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Em homenagem ao 70° Aniversário do Prof. Nelson Studart e sua liderança para a Física da Matéria Condensada e para a Física e seu Ensino no Brasil

Honouring Prof. Nelson Studart's 70th Birthday and his leadership in Condensed Matter Physics and Physics Teaching in Brazil

Resumo

Essa carta é uma singela homenagem ao Prof. Nelson Studart, editor associado da Revista Brasileira de Ensino de Física e editor e fundador de A Física na Escola, por ocasião do seu 70° aniversário. O professor atuou por 38 anos na Universidade Federal de São Carlos, onde atualmente é professor titular aposentado. Relato um pouco de sua significativa obra em física de sistemas quânticos de baixa dimensionalidade e de heteroestruturas semicondutoras, área na qual constam suas orientações concluídas em nível de doutorado. As contribuições atuais mais relevantes do homenageado incluem-se na investigação de tecnologias digitais e metodologias ativas, com foco na aprendizagem baseada em games e nos processos de gamificação.

Palavras-chave:
Professor Titular; Professor Honoris Causa; Editor Associado

Abstract

This article is a modest tribute to Prof. Nelson Studart, associate editor of the Revista Brasileira de Ensino de Física and editor and founder of A Física na Escola, on occasion of his 70th birthday. He worked for 38 years at Federal University of São Carlos, where he retired as a Full Professor. I report a little of his significant production in low-dimensional quantum systems physics and semiconductor heterostructures, area in which he was advisor at doctoral level. His most relevant recent contributions are in Physics Teaching, inside investigation of digital technologies and active methodologies, focusing on games-based learning and gamification processes.

Keywords:
Full Professor; Professor Honoris Causa; Associated Editor

Abraham Pais, na melhor biografia científica sobre Albert Einstein já publicada [1][1] A. Pais, "Sutil é o Senhor…": a ciência e a vida de Albert Einstein (Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1995)., afirma que “a despreocupação com o passado é um privilégio da juventude”. A esta assertiva junto outra, de que cultivamos tacitamente a prática de prestar homenagens aos nossos ilustres apenas quando eles falecem. Nesse ano de 2020, o Prof. Nelson Studart completa 70 anos. Aposentado, ainda muito ativo, foi editor dessa revista de 2001 a 2009 e é atualmente editor associado. Nada mais apropriado que um tributo contando um pouco de sua trajetória nesse jubileu.

Convidado para escrever o prefácio do livro “Where Is Science Going?”, de Max Planck [2][2] M. Planck, Where Is Science Going? (W.W. Norton & Company, New York, 1932)., Einstein inicia identificando diferentes perfis de pessoas que dedicam sua vida à ciência. Para ele, se um anjo expulsasse do templo da ciência aqueles que a praticam para ampliar seus próprios talentos, como no caso de um desportista que se deleita com suas proezas musculares, ou aqueles que a fazem por sorte das circunstâncias, esperando um retorno profícuo garantido, poucos restariam no templo. Planck estaria entre esses poucos e, a meu ver, o Prof. Nelson Studart também. Em entrevista a Vera Pinheiro para o projeto “A Ciência que Eu Faço” em 20131 1 Esse projeto, iniciativa do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), é constituído de uma série de entrevistas em formato de vídeos de curta duração, com coordenação da jornalista Vera Pinheiro. O foco das entrevistas de mais de cinquenta pesquisadores (disponível em http://acienciaqueeufaco.mast.br/index.php/depoimentos.html#z) foi na trajetória acadêmica e no mérito das pesquisas desenvolvidas nas diferentes áreas. O depoimento do homenageado, em duas partes, está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=wj8o7zUE78s , o Prof. Nelson declara que sua escolarização em nível fundamental se deu no seminário e que foi cursar o científico (equivalente ao atual Ensino Médio) por falta de vocação religiosa. Por seu turno, apaixonou-se pela matemática e casou-se com sua irmã siamesa, a física teórica, destacando-se como melhor aluno da sua turma do Instituto de Física da Universidade Federal do Ceará, em 1971.

Após uma breve incursão no estudo de implicações das quebras de simetria nas interações fortes, em nível de mestrado, na Universidade de Brasília, optou por doutorar-se na área de Física da Matéria Condensada, junto ao grupo do Prof. Roberto Lobo do então Instituto de Física e Química de São Carlos, uma das unidades da Universidade de São Paulo naquela cidade. As oito orientações e duas coorientações de doutorado concluídas ao longo de sua vida acadêmica seriam nessa área, na qual ainda mantém produção ativa. Sou uma desses oito ex-orientandos, que tiveram o privilégio de contar com sua orientação competente e diretivas precisas desde a formação para a pesquisa em nível de graduação (ou em forma de Iniciação Científica, ou como integrante do grupo PET2 2 Inicialmente o Programa Especial de Treinamento, financiado pela CAPES, era um programa de fomento à formação complementar para estudantes de bom desempenho nos cursos de graduação. Atualmente, é subsidiado pelo Ministério da Educação e sua designação é Programa de Educação Tutorial. por ele coordenado na Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, do qual fui integrante da primeira turma). Passados quase vinte anos do término do meu doutoramento, ainda tenho a cópias da sua tese de doutoramento, com destaques, e manuscritos que ele me confiou quando eu redigia a minha própria tese.

Dentro desse vasto campo de investigação, seu interesse sempre esteve focado em sistemas quânticos de baixa dimensionalidade e em heteroestruturas semicondutoras. Menciono novamente o prefácio de Einstein [2][2] M. Planck, Where Is Science Going? (W.W. Norton & Company, New York, 1932)., quando ele aponta que não existe um caminho lógico para a articulação entre as leis elementares em sua representação matemática e os fenômenos naturais que elas representam. Estudando sistemas bidimensionais de elétrons sobre filmes de hélio depositados sobre dielétricos, o grupo de São Carlos constatou que a deformação superficial do hélio poderia ser modelada em termos de um pólaron equivalente ao proposto por Fröhlich [3][3] O. Hipólito, G.A. Farias e N. Studart, Surface Science 113, 394 (1982). 3 3 Segundo o próprio Studart [4], “Feynman introduz o exaustivamente usado modelo do pólaron concebido como um elétron ligado por meio de um potencial harmônico a uma partícula fictícia de massa finita que simula a essência da interação do elétron com a polarização da rede cristalina”. As hipóteses adotadas na dedução do potencial de interação do Hamiltoniano de Fröhlich para o pólaron são a predominância da interação do elétron com fônons longitudinais de grandes comprimentos de onda e a dependência parabólica para o espectro de banda. Usualmente, essa Hamiltoniana é designada como a do “pólaron grande”, considerando que a extensão do pólaron é grande comparada aos parâmetros de rede. A constante de acoplamento é dada em termos de parâmetros acessíveis experimentalmente. . Esse trabalho, juntamente com outro desenvolvido independentemente por um grupo da Bell Labs, aventou a possibilidade de existência de transição de fase nesse sistema, como foi posteriormente confirmado.

No início da década de 1980, em seu estágio posdoutoral na Universidade de Harvard, aprofundou-se no estudo dos sistemas bidimensionais, particularmente da autolocalização de elétrons por modos superficiais e transições de fase de pólarons. Estudar as propriedades de transporte e as interações com campos magnéticos nesse sistema e em sistemas similares de dimensionalidade reduzida foram desdobramentos esperados, exaustivamente perseguidos, em parceria com seus estudantes e colaboradores.

Em 2020, a UFSCar comemora seu quinquagésimo aniversário do início das atividades acadêmicas. Nesse período, durante 38 anos (1975 a 2013), a UFSCar contou com a atuação docente do Prof. Nelson, que se tornou professor titular em 1991. Participou da implantação e consolidação do curso de Bacharelado em Física e, inspirado nas suas experiências em Harvard e na interação com o Prof. Artur Miller, implementou um curso de física moderna com enfoque histórico, analisando alguns textos originais em teoria quântica e em relatividade. Havia uma apostila com suas notas de aula, que ainda não chegaram a se tornar um livro. Outra decorrência interessante, foram diversas publicações na nossa Revista Brasileira de Ensino de Física para marcar o centenário do nascimento da física quântica [5[5] N. Studart, Revista Brasileira de Ensino de Física 22, 523 (2000).-6[6] N. Studart, A Física na Escola 2, 23 (2001).]. Talvez ele nem finalize esse livro, em parte devido às suas constatações e mudanças recentes de crenças em relação ao ensino de física quântica.

Exerceu diversas atividades administrativas na instituição, como chefia e representação em colegiados superiores. Com certeza a função mais representativa foi a coordenação ao longo de oito anos do Programa de Pós-Graduação em Física da UFSCar, para cujas implementação e consolidação não mediu esforços, seja como membro da equipe proponente de 1983 a 1988, seja como docente do corpo permanente, orientador e coordenador nos anos seguintes. Foi nessa condição de coordenador que, no início da década de 1990, se empenhou diligentemente na promoção de uma parceria institucional entre esse programa e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a despeito das tentativas infrutíferas de acolhimento da proposta pela CAPES, firmada entre as duas instituições no final de 19924 4 N. Studart (20 de novembro de 2014). Pronunciamento ao receber o Título Professor Honoris Causa. Fonte: Instituto de Ciências Exatas UFAM: http://ice.ufam.edu.br/attachments/article/572/Pronunciamento_HC_NStudart.pdf .

Einstein explicita [2][2] M. Planck, Where Is Science Going? (W.W. Norton & Company, New York, 1932). o que levaria um cientista daquela categoria que o anjo manteria no templo da ciência a devotar sua vida a esse empreendimento. Em concordância com Schopenhauer, aponta a necessidade de transcender à mesmice da rotina e projetar seu olhar para além do horizonte das necessidades imediatas. Essa inquietude, associada a um espírito de pioneirismo, conferiram ao Prof. Nelson o galardão de Professor Honoris Causa, como reconhecimento à sua contribuição para o desenvolvimento da pós-graduação e da pesquisa na UFAM. Outros detalhes de sua atuação docente e do convênio interinstitucional que a viabilizou (inclusive desdobramentos) estão publicados no texto do Prof. Hidembergue O. Frota5 5 Disponível em http://ice.ufam.edu.br/attachments/article/572/PronunciamentoHidembergueFrota.pdf .

Nos últimos anos e, também, já na condição de aposentado, o Prof. Nelson tem intensificado suas incursões no ensino da física, ou, como gosta de expressar em acaloradas discussões, “na física e o seu ensino”. Desde meados da década de 1980, para além de suas preocupações com o ensino de graduação, dedicou-se a atividades de extensão e cultura, voltadas à educação básica, sempre atuante na construção coletiva dos projetos pedagógicos, como na criação do curso de capacitação Ciência é 106 6 Ciência é 10 é um curso de especialização da Universidade Aberta do Brasil para professores dos anos finais do ensino fundamental. Informações disponíveis em https://c10.capes.gov.br/ .

Dessa miríade, sua atuação mais marcante é no Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física, curso de pós-graduação stricto sensu em rede chancelado e financiado pela CAPES. Orientou, no polo 17, sediado na Universidade Federal do ABC, seis trabalhos de conclusão com produtos instrucionais voltados à atualização e à inovação curriculares, pesquisa translacional e tecnologias digitais, particularmente a utilização de “games” e “gamificação”. Ao longo de 2018, desenvolvi meu pós-doutorado sob sua supervisão na UFABC, estudando e implementando princípios de design para a elaboração e validação de uma sequência didática para a inserção de conceitos de física quântica no ensino médio, com ênfase em sistemas de dois níveis, na natureza estatística dos estados e na sua superposição.

Discordamos corriqueiramente sobre diversos assuntos, o que é natural e saudável nos ambientes acadêmico e social. Vivemos paixões semelhantes e a boa parte da mesma rede de colaborações. Frequentemente aprendemos um com o outro. Cada parceria, cada trabalho finalizado, corroboram sua importância para a física brasileira e seu ensino, ampliando sua visibilidade nacional e internacional.

Parabéns Nelson! 70 anos de compromisso inexorável com a formação de pessoas!

Referências

  • [1]
    A. Pais, "Sutil é o Senhor…": a ciência e a vida de Albert Einstein (Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1995).
  • [2]
    M. Planck, Where Is Science Going? (W.W. Norton & Company, New York, 1932).
  • [3]
    O. Hipólito, G.A. Farias e N. Studart, Surface Science 113, 394 (1982).
  • [4]
    N. Studart, Revista Brasileira de Ensino de Física 40, e4213 (2018).
  • [5]
    N. Studart, Revista Brasileira de Ensino de Física 22, 523 (2000).
  • [6]
    N. Studart, A Física na Escola 2, 23 (2001).
  • 1
    Esse projeto, iniciativa do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), é constituído de uma série de entrevistas em formato de vídeos de curta duração, com coordenação da jornalista Vera Pinheiro. O foco das entrevistas de mais de cinquenta pesquisadores (disponível em http://acienciaqueeufaco.mast.br/index.php/depoimentos.html#z) foi na trajetória acadêmica e no mérito das pesquisas desenvolvidas nas diferentes áreas. O depoimento do homenageado, em duas partes, está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=wj8o7zUE78s
  • 2
    Inicialmente o Programa Especial de Treinamento, financiado pela CAPES, era um programa de fomento à formação complementar para estudantes de bom desempenho nos cursos de graduação. Atualmente, é subsidiado pelo Ministério da Educação e sua designação é Programa de Educação Tutorial.
  • 3
    Segundo o próprio Studart [4][4] N. Studart, Revista Brasileira de Ensino de Física 40, e4213 (2018)., “Feynman introduz o exaustivamente usado modelo do pólaron concebido como um elétron ligado por meio de um potencial harmônico a uma partícula fictícia de massa finita que simula a essência da interação do elétron com a polarização da rede cristalina”. As hipóteses adotadas na dedução do potencial de interação do Hamiltoniano de Fröhlich para o pólaron são a predominância da interação do elétron com fônons longitudinais de grandes comprimentos de onda e a dependência parabólica para o espectro de banda. Usualmente, essa Hamiltoniana é designada como a do “pólaron grande”, considerando que a extensão do pólaron é grande comparada aos parâmetros de rede. A constante de acoplamento é dada em termos de parâmetros acessíveis experimentalmente.
  • 4
    N. Studart (20 de novembro de 2014). Pronunciamento ao receber o Título Professor Honoris Causa. Fonte: Instituto de Ciências Exatas UFAM: http://ice.ufam.edu.br/attachments/article/572/Pronunciamento_HC_NStudart.pdf
  • 5
  • 6
    Ciência é 10 é um curso de especialização da Universidade Aberta do Brasil para professores dos anos finais do ensino fundamental. Informações disponíveis em https://c10.capes.gov.br/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2020
  • Aceito
    26 Fev 2020
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