Resumos
A natureza da luz sempre intrigou a humanidade. Entre os textos dos antigos gregos que sobreviveram até nossos dias, é frequente menções sobre a luz e sua natureza. O primeiro livro conhecido sobre óptica é atribuído a Euclides no século III a.C. O fenômeno da refração, embora conhecido há milênios, resistiu a uma explicação matemática até a idade moderna. W. Snellius (Snell) foi o primeiro a apresentar a equação correta que relacionasse os ângulos de incidência, refração e velocidades da luz em cada meio em uma refração, mas não publicou seus resultados. A publicação foi feita por René Descartes. Esse resultado é conhecido hoje como lei de Snell-Descartes ou lei da refração. Descartes tratou a luz como partícula em sua dedução. Huygens, no século XVII, também deduziu essa lei, mas tratando a luz como onda. Esses resultados diferiam quanto à velocidade da luz em meios mais refringentes. A medida da velocidade só foi possível no século XIX e corroborou o resultado de Huygens indicando a natureza ondulatória da luz. O interessante é que Einstein, em 1905, explica o efeito fotoelétrico tratando a luz como partícula (quantum de energia). Mas se a luz possui também um comportamento corpuscular, não deveria ser possível obter a lei de Snell-Descartes tratando-a dessa forma? Nesse trabalho, mostraremos que é possível obter essa lei partindo da hipótese corpuscular da luz. Além do forte apelo didático, o trabalho faz uma interessante discussão sobre a história do entendimento atual da ciência sobre a natureza da luz.
Palavras-chave: Óptica; Lei de Snell-Descarets; Física; Natureza da Luz
The nature of light has always intrigued humanity. Among the texts of ancient Greeks that have survived to our days, there are frequent mentions of light and its nature. The first known book on optics is attributed to Euclid in the 3rd century BCE. The phenomenon of refraction, although known for millennia, resisted a mathematical explanation until the modern age. W. Snellius (Snell) was the first to present the correct equation that related the angles of incidence, refraction, and the speeds of light in each medium during refraction, but he did not publish his results. The publication was made by René Descartes. This result is now known as Snell-Descartes’ law or the law of refraction. Descartes treated light as a particle in his deduction. Huygens, in the 17th century, also deduced this law but treated light as a wave. These results differed in terms of the speed of light in more refractive media. The measurement of speed became possible only in the 18th century and corroborated Huygens’ result, indicating the wave nature of light. Interestingly, in 1905, Einstein explained the photoelectric effect by treating light as a particle (quantum of light). But if light also exhibits corpuscular behavior, shouldn’t it be possible to derive Snell-Descartes’ law by treating it this way? In this work, we will demonstrate that it is possible to derive this law from the corpuscular hypothesis of light. Besides its strong didactic appeal, the work engages in an interesting discussion of the current understanding of science regarding the nature of light.
Keywords: Optics; Snell-Descartes’ Law; Physics; Nature of Light
1. Introdução
Desde a antiguidade, a natureza da luz tem intrigado a humanidade. Os primeiros filósofos acreditavam na natureza corpuscular da Luz. Demócrito (460–357 a.C.), por exemplo, acreditava que a luz era composta de partículas que emanavam dos objetos e alcançavam o olho humano. Postura coerente com seu atomismo. Para os pitagóricos, no entanto, a visão se dava por algo emitido pelo olho e Platão (428–348 a.C.) adotava o ponto intermiediário: raios emitidos pelo olho e pelos objetos luminosos causam a visão ao se encontrarem. Para Aristóteles (384-322 a.C.), no entanto, a luz decorria de uma atividade em determinado meio. Ele deu essa explicação por comparação com seus conhecimentos sobre a natureza vibratória do som. Nesse sentido, podemos creditar a Aristóteles a primeira proposta da luz como onda [1, 2].
O primeiro livro de Óptica é atribuído a Euclides, escrito por volta de 300 a.C. Nesse livro, Euclides estuda a reflexão da luz pelos espelhos. Ele faz um tratamento puramente geométrico e não discute a natureza da luz. Euclides apresenta nessa obra a proposição de que na reflexão os ângulos de incidência e reflexão são iguais. Essa proposição seria provada posteriormente por Heron de alexandria em 60 d.C. [3]
No século II, Cláudio Ptolomeu mediu experimentalmente os ângulos de incidência e refração quando a luz passava do ar para a água. Ele não apresentou, no entanto, uma equação que relacionasse esses ângulos [4]. No século X devemos aos árabes grandes avanços na óptica. Ibn Sahl e Al-Haitam são os responsáveis pela regra da direção dos raios luminosos refratados, de que o ângulo de refração só é proporcional ao ângulo de incidência para pequenos ângulos e a proposição de que a refração se dá por conta de uma mudança na velocidade de propagação da luz ao passar de um meio para outro [3].
Posteriormente acreditou-se que a lei correta para a refração seria
com e sendo os ângulos de incidência e refratados, respectivamente e k3 uma constante para cada par de meios. Em 1604, na obra Ad Vitellonum Paralipomena, J. Kepler apresenta a seguinte equação para relacionar os ângulos de incidência e refração
embora essa ainda não seja a expressão correta, apresenta maior acordo com os dados experimentais que as apresentadas anteriormente [5].
A lei correta da refração, tal como a conhecemos hoje, foi publicada primeiramente por Descartes em 1637 no seu livro Dióptrica. A lei atesta que em uma refração, a razão entre o seno do ângulo de incidência e o seno do ângulo refratado é uma constante. Há indícios de que essa lei já tinha sido obtida por Thomas Harriot por volta de 1600. Por volta de 1621–1625, Willebrord Snel, também apresenta essa mesma lei em seus manuscritos que nunca foram publicados e estão perdidos [5, 3]. Essa lei pode ser encontrada na literatura com pelo menos quatro nomes diferentes: lei da refração, lei de snell, lei de Snell-Descartes ou lei de Descartes (França).
Descartes faz uma dedução dessa lei difícil de ser acompanhada, uma vez que na demonstração ele não faz uso nem da trigonometria nem de álgebra, embora ambos os conceitos fossem bem conhecidos na época. Em sua dedução, Descartes faz uma analogia da refração com uma bola de tênis que colide contra uma tela de tecido fino [3]. Nessa abordagem, portanto, fica claro que Descartes tratava a natureza da luz como sendo corpuscular.
No século XVII, Pierre de Fermat apresenta uma dedução da lei de Snell-Descartes fazendo uso do princípio de que a luz percorre o caminho de mínimo tempo entre dois pontos. Esse princípio levou Hamilton a reformular toda a mecânica em termos do princípio da mínima ação no século XIX. Fermat, no entanto, não se preocupa com a natureza da luz.
Em 1678, Christian Huygens, escreveu sua obra Tratado sobre a luz, onde defende a natureza ondulatória da luz. Sua obra seria publicada apenas em 1690. Huygens apresenta uma dedução da lei de Snell-Descartes fazendo um tratamento puramente ondulatório da luz [3].
A única diferença prática na dedução de Descartes e Huygens, é que no primeiro caso, a lei tinha como consequência que a velocidade da luz seria mais rápida em um meio mais refringente que em um meio menos refringente. Ou seja, a luz se moveria mais rápido na água que no ar, por exemplo. Já na dedução de Huygens, a luz se moveria mais rápido no meio menos refringente do que no meio mais refringente. Experimentos capazes de medir a velocidade da luz só foram possíveis no século XIX.
Newton publica seu seminal Óptica em 1704. Uma obra que ainda hoje se mostra atual e figura entre as maiores obras científicas de todos os tempos, além de ser, entre essas, uma das mais acessíveis também. Em relação à natureza da luz, é difícil identificar o que Newton realmente pensava. Fica claro, no entanto, que ele tinha dúvidas sobre se a luz possuía natureza corpuscular ou ondulatória. Sua dedução da lei de snell-Descartes segue mais a linha mecanicista, tal como Descartes, e chega ao mesmo resultado dele1[5].
A discussão sobre se a natureza da luz era corpuscular ou ondulatória dividiu a comunidade cinetífica até o século XIX. Em 1801 Thomas Young apresenta seu famoso experimento de dupla fenda no qual mostra que a luz pode apresentar interferência e difração, comportamentos tipicamente ondulatórios. Nesse experimento, uma luz coerente passa através de duas fendas estreitas (espessura da mesma ordem de tamanho do comprimento de onda da luz) e é captada em um anteparo posicionado depois da fenda [1]. Uma versão esquemática do experimento de Young pode ser visto na Figura 1.
O experimento de Young, juntamente com os trabalhos de Augustin-Jean Fresnel (1788–1827), convenceram a comunidade da natureza ondulatória da luz. Na sequência, Hippolyte Fizeau (1849) e Léon Foucault (1850) realizaram, individualmente, experimentos em que a velocidade da luz pôde ser medida em vários meios diferentes. Esses experimentos mostraram que a velocidade da luz é menor nos meios mais refringentes que nos menos, corroborando a hipótese de Huygens (ondulatória) e não a de Descartes (corpuscular).
No final do século XIX, as equações de Maxwell vêm coroar a teoria ondulatória da luz ao mostrarem que os campos elétricos e magnéticos satisfazem uma equação de onda cuja velocidade coincide com a da luz. Esse resultado leva Maxwell a propor, e Hertz a comprovar experimentalmente, que a luz é uma onda eletromagnética [6]. A Figura 2 apresenta uma ilustração de uma onda eletromagnética. Os trabalhos de Maxwell foram responsáveis por unificar a óptica e o eletromagnetismo.
No final do século XIX, no entanto, os cientistas não conseguiam explicar os resultados experimentais para medida da densidade de energia em uma cavidade de um corpo negro2. Os resultados teóricos usando a física clássica indicavam que a densidade de energia de um corpo negro deveria aumentar indefinidamente quando a frequência da radiação aumentava o que, além de ser absurdo, não estava de acordo com os experimentos. Esse problema ficou conhecido como catástrofe do ultravioleta. Para resolver esse problema, Max Karl Ernst Ludwig Planck, em 1900, propôs uma solução revolucionária: a energia não seria contínua, mas discreta, constituída por pequenos pacotes de energia, cada um denominado quantum de energia [1, 6, 7].
Além da catástrofe do ultravioleta, outro resultado experimental parecia não se adequar à teoria clássica de Maxwell: o efeito fotoelétrico. Nesse fenômeno, elétrons são ejetados de uma superfície metálica quando se incide determinada radiação sobre ela. Na teoria de Maxwell, a energia da radiação não depende da frequência, logo a energia dos elétrons ejetados não deveriam depender da frequência da luz incidente, apenas da intensidade. Mas os experimentos indicavam que ao se aumentar a intensidade da radiação incidente, mais elétrons eram ejetados, mas não com maior energia. Para aumentar a energia dos elétrons ejetados era necessário aumentar a frequência da radiação incidente. Isso não podia ser explicado pela teoria clássica [1, 6, 7].
Em 1905, em um de seus cinco artigos que revolucionaram a física, Einstein utiliza a ideia de quantum de energia, proposta por Planck, para explicar o fenômeno fotoelétrico. Segundo essa ideia, a luz é constituída por pacotes discretos de energia e a energia desses pacotes é dada por
onde h é a constante de Planck e f é a frequência da radiação. A constante de Planck posui valor de J.s. Nesse sentido, a proposta é que a luz se comporta como partícula no fenômeno do efeito fotoelétrico. A proposta de Einstein não é dizer que a luz seria partícula, mas que ela tem o que chamamos de comportamento dual, uma dualidade onda-partícula. Ela se manifestará de uma forma ou de outra dependendo do fenômeno que você observa. Essa é a visão aceita atualmente pela comunidade científica. Interessante que em 1926, De Broglie, nos mostra que essa dualidade não é propriedade exclusiva da luz, a matéria também apresenta esse comportamento [1, 6, 7].
Se o entendimento atual da física é que a luz apresenta um comportamento dual, não deveríamos ser capazes de demonstrar a lei de Snell-Descartes tratando-a, também, como partícula e chegado ao mesmo resultado obtido por Huygens? Nesse trabalho mostraremos que sim. Para tanto, usaremos a ideia de quantum de energia proposto por Einstein e o momento relativístico. Nas referências [8, 10] e na referência [9, p. 11] o leitor também poderá encontrar a dedução da lei da refração tratando a luz como quantum de energia.
O trabalho está estruturado da seguinte forma. Na seção2 2. Dedução de Descartes Descartes, em sua dedução da lei, argumenta que a luz, na refração, se comporta como uma bola de tênis que colide com um tecido fino. Ele considera que na passagem de um meio para outro, a luz não sofra mudança na componente tangencial da velocidade ao plano da interface entre os meios. Segundo essa hipótese, só há mudança na componente perpendicular da velocidade ao plano da interface. Na Figura 3, vemos o esquema de um raio de luz sofrendo refração ao passar do meio 1 para o meio 2. Figura 3 Figura esquemática de um raio de luz sofrendo refração ao passar do meio 1 para o meio 2. Seja vx1 a componente tangencial da velocidade do raio de luz no meio 1 e vx2 a componente tangencial da velocidade do raio de luz no meio 2. Pela suposição de Descartes, v x 1 = v x 2 , logo, (1) v 1 sen θ i = v 2 sen θ r , que é a forma da lei apresentada por Descartes. Já se sabia experimentalmente que quando a luz passa de um meio menos refringente (como o ar) para outro meio mais refringente (como a água), o raio de luz se aproxima da normal após a refração. Nesse caso, como θi>θr, o resultado de Descartes nos diz que v2>v1. Ou seja, a luz deve se mover mais rápido em um meio mais refringente (água) do que em um menos refringente (ar)3. Na época de Descartes não se conhecia experimentalmente a velocidade da luz nem no vácuo nem em nenhum meio e portanto não era possível verificar esse resultado. Conforme já comentamos, as medidas experimentais da velocidade da luz na terra e na água só aconteceram no século XIX. apresentaremos a dedução de Descartes de sua lei tratando a luz como partícula. A dedução de Huygens tratando a luz como onda será feita na seção3 3. Dedução de Huygens Huygens apresenta uma dedução da lei da refração tratando a luz como uma onda e fazendo uma abordagem puramente geométrica. Para isso, ele lançou mão de uma técnica que lhe permitia descobrir onde estaria uma frente de onda em qualquer instante futuro se conhecesse sua posição atual. Uma ilustração esquemática de frentes de ondas pode ser visto na Figura 4. Figura 4 Figura ilustrativa das frentes de onda em uma onda plana. Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Frente_de_ondahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Frente_de_onda, acesso em 22/11/2023. Essa construção se baseia no que ficou conhecido como princípio de Huygens e pode ser enunciado da seguinte forma: Todos os pontos de uma frente de onde se comportam como fontes pontuais de ondas secundárias. Depois de um intervalo de tempo t a nova posição da da frente de onda é dada por uma superfície tangente a essas ondas secundárias. A velocidade de propagação da onda é característico do meio onde ela se propaga [6]. Na Figura 5 podemos ver uma ilustração de uma onda luminosa sofrendo refração segundo o princípio de Huygens, os pontos amarelos representam novas fontes pontuais de luz. Figura 5 Figura ilustrativa do comportamento de uma onda luminosa e suas fontes secundárias em uma refração. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Princípio_de_Huygenshttps://pt.wikipedia.org/wiki/Princípio_de_Huygens, acesso em 22/11/2023. Para deduzirmos a lei de Snell-Descartes fazendo uso da teoria ondulatória, faremos uso do esquema de como se comporta uma frente de onda em uma refração, conforme apresentado na Figura 6. A frente de onda representada pelo segmento de reta de A a B, de comprimento L, viaja em direção à interface entre os meios 1 e 2. A direção de propagação da onda forma um ângulo θi com a normal à interface entre os meios. Observe que quando o ponto A da frente de onda atinge a interface, o ponto B ainda está a uma distância Ltanθi dela. Depois que o ponto A atinge a interface, o ponto B gastará L tan θ i v 1 , Figura 6 Figura ilustrativa das frentes de onda antes e depois de uma refração. unidades de tempo para atingir a interface. v1 representa a velocidade da onda no meio 1. Nesse tempo, o ponto A terá viajado até o ponto C no meio 2. Estamos considerando como sendo θr o ângulo que a direção de propagação da onda faz com a normal à interface no meio 2. A distância entre os pontos A e C é dada por v 2 L tan θ i v 1 , onde v2 é a velocidade de propagação da onda no meio 2. Nesse momento, a frente de onda é dada pelo segmento de reta de C a D, que forma um ângulo reto com a direção de propagação da onda. Ou seja, o triângulo com vértices em A, C e D forma um triângulo retângulo (assim como o triângulo com vértices em A, B e D) com hipotenusa sendo o segmento de reta de A a D que possui comprimento L cos θ i . Dessas considerações, podemos concluir (verifique a Figura 6) que sen θ r = v 2 L tan θ i v 1 L cos θ i = tan θ i cos θ i v 2 v 1 , como tanθ=senθ/cosθ, obtemos que sen θ r = v 2 v 1 sen θ i , ou ainda (2) v 2 sen θ i = v 1 sen θ r . Que é a dedução de Huygens para a lei da refração fazendo um tratamento corpuscular para a luz [3]. Observe que em relação a dedução de Descartes (Equação (1)), a dedução de Huygens (Equação (2)) possui as velocidades v1 e v2 trocadas. Com isso, pela dedução de Huygens, ao contrário da de Descartes, a luz viaja mais lentamente em um meio mais refringente do que em um meio menos refringente. . A seção4 4. Dedução como quantum de energia Para uma dedução da lei de Snell-Descartes tratando a luz como quanta de energia(fóton), faremos uma suposição análoga à de Descartes. Descartes considerou que na refração a componente tangencial à interface entre os meios da velocidade não se alterava, consideraremos aqui que é a componente tangencial do momento relativístico da luz que não se altera na refração4. A utilização do momento relativístico é necessário já que estamos tratando da propagação da luz, ou seja, estamos no domínio relativístico5. Dessa forma, na refração da luz de um meio 1 para um meio 2 teremos, p x 1 = p x 2 , onde px corresponde à compoente tangencial à interface entre os meios do momento relativístico da luz. Tomando uma situação conforme apresentada na Figura 3, podemos escrever p 1 sen θ i = p 2 sen θ r . O momento relativístico de um fóton é dado por p=h/λ, em que h é a constante de Planck e λ é o comprimento de onda da luz6. Logo, h λ 1 sen θ i = h λ 2 sen θ r . Lembrando que frequência, comprimento de onda e velocidade de uma onda se relacionam por v=λf, vem f v 1 sen θ i = f v 2 sen θ r . Como não há mudança na frequência durante uma refração, podemos escrever 1 v 1 sen θ i = 1 v 2 sen θ r , ou ainda v 2 sen θ i = v 1 sen θ r . Que é a forma correta da lei de Snell-Descartes e coincide com a Equação (2) obtida por Huygens. será dedicada a fazer a dedução da lei de Snell-Descartes tratando a luz como um quantum de energia. As conclusões do trabalho são apresentadas nan seção5 5. Conclusões Nesse trabalho apresentamos uma discussão interessante e didática sobre a evolução do entendimento científico sobre a natureza da luz. Abordamos os principais avanços para a elucidação tanto qualitativa quanto quantitativa do fenônome de refração e como esse desenvolvimento ajudou no entendimento da natureza da luz. Apresentamos a dedução da lei da refração tratanto a luz como partícula creditada a Descartes e também a dedução feita por Huygens tratando a luz como onda. Finalmente, utilizando a compreensão mais moderna sobre a natureza dual da luz, apresentamos uma dedução da lei da refração fazendo uso da luz como quanta de energia (fóton). Essa dedução se deu lançando mão do momento relativístico de um fóton. O trabalho tem um forte apelo didático e contribui com o aumento da oferta de trabalhos sobre esse tema – a luz como partícula na refração – escritos em língua portuguesa. .
2. Dedução de Descartes
Descartes, em sua dedução da lei, argumenta que a luz, na refração, se comporta como uma bola de tênis que colide com um tecido fino. Ele considera que na passagem de um meio para outro, a luz não sofra mudança na componente tangencial da velocidade ao plano da interface entre os meios. Segundo essa hipótese, só há mudança na componente perpendicular da velocidade ao plano da interface.
Na Figura 3, vemos o esquema de um raio de luz sofrendo refração ao passar do meio 1 para o meio 2.
Seja vx1 a componente tangencial da velocidade do raio de luz no meio 1 e vx2 a componente tangencial da velocidade do raio de luz no meio 2. Pela suposição de Descartes,
logo,
que é a forma da lei apresentada por Descartes.
Já se sabia experimentalmente que quando a luz passa de um meio menos refringente (como o ar) para outro meio mais refringente (como a água), o raio de luz se aproxima da normal após a refração. Nesse caso, como , o resultado de Descartes nos diz que . Ou seja, a luz deve se mover mais rápido em um meio mais refringente (água) do que em um menos refringente (ar)3. Na época de Descartes não se conhecia experimentalmente a velocidade da luz nem no vácuo nem em nenhum meio e portanto não era possível verificar esse resultado. Conforme já comentamos, as medidas experimentais da velocidade da luz na terra e na água só aconteceram no século XIX.
3. Dedução de Huygens
Huygens apresenta uma dedução da lei da refração tratando a luz como uma onda e fazendo uma abordagem puramente geométrica. Para isso, ele lançou mão de uma técnica que lhe permitia descobrir onde estaria uma frente de onda em qualquer instante futuro se conhecesse sua posição atual. Uma ilustração esquemática de frentes de ondas pode ser visto na Figura 4.
Figura ilustrativa das frentes de onda em uma onda plana. Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Frente_de_ondahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Frente_de_onda, acesso em 22/11/2023.
Essa construção se baseia no que ficou conhecido como princípio de Huygens e pode ser enunciado da seguinte forma: Todos os pontos de uma frente de onde se comportam como fontes pontuais de ondas secundárias. Depois de um intervalo de tempo t a nova posição da da frente de onda é dada por uma superfície tangente a essas ondas secundárias. A velocidade de propagação da onda é característico do meio onde ela se propaga [6]. Na Figura 5 podemos ver uma ilustração de uma onda luminosa sofrendo refração segundo o princípio de Huygens, os pontos amarelos representam novas fontes pontuais de luz.
Figura ilustrativa do comportamento de uma onda luminosa e suas fontes secundárias em uma refração. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Princípio_de_Huygenshttps://pt.wikipedia.org/wiki/Princípio_de_Huygens, acesso em 22/11/2023.
Para deduzirmos a lei de Snell-Descartes fazendo uso da teoria ondulatória, faremos uso do esquema de como se comporta uma frente de onda em uma refração, conforme apresentado na Figura 6. A frente de onda representada pelo segmento de reta de A a B, de comprimento L, viaja em direção à interface entre os meios 1 e 2. A direção de propagação da onda forma um ângulo com a normal à interface entre os meios. Observe que quando o ponto A da frente de onda atinge a interface, o ponto B ainda está a uma distância dela. Depois que o ponto A atinge a interface, o ponto B gastará
unidades de tempo para atingir a interface. v1 representa a velocidade da onda no meio 1. Nesse tempo, o ponto A terá viajado até o ponto C no meio 2. Estamos considerando como sendo o ângulo que a direção de propagação da onda faz com a normal à interface no meio 2. A distância entre os pontos A e C é dada por
onde v2 é a velocidade de propagação da onda no meio 2. Nesse momento, a frente de onda é dada pelo segmento de reta de C a D, que forma um ângulo reto com a direção de propagação da onda. Ou seja, o triângulo com vértices em A, C e D forma um triângulo retângulo (assim como o triângulo com vértices em A, B e D) com hipotenusa sendo o segmento de reta de A a D que possui comprimento
Dessas considerações, podemos concluir (verifique a Figura 6) que
como , obtemos que
ou ainda
Que é a dedução de Huygens para a lei da refração fazendo um tratamento corpuscular para a luz [3].
Observe que em relação a dedução de Descartes (Equação (1)), a dedução de Huygens (Equação (2)) possui as velocidades v1 e v2 trocadas. Com isso, pela dedução de Huygens, ao contrário da de Descartes, a luz viaja mais lentamente em um meio mais refringente do que em um meio menos refringente.
4. Dedução como quantum de energia
Para uma dedução da lei de Snell-Descartes tratando a luz como quanta de energia(fóton), faremos uma suposição análoga à de Descartes. Descartes considerou que na refração a componente tangencial à interface entre os meios da velocidade não se alterava, consideraremos aqui que é a componente tangencial do momento relativístico da luz que não se altera na refração4. A utilização do momento relativístico é necessário já que estamos tratando da propagação da luz, ou seja, estamos no domínio relativístico5. Dessa forma, na refração da luz de um meio 1 para um meio 2 teremos,
onde px corresponde à compoente tangencial à interface entre os meios do momento relativístico da luz. Tomando uma situação conforme apresentada na Figura 3, podemos escrever
O momento relativístico de um fóton é dado por em que h é a constante de Planck e é o comprimento de onda da luz6. Logo,
Lembrando que frequência, comprimento de onda e velocidade de uma onda se relacionam por , vem
Como não há mudança na frequência durante uma refração, podemos escrever
ou ainda
Que é a forma correta da lei de Snell-Descartes e coincide com a Equação (2) obtida por Huygens.
5. Conclusões
Nesse trabalho apresentamos uma discussão interessante e didática sobre a evolução do entendimento científico sobre a natureza da luz. Abordamos os principais avanços para a elucidação tanto qualitativa quanto quantitativa do fenônome de refração e como esse desenvolvimento ajudou no entendimento da natureza da luz. Apresentamos a dedução da lei da refração tratanto a luz como partícula creditada a Descartes e também a dedução feita por Huygens tratando a luz como onda.
Finalmente, utilizando a compreensão mais moderna sobre a natureza dual da luz, apresentamos uma dedução da lei da refração fazendo uso da luz como quanta de energia (fóton). Essa dedução se deu lançando mão do momento relativístico de um fóton. O trabalho tem um forte apelo didático e contribui com o aumento da oferta de trabalhos sobre esse tema – a luz como partícula na refração – escritos em língua portuguesa.
Agradecimentos
Isabella D. Vicente agradece ao CEFET-MG e à FAPEMIG pelo apoio financeiro na proposta 10345-2022 do edital DPPG Nº 183/2022 do CEFET-MG.
Referências
- [1] J.F. Rocha, Origens e evolução das ideias da física (Edufba, Salvador, 2002).
- [2] G.R. Neto, Sci stud. 11, 873 (2013).
- [3] S. Weinberg, Para explicar o mundo (Cia das letras, São Paulo, 2015).
- [4] R.P. Feynman, R.B Leighton e M. Sands, The Feynman lectures on physics (Addison Wesley, Boston, 1977).
- [5] I. Newton, Óptica (Edusp, São Paulo, 2002).
- [6] D. Halliday, R. Resnick e J. Wlaker, Fundamentos de Física – Ótica e Física Moderna (LTC, Rio de Janeiro, 2023), v. 4.
- [7] R. Eisberg e R. Resnick, Física quântica (Elsevier, Rio de Janeiro, 1979).
- [8] D. Drosdoff e A. Widom, Am. J. Phys. 73, 973 (2005).
- [9] E.T. Whittaker, A History of the Theories of Aether and eletricity: The Classical Theories (Humanities Press, New York, 1973), v. 1.
- [10] A. Andrade-Neto e D. Andrade, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20200350 (2021).
- [11] S.M. Barnett e R. Loudon, Phil. Trans. R. Soc. A 368, 927 (2010).
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1
Newton apresenta uma dedução mais completa e sistemática que Descartes. Descartes postula que as velocidades nos diferentes meios são proporcionais, Newton deduz isso de seu tratamento [5].
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2
Um corpo negro, em física, é um sistema que absorve toda a radiação que incide sobre ele.
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3
Observe que esse resultado não possui nada de absurdo. O som, por exemplo, se move mais rápido na água do que no ar.
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5
É importante chamarmos a atenção para um fato muito interessante sobre o momento linear da luz em um meio material, trata-se do dilema Minkowski-Abraham. A origem desse dilema remonta a 1908 (Minkowski) e 1909–1910 (Abraham) e consiste em saber se o momentum do fóton no vácuo deve ser multiplicado pelo índice de refração do meio, n (Minkowski) ou dividido por n (Abraham). Nesse trabalho, adotamos a proposta de Minkowski. Uma boa referência sobre essa questão pode ser encontrado na referência [11]. Nela, os autores defendem que as duas abordagens estão corretas e que o dilema surge ao não se distinguir adequadamente momento cinético de momento canônico.
-
6
Pode parecer incoerente falar em comprimento de onda (e frequência) da luz no tratamento da mesma como quanta de energia, mas essa incoerência é apenas aparente. Devemos nos lembrar que nesse tratamento a luz, na verdade, possui um comportamento dual, uma dualidade onda-partícula.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Fev 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
28 Nov 2023 -
Revisado
17 Jan 2024 -
Aceito
18 Jan 2024