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Um indutímetro para laboratório didático de eletromagnetismo

An induction meter for electromagnetic teaching laboratory

Resumos

Neste artigo, discuto a construção de um indutímetro destinado a medidas de pequenas indutâncias em laboratórios didáticos de eletromagnetismo. Um oscilador empregando dois transístores produz um sinal cujo período pode ser medido com um osciloscópio e uma simples equação possibilita obter a indutância em microHenrys a partir do período em microssegundos. A função de transferência obtida para o indutímetro mostra uma boa precisão para medidas entre 5 e 1000 µH. Um exemplo de experimento em laboratório didático de eletromagnetismo com alunos e discussão dos resultados é apresentado.

indutímetro; laboratório; eletromagnetismo


In this paper, I discuss the building of an induction meter to be used in small-inductance measurements in second-year electromagnetics teaching labs. An oscillator employing two transistors produces a signal whose time period can be measured with an oscilloscope and a simple equation allows to obtain the inductance in microhenrys from the period given in microsseconds. The induction meter transfer function show a remarkable accuracy for measurements within the 5 to 1000 µH. An example of activity class in electromagnetic teaching lab with a group of students and a discussion of results is also presented.

induction meter; laboratory; electromagnetism


PRODUTOS E MATERIAIS DIDÁTICOS

Um indutímetro para laboratório didático de eletromagnetismo

An induction meter for electromagnetic teaching laboratory

Everton Lüdke1 1 E-mail: eludke@smail.ufsm.br

Departamento de Física, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil

RESUMO

Neste artigo, discuto a construção de um indutímetro destinado a medidas de pequenas indutâncias em laboratórios didáticos de eletromagnetismo. Um oscilador empregando dois transístores produz um sinal cujo período pode ser medido com um osciloscópio e uma simples equação possibilita obter a indutância em microHenrys a partir do período em microssegundos. A função de transferência obtida para o indutímetro mostra uma boa precisão para medidas entre 5 e 1000 µH. Um exemplo de experimento em laboratório didático de eletromagnetismo com alunos e discussão dos resultados é apresentado.

Palavras-chave: indutímetro, laboratório, eletromagnetismo.

ABSTRACT

In this paper, I discuss the building of an induction meter to be used in small-inductance measurements in second-year electromagnetics teaching labs. An oscillator employing two transistors produces a signal whose time period can be measured with an oscilloscope and a simple equation allows to obtain the inductance in microhenrys from the period given in microsseconds. The induction meter transfer function show a remarkable accuracy for measurements within the 5 to 1000 µH. An example of activity class in electromagnetic teaching lab with a group of students and a discussion of results is also presented.

Keywords: induction meter, laboratory, electromagnetism.

1. Introdução

Medidas de indutâncias em laboratórios de eletromagnetismo são essenciais para o aprendizado dos métodos de cálculo envolvidos na determinação de diversos indutores.

Como professor de laboratório de eletromagnetismo e teoria eletromagnética em cursos de física licenciatura e bacharelado, me deparo com a dificuldade de realizar experimentos com indutores de pequenas indutâncias (< 1 mH) para comprovação de diversos aspectos da teoria de cálculo de auto-indutância em solenóides lineares e toroidais, além de diversas geometrias que podem ser calculadas pela teoria eletromagnética, mas que podem somente ser comprovadas com a medida das indutâncias na faixa de mili ou micro-Henries.

Contudo, existem muitas dificuldades associadas com a determina cão de indutâncias, pois as pontes LCR digitais normalmente empregadas para esse fim, são de custo muito elevado e cobrem somente indutâncias mais altas (2 mH - 200 H), de modo que não são disponibilizadas rotineiramente em laboratórios didáticos de ensino de física e práticas de instrumenta cão para o ensino de física em universidades e escolas técnicas, onde a compra de um equipamento profissional não pode ser justificada dentro de orçamentos limitados.

Assim sendo, praticamente inexistem experimentos rotineiros que permitam ao aluno construir seus próprios indutores e medir as indutâncias para analisar diversos aspectos da teoria envolvida, a qual é de extrema importância em diversos setores da atual tecnologia.

Nesse artigo, apresento os detalhes de construção de um indutímetro simples, fácil de construir e de baixíssimo custo, com boa precisão de medidas indiretas de baixas indutâncias. Uma atividade didática para estudo da indutância em solenóides lineares para laboratório de física em nível universitário é também apresentada, assim como sugestões de conceitos a serem abordados como uma valiosa extensão pedagógica às práticas experimentais no estudo de componentes eletrônicos com propriedades magnéticas.

2. A construção do indutímetro

A teoria dos procedimentos padrão para medidas elétricas de L em ensaios de bancada estão descritos em [1]. Um procedimento direto consiste em analisar a curva tensão-corrente e obter L pela expressão V = L (dI/dt) empregando-se um osciloscópio e gerador de varredura [2]. Para linhas de transmissão como fio paralelo e cabo coaxial, a velocidade de propagação de pulsos pode ser medida, comparando-a com a velocidade de transmissão prevista conhecendo-se previamente a indutância e capacitância por unidade de comprimento da linha [3]. Outros métodos para altas indutâncias consistem em circuitos AC com topologia e resposta conhecidas [4,5], o método de ponte de Wheatstone indutiva [6], método da calorimetria [7], e a derminação de L pela caracterização da impedância complexa do dispositivo sob teste [8], além de demais ensaios circuitais [9].

Nesse trabalho, optei por uma implementação alternativa aos trabalhos acima mencionados empregando um método de boa reprodutibilidade, simplicidade e custo extremamente baixo, empregando um oscilador cuja frequencia de oscilação depende da indutância.

Os detalhes completos da construção do indutímetro estão mostrados na Fig. 1. O circuito consiste em um oscilador Clapp [10] onde um transístor bipolar supre as perdas e amortecimentos. Dois fios de 6 cm de comprimento conectam as garras-jacaré onde os terminais do indutor a ser medido são presos. O sinal de saída é periódico e seu período pode ser medido com um osciloscópio de pelo menos 10 MHz, analógico e de baixo custo.


Como a permeabilidade magnética relativa µr varia com o fluxo magnético para materiais ferromagnéticos normalmente empregados nos núcleos dos indutores, podendo chegar á saturação do material com valores elevados de campo no interior do indutor, deve-se construir um circuito de medidas de modo que percorra o dispositivo sob teste com um mínimo de corrente elétrica circulante, o que é conseguido facilmente pelo circuito proposto.

A frequencia f0 do oscilador Clapp é aquela de um circuito oscilador LC sem perdas, com um indutor desconhecido Lx conectado a um capacitor resultante obtido pela associação em série de C1,C2 e C3, desprezando as capacitâncias intrínsecas dos demais elementos circuitais, ou seja

O período de oscilação permite obter a indutância, já que quaisquer parâmetros circuitais como capacitâncias nos semicondutores, erros nas medidas dos capacitores de oscila cão, saturação de núcleos metálicos dos indutores são fixos e a oscilação depender dos parâmetros incluídos nessa expressão.

Embora a forma de onda e amplitude varie bastante com o valor da indutância do indutor conectado ao circuito, o período de oscilação obedece bem à expressão acima, validando o oscilador Clapp como um indutímetro, para indutâncias acima de 1 µH. Com C1 = C2 = C3 = C = 1,0×10-9 F, temos a indutância a ser medida, em unidades S.I.

Finalmente, ajusta-se as unidades para expressar a indutância em micro-Henrys a ser obtida a partir do período do sinal, medido em microssegundos, na saída do indutímetro, Lx [µH] = 76 (T[µs])2.

As Fig. 2 mostra as curvas da função de transferência do circuito, para avaliar o poder de medição das indutâncias a partir do período do sinal de saída do indutímetro. Com indutores comerciais de 5% de tolerância, medi o valor médio para 5 indutores diferentes e o período de oscilação. Os pontos são mostrados juntamente com a superposição da curva T[µs] vs. Lx [µH], para verificar a calibração da curva de transferência na medida de indutores de valores conhecidos.


Desse modo, verifica-se que para pequenas indutâncias, a curva é muito íngreme e o instrumento não possui um bom discernimento para medir indutâncias menores que aproximadamente 5 µH. Entretanto, para medidas de indutâncias a partir de 8 µH o indutímetro possui uma boa discriminação mesmo para valores próximos, tornando-o um bom instrumento para pesquisa didática a um custo praticamente irrisório, comparado com a precisão das medidas obtidas.

3. Descrição das atividades

A atividade descrita a seguir foi apresentada como um experimento de laboratório de eletricidade e magnetismo para alunos no segundo ano do curso de Licenciatura e Bacharelado em Física da UFSM, no segundo semestre de 2008, contando com três alunos para aferir a rotina de trabalho e um monitor bolsista de inicia cão científica. As atividades demoraram aproximadamente uma hora, incluindo a exposição teórica, a construção de indutores, a medida e interpretação com discussão dos resultados no final da aula prática.

Para exposição teórica, iniciou-se sobre a descrição da propriedade de indutância magnética e as derivações matemática da indutância de um solenóide retilíneo e toroidal a partir da lei de Biot-Savart, que podem ser encontradas nos livros de eletricidade em nível de física básica [11] e um solenóide de N espiras enroladas sobre um comprimento L e área de seção reta A, apresentará uma indutância dada por

Para estudar experimentalmente essa fórmula da indutância em indutores com núcleo de ar, os alunos construíram diversos solenóides empregando um tubo de plástico de carga de tinta de uma caneta esferográfica vazia com raio de seção reta r = 0,0015 m de diâmetro (A = πr2 = 7,1×10-6 m2), onde pedaços de fio de cobre esmaltado 26 AWG devidamente raspados e estanhados nas extremidades foram enrolados. Outras opções consistem em enrolar espiras com um número variável de espiras (N) sobre um tubo de ensaio de vidro com diferentes diâmetros e medir a indutância interpolando-se na função de transferência a partir do período medido com o osciloscópio e fazendo o gráfico com a indutância obtida teoricamente com a equa cão 3 no eixo horizontal (x) vs. a indutância medida pelo indutímetro disposto no eixo vertical (y), mostrando que a reta y = x pode ser ajustada pelo método dos mínimos quadrados. Uma breve discussão de análise de erros experimentais também foi feita na sequencia da aula prática, com uma boa aceitação pelos alunos.

Como exemplo, um indutor construído com N = 35 espiras enroladas sobre o tubo com um comprimento total de bobina de D = 0,01 m permitiu a medida de um período de oscilação T = 0,146 µs com um osciloscópio analógico Goldstar modelo OS9040D. Por interpolação no gráfico da função de transferência do circuito, esse valor corresponde a uma indutância de 1,2 µH. Pelo cálculo com a fórmula do período de oscilação do oscilador Clapp, os alunos obtiveram Lx [µH] = 76×0,1462 = 1,6 µH, mostrando que a expressão obtida para a indutância de um solenóide é consistente, dentro da ordem de grandeza esperada. O alunos também foram encorajados pode questionar sobre os efeitos que podem produzir essas diferenças para pequenas indutâncias como indutância do comprimento do fio que conecta o indutômetro ao indutor sob medição, fio com auto-indutância não-desprezível pela espessura, relação muito vertical para pequenos indutores na função de transferência do indutímetro, etc. O efeito da alteração da indutância pela introdução de um material ferromagnético como palha-de-aço usada em cozinhas, pregos ou ferrite entre as espiras é facilmente verificado observando-se a variação do período da onda visualizada na tela do osciloscópio com a manipulação das espiras dos solenóides construídos.

Variantes do experimento como estudos laboratoriais de indutores enrolados em núcleos toroidais de ferrite ou confeccionados em argolas de plástico também permitem comprovar a indutância de tais estruturas, baseada nos conceitos envolvidos de deriva cão das expressões pela definição L = Φ/I e Φ = B A, onde B pode ser obtido pela lei de Biot-Savart ou Gauss.

Uma extensão dessa dinâmica de trabalho pode ser feita para incluir o estudo do fator de mérito do indutor, definido pela razão da reatância indutiva para a resistência, onde os alunos podem avaliar o efeito da bitola de fio sobre a pureza do indutor, ou seja, a contribuição do solenóide feito á componente reativa pura da impedância. O fator de dissipa cão que determina a fração da energia eletromagnética dissipada na forma de calor (FD = 1/Q) e suas fontes como perdas ôhmicas pelo cobre, perda por corrente e histeréticas podem ser discutidas pelos alunos. A resistência elétrica dos fios de cobre esmaltados é sempre tabelada pelo fabricante e auxilia no cálculo do fator de dissipação.

4. Conclusões

Nesse circuito, uma metodologia didática possibilita ao aluno construir um indutímetro de baixíssimo custo e seus próprios solenóides para estudar os fatores determinantes da propriedade da indutância magnética de indutores simples.

O indutímetro descrito nesse artigo possibilita obter uma boa precisão na determinação de valores experimentais de indutâncias no intervalo entre 5 e 1000 µH, ou, talvez, até valores bem maiores.

As atividades práticas descritas nesse artigo permitem o refor co dos conhecimentos obtidos nos cursos teóricos de eletricidade em nível de segundo ano de curso de licenciaturas em física, disciplinas de instrumentação para o ensino ou em laboratórios de suporte para engenharia elétrica e colégios técnicos em eletrônica que necessitem prover treinamento de pessoal com propriedades de dispositivos magnéticos, sem a necessidade de usar medidores LCR digitais de bancada, os quais são de custo proibitivamente elevado e de disponibilidade muito restrita no mercado eletrônico brasileiro.

Recebido em 25/11/2008; Revisado em 4/11/2009; Aceito em 23/11/2009; Publicado em 14/5/2010

  • [1] M. Szyper, in Electrical Engineering Handbook, edited by John G. Webster (CRC/IEEE Press, New Jersey, 1999), p. 50.1-50.13.
  • [2] R.J. Duffy and U. Haber-Schaim, Am. J. Phys. 45, 170 (1977).
  • [3] G.H. Watson, Am. J. Phys. 63, 423 (1995).
  • [4] D.S. Ainslie, Am. J. Phys. 14, 257 (1946).
  • [5] D.S. Ainslie, Am. J. Phys. 30, 487 (1962).
  • [6] A.E. Benfield, Am. J. Phys. 11, 298 (1943).
  • [7] A. Edgar, Am. J. Phys. 61, 949 (1993).
  • [8] S. Hashimoto and T. Tamamura, Hewlett-Packard Journal 28, 9 (1976).
  • [9] Se-yuen Mak, Physics Education Sept., 439 (2002).
  • [10] J.K. Clapp, Proc. IRE 36, 356 (1949).
  • [11] G. Mosca e P. Tipler, Física - Eletricidade e Magnetismo - v. 2 (LTC Editora, São Paulo, 2006), 5 ed.
  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Revisado
      04 Nov 2009
    • Recebido
      25 Nov 2008
    • Aceito
      23 Nov 2009
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