A abordagem do conteúdo de óptica geométrica costuma ser desafiadora para os professores do ensino médio e superior, pois, além da complexidade do assunto, eles enfrentam dificuldades para a demonstração dos fenômenos ópticos, devido às limitações experimentais encontradas. Neste contexto, o presente trabalho abordou o conteúdo de lentes esféricas por meio da construção e do estudo de duas lentes biconvexas simples, uma espessa de formato esférico (lente-bola), feita com balões de fundo chato, e outra com foco ajustável, cuja superfície foi produzida com látex, ambas utilizando água como meio de propagação. O objetivo do trabalho foi analisar o comportamento da luz ao incidir nas lentes e explorar seus pontos notáveis, como a distância focal, a formação de imagens e a relação entre as distâncias do objeto e da imagem. A partir dos resultados encontrados, verificou-se que o comportamento das lentes produzidas está de acordo com os princípios teóricos da óptica geométrica. Imagens reais e invertidas foram obtidas de acordo com a literatura e a relação entre as distâncias do objeto e da imagem à lente foi verificada. Dessa forma, conclui-se que as lentes construídas com materiais de fácil acesso podem ser ferramentas eficazes para o ensino de óptica geométrica, permitindo a investigação experimental de conceitos importantes desse ramo da física e a simulação de sistemas ópticos reais.
Palavras-chave:
Óptica geométrica; lentes convergentes; construção de lentes; ensino de ciências; física experimental
The approach to geometric optics content is often challenging for high school and higher education teachers, as they face difficulties in demonstrating optical phenomena due to experimental limitations, alongside the subject’s complexity. In this context, the present study addressed the topic of spherical lenses through the construction and study of two simple converging biconvex lenses, one thick and spherical-shaped (ball lens), made from flat-bottomed balloons, and another with adjustable focus, whose surface was made from latex, both using water as the propagation medium. The objective of the study was to analyze the behavior of light incident on the lenses and explore their notable points, such as focal distance, image formation, and the relationship between object and image distances. Based on the results obtained, it was found that the behavior of the manufactured lenses aligns with the theoretical principles of geometric optics. Real and inverted images were obtained in accordance with the literature, and the relationship between object and image distances from the lens was verified. Thus, it is concluded that lenses constructed from readily available materials can serve as effective tools for teaching geometric optics, enabling experimental investigation of important concepts in this branch of physics and simulation of real optical systems.
Keywords
Geometric optics; converging lenses; lens construction; science education; experimental physics
1. Introdução
O ensino de óptica geométrica geralmente se concentra em fornecer uma compreensão dos princípios básicos do tema e em como aplicá-los para analisar e resolver problemas relacionados à luz e à formação de imagens. Além da interação com dispositivos ópticos e conceitos físicos, sua abordagem é importante para a formação de bons pesquisadores, como os que atuam em áreas como física e engenharia. No entanto, esse tema é um assunto desafiador para o professor do ensino médio e superior em sala de aula, principalmente porque há limitações experimentais para a abordagem deste conteúdo.
As lentes são os dispositivos ópticos de maior aplicação prática, frequentemente utilizadas em instrumentos ópticos como câmeras fotográficas, microscópios, telescópios, óculos, lupas, entre outros. A construção de lentes para o estudo da óptica pode ser realizada com diversos materiais como, por exemplo, um balão de fundo chato, que é uma vidraria utilizada em laboratórios, preenchido com água, com intuito de simular o comportamento de uma lente líquida esférica biconvexa. Também é possível construí-las com superfícies que podem ser deformadas de uma maneira controlada, permitindo-se alterar a sua distância focal, com a mudança de curvatura da lente, através da adição ou subtração de água em seu interior. Para a confecção deste tipo de lente utilizam-se materiais flexíveis e deformáveis.
Trierveiler e Flemming elaboraram um aparato experimental de baixo custo, que simula a focalização de imagem dentro do globo ocular e o processo de acomodação do olho humano, utilizando uma lente flexível feita com preservativo masculino de látex acoplada a um cano de PVC e preenchida com água [1].
Gonçalves e Rodrigues propuseram um experimento de lentes convergentes, utilizando materiais de baixo custo, em que a lente foi criada a partir de uma lâmpada incandescente [2].
Cruz e colaboradores possibilitaram um estudo lúdico através do desenvolvimento de um iluminador de LEDs de baixo custo para ser utilizado como fonte luminosa em experimentos da óptica geométrica de lentes (lupa) e espelhos [3].
Melo Neto e colaboradores construíram uma lente líquida mecânica formada por uma câmara com superfícies flexíveis, na qual se armazena um líquido, e um canal por onde o líquido é conduzido. Para isso, eles utilizaram materiais de fácil aquisição, tais como cano de PVC e preservativo masculino [4].
No presente trabalho foram produzidas duas lentes esféricas biconvexas. A primeira foi construída utilizando-se um balão de fundo chato preenchido com água. A segunda lente, de foco ajustável, foi elaborada com a utilização de materiais de fácil acesso, tais como um preservativo feminino, uma seringa e água. Essas lentes permitem o estudo de diversos fenômenos abordados em óptica geométrica como, por exemplo, o comportamento de raios luminosos, a formação de imagens por lentes convergentes, a verificação do foco da lente e a verificação das medidas experimentais a partir das equações teóricas.
2. Lentes Esféricas
Uma lente é um dispositivo óptico fabricado com material homogêneo e transparente, em geral vidro ou plástico, podendo ser utilizados ar ou água em seu interior. Elas são limitadas por duas superfícies curvas ou uma superfície curva e uma plana, sendo que a curva é, em geral, esférica com faces côncavas ou convexas [5]. As lentes esféricas podem ser classificadas em duas categorias, as lentes convergentes (convexas), que são mais espessas na parte central, e as lentes divergentes (côncavas), mais espessas nas bordas [6]. A Figura 1 ilustra os seis tipos de lentes esféricas, classificadas de acordo com suas faces.
As lentes refratam os raios paralelos da luz incidente, de modo que eles se tornem divergentes ou convergentes para um ponto. Na Figura 2(a) a lente é convergente, pois faz a luz convergir para um ponto. A Figura 2(b) mostra uma lente divergente, fazendo a luz divergir ao passar por ela [7].
As lentes são classificadas também conforme a sua espessura, em delgadas ou espessas. Uma lente esférica delgada possui espessura pequena em comparação com qualquer raio de curvatura dela [8].
2.1. Lentes convergentes
As lentes convergentes delgadas possuem algumas características fundamentais que podem ser visualizadas na Figura 3. Os centros de curvatura C1 e C2 são os centros das superfícies esféricas das faces da lente, cujos raios são denotados por R1 e R2, respectivamente. O eixo óptico é a reta suporte que passa pelos centros de curvatura da lente. O centro óptico O é o ponto no qual um raio de luz atravessa a lente sem sofrer desvio. Os focos F1 e F2 são os pontos para os quais convergem os raios luminosos que, antes de serem refratados pela lente, incidem paralelamente ao eixo óptico. A distância entre o centro da lente e qualquer um dos focos é chamada de distância focal (f) [7].
Nas lentes convergentes, os principais tipos de raios de luz incidentes estudados estão ilustrados na Figura 4, onde F1 e F2 são chamados de foco principal objeto e foco principal imagem, respectivamente. A Figura 4(a) ilustra o raio paralelo ao eixo óptico, que refrata-se na lente passando por F2. A Figura 4(b) mostra o raio que passa pelo foco F1 e refrata-se na lente, emergindo paralelamente ao eixo óptico. A Figura 4(c) exibe o raio que passa pelo centro geométrico O e não sofre desvio, porque a lente é delgada e o centro geométrico da lente coincide com o seu centro óptico.
Raios principais refratados por uma lente convergente: (a) raio paralelo ao eixo óptico passando pelo foco principal imagem; (b) raio passando pelo foco principal objeto; (c) raio passando pelo centro óptico.
A formação de imagens ocorre na intersecção dos raios que incidem sobre a lente. A Figura 5 ilustra os três casos em que a imagem formada numa lente convergente é real e invertida, alterando apenas a sua altura. Na Figura 5(a), o objeto está posicionado antes do ponto C (centro de curvatura da lente) e a imagem é menor do que o objeto; na Figura 5(b) o objeto está posicionado sobre o ponto C e a imagem tem tamanho igual ao do objeto; na Figura 5(c) o objeto está posicionado entre o ponto C e o foco F1 e a imagem é maior do que o objeto.
Formação de imagens reais e invertidas por lentes convergentes para diferentes posições do objeto em relação ao ponto C: (a) antes do ponto C; (b) sobre o ponto C; (c) entre o ponto C e o foco.
2.2. Cálculo da distância focal
A equação de Gauss (Equação (1)), também conhecida como equação dos pontos conjugados, é utilizada no estudo da óptica geométrica para lentes. No caso de lentes esféricas delgadas, ela relaciona a posição do objeto e de sua imagem com a distância focal da lente, da seguinte maneira:
onde f é a distância focal da lente e p1 e p2 são as distâncias do centro óptico O ao objeto e à imagem, respectivamente [8].
No caso de lentes esféricas espessas, esta equação é válida somente quando a lente tem o formato simétrico, como a lente-bola, na qual a distância focal f é a distância entre o ponto focal e o centro da esfera (contida no plano principal da lente, de acordo com a aproximação paraxial utilizada) [9], conforme ilustrado na Figura 6. Para lentes espessas, pode-se considerar que as refrações da luz ocorrem somente nos chamados planos principais, que são dois planos perpendiculares ao eixo óptico e que servem de origem das coordenadas. No caso de lentes-bola, os planos principais coincidem, passando pelo centro da lente.
Lente-bola com diâmetro d, distância focal f e plano principal passando pelo centro óptico da lente (centro da esfera): (a) vista lateral e (b) vista superior.
A Figura 7 ilustra o referencial de Gauss usado para a luz incidente, da esquerda para a direita, em que AB e A’B’ são as alturas do objeto e da imagem, respectivamente. Para o caso de lentes convergentes, se a imagem ficar à direita de O ela será real e, por convenção de sinais, as medidas de f, p1 e p2 são positivas.
Para uma lente delgada, a distância focal f também pode ser relacionada aos raios de curvatura R1 e R2 e ao índice de refração (n) da lente, através da equação dos fabricantes de lente [8]:
onde ft é a distância focal teórica da lente.
O cálculo da distância focal de uma lente espessa imersa no ar [9] pode ser realizado por meio da Equação (3), em que o termo à direita da equação leva em consideração a espessura da lente (t):
Essa equação foi deduzida por meio do método matricial [10], em que cada elemento óptico é representado por uma matriz e um raio de luz é transformado pela matriz que representa a lente.
No caso de uma lente-bola, onde R1 = R, R2 = −R e espessura t = 2R (a espessura é igual ao diâmetro da lente), obtemos a Equação (4):
Após algumas simplificações na Equação (4), mostradas a seguir, chega-se à Equação (5), que permite o cálculo teórico da distância focal (ft) de uma lente-bola:
onde d é o diâmetro da lente. O cálculo do ft pode ser utilizado para validar a distância focal experimental obtida através da medida da posição de convergência de raios de luz, que incidem na lente paralelamente ao eixo óptico.
3. Materiais e Métodos
No presente trabalho foram estudadas duas propostas de lentes esféricas biconvexas, uma lente-bola, produzida com balão de fundo chato, e outra de foco ajustável, construída com material flexível, as duas preenchidas com água. A lente flexível pode ser ajustada de modo a consistir em uma lente delgada ou espessa. Em ambos os casos, o índice de refração utilizado foi o da água (n = 1,33), desconsiderando-se o índice de refração das superfícies da lente. Considerou-se as lentes imersas no ar, com índice de refração igual à unidade [8]. Este estudo foi realizado de modo a produzir apenas imagens reais.
3.1. Confecção do aparato experimental
3.1.1. Lente-bola
Os materiais utilizados para a confecção do banco óptico da lente-bola estão ilustrados na Figura 8.
Materiais utilizados para a montagem do experimento da lente-bola: (a) laser verde (3,3 V/532 nm); (b) laser vermelho (4,5 V/660 nm); (c) suporte para os lasers; (d) balão de fundo chato de 1000 mL; (e) balão de fundo chato de 500 mL; (f) água; (g) anteparo para projeção da imagem; (h) fita métrica; (i) fonte de luz branca (lanterna) e (j) placa com fendas múltiplas.
Para a montagem deste experimento, utilizou-se dois balões de fundo chato, um com diâmetro de 10,51 cm e capacidade para 500 mL e outro com diâmetro de 13,16 cm e capacidade para 1000 mL, ambos preenchidos com água, representando lentes-bola. Para determinar a distância focal das lentes, foram utilizados dois lasers paralelos e simétricos em relação ao eixo óptico, incidindo no eixo horizontal que passa pelo centro óptico e está contido no plano principal da lente (ver Figura 6(b)). Os lasers foram posicionados com uma distância de 3,00 cm entre seus raios luminosos. Na outra extremidade do sistema, foi posicionado o anteparo, como mostra a Figura 9.
Após a determinação da distância focal das lentes, foi montado o aparato para a análise de formação da imagem e distâncias p1 e p2. Os lasers foram substituídos por uma fonte de luz branca e entre a fonte e a lente foi posicionada uma placa com fendas, conforme a Figura 10.
3.1.2. Lente esférica biconvexa de foco ajustável
Os materiais utilizados para a montagem da lente esférica de foco ajustável estão listados na Figura 11.
Materiais utilizados para a montagem do experimento de lente esférica de foco ajustável: (a) laser verde (3,3 V/532 nm); (b) laser vermelho (4,5 V/660 nm); (c) suporte para os lasers; (d) duas placas de acrílico com recorte circular e fenda; (e) seringa; (f) esparadrapo; (g) água; (h) cânula; (i) preservativo feminino de látex; (j) anteparo para projeção da imagem; (k) fita métrica; (l) fonte de luz branca (lanterna); (m) folha de EVA com recorte em formato de F.
Primeiramente, para a construção da lente de foco ajustável, utilizaram-se duas placas de acrílico com um orifício circular de 5,40 cm de diâmetro e uma fenda em uma das placas, para a passagem da cânula (Figura 11(d)). Para representar a superfície da lente, utilizou-se um preservativo feminino, devido à sua elasticidade, além da dimensão e resistência do material. O óleo lubrificante do preservativo foi removido com detergente, antes da montagem da lente. O preservativo foi posicionado entre as placas de acrílico e fixado com esparadrapo, conforme a Figura 12(a).
Construção da lente esférica biconvexa de foco ajustável: (a) posicionamento do preservativo com a cânula entre as placas; (b) lente finalizada.
Uma seringa foi acoplada a este aparato por meio de uma cânula de diâmetro compatível com a sua extremidade, evitando futuros vazamentos do líquido. As duas placas de acrílico foram conectadas com esparadrapo. Finalmente, inseriu-se água na lente construída, por meio da seringa, mantendo-se o cuidado para que não ficassem bolhas de ar dentro do sistema lente/cânula/seringa. Com a inserção do líquido no aparato, a membrana flexível de látex deformou-se, assumindo o comportamento de uma lente esférica biconvexa, conforme a Figura 12(b).
Após a construção da lente, foi montado o banco óptico (ver Figura 13) para a determinação da distância focal, que é alterada com a mudança de curvatura da lente por meio da adição ou subtração de água no aparato. Foram utilizados dois lasers paralelos e simétricos em relação ao eixo óptico, incidindo no eixo horizontal perpendicular a ele. Os lasers foram posicionados com uma distância de 3,00 cm entre seus raios luminosos. Na outra extremidade do sistema foi posicionado o anteparo. Uma fita métrica foi utilizada para facilitar as medidas.
Banco óptico da lente esférica de foco ajustável para a determinação da distância focal: (a) vista frontal; (b) vista superior.
Após a determinação da distância focal da lente, foi montado o aparato para a análise de formação da imagem e distâncias p1 e p2. Os lasers foram substituídos por uma fonte de luz branca, e entre a fonte e a lente foi posicionada uma folha de EVA com recorte em formato de F, conforme a Figura 14.
Banco óptico da lente esférica de foco ajustável para análise de formação da imagem e distâncias p1 e p2.
4. Resultados e Discussão
4.1. Lente-bola
4.1.1. Determinação da distância focal
Por meio do aparato experimental apresentado na Figura 9, foram encontradas as distâncias focais f das lentes-bola construídas, medidas do centro da lente até o ponto de convergência dos raios de luz dos dois lasers utilizados. A distância focal encontrada para a lente menor, com 10,51 cm de diâmetro, foi de 10,60 cm e para a lente maior, com 13,16 cm de diâmetro, foi de 13,10 cm. A Figura 15 ilustra a medida da distância focal das lentes.
Medida da distância focal (a) da lente menor (10,60 cm) e (b) da lente maior (13,10 cm), colocadas a uma distância de 28 cm da fonte de luz.
A distância focal teórica ft de uma lente-bola imersa no ar pode ser estimada utilizando-se a Equação (5). Assim, substituindo-se os dados das duas lentes estudadas nesta equação, com n = 1,33 (índice de refração da água) e diâmetros de 10,51 cm e 13,16 cm, encontram-se os valores teóricos de 10,59 cm e 13,26 cm para ft, respectivamente. Apesar de haver uma diferença de aproximadamente 0,10 cm nos valores das distâncias focais (experimentais e teóricas), os resultados são considerados satisfatórios, uma vez que foram utilizados materiais de fácil acesso e, se tratando de análise experimental, há uma incerteza associada a qualquer tipo de medida. A diferença percentual entre o valor experimental e o teórico foi de 0,09% para a lente menor e −1,21% para a lente maior. Esta diferença foi calculada pela fórmula (f−ftft)⋅100%, onde ft e f representam o valor teórico e o experimental da distância focal, respectivamente.
Como pode ser observado na Figura 2(a), quando raios paralelos incidem sobre uma lente convergente, eles são desviados e convergem para um ponto, que é o foco principal imagem (ver Figura 4(a)). Assim, analisando-se o esquema da Figura 16, se o anteparo for posicionado antes do foco, a imagem formada pelos raios de luz que incidem paralelamente a uma lente biconvexa será direita. E se o anteparo for posicionando depois do foco, a imagem será invertida. Para melhor visualização deste efeito, utilizou-se dois lasers de cores distintas.
Formação da imagem com anteparo localizado (a) antes do foco (imagem direita) e (b) depois do foco (imagem invertida).
Esta situação pode ser verificada na Figura 17, para o caso da lente maior construída, onde a imagem formada no anteparo posicionado antes do foco é direita (Figura 17(a)), pois o laser vermelho foi posicionado à esquerda do laser verde (ver Figura 9). Ao posicionar-se o anteparo depois do foco (Figura 17(b)), a imagem é invertida. O mesmo efeito é verificado para a lente menor.
(a) Imagem direita formada no anteparo posicionado antes do foco; (b) imagem invertida formada no anteparo posicionado depois do foco.
4.1.2. Análise da formação da imagem e dasdistâncias p1 e p2
Após a montagem do aparato experimental para a análise da formação da imagem, conforme a Figura 10, foram realizados os primeiros estudos com a lente-bola de 1000 mL. Neste caso, posicionou-se o objeto (placa com fendas múltiplas da Figura 8(j)) com o valor p1 de 60,00 cm, definido de forma aleatória. Por meio da Equação (1) e utilizando-se a distância focal f (13,10 cm) obtida experimentalmente, calculou-se a distância p2 de 16,76 cm. A Figura 18 ilustra a formação da imagem para este caso, podendo-se observar sua inversão (ver posição original na Figura 10), conforme a discussão da Figura 5.
(a) Imagem da placa com fendas posicionada a 60,00 cm (distância p1) do centro da lente de 1000 mL, com anteparo a 16,76 cm do centro óptico (distância p2, calculada a partir do foco experimental); (b) destaque da imagem invertida formada no anteparo.
Por semelhança de triângulos, conhecendo-se o comprimento do objeto, pode-se determinar analiticamente o comprimento de sua imagem. A Figura 19 ilustra o esquema no qual calculou-se o valor de 0,76 cm para o comprimento da imagem das fendas, cujo comprimento no objeto é de 3,00 cm. Neste cálculo, utilizaram-se os valores experimentais de f (13,10 cm) e p2 (16,76 cm), como segue:
Esquema ilustrativo para o cálculo do comprimento da imagem da placa com fendas, com a lente de 1000 mL.
O comprimento da imagem medido experimentalmente foi de aproximadamente 0,88 cm (ver Figura 18(b)).
Em seguida, teve-se o intuito de utilizar a lente menor nesta análise, substituindo-a pela lente maior, de maneira que a imagem permanecesse nítida, alterando-se apenas a distância do objeto à lente. Para isso, utilizou-se a Equação (1) com os valores experimentais de f (10,60 cm) da lente de 500 mL e p2 (16,76 cm) utilizado no início do experimento com a lente de 1000 mL, resultando no valor de p1 igual a 28,84 cm.
A Figura 20(a) apresenta a imagem formada com a lente maior e com a mudança de p1 para 28,84 cm. A nitidez da imagem com a alteração das lentes pode ser observada na Figura 20(b).
(a) Imagem da placa com fendas utilizando-se a lente de 1000 mL, com p1 = 28,84 cm e p2 = 16,76 cm; (b) imagem nítida com a lente de 500 mL.
Conforme a Figura 21, utilizando-se as medidas de p1 (28,84 cm), p2 (16,76 cm) e f (10,60 cm), por semelhança de triângulos, chegou-se ao valor de 1,74 cm para o comprimento da imagem das fendas. A Figura 20(b) ilustra o comprimento da imagem medido experimentalmente, aproximadamente 1,85 cm.
Esquema ilustrativo para o cálculo do comprimento da imagem da placa com fendas, com a lente de 500 mL.
Cabe observar que, nos casos estudados acima, a distância p1 ficou maior que 2f e, conforme a discussão da Figura 5, a imagem deve ser real, invertida e de tamanho menor do que o objeto, estando os resultados experimentais de acordo com as previsões teóricas.
Com base nos resultados discutidos, observa-se que as medidas experimentais obtidas apresentaram uma boa aproximação dos resultados teóricos, visto que o presente trabalho propôs a construção de um aparato experimental para o estudo de óptica com materiais de fácil aquisição. Portanto, as lentes-bola desenvolvidas com balão de fundo chato e água apresentaram comportamentos que estão de acordo com as previsões teóricas da óptica geométrica.
4.2. Lente esférica biconvexa de foco ajustável
4.2.1. Determinação da distância focal
Por meio do aparato experimental apresentado na Figura 13, foram encontradas as distâncias focais da lente esférica de foco ajustável, medidas do centro óptico até o ponto de convergência dos raios de luz. Nesse caso, a distância focal foi relacionada ao volume de água inserido na lente, que embora não seja um parâmetro direto na fórmula da distância focal, está associado a alterações na geometria da lente, como à sua espessura e ao seu raio de curvatura.
A Figura 22 ilustra a relação entre o volume e o raio de curvatura da lente, por meio da representação esquemática de uma lente esférica biconvexa de foco ajustável (similar à Figura 23), em que a parte azul representa o volume de água inserido na lente. Pode-se observar que a lente com pouco volume de água tende a ser mais plana (menos espessa) e com maior raio de curvatura (RA) quando comparada às outras com volume de água superior (raios de curvatura RB e RC). Dependendo da quantidade de água inserida na lente, ela pode apresentar tanto o comportamento de lente delgada, quanto de lente espessa, tendo como limite a lente totalmente esférica. A Figura 23 apresenta a vista lateral da lente de foco ajustável construída, com o menor e o maior volume de água inserido, respectivamente.
Relação entre o volume e o raio de curvatura de lentes esféricas biconvexas. A parte azul da figura representa o volume de água na lente.
Vista lateral da lente esférica de foco ajustável com (a) volume inicial de água adicionada e (b) volume maior de água adicionada.
A Tabela 1 apresenta a relação entre o volume e a distância focal da lente construída, cujos valores foram obtidos experimentalmente, onde observa-se que a distância focal diminui com o aumento do volume de água inserido. Vale mencionar que inicialmente havia um volume mínimo de água na lente, suficiente para que ela se tornasse biconvexa e delgada (ver Figura 23(a)).
Relação entre a distância focal da lente esférica biconvexa de foco ajustável e o volume de água inserido nela, com volume mínimo de aproximadamente 10 mL.
4.2.2. Análise da formação da imagem e dasdistâncias do objeto e da imagem
Com o aparato experimental montado para a análise da formação da imagem, conforme a Figura 14, foram realizados os estudos de distância do objeto e da imagem com a lente esférica de foco ajustável. Inicialmente, a lente foi utilizada com a distância focal f de 10,20 cm (4,00 mL de água adicionada) e o objeto (EVA com recorte em formato de F da Figura 11(m)) foi posicionado a uma distância p1 de 30,00 cm, definidos de forma aleatória. Por meio da Equação (1), calculou-se a distância p2 de 15,50 cm e, nestas condições, a imagem da letra F formada no anteparo pode ser visualizada na Figura 24. Como esperado, a imagem formada ficou invertida, pois p1 é maior do que f.
Em seguida, realizou-se uma variação de p1, alterando-o de 30,00 cm para 20,00 cm e mantendo-se o valor de p2 igual a 15,50 cm. Como a posição do objeto foi modificada, realizou-se um ajuste na distância focal para que p1 e p2 obedecessem à Equação (1), obtendo-se f igual 8,73 cm. Utilizando-se a Tabela 1, o valor de f foi aproximado para 8,80 cm, ao adicionar-se mais 4,00 mL de água na lente (total de 8,00 mL adicionado). A Figura 25 apresenta as imagens formadas com a alteração de p1 para 20,00 cm e com os valores de f iguais a 10,20 cm (Figura 25(a)) e 8,8 cm (Figura 25(b)), podendo-se observar a mudança na nitidez das imagens. Para que fosse possível a utilização da Equação (1) nas relações entre as distâncias f p1 e p2, por aproximação, considerou-se os planos principais passando no centro óptico da lente.
Imagem (letra F) formada para p1 = 20,00 cm, p2 = 15,50 cm e f = 10,20 cm; (b) imagem formada ao ajustar-se o valor de f para 8,80 cm.
De acordo com as análises apresentadas nessa seção, concluímos que a lente de foco ajustável construída com materiais de fácil acesso apresentou um comportamento satisfatório, podendo ser indicada para o estudo prático de óptica geométrica.
5. Conclusões
O presente trabalho realizou um estudo sobre lentes esféricas biconvexas, construídas com materiais de fácil acesso, a fim de proporcionar uma alternativa viável na experimentação de física, contribuindo para o processo de ensino-aprendizagem e para a pesquisa em óptica geométrica. Foram elaborados dois tipos de lentes esféricas biconvexas, uma espessa, utilizando-se balão de fundo chato, e outra de foco ajustável, construída com látex, que é um material flexível e deformável.
A partir dos resultados obtidos, verificou-se que as lentes construídas apresentaram um comportamento semelhante ao esperado para lentes convergentes, tais como: a formação de imagens reais, invertidas ou direitas, maiores ou menores que o objeto e o aumento da distância focal com o crescimento do raio de curvatura da lente apresentaram-se em conformidade com a teoria da óptica geométrica; a relação entre as distâncias da lente ao objeto (p1) e à imagem (p2) foi verificada; os valores das distâncias focais das lentes-bola, encontrados experimentalmente, apresentaram-se próximos aos teóricos, com diferenças percentuais relativamente pequenas. Além disso, observou-se que a proposta da lente com foco ajustável apresentou vantagem quando comparada às lentes de foco fixo, pela facilidade em alterar o seu comportamento, com a mudança do raio de curvatura, espessura e foco.
Desta forma, os resultados do presente estudo demonstraram que a construção de lentes esféricas biconvexas, com materiais de fácil acesso, pode ser uma ferramenta eficaz no processo de ensino-aprendizagem de óptica geométrica, com a produção de dispositivos experimentais capazes de simular sistemas ópticos reais. Assim, essas lentes podem ser utilizadas em estudos posteriores, como na simulação do cristalino do olho humano e do processo de acomodação, usando lentes flexíveis preenchidas com água, por exemplo. Neste contexto, os aparatos ópticos construídos possibilitam a manipulação e a compreensão de conceitos abstratos da física, promovendo uma aprendizagem mais significativa e contextualizada.
Agradecimentos
Agradecemos à UFFS, CNPq e Fundação Araucária pelo auxílio financeiro e bolsas de iniciação científica (EDITAL N° 73/GR/UFFS/2023, projetos sob registro PRISMA PES-2023-0218, PES-2023-0222, PES-2023-0377 e PES-2023-0385).
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