora em sentido horário, ora em sentido anti-horário, conforme já evidenciado nas Figuras1 e 2 aqui apresentadas. Essa circuitação advém do movimento diário de rotação da Terra. Uma rota possível para uma embarcação que saí de Portugal e segue essas rotas é apresentada na Figura7, essa segue exatamente as linhas das correntes eólicas e marinhas conforme mostrado na Figura2.

Figura 7:
Ilustração de uma rota de navegação de uma embarcação a vela. Fonte: autores (2022).

Na Figura7, apresentamos uma provável rota de navegação para uma embarcação a vela. A linha azul segue os contornos das rotas marítimas, das águas e dos ventos, das Figuras1 e 2, acompanha também o caminho do desenho do símbolo de infinito da Figura6. Para uma comparação mais quantitativa entre essa rota e os vetores FC, basta sobrepor as Figuras5 e 7. Observe a única distorção do símbolo do infinito é próximo ao Golfo da Guiné, pois nessa região há uma corrente marítima devido ao contorno geográfico próximo do litoral.

Neste cenário, essa análise sobre a origem e a influência da força de Coriolis nas correntes eólicas e marítimas fornece informações científicas preciosas para entender essa força motriz das embarcações a vela, mormente, do final do século XV na conjuntura histórica das grandes navegações. Em adição, representa um conhecimento valioso para o entendimento das trajetórias marítimas entre os mares dos oceanos que podem ser observados por outros fenômenos naturais, tais como rotas de náufragos marítimos [16[16] J. Souza, Histórias do Mar (Aência 2, São Paulo, 2014), 3 ed.], migração de cardumes de peixes e baleias [17[17] H. Dingle, Migration: the biology of life on the move (Oxford University Press, New York, 1996)., 18[18] T.G. Northcote, em: Ecology of freswater fish proeuction, editado por S.D. Gerking (Blackwell, Oxford, 1978).] e migração de aves pelos oceanos [19[19] E. Nourani, G. Bohrer, P. Becciu, R.O. Bierregaard, O. Duriez, J. Figuerola, L. Gangoso, S. Giokas, H. Higuchi, C. Kassara et al., Proceedings of Royal Society B Biological Sciences 288, 20211603 (2021).], que são movidos em primeira aproximação pelas correntes marítimas e eólicas, respectivamente. Esse tipo de circuitação com os chamados pontos de “retorno certo” (tradução livre da trajetória chamada “free return”) também ocorre no espaço sideral, já foi usado em viagens lunares no programa Apolo, especificamente, na Apolo 8, 10 e 11, conforme estudos preliminares na referência [20[20] A.J. Schwaninger, Trajectories in the Earth-Moon Space with Symmetrical Free Return Propeties. Technical Note D-1833 (NASA, Washington, 1963).] ou ainda em propostas de viagens para Marte [21[21] P. Wooster, R.D. Braun, J. Ahn e Z.R. Putnam, em: AIAA/AAS Astrodynamics Specialist Conference and Exhibit (Keystone, 2006).].

4. Grandes Navegações do Século XV

Como investigado na seção sobre Força de Coriolis, essa força é a que determina o tipo de movimentação das embarcações do final do século XV pelos oceanos. Nesta nova seção, os registros históricos de diversos documentos e dados geográficos também serão levados em conta. Será mostrado como essa força propulsora também contribuiu para o início o perído das grandes navegações com as caravelas e naus portuguesas. O relato e análise aqui estarão centrado nas quatro primeiras grandes navegações. Primeiramente, foi Bartolomeu Dias, em 1488, que contorna o Cabo da Boa Esperança, seguido por Cristovão Colombo, 1492, que acha o continente Americano. Posteriormente, Vasco da Gama, em 1498, que chega até a Índia e, por último, Pedro Cabral, em 1500, na bem sucedida viagem comercial à Índia; no caminho, faz o achamento do Brasil.

Dos registros da viagem de Bartolomeu Dias [22[22] L.A. Fonseca, O essencial sobre Bartolomeu Dias (Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1987).], a saída de Portugal foi em agosto de 1487, a mando do Rei Dom João II da dinastia Avis, com duas caravelas e uma baqueta de mantimentos, com intuito de encontrar o final da África e assim abrir o caminho para a Índia. Sabemos que em 8 de dezembro do mesmo ano chegou até a região, que hoje é a Namibia [23[23] https://ensina.rtp.pt/artigo/bartolomeu-dias/, acessado em 20/12/2021.
https://ensina.rtp.pt/artigo/bartolomeu-...
], navegando sempre próximo ao litoral da costa oeste africana. Porém, não conseguia avançar maritimamente para encontrar o final da África, e registrou que encontrou violentos temporais e foi obrigado a se afastar do litoral, chegando a reencontrar terra firme somente no dia 03 de fevereiro de 1488, quase dois meses depois. Todavia, essa terra foi vista a bombordo, só que as caravelas agora viajavam para o norte.

Isso significava que a expedição já havia contornado o ponto mais ao sul da África, que foi confirmado na viagem de retorno para Portugal. Agora seguia pela visão do litoral, contornando o chamado Cabo da Boa Esperança. Nessa viagem de retorno, as embarcações foram levadas pelas correntes marítimas e pelos ventos que sopram do sul da África, das correntes frias vindas da Antártida, fazendo a circuitação no sentido anti-horário até próximo da linha do Equador, no Golfo da Guiné, chegando a Portugal em dezembro de 1488, depois de 16 meses de viagem.

Pelo registro da viagem de retorno, é nítido que Bartolomeu Dias segue as correntes marítimas. É natural imaginar que também tenha seguido as mesmas correntes no caminho da ida, isto é, do Golfo da Guiné, e levado pelos ventos alísios, partiu em circuitação no sentido anti-horário, passando pelo litoral do Nordeste do Brasil, parada necessária de abastecimento de mantimentos (lenha, frutas e água), viagem essa que durou uns 60 dias. Essa circuitação é de fato uma trajetória muito mais longa (estimamos em 5 vezes maior) do que seguir o litoral oeste africano. Entretanto, seguiu um trajeto de menor gasto energético impulsionado pela força de Coriolis, indo em direção exatamente das correntes marítimas e pelos ventos.

Parece que o conto de 13 dias em um mar revoltoso não justifica a viagem que durou quase 02 meses (dezembro de 1487 a fevereiro de 1488). Tudo indica que ele tenha seguido as correntes marítimas e tenha sido o primeiro navegador a realizar a chamada “volta do mar”, conforme se registra na referência (24[24] B.W. Diffie, B.C. Shafer, G.D. Winius, Foundations of the Portuguese empire, 1415–1580 (University of Minneapolis Press, Minneapolis, 1977), v. 1., p. 189). Cabe aqui um registro que havia uma lenda marítima que, saindo de Portugal, só se conseguia navegar para o Sul. Foi somente em 1434 que Gil Eanes [25[25] M.S. Rosa, Colombo: História do Mistério, Censura e Invenção (Docero, Varsóvia, 2021), e-book.] executa um trajeto diferente e mostra que se podia navegar tanto para o norte quanto para sul no oceano Atlântico Norte. Os trajetos eram como largos semicírculos, indo por baixo e voltando por cima, explicitamente executando um caminho no sentido horário de circuitação. Isso está em completo acordo com as correntes eólicas e marítimas, ocasionadas pela força de Coriolis para o oceano Atlântico Norte.

Há outro registro da passagem de Bartolomeu Dias pelo Brasil. Em seu diário, Pero Afonso de Sousa (que ouviu de Martin Afonso de Sousa), que em 1531 diz ter encontrado um habitante, chamado de Bacharel de Cananéia, um degredado trazido por Bartolomeu Dias ao sul do Brasil, exatamente na cidade hoje Cananéia no sul do Estado de São Paulo, que na época era considerada a cidade mais ao sul do Tratado de Tordesilhas. Ainda segundo Jaime Cortesão [25[25] M.S. Rosa, Colombo: História do Mistério, Censura e Invenção (Docero, Varsóvia, 2021), e-book.], realmente existiu esse Bacharel nas ilhas de Cabo Verde, por volta de 1500. Há também registro que, na mesma época, 1498, Duarte Pacheco Pereira chega ao ponto norte do Tratado de Tordesilhas, no Estado do Maranhão, devidamente registrado na referência [26[26] E. Bueno, Capitães do Brasil: a saga dos primeiros colonizadores (Objetiva, Rio de Janeiro, 1999).]. Diante desses fatos, é natural pensar que o verdadeiro “descobridor” do Brasil foi Bartolomeu Dias, conforme especula Eduardo Bueno [27[27] E. Bueno, Coleção Brasilis (Sextante, Rio de Janeiro, 2020), 4 v.], e sua rota marítima segue em conformidade com a trajetória idealizada e apresentada na Figura6. Claro, usamos a palavra “descobridor” no sentido de ter sido o primeiro português a chegar à América do Sul.

A expedição marítima de Cristovão Colombo, com duas caravelas (Pinta e Santa Maria) e uma nau (Nina) que, segundo o Diário de Cristovão Colombo [28[28] C. Colombo, Diários da Descoberta da América (L&PM, Porto Alegre, 1997).], saiu dia 03 de agosto de 1492 da Espanha do porto de Palos de La Frontera e, chegando em 12 de outubro, chegaram à ilha de Guanahani no Caribé. A Figura8 é uma ilustração retirada dos diários do próprio Cristovão Colombo. Nesta, vemos o desenho do trajeto da ida e da volta dessa viagem. Ao centro do desenho da Figura8, vemos a região denominada Mar dos Sargaços, que é formada devido à corrente marítima oceânica do Atlântico Norte e circuitação bem definida pelo sentido horário de giro. Concluímos claramente que o sentido horário do trajeto feito pela esquadra de Colombo foi impulsionado pelas correntes marítimas e ventos do oceano Atlântico Norte. O sentido da viagem de ida por baixo e o retorno por cima apontam o sentido horário das correntes marítimas ao norte no oceano Atlântico, conforme ilustração da Figura8.

Figura 8:
Figura do trajeto descrito no Diário da Descoberta da América de Cristovão Colombo. O sentido da viagem de ida por baixo e o retorno por cima apontam o sentido horário das correntes marítimas ao norte no oceano Atlântico. Fonte: Diário da Descoberta da América, referência [28[28] C. Colombo, Diários da Descoberta da América (L&PM, Porto Alegre, 1997).].

A trajetória do Vasco da Gama é mais complicada do que a do Cristovão Colombo, pois contorna a linha do Equador. Conforme discussão sobre a Força de Coriolis, acima dessa linha a circuitação das correntes é no sentido horário, e abaixo é no sentido anti-horário e, como se observa nas Figuras1 e2, próximo a essa linha há regiões sem ventos, chamadas de regiões de calmarias.

A rota no caminho da ida usada pelo Vasco da Gama está bem ilustrada em vídeo do Museu da Marinha de Portugal [29[29] https://www.ccm.marinha.pt/pt/museu, acessado em 11/06/2021.
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]. O desenho do caminho da esquadra no oceano Atlântico é mostrado na Figura9, que é uma imagem retirada do vídeo da referência [29[29] https://www.ccm.marinha.pt/pt/museu, acessado em 11/06/2021.
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]. Outra vez, observamos a semelhança dessa trajetória com as correntes marítimas e dos ventos, conforme apresentado na Figura2, e a trajetória conforme Figuras6 e 7. No oceano Atlântico, no hemisfério norte, a trajetória segue o sentido horário e, no hemisfério sul, segue o sentido anti-horário.

Figura 9:
Desenho da trajetória da rota marítima da esquadra de Vasco da Gama na cor vermelha, entre o continente africano e o Brasil. Esta figura é uma fotografia da tela do link do vídeo do Museu de Marinha de Portugal, conforme a referência [29[29] https://www.ccm.marinha.pt/pt/museu, acessado em 11/06/2021.
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]. Fonte: Fotografia da tela do vídeo da referência [29[29] https://www.ccm.marinha.pt/pt/museu, acessado em 11/06/2021.
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], no tempo de 2 minutos do vídeo.

A esquadra de Vasco da Gama era composta de 04 embarcações, 03 naus e uma caravela, duas naus eram comandadas por Vasco da Gama e Paulo da Gama, seu irmão; uma caravela tinha mantimentos, com lenha, alimentos, vinho e água sob comando de Nicolau Coelho. A saída da esquadra se deu no dia 08 de julho de 1497, agora a mando do Rei Dom Manuel I, sucessor de Dom João II. Segue a costa oeste Africana e, no dia 27 do mesmo mês, chega às ilhas de Cabo Verde, com parada para reabastecimento de mantimentos, e partem no dia 03 de agosto [29[29] https://www.ccm.marinha.pt/pt/museu, acessado em 11/06/2021.
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], conforme escrito no Diário da Viagem de Vasco da Gama [30[30] MUSEU DE MARINHA DE PORTUGAL, Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia – A Rota, disponível em https://youtu.be/o-Kinc1C6MU, acessado em 25/ 11/2021.
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].

Por volta do dia 22 de agosto, depois de realizarem a “volta do mar” (indo na volta do mar ao sul e a quarta do sudeste), encontram sinais de terra, isto a cerca de 4.800 km (800 léguas) depois de Cabo Verde. Segundo os registros no Diário de Vasco da Gama, passaram-se mais de 04 meses (122 dias mais exatamente, 103 dias depois da última parada em Cabo Verde) para avistarem a costa africana, no dia 07 de novembro de 1497, na Angra de Santa Helena. Nitidamente, eles devem ter parado em algum local na costa leste do Brasil para conseguirem água, frutas, verduras e lenha, principalmente frutas e verduras. Caso contrário, haveria uma grande incidência do escorbuto (doença causada pela falta da vitamina C, que pode surgir cerca de 30 dias após a ausência dessa vitamina na alimentação) na tripulação; essa doença provoca sangramento na região da gengiva.

Também observamos, no trecho do trajeto no oceano Atlântico Sul da Figura9, que as embarcações a vela seguem agora no oceano Atlântico Sul o sentido anti-horário, realizando a chamada “volta do mar”, isto é, movimenta-se para sudoeste depois da Linha do Equador, em seguida, ao sul e leste, até encontrar no sul do continente africano o Cabo da Boa Esperança. Esta Figura9 é uma fotografia da tela do link do vídeo do Museu de Marinha de Portugal, conforme a referência [30[30] MUSEU DE MARINHA DE PORTUGAL, Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia – A Rota, disponível em https://youtu.be/o-Kinc1C6MU, acessado em 25/ 11/2021.
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]. A viagem seguiu pela costa leste africana até encontrar uma nova corrente marítima. Já no oceano Índico, contou também com a ajuda de pilotos árabes que conheciam as rotas marítimas da região e que os levaram diretamente a Calicute na Índia, com data de chegada de 20 de maio de 1498, perfazendo 10 meses e 12 dias de viagem da partida do porto de Tejo em Portugal.

A esquadra retornou na segunda metade de 1499, apenas com a nau São Gabriel e a caravela Bérrio e somente com 1/3 (um terço) dos tripulantes iniciais que eram cerca de 150 pessoas, inclusive, também ocorreu a morte de Paulo da Gama [30[30] MUSEU DE MARINHA DE PORTUGAL, Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia – A Rota, disponível em https://youtu.be/o-Kinc1C6MU, acessado em 25/ 11/2021.
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]. Agora cabe uma observação na parte da viagem, após contornarem o Cabo da Boa Esperança, levando em consideração as correntes marítimas no oceano Índico (vejamos o sentido anti-horário das correntes na Figura1). É mais provável, com menor gasto energético, terem feito outra “volta do mar”, também no sentido anti-horário para chegar à Índia, vindo pelo leste, e não a trajetória que aparece no vídeo da referência [30[30] MUSEU DE MARINHA DE PORTUGAL, Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia – A Rota, disponível em https://youtu.be/o-Kinc1C6MU, acessado em 25/ 11/2021.
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]. Na trajetória do vídeo, o trajeto é contra as correntes eólicas do leste da África.

O sucesso econômico dessa primeira viagem à Índia foi imenso. Estima-se que o lucro foi de mais de 800% do valor investido [31[31] C. Radulet, em: IV Simpósio de História Marítima: A Viagem de Vasco da Gama (Lisboa, 1996).]. Do ponto de vista social e religioso, um novo caminho para se chegar à Índia, contornando todo o mundo, europeu, árabe, asiático (oeste) e principalmente as regiões da religião mulçumana, sem haver nenhum contato com possíveis atravessadores comerciais [32[32] https://alvarovelho.net/images/patrono/relacaodaviagem.pdf, acessado em 23/11/2021.
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]. Politicamente e militarmente, demonstrou o poderio marítimo da coroa portuguesa. Devido a todos esses fatores da vitória pela epopeia da descoberta dessa rota marítima, o Rei Dom Manuel I já programou uma nova viagem com muito mais navios e marinheiros, que foi comandada por Pedro Álvares Cabral.

Para a viagem da esquadra comandada pelo fidalgo Pedro Álvares Cabral, foi montada uma estrutura gigantesca, nunca vista antes na história das grandes navegações. A esquadra era composta por treze embarcações todas movidas a vela, com cerca de 1.500 homens (marinheiros, mercadores, pilotos, carpinteiros, tanoeiros, soldados e técnicos em navegação). Eram 9 naus, 3 caravelas e uma naveta de mantimentos [33[33] A.C. Teixeira de Aragão, Vasco da Gama e a Vidigueira: um estudo histórico (Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa, 1987).] (34[34] R. Espínola, Vicente Pinzón e a descoberta do Brasil (Topbooks, Rio de Janeiro, 2001)., p. 234)(35, p. 31)[35] J.R. Mcclymont, Pedraluarez Cabral (Pedro Alluarez de Gouvea): his progenitors, his life and his voyage to America and India (Strangeways & Sons, Londres, 1914).. Cada nau transportava cerca de 150 homens com seus 35 metros de comprimento por 10 metros de largura; as caravelas, com cerca de 22 metros de comprimento levavam cerca de 80 homens.

A viagem partiu no dia 09 de março de 1500, saindo do porto de Restelo em Lisboa, sendo que uma das naus se perdeu no caminho por volta do décimo terceiro dia de viagem. Isso aconteceu logo na primeira tormenta enfrentada pela esquadra, a nau comandada por Vasco de Ataíde desapareceu. Isso foi um dia antes de se chegar às ilhas de Cabo Verde, no dia 23 de março, segundo registro da Carta de Pero Vaz de Caminha: seguiu viagem pelo “por este mar de longo” (sic).

No dia 21 de abril de 1500, cerca de 4.000 quilometros (670 léguas, conforme unidade de medida registrada na Carta de Caminha) depois de Cabo Verde, avistaram sinais de terra. Informação consistente com o diário do Vasco da Gama [32[32] https://alvarovelho.net/images/patrono/relacaodaviagem.pdf, acessado em 23/11/2021.
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]. Neste mesmo dia, no final da tarde, avistaram um monte redondo que batizaram de monte Pascoal, devido estarem na semana da páscoa cristã. No dia seguinte, aportaram em terra com embarcações tipo batéis (as naus e caravelas não podiam chegar até o litoral devido à existência de arrecifes), na foz de um rio, onde fizeram os primeiros contatos com os nativos sob o comando de Nicolau Coelho.

Somente no dia seguinte, procuraram lugar para aportar às embarcações e seguiram os ventos suestes, e seguindo ao norte cerca de 60 quilômetros, encontraram um ponto para amainarem todas as embarcações para provimento de água, alimentos frescos e lenhas. As informações da viagem de Cabral do achamento do Brasil e os 10 dias que permaneceram em terra estão bem documentadas na Carta de Pero Vaz de Caminha.

Segundo Diffie [24[24] B.W. Diffie, B.C. Shafer, G.D. Winius, Foundations of the Portuguese empire, 1415–1580 (University of Minneapolis Press, Minneapolis, 1977), v. 1.], Vasco da Gama passou instruções sobre como passar a linha do Equador a Pedro Cabral. No dia 09 de abril, a frota passou a linha do Equador seguindo para o oeste, para executar a técnica de navegação chamada por “volta do mar”, registro dessa técnica também é encontrado na referência [36[36] E. Bueno, A viagem do descobrimento: a verdadeira história da expedição de Cabral (Objetiva, Rio de Janeiro, 1998).] e, conforme também pode ser observado na linha da trajetória da Figura9 da rota usada pelo Vasco da Gama, após sair de Cabo Verde, seguiram ao litoral oeste africano e, próximo do início do Golfo da Guiné, tomaram rumo para oeste até cruzar a linha do Equador. Aqui podemos fazer o registro de que seguem agora, rumo a oeste, levados pelos ventos alísios.

No domingo seguinte, dia 26 de abril, houve uma missa com fixação de uma cruz e preparação de um altar para marcar o achamento com sermão sobre o evangelho e os apóstolos, inclusive com a participação dos indígenas nas observações e participação dos atos religiosos. Durante toda a semana seguinte, foram usadas, para se conseguir alimentos frescos, lenha e água, além do conhecimento da região e contato mais próximo com os indígenas, inclusive, com a deixada de dois degredados e a fuga de dois rapazes adolescentes.

Na sexta-feira próxima, que foi o primeiro dia de maio, pela manhã, saíram seguindo rio acima para fixar a cruz, para melhor ser vista, isto é, deve ter sido fixação de um marco da coroa portuguesa para reconhecimento da posse e do registro da estada deles por essas terras. Sendo Pedro Cabral que definiu o local, conforme trecho da carta de Pero Vaz de Caminha, “Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela”.

Esse trecho da narrativa pode ser interpretado como a fixação do marco da coroa portuguesa, fato esse de ficar bem comum nas expedições portuguesas em todo o continente africano [37[37] M. Barata, O descobrimento de Cabral e a formação inicial do Brasil (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1991).]. Partem todos no dia 02 de maio de 1500, Cabral e a esquadra, com destino ao sul da África e, posteriormente, a Calicute na Índia. Gaspar de Lemos retorna com a naveta de mantimentos que foi esvaziada para retornar a Portugal e dá notícia da descoberta, além de levar dois indígenas para mostrar ao rei Manoel I.

Por volta do dia 23 de maio de 1500, os navios de Ayres Gomes da Silva, Bartolomeu Dias, Simão de Pina e de Vasco de Atayde são destruídos por uma tempestade antes da chegada ao Cabo da Boa Esperança [38[38] J. Cortesão, A Expedição de Pedro Alvares Cabral e o Descobrimento do Brasil (Livraria Aillaud/Bertrand, Paris/Lisboa, 1926).]. A nau de Diogo Dias afastou-se da esquadra durante a tempestade, passando a navegar próximo à costa leste da África, descobrindo a ilha de São Lourenço (atualmente Madagascar). Nesse período, há registro da passagem de um cometa que figurou no céu por cerca de 10 dias e 10 noites [37[37] M. Barata, O descobrimento de Cabral e a formação inicial do Brasil (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1991).]. Muitos da época acham que foi esse cometa que provocou as tormentas que afundou esses navios da esquadra de Cabral no sul do oceano Atlântico.

As próximas paradas, agora já no lado leste da África, foram nas cidades de Quíloa (Tanzânia) e Melinda (Quênia), nos meses de julho e agosto de 1500 [39[39] D. Seergent, The Greatest Comets in History: Broom Stars and Celestial Scimitars (Springer, New York, 2008), 1 ed.]. Com a chegada a Calicute (Índia), no dia 13 de setembro, chegada que demorou devido aos primeiros contatos não terem sido tão amistosos com o então Samorim (governante da cidade). Inclusive, houve um ataque de milhares de árabes mulçumanos e indianos hindus que resultou na morte de uns 50 portugueses. A fúria da esquadra de Cabral foi enorme, com um ataque a 10 navios árabes e a morte de cerca de 600 tripulantes [38[38] J. Cortesão, A Expedição de Pedro Alvares Cabral e o Descobrimento do Brasil (Livraria Aillaud/Bertrand, Paris/Lisboa, 1926).].

Após vários meses de comercializações, agora em 16 de janeiro de 1501 [39[39] D. Seergent, The Greatest Comets in History: Broom Stars and Celestial Scimitars (Springer, New York, 2008), 1 ed.], iniciam a viagem de retorno. Passando pelo Cabo da Esperança em 22 de maio [40[40] W.B. Greenle, The voyage of Pedro Álvares Cabral to Brazil and India: from contemporary documents and narratives (J. Jetley, New Delhi, 1995).] e chegando ao Cabo Verde no dia 02 de junho, porém ainda sem o navio de Cabral, a primeira embarcação que chegou a Portugal foi a caravela comandada por Nicolau Coelho que chegou na data de 23 de junho de 1501. A nau de Cabral chegou somente quase um mês depois, no dia 21 de julho, de forma que, das 13 embarcações que partiram, chegaram 02 vazias, 06 foram perdidas. Todavia, 05 chegaram abarrotadas de especiarias da Índia.

Segundo o historiador James McClymont [35[35] J.R. Mcclymont, Pedraluarez Cabral (Pedro Alluarez de Gouvea): his progenitors, his life and his voyage to America and India (Strangeways & Sons, Londres, 1914).], essa viagem realizada pela esquadra de Cabral é considerada uma das mais bem executadas viagens comerciais realizadas por Portugal, um total sucesso que inspirou novos comandantes e o rei Dom Manuel I a realizar muitas outras expedições. Estava aberto de fato o caminho para a Índia, uma rota sem a necessidade de tantos entrepostos terrestres e pagamentos de taxas para se realizar as transações comerciais. Tendo Cabral sido o consolidador das viagens entre os continentes, saiu da Europa, chegou à América do Sul, contornou a África e chegou à Ásia; não foi uma simples passagem por esses países, sim deixou marcas comerciais, geográficas e históricas portuguesas, realizando a primeira era de globalização do mundo moderno.

5. Conclusões e Perspectivas

Apresentamos como a força de Coriolis induz a circuitação das correntes marítimas e eólicas nas águas oceânicas do planeta Terra, desenhamos os vetores dessa força resultante para vários pontos da superfície curva do globo terrestre. Encontramos que as movimentações de água e ar nas superfícies oceânicas seguem circuitação tipo circular em sentido horário no hemisfério norte e sentido anti-horário no hemisfério sul. Adicionalmente, concluímos que essas rotas marítimas, impulsionadas pela força de Coriolis, são circuitações fechadas e sempre apresentam ponto de retorno. Se a rota marítima transpõe a linha do Equador, inusitamente, essa rota segue o formato da figura do símbolo de infinito da matemática e, outra vez, haverá ponto de retorno. Revisitamos as grandes navegações do século XV, agora à luz da força de Coriolis e todos os caminhos se apresentam semelhanças com as rotas das Figuras5, 6 e7. Com essa verificação, fica entendível que as rotas marítimas são trajetórias formemente influenciadas pela força de Coriolis. Com a investigação de três de quatro das grandes navegações, fica coerente que os portugueses não seguiram a rota marítima que segue o litoral oeste africano até se atingir o Cabo da Boa Esperança. Foram as correntes marítimas e eólicas e o uso da técnica chamada de “volta do mar” que trouxeram as embarcações para o litoral do Brasil para em seguida se chegar até o ponto mais ao sul da África.

Conforme se apresenta na referência [41[41] M.F. Pavo, The Coriolis Effect: highways on the oceans and maps, disponível em: https://mastervcs.umh.es/2018/11/02/the-coriolis-effect-highways-on-the-oceans-and-maps/, acessado em 12/05/2022.
https://mastervcs.umh.es/2018/11/02/the-...
], a associação Atlantic Rally for Cruisers mostra as rotas marítimas a ser seguidas nas travessias dos oceanos, vide Figura1 dessa referência. Essa comunicação também traz informações na sua Figura4 de que as rotas marítimas usadas pelos portugueses e essas também estão de acordo com as análises apresentadas aqui.

Como perspectiva, a análise pormenorizada das informações da carta de Pero Vaz de Caminha e as conclusões aqui reveladas devem fornecer mais informações comprobatórias da rota marítima usada por Pedro Cabral no caminho para a Índia; há datas bem definidas, distâncias percorridas e descrições detalhadas de profundidade e, principalmente, da distância do avistamento do monte Pascoal. Esses dados com as análises aqui apresentadas podem apresentar um novo ponto de vista do achamento do Brasil pelos portugueses em 1500.

Agradecimentos

Os autores agradecem imensamente as contribuições, críticas, sugestões e correções dos colegas Ananias Monteiro (UFRN), Antonio Azevedo (UFPE), Cláudio Moisés (UFRN), Dory Hélio Anselmo (UFRN), Eduardo Silva (Petrobras) e Jefferson da Costa (UFRN).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2022
  • Revisado
    15 Dez 2022
  • Aceito
    17 Dez 2022
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