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Espectroscopia de impedância no laboratório de ensino

Impedance spectroscopy used in a teaching lab

Resumos

Neste trabalho, mostramos que uma configuração desconhecida de um circuito montado com resistores e capacitores no interior de uma "caixa preta", pode ser determinada através de uma técnica, conhecida como espectroscopia de impedância, largamente utilizada em várias areas da ciência. Como essa técnica faz uso da impedância complexa, apresentamos também uma introdução aos circuitos AC do ponto de vista do formalismo de números complexos. O arranjo experimental utiliza um gerador de audio como fonte AC para alimentar a caixa e um osciloscópio de duplo canal para medir tanto a parte real como a imaginária da impedância complexa do circuito desconhecido em função da frequência do gerador. A partir do espectro de impedância obtido, identifica-se não só a configuração do circuito no interior da caixa como também os valores das resistências e capacitâncias utilizadas para montá-lo.

espectroscopia de impedância; circuitos AC; fasores; caixa preta


In this work we show that the configuration of an electrical circuit made up of resistors and capacitors in a black box may be determined using impedance spectroscopy, a technique that has been largely used in several scientific areas. Because the complex impedance is measured in this technique, we present basic concepts of a.c. electrical circuits analyzed with the formalism of complex numbers. The experimental setup includes a radiofrequency generator as the a.c. source for the circuit and a double-channel oscilloscope to measure both the real and imaginary parts of the complex impedance of the circuit in the black box. From the impedance spectrum we can not only determine the configuration of the electrical circuit in the black box but also the values of resistors and capacitors used.

impedance spectroscopy; a.c. circuits; complex formalism; black box


PRODUTOS E MATERIAIS DIDÁTICOS

Espectroscopia de impedância no laboratório de ensino

Impedance spectroscopy used in a teaching lab

D.L. Chinaglia1 1 E-mail: dantelc@rc.unesp.br ; G. Gozzi; R.A.M. Alfaro; R. Hessel

Departamento de Física, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Rio Claro, SP, Brasil

RESUMO

Neste trabalho, mostramos que uma configuração desconhecida de um circuito montado com resistores e capacitores no interior de uma "caixa preta", pode ser determinada através de uma técnica, conhecida como espectroscopia de impedância, largamente utilizada em várias areas da ciência. Como essa técnica faz uso da impedância complexa, apresentamos também uma introdução aos circuitos AC do ponto de vista do formalismo de números complexos. O arranjo experimental utiliza um gerador de audio como fonte AC para alimentar a caixa e um osciloscópio de duplo canal para medir tanto a parte real como a imaginária da impedância complexa do circuito desconhecido em função da frequência do gerador. A partir do espectro de impedância obtido, identifica-se não só a configuração do circuito no interior da caixa como também os valores das resistências e capacitâncias utilizadas para montá-lo.

Palavras-chave: espectroscopia de impedância, circuitos AC, fasores, caixa preta.

ABSTRACT

In this work we show that the configuration of an electrical circuit made up of resistors and capacitors in a black box may be determined using impedance spectroscopy, a technique that has been largely used in several scientific areas. Because the complex impedance is measured in this technique, we present basic concepts of a.c. electrical circuits analyzed with the formalism of complex numbers. The experimental setup includes a radiofrequency generator as the a.c. source for the circuit and a double-channel oscilloscope to measure both the real and imaginary parts of the complex impedance of the circuit in the black box. From the impedance spectrum we can not only determine the configuration of the electrical circuit in the black box but also the values of resistors and capacitors used.

Keywords: impedance spectroscopy, a.c. circuits, complex formalism, black box.

1. Introdução

A espectroscopia de impedância é uma técnica de grande utilidade para os profissionais e estudantes de pós-graduação, com especialização nas áreas de física, físico-química ou ciências dos materiais, que necessitam caracterizar o comportamento elétrico de materiais sólidos ou líquidos (iônicos, semicondutores e até mesmo dielétricos) e dispositivos eletrônicos.

De uma maneira geral, a técnica de medida consiste em colocar a amostra do material sob investigação entre dois eletrodos, aplicar um estímulo elétrico e observar a resposta resultante. Vários tipos de estímulo podem ser considerados, no entanto o mais comum ou o procedimento padrão, é utilizar uma tensão alternada do tipo senoidal, e medir as partes real e imaginária da impedância complexa em função da frequência. Os gráficos da parte real e da parte imaginária da impedância em função da frequência compõem o espectro de impedância para aquele dispositivo formado com a amostra do material e os dois eletrodos [1,2]. Com os equipamentos comerciais disponíveis, essas medidas são feitas automaticamente numa faixa de frequência que vai desde 10 µHz até 32 MHz [3].

Os parâmetros derivados de um espectro de frequência situam-se geralmente em duas categorias: a) aqueles pertinentes ao material em si, tais como condutividade, constante dielétrica, mobilidade de cargas, concentração de equilíbrio de cargas, taxa de geração/recombinação de cargas e b) aqueles pertinentes a uma interface entre o material e o eletrodo, tais como capacitância da região interfacial, coeficiente de difusão, injeção e acumulação de carga, por exemplo.

Para auxiliar a análise ou interpretação dos resultados obtidos, o pesquisador dispõe de diversos modelos. Alguns desses modelos baseiam-se em circuitos equivalentes [4], outros tratam os dados do ponto de vista macroscópico [5-7] e outros, ainda, procuram correlacionar as propriedades e comportamentos observados com mecanismos microscópicos que ocorrem no interior da amostra ou nas suas interfaces [8-10].

O trabalho descrito aqui surgiu da necessidade de preparar rapidamente alunos de graduação que optaram por desenvolver suas atividades de iniciação científica junto ao grupo de nosso departamento que utiliza a espectroscopia de impedância para investigar o comportamento elétrico de dispositivos eletrônicos fabricados com polímeros condutores. A idéia era propor um conjunto de atividades que permitisse ao aluno familiarizar-se com a técnica de espectroscopia de impedância e com o princípio de funcionamento dos equipamentos comerciais, utilizando, inicialmente, equipamentos menos sofisticados, normalmente disponníveis num laboratório de graduação e com os quais já estivesse habituado, antes de usar um equipa- mento mais sofisticado. O material produzido foi testado durante um curso optativo oferecido a alunos de graduação e mostrou-se perfeitamente adequado, quer para introduzir e desenvolver os conceitos básicos relacionados com a espectroscopia de impedância quer como atividade alternativa para ser desenvolvida, com vantagem, num Laboratório de Ensino.

2. Considerações teóricas

2.1. O conceito de impedância

Quando passamos de um circuito DC para um circuito AC, a noção de resistência" como um parâmetro que usualmente se atribui a resistores precisa ser estendida pois, além dos resistores, capacitores e indutores também oferecem resistência à passagem de uma corrente alternada. As resistências que esses elementos opõem à corrente alternada são denominadas resistências reativas ou reatâncias. Do ponto de vista da energia dissipada, a diferença entre resistência e reatância é que numa resistência a energia é dissipada unicamente na forma de calor enquanto que numa reatância a energia é armazenada periodicamente em campos elétricos ou magnéticos sem que haja perdas por calor. A ação conjunta de resistências e reatâncias é definida como impedância. Para calculá-la, examinemos a tensão em cada um dos componentes em série representados na Fig. 1, supondo que a corrente que flui através deles é do tipo i = I cos ωt, onde i é o valor da corrente num instante t qualquer (no que segue, usaremos letras minúsculas para representar valores instantâneos de tensão e corrente.)


As tensões instantâneas vR, vL e vC em R, L e C são dadas respectivamente por

onde, na expressão (3), usamos a relação q = idt. Estas equações revelam que a tensão vR está em fase com a corrente e que, em relação à corrente, vL está adiantada de π /2 enquanto que vC está atrasada de π /2. Os coeficientes RI, ωLI e (1/ ωC) I têm dimensão de volt e representam as amplitudes das tensões em R, L e C, respectivamente. Usando VR, VL e VC para representá-las, resulta VR = RI, VL =( ωL) I e VC = (1/ ωC) I. Isto nos mostra que, para ω constante, existe uma relação de proporcionalidade entre tensão e corrente máximas em cada elemento. Fazendo ωL = e1/ ωC = XC as duas últimas relações podem ser reescritas como VL = XLI e VC = XCI, que são expressões análogas a lei de Ohm. Tanto XL como XC são dadas em ohms e medem, numa certa frequência, a resistência à corrente alternada oferecida pela indutância e pelo capacitor, respectivamente. A grandeza XL é denominada reatância indutiva e XC, reatância capacitiva.

Mas existiria também uma relação de proporcionalidade entre tensão total máxima atuando nos 3 elementos em série e a corrente máxima que os atravessa? Para responder a essa questão, calculemos a tensão instantânea total v dada pela soma algébrica vR +vL +vC . Usando as Eqs. (1), (2) e (3), resulta

Lembrando que uma relação trigonométrica do tipo a cos x+bsenx pode ser expressa na forma A cos (x + ), com e tg = -b/a, podemos reescrever a Eq. (4) como

onde

e

O radical na Eq. (6), normalmente representado pela letra Z, é definido como a impedância dos 3 elementos em série na Fig. 1. Usando Z, essa equação pode ser escrita como

que é uma expressão formalmente idêntica à Lei de Ohm, com a impedância Z desempenhando a mesma função da resistência equivalente num circuito DC. Ela nos mostra que existe também uma relação de proporcionalidade entre o valor máximo da tensão total e o valor máximo da corrente. A expressão

fornece a impedância somente para elementos em série, no entanto, usando a Eq. (8), podemos definir a impedância de um circuito mais complexo como a razão entre tensão total e corrente máximas.

2.2. Representação vetorial

2.2.1. Elementos em série

A Eq. (9) nos mostra que a impedância dos três elementos da Fig. 1 pode ser imaginada como a hipotenusa de um triângulo retângulo, cujos lados medem R e XL - XC, ou como o vetor resultante de dois vetores perpendiculares entre si cujos módulos medem R e XL - XC, como mostra a Fig. 2. O ângulo nessa figura representa a defasagem entre a tensão total e a corrente máximas.




A representação vetorial estende-se também para as amplitudes das tensões, pois da Eq. (6), resulta V =

. O diagrama das tensões é, portanto, semelhante ao da Fig. 2. Se esse diagrama for posto a girar com velocidade angular ω, as projeções dos vetores de módulo VR, VL, VC e V sobre o eixo horizontal fornecerão os valores instantâneos vR, vL, vC e v dados respectivamente pelas Eqs. (1), (2), (3) e (5). Nesse diagrama (Fig. 3), denominado por alguns autores como diagrama de fasores [11-13], o vetor de módulo I representa a corrente através dos três elementos em série. Ele foi desenhado na mesma direção do vetor de módulo VR porque, segundo a Eq. (1), tensão e corrente num resistor estão sempre em fase; a corrente instantânea i = I cos ωt é dada pela sua projeção sobre o eixo horizontal.

Os vetores representados nas Figs. 2 e 3 não devem ser identificados com os vetores tratados em textos de análise vetorial, uma vez que as grandezas consideradas nessas figuras não têm a mesma natureza das grandezas vetoriais que aparecem em mecânica ou eletromagnetismo. Por essa razão, em vez de utilizar o termo vetor, alguns autores preferem, nestes casos, empregar termos como fasores, fasores girantes ou ainda vetores de Fresnel [11-15].

2.2.2. Elementos em paralelo

A representação vetorial se presta também para analisar circuitos com elementos em paralelo. Para ilustrar esse fato, consideremos o caso simples de um resistor e um capacitor em paralelo alimentados por uma tensão comum do tipo v = V cos ωt. As correntes instantâneas iR e iC através do resistor e do capacitor são dadas respectivamente por

e

A corrente total instantânea i = iR+iC é, portanto, i = IR cos ωt - IC sen ωt, ou

onde

e = arctgIC/IR. Disto se conclui que a corrente total pode ser imaginada como o vetor resultante de dois vetores de módulos respectivamente iguais a IR e IC e perpendiculares entre si (Fig. 4). Se esses vetores forem postos a girar com velocidade angular ω, as projeções dos vetores de módulos IR, IC e I sobre o eixo horizontal fornecerão os valores instantâneos iR, iC e i dados respectivamente pelas Eqs. (10), (11) e (12). O ângulo entre IR e I representa a defasagem entre a corrente i e a tensão v, que, de acordo com a Eq. (10), está em fase com iR.

Reescrevendo a Eq. (13) na forma e dividindo ambos os membros da equação por V 2, resulta

Em vista disso, podemos representar o inverso da impedância, conhecido como admitância Y , como a hipotenusa de um triângulo retângulo, cujos lados medem 1/R e 1/XC siemens (ou ohms-1).

2.2.3. Representação por vetores do plano complexo

A representação vetorial de grandezas como aquelas que aparecem nas Figs. 2 a 4 é análoga à representaçao geométrica de um número complexo no plano complexo. Usando a relação de Euler, exp jωt = cos ωt + j sen ωt onde j2 = -1, podemos substituir as funções cosseno ou seno por funções exponenciais complexas, desde que ao final dos cálculos se tome somente a parte real ou imaginária do resultado, de acordo com a conveniência.

A corrente i = I cos ωt, por exemplo, usada no item 2.1, pode ser substituída por i* = I exp jωt. Procedendo assim, quantidades tais como di/dt ou q = idt transformar-se-ão em di*/dt = jωI exp jωt e q = (1/jω) I exp jωt. Desta forma, a tensão aplicada nos três elementos da Fig. 1, v = Ri + Ldi/dt + q/C, deve ser substituída pela expressão

ou

uma vez que i*= I exp jωt. Tomando a parte real de v*, obtemos a tensão instantânea total v, pois supusemos inicialmente que a corrente é do tipo i = I cos ωt. Para isso, devemos desenvolver primeiramente o pro duto no segundo membro da Eq. (15), levando em conta que exp jωt = cos ωt + j sen ωt. Separando a parte real do resultado, podemos mostrar então que

expressão idêntica àquela obtida no item 2.1 (Eq. (4)).

A importância da Eq. (15) reside no fato dela mostrar:

i) que podemos representar as reatâncias indutiva e capacitiva por quantidades complexas e

ii) que estas quantidades podem ser adicionadas por uma regra análoga àquela usada para adicionar resistências em série, quando o indutor e o capacitor estiverem em série, o que simplifica enormemente os cálculos [16].

A fase da tensão, que, em relação à corrente, está adiantada de π /2 no indutor e atrasada de π /2 no capacitor, é garantida pela presença do operador j. Isto porque um vetor do plano complexo ao ser multiplicado por j gira de π /2 no sentido anti-horário, e ao ser multiplicado por -j, gira de π /2 no sentido horário mantendo o seu módulo. De fato,

e

Se, como de costume, quantidades reais forem representadas por vetores paralelos ao eixo x e quantidades imaginárias por vetores paralelos ao eixo y,a impedância complexa será representada por um vetor de módulo Z idêntico aquele mostrado na Fig. 2, e cujo argumento será igual ao ângulo de fase . Podemos chegar à mesma conclusão, examinando a Eq. (15). O fator entre parêntesis nessa equação é uma quantidade complexa com dimensão de resistência, que é definido como impedância complexa e representado pela letra Z*. Assim,

onde Z = |Z*| = JR2 +(XL - XC )2 e ,resultados já obtidos anteriormente (Eqs. (7) e (9)).

Usando a impedância complexa Z*, a Eq. (16) pode ser reescrita como

A parte real da Eq. (18) é v = ZI cos ( ωt + )= V cos ( ωt + ), como a Eq. (5).

Estendendo-se o tratamento desenvolvido acima, pode-se mostrar que a impedância resultante Z* de um circuito contendo várias impedâncias em série, , , ..., é dada por

A fórmula correspondente para impedâncias em paralelo pode ser determinada, tendo em mente que a tensão em cada uma delas é a mesma. Pela Eq. (18), a corrente através da impedância e a corrente total i*é a soma de vários termos semelhantes a esse, ou seja, . Disto se conclui que a impedância equivalente Z* é dada por

3. Espectros de impedância

O espectro de impedância é obtido construindo-se, num mesmo gráfico, tanto a parte real como a parte imaginária de Z* em função da frequência. Examinemos o que se deve esperar quando um resistor, ou um capacitor, ou uma associação deles for alimentada por uma tensão do tipo v = V cos ωt (do ponto de vista prático, podemos desconsiderar o indutor, uma vez que, ao se aplicar a técnica de espectroscopia de impedância, supõe-se que a amostra do material a ser estudado possa ser substituída por um circuito equivalente constituído unicamente por resistores e capacitores.)

a) Resistor

Se um resistor de resistência R for ligado diretamente à fonte AC, a impedância complexa do circuito, calculada a partir da Eq. (17), será Z* = R, de

modo que Re [Z*] = R e Im [Z*] = 0. O espectro de impedância é dado, portanto, pelo gráfico representado na Fig. 5.


b) Capacitor

Se, em vez do resistor, ligarmos um capacitor diretamente à fonte AC, a impedância complexa do circuito será Z*= - (1/ ωC) j, donde se conclui que Re [Z*]=0 e Im [Z*]= -1/ ωC. A Fig. 6 mostra o espectro de impedância para este caso.


c) Resistor e capacitor em série

A impedância complexa de um circuito contendo apenas um resistor e um capacitor em série ligados diretamente à fonte AC será, de acordo com a Eq. (17), dada por

As partes real e imaginária de Z* são portanto Re [Z*]= R e Im [Z*]= -1/ ωC, e o espectro de impedância terá a forma mostrada na Fig. 7.


d) Resistor e capacitor em paralelo

Se agora ligarmos diretamente à fonte AC uma associação de um resistor com um capacitor em paralelo, a impedância complexa do circuito poderá ser determinada por meio da Eq. (20), fazendo = R e = 1/jωC. Assim, 1/Z* = (1/R) + jωC ou Z* = R/(1 + jωRC). Multiplicando numerador e denominador desta fração por 1 - jωRC, obtemos

cujas componentes real e imaginária estão representadas graficamente na Fig. 8 (Desta equação conclui-se que . Este resultado é idêntico àquele que obteríamos se tivéssemos usado a Eq. (14) para determinar Z.)


e) Um resistor em série com uma associação de um resistor com capacitor em paralelo

Suponhamos agora um resistor (R2) ligado em série com uma associação de um outro resistor (R1) em paralelo com um capacitor. Se esse conjunto for ligado diretamente à fonte AC, não é difícil mostrar, usando o resultado obtido no exemplo anterior e a Eq. (19), que a impedância complexa do circuito será dada por

cujas componentes real e imaginária estão representadas na Fig. 9.


4. Procedimento experimental

Num laboratório típico de pesquisa, o espectro de impedância da amostra do material que se pretende investigar pode ser obtido automaticamente por meio de uma ponte ou analisadores de impedância. Mas, se a idéia é implantar a técnica num laboratório de ensino, existe também uma alternativa mais viável que consiste em utilizar um gerador de áudio como fonte de tensão AC, um osciloscópio de duplo canal para as medidas e uma "caixa preta" para simular a amostra do material.

A "caixa preta", em cujo interior monta-se uma associação desconhecida de resistores e capacitores, é ligada em série com um resistor de resistência R conhecida (resistor de referência). A caixa e o resistor em série (Fig. 10) são, então, ligados ao gerador de áudio, cuja saída fornece tensão variável em amplitude e frequência. O objetivo do experimento consiste em descobrir, a partir do espectro de impedância Zcx da caixa, que tipo de associação existe em seu interior.


Para isso, examina-se a tensão vcx (t) entre os terminais da caixa e a tensão vR (t) entre os terminais do resistor por meio do osciloscópio de duplo canal. Como a tensão vR está em fase com a corrente que atravessa tanto a resistência R como a impedância Zcx em série, a diferença de fase entre a tensão vcx na caixa e a corrente que a atravessa pode se obtida, como veremos adiante, a partir dos gráficos associados a vR (t) e vcx (t) observados na tela do osciloscópio. Esses gráficos fornecem também as amplitudes das tensões vR (t) e vcx (t).

Para levantar o espectro de impedância da caixa, é necessário determinar a impedância complexa da associação no interior da caixa. Se é a impedância complexa dessa associação, então, de acordo com as Eqs. (17) e (8),

Se medirmos Vcx, I e , a impedância complexa ficará completamente determinada.

a) Medida de Vcx

A amplitude Vcx da tensão entre os terminais da caixa é determinada medindo-se a amplitude da senoide correspondente observada na tela do osciloscópio.

b) Medida de I

No item 2.1, vimos que existe uma relação de proporcionalidade entre a amplitude VR da tensão no resistor e a amplitude I da corrente que o atravessa dada por VR = RI. Como R é conhecido e VR pode ser determinado medindo-se a amplitude de vR (t) na tela do osciloscópio, determina-se I pela razão VR/R. Com isso, a Eq. (24) pode ser reescrita como

As partes real e imaginária de Zcx serão, portanto cos e Im sen .

c) Medida de

Consideremos as funções senoidais, v1 (t) e v2 (t) representadas na Fig. 11.


No instante t = 0, indicado na figura, a fase de v1 é zero e Δt segundos depois, quando um novo ciclo de v2 se iniciar, sua fase será . O ângulo , que é justamente a diferença de fase entre v1 e v2, pode ser determinado por uma simples regra de três. De fato, se em Δt segundos o argumento de v1 varia de radianos e durante um intervalo de tempo correspondente a uma período τ varia de 2π radianos, então / Δt =2π / τ , donde

Pelo que vimos anteriormente, a diferença de fase pode ser tanto positiva como negativa, no entanto o valor de determinado pela Eq. (26) é sempre um número positivo. O sinal positivo ou negativo a ser usado nas equações depende da maneira como nos referimos a v1 e a v2 . As expressões correspondentes a v1 (t) e a v2 (t) devem ser consistentes com as informações extraídas da tela do osciloscópio, que no caso da Fig. 11 revelam que a tensão v2 está atrasada em relação a v1, ou que a tensão v1 está adiantada em relação a v2. Se imaginarmos a origem do eixo t no ponto indicado na Fig. 11, as tensões v1 e v2 serão dadas por v1 = V1 sen ωt e v2 = V2 sen ( ωt - ), onde é um número positivo calculado pela Eq. (26). Se, por outro lado, escolhêssemos fixar a origem num ponto Δt segundos à frente da origem indicada na figura, escreveríamos v1 = V1 sen ( ωt + ) e v2 = V2 sen ωt. Tanto uma maneira como outra de explicitar v1 e v2, são consistentes com as informações extraídas da Fig. 11.

5. Resultados

A Fig. 12 ilustra resultados experimentais obtidos em sala de aula durante um curso optativo oferecido para alunos de graduação. Os símbolos e nas Figs. 12(a), 12(b) e 12(c) representam os dados obtidos quando os circuitos no interior de 3 "caixas pretas" analisadas consistiam, respectivamente, num a) resistor em série com um capacitor, b) resistor em paralelo com um capacitor e c) resistor em série com uma associação de um outro resistor em paralelo com um capacitor.




As linhas contínuas correspondem as curvas ajustadas aos dados experimentais usando, respectivamente, as partes real e imaginária das Eqs. (21), (22) e (23). Os valores das resistências e capacitâncias mostrados na Tabela 1 foram obtidos a partir dos valores de R e C que permitiram, utilizando o programa Origin, os melhores ajustes.

A concordância entre esses valores e os valores nominais dos componentes (R1 = 1,00 kΩ ± 5%, C1 = 1,0 µF ± 10% e R2 = 1,00 kΩ ± 5%) utilizados para montar os diferentes circuitos no interior das caixas é bastante satisfatória.

A título de comparação, a Fig. 13 mostra o espectro de impedância obtido por meio de um impedanciômetro Solartron-1260 para um dispositivo eletrônico molecular formado por um filme do polímero poli(estireno-co-p-estireno sulfonado-cometacrilato de metila) [P(S/SS/MMA)], na concentração de (0,44/0,06/0,50), ensanduichado entre dois eletrodos: um de ITO (Indium Thin Oxide) e o outro de alumínio. O comportamento deste dispositivo é equivalente ao de um circuito formado por um resistor em série com uma associação de um outro resistor em paralelo com um capacitor. Modelos baseados em circuitos equivalentes desse tipo permitem tirar informações a respeito da injeção e transporte de carga no dispositivo. Pode-se mostrar, também, que a associação RC em paralelo tem origem na injeção de carga na interface óxido-polímero enquanto que a resistência em série tem origem no transporte de carga através do volume do óxido. Além disso, a partir da álico, da espessura do filme e dos valores das resistências e capacitância utilizados para o ajuste, pode-se calcular parâmetros importantes do material sob investigação, como resistividade e constante dielétrica, por exemplo.


6. Conclusões

Mostramos que a técnica da espectroscopia de impedância utilizada em laboratórios de pesquisa para investigar o comportamento elétrico de materiais orgânicos ou inorgânicos e dispositivos eletrônicos também pode ser introduzida em laboratórios de ensino. A exploração da técnica, particularmente num laboratório de física básica, apresenta diversos aspectos positivos. Primeiramente porque oferece, através de uma situação concreta, a oportunidade de mostrar para um aluno de graduação a utilidade e importância, não só do formalismo complexo como também da utilização de um osciloscópio de duplo canal. Em segundo lugar, porque serve como preparação preliminar para o aluno de iniciação científica que precise dessa técnica em seu trabalho. Por outro lado, como o tipo de atividade proposta neste trabalho envolve a análise do comportamento da impedância de um circuito alimentado por uma fonte AC em função da frequência, ela constitui uma alternativa para as práticas mais usuais de ressonância em circuitos AC com elementos em série ou paralelo.

Do nosso ponto de vista, a experiência descrita é adequada para um laboratório de graduação e perfeitamente viável, porque necessita de equipamentos, como gerador de áudio e osciloscópio de duplo canal, normalmente disponíveis na maioria dos laboratórios de física básica.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer a Fundunesp, Fapesp e IMMP/Institutos do milênio/CNPq.

Recebido em 30/4/2008; Aceito em 13/6/2008; Publicado em 27/2/2009

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  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      13 Jun 2008
    • Recebido
      30 Abr 2008
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