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Maquete do acelerador de partículas Sirius: uma abordagem investigativa para explorar a geração da luz síncrotron

Sirius particle accelerator model: an investigative approach to exploring synchrotron light generation

Resumos

Nossa pesquisa teve como objetivo investigar o papel de uma maquete funcional do acelerador de partículas brasileiro, Sirius, enquanto um dispositivo didático, para a abordagem do processo de geração luz síncrotron e divulgação do acelerador, com alunos de cursos de Licenciatura ofertados pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). A luz síncrotron é uma forma de radiação eletromagnética produzida por partículas carregadas, geralmente elétrons, aceleradas em campos magnéticos intensos e curvadas em trajetórias circulares. O Sìrius é o único acelerador de partículas de quarta geração no hemisfério sul, inaugurado em 2018, localizado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas-SP. A investigação sobre o uso da maquete consistiu na primeira etapa de uma Sequência de Ensino Investigativa (SEI), estruturada, validada e aplicada em pesquisas do curso de doutorado. Para a investigação pretendida, utilizamos a técnica de quadrantes e a análise interpretativa das respostas dos licenciandos, produzidas durante o desenvolvimento desta primeira etapa da SEI. Os resultados obtidos indicaram a versatilidade do dispositivo didático que possibilitou uma visualização tridimensional do objeto real e a mobilização de analogias que facilitaram a compreensão do processo de geração da luz síncrotron. Com relação às questões problematizadoras lançadas aos licenciandos, observamos que houve a construção de entendimento básico sobre o processo de geração da luz síncrotron, bem como da relevância do Sírius para a pesquisa no país e sua inserção no cenário internacional. Assim, temos que a utilização da maquete em uma perspectiva investigativa consistiu em um início promissor para o desenvolvimento da SEI, tendo em vista as abstrações subjacentes ao fenômeno e a multiplicidade de conceitos relacionados à física de partículas.

Palavras-chave:
Luz síncrotron; acelerador sirius; maquete didática


Our research aimed to investigate the role of a functional model of the Brazilian particle accelerator, Sirius, as a teaching device, to approach the synchrotron light generation process and disseminate the accelerator, with students from the teachers in trainning course offered by Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Synchrotron light is a form of electromagnetic radiation produced by charged particles, usually electrons, that are accelerated in intense magnetic fields and curved into circular paths. Sìrius is the only fourth-generation particle accelerator in the southern hemisphere, opened in 2018, located at the National Center for Research in Energy and Materials (CNPEM), in Campinas-SP. The investigation into the use of the model consisted of the first stage of an Investigative Teaching Sequence (SEI), structured, validated and applied in doctoral course research. For the intended investigation, we used the quadrant technique and the interpretative analysis of the students’ responses, produced during the development of this first stage of the SEI. The results obtained indicated the versatility of the teaching device that enabled a three-dimensional visualization of the real object and the mobilization of analogies that facilitated the understanding of the synchrotron light generation process.

Keywords:
Synchrotron light; sirius accelerator; didactic model


1. Introdução

Partículas carregadas quando aceleradas irradiam energia eletromagnética. Este fenômeno físico, conhecido pelo nome de radiação síncrotron, teve seu início teórico na época da Eletrodinâmica Clássica, entretanto, naquela época, apenas as características básicas do fenômeno foram estudadas. Foi preciso esperar cerca de meio século até o desenvolvimento da tecnologia de aceleradores de partículas carregadas para observação direta e verificação experimental do fenômeno [1[1] Khan S.A., Resonance Indian Academy of Sciences 11, 77 (2001).].

A luz síncrotron foi observada experimentalmente pela primeira vez em 1947, o que gerou um interesse renovado na teoria síncrotron. Essa luz era indesejável nos primeiros síncrotrons de elétrons e anéis de armazenamento, contudo, logo se percebeu que ela era um produto valioso por si só para aplicações em pesquisas que exigiam fontes de luz intensas e brilhantes em uma ampla faixa de comprimentos de onda.

Uma instalação de radiação síncrotron é baseada na tecnologia de aceleradores de partículas carregados. Grupos de partículas carregadas (geralmente elétrons) circulam por várias horas em um tubo longo em forma de anel sob alto vácuo. Esses anéis possuem diversas linhas de feixe com estações experimentais e atendem diversos conjuntos de usuários simultaneamente [2[2] Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, Projeto Sirius: a nova fonte de luz síncrotron brasileira (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, Campinas, 2014).]. Contrariamente à expectativa, não existem muitas instalações síncrotron para atender às enormes demandas de numerosos usuários. Isto se deve aos altos custos e ao conhecimento tecnológico necessário. Atualmente, em todo o mundo, existem cerca de cinquenta anéis de armazenamento em operação como fontes de radiação síncrotron, localizados em vinte e três países, sendo que apenas quatro estão localizados no hemisfério sul [3[3] R. Marzochi, Sirius: o que é e como funciona o acelerador de partículas brasileiro, disponível em:https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2020/11/sirius-o-que-e-e-como-funciona-o-acelerador-de-particulas-brasileiro.html.
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Sirius é o mais novo acelerador de partículas brasileiro, inaugurado em 2018, e instalado no campus do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) em Campinas, interior de São Paulo. Seu nome surge inspirado na denominação da estrela mais luminosa da constelação de Canis Major, cuja constelação pertence ao hemisfério celestial sul [4[4] H.P. Pacheco, K.D.C. Furtado, L.G.F. Silva e E.R. Mamédio, Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia 1, 44 (2023).].

O Sirius é composto por um acelerador de elétrons com energia de 3 GeV (Giga elétron-volt), tem 518,4 metros de circunferência e poderá comportar, no futuro, até 40 linhas de luz. O acelerador Sirius, o European Synchrotron Radiation Facility (ESRF), na França, e o MAX-IV, na Suécia, são exemplos de fontes de luz síncrotron de quarta geração, em operação, atualmente, embora outras fontes ao redor do mundo já estejam desenvolvendo aprimoramentos [5[5] R. Zorzetto, As primeiras imagens, disponível em:https://revistapesquisa.fapesp.br/as-primeiras-imagens/.
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A física de partículas é a ciência por trás desse tipo de acelerador. A pesquisa realizada nessas instalações se enquadra em um campo em que os materiais são estudados até a escala de comprimento atômico. Para sondar esses materiais, utilizam-se máquinas e métodos que aplicam uma ampla variedade de princípios da Física, incluindo Eletricidade, Magnetismo, Física Quântica, Física Nuclear e Óptica.

Diante deste contexto, laboratórios de luz sincrotron espalhados pelo globo estão cientes do seu papel no desenvolvimento de ideias de divulgação relacionadas à Física da radiação síncrotron para jovens estudantes e para o público em geral. Muitos desses laboratórios têm programas científicos ou centros para educação científica bem estruturados, em parcerias com universidades buscando a entrega de informações acessíveis a uma variedade de grupos de todas as idades, de forma que todos os participantes sejam apresentados à Ciência básica por trás da pesquisa com a radiação síncrotron. São programas dinâmicos ofertados, em muitos casos, dentro dos próprios laboratórios, onde os participantes são conduzidos a entender as ondas, a luz e a energia. Os programas de forma geral buscam tanto a compreensão da Física aplicada usada nas fontes quanto a importância da implementação da ferramenta de pesquisa científica em novos materiais [6[6] S. Micklavzina, M. Almqvist e S. Sorensen, Physics Education 49, 221 (2014).].

No caso do Sirius, especificamente, temos a Escola de Síncrotron para Professores de Ensino Médio (ESPEM), um evento anual realizado desde 2019, por meio de uma parceria do Centro Nacional de Pesquisa em Energias e Materiais (CNPEM) com a Sociedade Brasileira de Física (SBF), financiada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

A proposta de imersão, com duração de uma semana, propicia aos professores da educação básica aulas teóricas e expositivas, visitas aos laboratórios, seminários com pesquisadores do Centro com temas atuais em diferentes áreas do conhecimento. Além de oferecer aos professores cursistas a oportunidade de uma formação, em um complexo avançado de laboratórios com alta tecnologia e no acelerador de partículas Sirius. A proposta tem como objetivos promover o ensino da Física e, em particular, da Física envolvida na utilização da radiação síncrotron, no Ensino Médio; promover o intercâmbio de conhecimentos e experiências entre professores de diferentes regiões do Brasil e estimular atividades relacionadas à popularização da Física dentro e fora da sala de aula [7[7] V. Acioly, R. Picoreti, T. Rocha, G. Azevedo e A. Santos, A Física na Escola 18, 81 (2020).].

Considerando as demandas apresentadas e os conhecimentos adquiridos durante a formação na Escola Sirius para Professores do Ensino Médio (ESPEM) em duas edições, a primeira em 2021, de forma remota, e a segunda em 2023, no formato presencial, alinhamos a pesquisa do curso de doutorado ao desenvolvimento de uma proposta voltada para abordagem da luz síncrotron e divulgação do acelerador de partícula Sirius.

A proposta de pesquisa teve como objetivo desenhar uma sequência de ensino e aprendizagem, executando a sua validação com professores que participaram da ESPEM e posterior aplicação com estudantes do ensino superior e médio, a partir de uma perspectiva de divulgação científica.

Para o desenvolvimento dessa proposta, optamos pela utilização das Sequências de Ensino Investigativas (SEIs) como aporte teórico e metodológico. Elas podem ser compreendidas como um conjunto de atividades com fins de ensino e aprendizagem de uma temática específica, e são planejadas, considerando tanto o ponto de vista do material (objeto, experimento, conteúdo), como das interações didáticas em torno do fenômeno a ser investigado, numa perspectiva claramente construtivista. De acordo com Carvalho [8[8] A.M.P. Carvalho, Ensino de Ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula (Cengage Learning, São Paulo, 2013).], as SEIs se desenvolvem a partir de algumas atividades-chave: problema experimental ou teórico, sistematização do conhecimento, sua contextualização e aplicação social e, por fim, avaliação; atividades estas, que na nossa perspectiva, são ideais para o desenvolvimento da proposta em questão.

O ensino por investigação possui diversas finalidades, conforme destacado por Sasseron [9[9] L.H. Sasseron, Revista Ensino 17, 49 (2015).]. Os alunos, ao participarem de atividades investigativas, podem reconhecer problemas e empregar estratégias pessoais alinhadas aos procedimentos científicos para resolvê-los. Eles desenvolvem a capacidade de planejar experimentos para verificar hipóteses, bem como aprimoram suas habilidades de observação, de aprimorar a argumentação, comunicar resultados, compartilhar ideias, trocar exemplos e aceitar as opiniões dos pares quanto à validade do conhecimento construído.

Neste texto, apresentamos um recorte da pesquisa desenvolvida durante o curso de doutorado, a primeira etapa da SEI, que consistiu na exploração de uma maquete funcional do acelerador Siruis com alunos do ensino superior. Assim, tivemos como objetivo investigar o papel da maquete, enquanto um dispositivo didático, para a abordagem da luz síncrotron e divulgação do acelerador de partículas brasileiro Sirius.

2. Como Funciona uma Fonte de Luz Síncrotron?

As fontes de luz síncrotron são compostas por três estruturas de aceleração: um acelerador linear, um acelerador injetor e um anel de armazenamento. Na Figura 1 temos uma representação detalhada do acelerador de partículas Sirius que nos permite acompanhar o processo de geração dessa luz.

Figura 1
Estrutura interna do Sirius. Fonte: https://www.lnls.cnpem.br/noticias/primeiras-imagens-de-microtomografia-de-raio-x-sao-obtidas-no-sirius/. Acesso em: 24 abr. 2022.

Quase todas as fontes de luz síncrotron utilizam como partículas carregadas, elétrons. Eles são gerados por meio de um canhão de elétrons e, em seguida, começam a ser acelerados por um conjunto de estruturas que compõem o Linac, ou acelerador linear. Quando chegam ao final do Linac, esses elétrons já ganharam energia suficiente para atingir velocidades próximas à da luz (velocidade relativística). Eles são, então, conduzidos ao acelerador injetor, conhecido como Booster, por meio de uma linha de transporte composta por eletroímãs [3[3] R. Marzochi, Sirius: o que é e como funciona o acelerador de partículas brasileiro, disponível em:https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2020/11/sirius-o-que-e-e-como-funciona-o-acelerador-de-particulas-brasileiro.html.
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O Booster tem o papel de aumentar a energia dos elétrons desde o nível de energia do Linac até a energia de operação do anel de armazenamento. Ao entrarem no Booster, os elétrons são acelerados por cavidades de radiofrequência e, quando atingem seu nível de energia final, são injetados no anel de armazenamento por meio de outra linha de transporte. Uma vez no anel de armazenamento, os elétrons são mantidos em órbitas estáveis com o auxílio de um conjunto de ímãs que compõem a chamada rede magnética [3[3] R. Marzochi, Sirius: o que é e como funciona o acelerador de partículas brasileiro, disponível em:https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2020/11/sirius-o-que-e-e-como-funciona-o-acelerador-de-particulas-brasileiro.html.
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A Rede Magnética é um conjunto de ímãs responsáveis por defletir e focalizar, com base no campo magnético, o feixe de elétrons, garantindo a sua estabilidade e definindo o caminho pelo qual transitam [10[10] R.R. Geraldes, C.R. Bom, J.F. Citadini e F.H. Sá, Novas Técnicas 3, 1 (2013).]. Essas trajetórias são caminhos com geometrias semelhantes a um círculo, embora não sejam curvos em todos os trechos. O campo magnético guia define uma órbita ideal, fechada, na qual um elétron se moverá por um tempo indefinido. Quando os elétrons com alta energia e em alta velocidade têm sua trajetória desviada por campos magnéticos, eles produzem um tipo de radiação de amplo espectro magnético e alto brilho, conhecida como luz síncrotron [3[3] R. Marzochi, Sirius: o que é e como funciona o acelerador de partículas brasileiro, disponível em:https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2020/11/sirius-o-que-e-e-como-funciona-o-acelerador-de-particulas-brasileiro.html.
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É nas estações experimentais para onde o feixe de luz síncrotron é conduzido e direcionado até as amostras, para revelar informações sobre o material analisado. As fontes de síncrotron normalmente comportam diversas linhas de luz, e nelas são realizados experimentos usando diferentes técnicas, como espectroscopia do infravermelho ao raio X, espalhamento de raios X, cristalografia, tomografia e outras. Alguns ambientes são isolados, possuindo proteção radiológica e controle preciso de temperatura, umidade e pressão; outros são abertos, permitindo que o experimento seja visível por qualquer pessoa que passe ao lado. É a parte mais dinâmica de uma Linha de Luz, pois a cada novo experimento é definida condições específicas para o condicionamento das amostras (que podem estar em diferentes estados físicos) e para os sistemas de detecção, visando a observação de diferentes aspectos da interação da luz síncrotron com a matéria [3[3] R. Marzochi, Sirius: o que é e como funciona o acelerador de partículas brasileiro, disponível em:https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2020/11/sirius-o-que-e-e-como-funciona-o-acelerador-de-particulas-brasileiro.html.
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3. A Maquete Como um Objeto Didático

As maquetes, como objetos didáticos, têm sido temas de pesquisa e investigação na área da educação, em geral, e no ensino e divulgação de ciências, há algum tempo. Pitano e Roqué [11[11] S.C. Pitano e B.B. Roqué. Educação Unisinos 19, 273 (2015).], Gomes, Silva e Oliveira [12[12] A. Gomes, C.C. Silva e A.R. Oliveira, Educação Pública 20 (2020).], Lima Filho et al. [13[13] J.B.L. Filho, M.L. Silva, H.P. Madureira e R.M. Ibiapina, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e3504 (2017).], Menezes et al. [14[14] E.O. Carvalho e R.R. Souza, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220136 (2022).], Silva, Martin e Beline [15[15] E.S. Silva, R.W.S. Martin e W. Beline, in: Anais do SBEM (Campos Mourão, 2014).] e Castrogiovanni, Callai e Kaercher [16[16] A.C. Castrogiovanni, H.C. Callai e N.A. Kaercher, Ensino de Geografia: práticas e textualizações no cotidiano (Editora Mediação, Porto Alegre, 2009), 7 ed.] são alguns autores que defendem sua utilização como parte das estratégias de ensino por diversos motivos, geralmente vinculados às características próprias do dispositivo: a forte analogia com o ambiente real (o que possibilita representar um objeto em sua forma tridimensional em escala reduzida, real ou ampliada), a representação concreta do objeto (o que viabiliza a manipulação ativa e desperta múltiplos estímulos sensoriais) e a representação concreta de fenômenos (de difícil compreensão quando meramente descritos verbalmente) [17[17] M. Marandino, G. Scalfi e B. Milan (org.), Janelas para a natureza: explorando o potencial educativo dos dioramas (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020).].

Se, por um lado, elas possuem um potencial educativo considerável, por outro, há quem esteja explorando sua produção como estratégia de ensino de ciências em sala de aula [18[18] A. Efe, in: Asia-Pacific Forum On Science Learning and Teaching (Hong Kong, 2017).]. Nessa estratégia, o aluno é estimulado a assumir o papel do pesquisador/educador, que deve planejar e construir o dispositivo, tendo que tomar decisões quanto aos materiais que utilizará, o objeto e/ou fenômeno que será explorado, embora essa não tenha sido a nossa proposta.

Uma maquete, enquanto objeto didático, é sempre fruto de um processo de transposição didática, ou seja, resulta de um processo de simplificação e adaptação do conhecimento acadêmico, com finalidade de torná-lo acessível aos diferentes públicos, promovendo o ensino e a aprendizagem. Entretanto, isso não implica apenas em simplificações e reduções. Agranionih [19[19] N.T. Agranionih, Revista da Educação 1, 3 (2001).] aponta que, neste caso, existe também uma complexificação devido às criações realizadas para tornar o conhecimento acessível, o que necessariamente implica também em novas formas de organização do conhecimento.

Assim, do ponto de vista de conteúdo conceitual, sempre há limitações, que estão relacionadas a qualquer objeto e situação de ensino e, para enfrentar este desafio, Chevallard [20[20] Y. Chevallard, La transposición didáctica: del saber sábio ao saber enseñado (Aique Grupo Editor, Buenos Aires, 1991).] propõe exercer a chamada vigilância epistemológica. A literatura da área explicita que, exercer a vigilância epistemológica significa distanciar-se do objeto de ensino e interrogar-se constantemente sobre o que está sendo ensinado, suas potencialidades e limitações, contribuindo para que nada seja deturpado, mas sim transformado e tornado passível de compreensão.

Desta forma, uma das maneiras de potencializar o papel educativo de uma maquete é identificar suas potencialidades, conceitos que podem ser explorados, as tarefas e ações que o objeto e/ou o conjunto expositivo possibilitam. Oliveira [22[22] A.D. Oliveira, Biodiversidade e museus de ciências: um estudo sobre transposição museográfica nos dioramas. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, (2010).], estudando dioramas, desenvolveu uma técnica de leitura de quadrantes do objeto, que consiste basicamente em roteiro de descrição, mas que possibilita identificar o potencial de ensino (ações que os estudantes podem realizar como eles podem realizá-las), os conceitos presentes e os suportes que acompanham o dispositivo (textos de apoio, painéis e etiquetas).

4. Metodologia da Pesquisa

A pesquisa teve caráter qualitativo e natureza interventiva [23[23] P.M.M. Teixeira e J.M. Neto, Ciência & Educação 23, 1055 (2017).]. Foi desenvolvida conforme os princípios éticos que regem a pesquisa científica, tendo sido aprovada no Comitê de Ética da UFRPE, com CAAE n°67.162522.40000.9547. Os estudantes preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e foram informados do caráter voluntário de sua participação e dos cuidados para preservação de seu anonimato.

No Quadro 1, apresentamos uma versão resumida do planejamento integral da proposta de pesquisa. Essa proposta foi desenvolvida com um grupo de 26 estudantes do Ensino Superior, que cursavam um componente curricular aberto a alunos de diversos cursos de Licenciatura. Essa escolha foi intencional, uma vez que a divulgação da pesquisa e da ciência brasileira permeia a sociedade com um todo. Dessa forma, a pesquisa foi desenvolvida com estudantes dos cursos de Licenciatura em História, Química, Física, Matemática e Letras.

Quadro 1
Versão resumida do planejamento da proposta de pesquisa.

Entretanto, relembramos que este texto é um recorte da proposta com foco na primeira etapa da SEI e que consiste na exploração da maquete didática.

4.1. Primeira etapa da SEI

A primeira etapa da SEI, definida por Carvalho [8[8] A.M.P. Carvalho, Ensino de Ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula (Cengage Learning, São Paulo, 2013).] como Problema Experimental ou Teórico, teve como objetivo despertar a curiosidade e o interesse dos alunos, além de fornecer um contexto ou desafio que motivasse a investigação e a aprendizagem. Essa etapa inicial muitas vezes é também designada por desencadeamento ou motivação e consistiu na abordagem da maquete funcional do Sirius a partir de algumas questões propostas.

Inicialmente foi distribuído um formulário com as seguintes questões: (1) Conseguiria identificar alguns componentes no aparato experimental e qual seria a função deles? (2) Por que o tubo do acelerador tem o formato circular? (3) No Sirius em Campinas, qual é o componente responsável por aumentar a velocidade da partícula? (4) O que seriam essas cabines no final do tubo que percorre a luz e para que servem?

Os estudantes foram convidados a pensar sobre elas de forma individualizada e a fazer as primeiras anotações. Durante esse processo, a sala foi dividida em grupos de 5 a 7 estudantes que foram convidados a explorar a maquete juntamente com o pesquisador. Nesta etapa, de forma coletiva, foram discutidas as questões propostas inicialmente e outras que emergiram a partir da discussão. A maquete foi explorada na perspectiva de analogia com o ambiente real, o acelerador de partículas Sirius. Também se utilizou a perspectiva do objeto concreto que possibilita visualizar um fenômeno, a geração da luz síncrotron.

Foi utilizada a programação em Arduino para possibilitar a representação do caminho percorrido pelos elétrons desde o acelerador linear até as estações experimentais. A escolha do Arduino se justifica pela simplicidade de programação, baixo custo e disponibilidade de componentes. Concordamos com Monteiro [21[21] J.A. Monteiro, Amazônia Revista de Educação em Ciências e Matemática 18, 177 (2022).] ao citar que a utilização de tecnologias como o Arduino pode proporcionar descobertas autênticas e em tempo real. No ensino de física, a autora enfatiza a importância da utilização do Arduino como ferramenta de auxílio nas aulas práticas de Física.

Posteriormente, os grupos retornaram aos seus lugares para revisar e aprimorar suas respostas. Houve possibilidade de retorno à maquete individualmente ou com os pares a fim de novas interlocuções com o pesquisador a partir da exploração do dispositivo.

4.2. Construção da maquete

A maquete do acelerador de partículas foi construída como sendo a analogia funcional do Sirius. Foi feita a opção pela construção de uma maquete de baixo custo com materiais que podem ser facilmente encontrados em papelarias (emborrachado, cola de silicone, fita adesiva colorida), lojas de material de construção (dobradiças, parafusos, fios de arame, mangueiras transparentes, caixa de acrílico, placas de MDF de diferentes tamanhos) e de equipamento eletrônico (componentes Arduino UNO R3, cabos USB, LEDs RGB vermelhos e brancos, potenciômetros lineares, e fios condutores). O desenho do layout da maquete é mostrado na Figuras 2 e 3.

Figura 2
Layout da maquete do acelerador de partículas. Fonte: Autoria Própria, 2024.
Figura 3
Layout do anel interno e externo do acelerador de partículas. Fonte: Autoria Própria, 2024.

No Arduino, o microcontrolador ATMega328P é o cérebro que executa o código de programação recebido. As portas digitais são pinos que podem ser usados como entrada ou saída digital para conectar dispositivos externos. Os inputs analógicos servem para leitura de sinais analógicos, úteis para sensores que geram sinais variáveis. O conector de alimentação fornece energia ao Arduino. O conector USB é usado para carregar o código no Arduino e para comunicação serial e o botão de reset reinicia o programa em execução. No software do Arduino, realizamos programação para controle dos LEDs possibilitando variar a intensidade luminosa, o que simula o movimento das partículas.

Nas Figuras 4 e 5 temos uma representação aproximada da montagem dos componentes eletrônicos e sua integração na maquete do Acelerador de Partículas.

Figura 4
Montagem com Arduino do Anel Interno. Fonte: Autoria Própria, 2024.
Figura 5
Montagem com Arduino do Anel Externo. Fonte: Autoria Própria, 2024.

5. Análise e Discussões dos Resultados dos Dados

A análise dos dados se deu a partir da aplicação de dois instrumentos. A técnica de leitura de quadrante proposta por Oliveira [22[22] A.D. Oliveira, Biodiversidade e museus de ciências: um estudo sobre transposição museográfica nos dioramas. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, (2010).], aplicada a maquete, e a análise interpretativa das respostas dos alunos às questões já apresentadas anteriormente.

Tratamos os resultados dividindo em dois blocos, o primeiro que remete às potencialidades didáticas identificadas na maquete construída e o segundo que trata dos resultados explicitados pelos estudantes durante a vivência da primeira etapa de SEI que consistiu na exploração da maquete.

5.1. A maquete e suas potencialidades didáticas

A Figura 6 apresenta a maquete funcional do Sirius construída e no Quadro 2 temos a sistematização da aplicação da técnica de leitura de quadrante ao objeto didático.

Figura 6
Maquete finalizada do Sirius. Fonte: Autoria Própria, 2024.
Quadro 2
Aplicação da técnica de leitura de quadrantes proposta por Oliveira [22[22] A.D. Oliveira, Biodiversidade e museus de ciências: um estudo sobre transposição museográfica nos dioramas. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, (2010).] buscando identificar as potencialidades didáticas da maquete.

Observamos, no Quadro 2, diversos objetivos que emergem a partir da exploração da maquete, alguns dos quais foram amplamente exploradas, como por exemplo, a representação tridimensional do acelerador, a manipulação dos potenciômetros e a legenda sinalizando os componentes que constituem a maquete, outras possibilidades não foram tão exploradas neste primeiro momento da SEI. Os demais elementos de suporte foram apresentados e perpassaram as discussões promovidas com os grupos, entretanto, as atividades de consulta e de busca poderiam ou não ser realizadas pelos estudantes durante esta etapa.

Aqui destacamos que a exploração da maquete se dá em um sentido que se contrapõe ao ensino experimental, na prática corrente do ensino de ciências, e do mito criado em torno dele. Lima [24[24] M.E.C. Lima, Aprender Ciências: um mundo de materiais (Editora UFMG, Belo Horizonte, 2004).] pontua que muitas vezes o professor, após apresentar a teoria, conduz seus alunos para o laboratório para que eles possam confirmar, na prática, a verdade de tudo que lhes foi apresentado. Ou ainda, acredita que seus alunos possam ter, através da experimentação, um acesso direto às propriedades dos objetos expressas nos enunciados das teorias científicas. Neste caso, as práticas seguem roteiros rigidamente estruturados, visto que se ancoram em princípios universais e imutáveis, deixando pouco espaço para intervenções ou exercício da criatividade por parte dos alunos.

Ou seja, a abordagem da maquete se dá em uma perspectiva de problema experimental investigativo que extrapola os limites do laboratório em direção ao cotidiano da sala de aula e às vivências dos estudantes. Neste sentido a experimentação é o elemento de dialogia entre o aprendiz e o objeto do seu conhecimento, ela se configura num convite à ação, seja ela material, discursiva ou mental.

Para além, da comparação com o objeto real e exploração do fenômeno de geração da luz síncrotron, existem outras relações conceituais que podem ser exploradas conforme sinalizado a seguir:

  • Discutir o que é uma boa fonte de luz em função de sua utilização. Há possibilidade de, a partir de uma analogia com uma lanterna, abordar conceitos como: área emissora, abertura angular, sinal de ruído, brilho, emitância. A discussão oportuniza a compreensão dos motivos pelos quais as características da luz síncrotron implicam em múltiplas possibilidades de utilização para a exploração de materiais ao nível atômico e molecular. Outro exemplo do uso de analogias para a exploração de conceitos envolvidos na geração da luz síncrotron e suas características pode ser visto no estudo de Acioly, Neto e Santos [25[25] V. Acioly, T.B. Neto e A.C.F. Santos, Momentum: Physics Education Journal 7, 331 (2023).].

  • Discutir a emissão de radiação eletromagnética. Há possibilidade de abordar conceitos como: abertura angular, fonte emissora, potência, velocidade da luz, radiação eletromagnética. A partir da exploração da maquete seria possível a compreensão de como a radiação eletromagnética é gerada ao se acelerar partículas, numa trajetória circular, próximas à velocidade da luz.

  • Compreender a diferença entre famílias de aceleradores. Neste caso, pode-se utilizar a maquete para discutir a diferença entre os aceleradores colisores e os aceleradores geradores de luz síncrotron. Enquanto os aceleradores colisores, por exemplo, do LHC, trabalham na escala de quarks e buscam investigar momentos próximos à origem do universo e a estrutura mais fundamental da matéria, a partir da aceleração de prótons em altíssimas energias de forma que haja uma colisão entre essas partículas. No acelerador de luz síncrotron se trabalha na escala de átomos, moléculas e ligações químicas e se busca investigar materiais, a partir da aceleração de elétrons, que quando desviados emitem a radiação síncrotron. Assim, eles são parentes do ponto de vista tecnológico, mas têm objetivos distintos.

  • Discutir a relação entre o tamanho dos pacotes de elétrons e a geração dos aceleradores. Neste caso há possibilidade de abordar conceitos como: pacote de elétron, abertura angular, brilho, emitância e sua interrelação, visto que quando mais confinados estiverem os pacotes de elétrons, menor a emitância e maior o brilho produzido pelo equipamento. É esta relação que, em última instância, determina as gerações tecnológicas dos aceleradores de luz síncrotron. O Sirius tem uma emitância de 0,28 nm.rad, ou seja, possibilitando experimentos de varredura com resolução nanométrica, permitindo, por exemplo, que se realize uma tomografia de nano objetos e células individuais.

Desta forma, observamos os diversos caminhos que podem ser trilhados, evidenciando a versatilidade do dispositivo que não deve ser visto de forma engessada e nem considerado uma representação simplificada ou reducionista da ciência. A “vigilância epistemológica” tem indicado que, se por um lado, o conhecimento ensinado ou divulgado se mantém na relação de distância e aproximação com o saber de referência, por outro lado, ele também deve se adequar a uma dada realidade e contexto e a diversas práticas sociais [20[20] Y. Chevallard, La transposición didáctica: del saber sábio ao saber enseñado (Aique Grupo Editor, Buenos Aires, 1991).].

A nossa opção para abordagem do dispositivo foi direcionada para o fenômeno de geração da luz síncrotron e divulgação do acelerador. Assim, compreendemos que este caminho trouxe limitações inerentes do ponto de vista conceitual, tanto no que se refere a não explicitação mais clara de alguns conceitos, quanto às ausências de outros que poderiam estar presentes. Justamente por este motivo, sinalizamos outros percursos conceituais possíveis, cientes de termos escolhido um bom caminho, como ponto de partida, para tornar o conhecimento acessível e adequado ao nosso público-alvo.

5.2. Resultados referente a Primeira Etapa da SEI – Exploração da maquete com alunos dos cursos de licenciaturas

Como mencionado anteriormente, a primeira etapa da SEI consistiu na exploração da maquete didática, com estudantes de diversos cursos de Licenciatura. Apresentamos a sistematização das suas respostas ao conjunto de perguntas proposto com o intuito criar um ponto de partida, e estimular um processo de problematização ativo. As questões buscaram explorar o uso da maquete em uma perspectiva de analogia com o objeto real, acelerador de partículas Sirius, e como objeto concreto para exploração do processo de geração da luz síncrotron.

Os Quadros 3, 4, 5 e 6 exibem as respostas referentes as questões problematizadoras.

Quadro 3
Respostas dos estudantes sobre papel dos componentes no aparato experimental (Questão 1).
Quadro 4
Respostas dos estudantes sobre o motivo do formato circular do acelerador (Questão 2).
Quadro 5
Respostas de alguns estudantes sobre o componente responsável pelo aumento da velocidade das partículas (Questão 3).
Quadro 6
Respostas dos estudantes sobre a função das cabines experimentais (Questão 4).

Na Questão 1, foi perguntado se os estudantes conseguiriam identificar alguns componentes da maquete e qual seria a função deles. Analisando o Quadro 3, é possível perceber duas tendências, os estudantes que nomearam os componentes e mencionam sua função (Estudantes 1, 2, 3, 4, 5, 7, 10, 11, 15, 22 e 25) e aqueles que buscaram fazer uma associação entre os elementos concretos observáveis da maquete, como por exemplo, os fios de cobre, os LEDs ou as mangueiras, e o que eles representavam no acelerador real (Estudantes 6, 8, 9, 12, 14, 17, 18, 19, 24 e 26). Apenas o Estudante 16 estruturou uma resposta mais voltada para o processo de geração da luz síncrotron. Ao usar a expressão “tangencialmente”, indicou um conhecimento físico do processo, já que é um dos motivos pelo qual o acelerador tem o formato circular. Também mencionou outros termos, como “redes magnéticas”, “cabines experimentais” e “luz síncrotron”, demonstrando uma compreensão mais sofisticada. O Estudante 23 simplesmente citou os componentes sem, no entanto, explicitar sua função.

Observamos também diferenças consideráveis no número de componentes mencionados entre os estudantes, alguns só mencionam os ímãs, enquanto outros mencionam distintos componentes como ímãs, tubos, cabines experimentais e LEDs. Alguns estudantes mencionam elementos adicionais, como o Estudante 6 que destacou que as cabines experimentais tem nomes em homenagem à fauna e flora do Brasil e o Estudante 14 que destacou o uso da robótica no funcionamento da maquete. As respostas com relação à função dos ímãs também variaram, desde direcionar elétrons, até gerar campos magnéticos. A maioria dos estudantes destacou o papel crucial dos ímãs nesse processo e fez referência aos tubos como parte do acelerador.

De acordo com CNPEM [2[2] Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, Projeto Sirius: a nova fonte de luz síncrotron brasileira (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, Campinas, 2014).], os aceleradores de partículas são frequentemente construídos em forma circular devido à necessidade de manter partículas carregadas em trajetórias circulares através da aplicação de campos magnéticos. O feixe de partículas percorre a mesma trajetória circular por várias vezes, acelerado a cada volta devido à presença de campos elétricos e magnéticos que dão novos impulsos às partículas. Isso permite que elas ganhem energia de forma contínua, alcançando velocidades muito elevadas. O formato circular é eficaz para manter as partículas em órbita controlada, facilitando experimentos e observações.

Ao analisar o Quadro 4, notamos que um número significativo de estudante (Estudante 5, 7, 8, 10, 12, 13, 14, 15,18, 21, 22, 25 e 26), que estruturam respostas que consideram um ou mais aspectos, entre os mencionados no parágrafo anterior. Fica evidente que houve uma compreensão de que o design do acelerador visa eficiência, no processo de aceleração dos elétrons e economia de recursos.

Outro grupo de estudantes (Estudantes 16, 17,19, 20, 23 e 24) estruturou explicações nas quais se estabeleceu uma relação entre os aspectos anteriormente mencionados. E por fim, houve um pequeno grupo (Estudantes 1, 2, 3, 4 e 6) que apenas mencionou, “para energia ir do centro para a borda” como motivo para design no formato circular.

Através do Quadro 5, observamos que a maioria dos estudantes destacou os ímãs como componente-chave para acelerar os elétrons. Alguns mencionaram a interação com o campo magnético e usaram alguns termos como elétrons, campo magnético, redes magnéticas, eletroímãs, eletromagnéticos, o que indicou uma apropriação de nomenclatura técnica e científica para descrever o processo, em questão.

Também se observou que algumas respostas forneceram detalhes específicos sobre os ímãs, como alternância de polarização e geração de campos magnéticos. Outros mencionaram componentes para além dos ímãs, como o canhão de partículas (Estudante 26), redes magnéticas ou booster (Estudante 9).

A partir da análise do Quadro 6, observamos uma variedade de interpretações sobre o propósito e funcionamento das cabines experimentais. Algumas respostas (Estudantes 1, 2 e 5) destacaram que os nomes dados a elas são uma homenagem à fauna e flora brasileira, enquanto outras (Estudantes 1, 10, 23 e 26) mencionaram que papel das cabines seria armazenar energia, o que está incorreto. De forma mais ampla, houve uma compreensão em relação ao papel das cabines como espaços para a realização de pesquisas científicas.

Algumas respostas mencionaram detalhes sobre o tipo de pesquisa que pode ser realizada nas estações, incluindo a seleção de uma faixa de frequência (Estudante 11), o que, de fato, ocorre ainda na linha de luz e não na cabine experimental, propriamente dita. Há ainda respostas que contemplaram duas tendências, a primeira na qual a luz síncrotron é utilizada como ferramenta de pesquisa (Estudantes 16, 17, 19, 21 e 24) e a segunda na qual a luz é o objeto da investigação (Estudantes 7 e 20).

De forma geral, ao considerarmos o conjunto de questionamentos propostos, observamos que a maioria dos estudantes demostram alguma compreensão sobre o processo de geração da luz síncrotron. A maioria dos estudantes conseguiu explicar o funcionamento do acelerador de partículas, destacando elementos como aceleração, campos magnéticos e a geração de luz síncrotron. Também houve um reconhecimento generalizado dos benefícios potenciais do acelerador Sirius em diversas áreas, como saúde, meio ambiente, indústria e pesquisa acadêmica.

6. Considerações Finais

Nossa pesquisa se propôs a investigar o papel da maquete, enquanto um dispositivo didático, para a abordagem da luz síncrotron e divulgação do acelerador de partículas brasileiro Sirius, a partir da técnica de leitura de quadrante, aplicada a maquete, e a análise interpretativa das respostas dos licenciandos.

A técnica da leitura de quadrante revelou que o dispositivo possibilita o desenvolvimento de múltiplos objetivos, explicitando as ações e as motivações esperadas, bem como os procedimentos a partir dos quais elas poderiam ser desenvolvidas. Nesta primeira etapa da SEI foram explorados com maior ênfase a representação tridimensional do acelerador e a comparação com o objeto real, a manipulação dos potenciômetros afim de visualizar o processo de aceleração dos elétrons e a legenda sinalizando os componentes que constituem a maquete, uma vez que na atividade proposta eles precisavam ser localizados, nomeados e explicitada sua funcionalidade na geração da luz síncrotron.

Com relação à análise interpretativa das respostas dos licenciandos, às questões problematizadoras lançadas, observamos indícios de uma apropriação de conceitos, que não ocorre de forma ampla para todos, haja visto que, o fenômeno de geração da luz síncrotron tem natureza abstrata e está fortemente relacionado à Física de partículas, que não é a área de conhecimentos de muitos dos estudantes que participaram da intervenção. A abordagem multimodal possibilitou ir além da compreensão básica dos termos, abrangendo a compreensão do fenômeno em si e o papel do acelerador na pesquisa científica brasileira, bem como na ampliação do olhar para a tomada de decisões sobre questões de ciência e tecnologia.

As análises realizadas sugerem um ponto de partida promissor para o desenvolvimento da SEI, possibilitando futuras explorações e aprimoramentos na compreensão dos estudantes sobre os aceleradores de partículas, o Sirius e a geração da luz síncrotron, bem como suas implicações nas diversas esferas da sociedade.

Agradecimentos

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de doutorado.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2024
  • Revisado
    13 Maio 2024
  • Aceito
    22 Maio 2024
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