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Cesar Lattes e o Prêmio Nobel: a Lógica do Prestígio Científico no Século XX

Cesar Lattes and the Nobel Prize: The Logic of Scientific Prestige in the Twentieth Century

Resumos

Utilizando fontes do arquivo do prêmio Nobel, este artigo busca compreender por que Cesar Lattes não compartilhou com Cecil Powell o prêmio Nobel de 1950 pela descoberta do méson π. Para tanto, fazemos uma contextualização e discussão sobre o Prêmio, com base na literatura secundária, que nos ajuda a compreender a forma como, historicamente, a Academia de Ciências Sueca seleciona seus laureados. Na sequência, discutimos as cartas de indicação que Lattes, Powell e Giuseppe Occhialini receberam pelos trabalhos no desenvolvimento da técnica de emulsões fotográficas e detecção do méson π, as avaliações que o comitê de física do Nobel fez desses trabalhos e as justificativas que apresentaram para premiar apenas Powell. Para uma melhor apreciação dos argumentos do comitê, os discutimos à luz de outras fontes primárias. Concluímos com uma reflexão sobre a dinâmica de distribuição de prestígio e reconhecimentos por descobertas científicas baseada no episódio.

Palavras-chaves:
Cesar Lattes; Prêmio Nobel; Cecil Powell; Giuseppe Occhialini; Efeito Mateus; História da Física


Using sources from the Nobel Prize archive, this article seeks to understand why Cesar Lattes did not share the 1950 Nobel Prize with Cecil Powell for the discovery of the π meson. To do so, we contextualize and discuss the Prize based on secondary literature that helps us understand how the Swedish Academy of Sciences historically selects its laureates. Next, we discuss the nomination letters that Lattes, Powell and Giuseppe Occhialini received for their work on the development of the photographic emulsion technique and detecting the π meson, the evaluations that the Nobel physics committee made of this work and its justification for only awarding Powell. We conclude with a reflection on the dynamics of the distribution of prestige and recognition for scientific discoveries based on the episode.

Keywords:
Cesar Lattes; Nobel Prize; Cecil Powell; Giuseppe Occhialini; Matthew Effect; History of Physics


1. Os Mésons e o Prêmio Nobel

Quando o físico japonês Hideki Yukawa recebeu o prêmio Nobel de física em 1949, por sua predição teórica do méson, publicada em 1935, já havia expectativa de reconhecimento similar quanto aos trabalhos experimentais que envolveram o mesmo objeto, realizados na Inglaterra em 1946–1947 e nos EUA, em 1948. Isso porque o inglês Cecil Powell, chefe do Henry Herbert Wills Laboratory, ou, simplesmente, H. H. Wills, da Universidade de Bristol, onde os experimentos iniciais foram conduzidos, recebera quatro indicações para que ganhasse sozinho o Prêmio de 1949 e mais três para que o compartilhasse com o italiano Giuseppe Occhialini, membro de sua equipe. Mesmo com um número expressivo de indicações, Powell não superou Yukawa, que recebeu dez indicações para o Nobel daquele ano. Entre as indicações a Powell, Occhialini e Yukawa, todas relacionadas aos mésons, de alguma forma, o brasileiro Cesar Lattes foi lembrado por duas vezes para o Prêmio de 1949.

Powell foi agraciado com o Nobel no ano seguinte, em 1950, pelo “[] desenvolvimento do método fotográfico para o estudo dos processos nucleares e as suas descobertas sobre os mésons” [1[1] C. Powell, Nobel Prize Outreach, disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1950/powell/facts/, acessado em: 07/05/a2024.
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], conferindo o reconhecimento científico mais prestigiado que existe à teoria e à experiência ligadas ao méson π. Lattes, Occhialini e os outros membros do grupo liderado por Powell aparecem no discurso do mestre de cerimônia de premiação deste ano, Alex Lindh. Entretanto, eles não surgem de maneira nominal, mas, sim, na maioria esmagadora das vezes, de forma coletiva.1 1 Há apenas uma menção nominal a Occhialini, Muirhead e Lattes ao longo de todo o discurso. Para se estudar o micro, eram – e ainda são – necessárias condições macro. Macro financiamentos e macro equipes, seja para a varredura artesanal das emulsões nucleares à época, seja para a construção de grandes aceleradores que geram energias capazes de criar os então constituintes mínimos da matéria em larga quantidade. É interessante percebermos o início do processo histórico da diluição da autoria na física de partículas, que corresponde ao que testemunhamos ao olharmos para os cadernos de bancada, cartas, relatórios etc. [2[2] H.D. Tavares, I. Gurgel e A.A.P. Videira, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20200330 (2020).]. Em contraste, o Nobel, prêmio que pode ser dividido entre até três pessoas, foi, desde o início, uma celebração de indivíduos. Esse é um dos aspectos sobre o qual reside a matriz do problema que trataremos neste artigo. Outro aspecto é a natureza do Prêmio Nobel em si.

De toda forma, é possível ver divisões de tarefa por áreas de formação, por tempo de experiência e por sexo, no período histórico que tratamos. Powell concebeu, ainda no final dos anos de 1930, a combinação instrumental para a investigação em física nuclear, de modo a obter informações distintas das geradas pelo aparato então existente acerca dos fenômenos estudados. Analisar, através de um microscópio, os traços deixados por partículas em suas passagens por finas camadas de um composto químico dava aos físicos a noção de profundidade e a riqueza de detalhes que as fotografias de microbolhas, criadas por partículas no interior de câmaras de Wilson, não ofereciam. Powell precisou consertar e/ou adquirir microscópios e negociar com as companhias que produziam chapas fotográficas algumas alterações para colocá-las em condições técnicas de serem tomadas como um instrumento científico. Por outro lado, ele logo percebeu que precisaria de um número razoável de pessoas para operar os instrumentos de seu laboratório. Não é exagero dizer que Powell assumiu o papel de administrador de seu laboratório ao longo dos anos 1940, em detrimento da condução da rotina de pesquisa [3[3] H.D. Tavares, Topoi 24, 505 (2023).].

Com a chegada de Occhialini, em setembro de 1945, o H. H. Wills passou a contar com um físico experimental habilidoso, que assumiu as operações científicas de rotina e dividia com Powell algumas tarefas de gerência do grupo, participando de reuniões com representantes das empresas produtoras das chapas fotográficas e se incumbindo de recrutar pesquisadores, em uma realidade na qual a Europa estava arrasada pela Guerra. Lattes, Hugh Muirhead, Peter Fowler e Peter Cüer eram os jovens recém-graduados que conduziam a execução das experiências com aceleradores, emulsões nucleares e raios cósmicos, além de serem os responsáveis científicos pela execução de mensurações dos eventos. Estes jovens trabalhavam ao lado das microscopistas mulheres, geralmente sem treinamento em física, cuja função era reconhecer nas chapas fotográficas e nas emulsões nucleares padrões de traços deixados pelas passagens de partículas carregadas. É inegável que elas executavam ações cruciais no processo de investigação do grupo de Bristol, exatamente como fora pensado por Powell ainda no final dos anos 1930.

[] Powell logo convenceu a todos de que era possível formar jovens mulheres, sem conhecimentos formais de física, para realizarem este trabalho exigente com perícia e precisão meticulosa. O entusiasmo com que estas garotas procuravam eventos novos e inesperados não era certamente menor do que o dos físicos que os mediam e interpretavam [4[4] F.C. Frank e D.H. Perkins, Biogr. Mems Fell. R. Soc. 17, 541 (1971)., p. 549].2 2 Powell soon convinced everyone that it was possible to train young women, with no formal knowledge of physics, to perform this exacting work with expertise and meticulous accuracy. The enthusiasm with which these girls searched out new and unexpected events was certainly no less than that of the physicists who measured and interpreted them.

Entre essas “garotas”, ou no coletivo impessoal “Cecil’s beauty chorus”, que ainda era referenciado como “propriedade” do físico inglês, havia mulheres tais como Rosemary Brown, Marietta Kurz, Irene Roberts e Isobel Artner. A última se casara com Powell em 1932, enquanto a senhorita Brown era a única estudante de física do grupo. Nesse processo, essas mulheres sofreram um duplo apagamento. Por um lado, o causado pela condição de gênero e todos os constrangimentos que ser mulher no ambiente científico da metade do século XX impõe e, por outro, o da diluição da autoria.3 3 Sobre o apagamento das contribuições de mulheres ver [5].

O apagamento das contribuições dessas mulheres das publicações do laboratório era um caso extremo de um fenômeno sentido também por jovens físicos que executavam as pesquisas no chão do laboratório. Lattes, como veremos abaixo, demonstrou sua insatisfação com o tratamento que lhe era dispensado em Bristol e quanto à forma como Powell angariava os créditos pelas descobertas com, segundo acreditava, grande prejuízo para ele.

Carregando consigo esse sentimento de injustiça e um senso de oportunidade, em 1948, Lattes atravessou o Atlântico com apoio da Fundação Rockefeller para trabalhar no Radiation Laboratory da Universidade de Berkeley, local importante para a compreensão dos fatos tratados neste artigo. Em Berkeley, engenheiros e físicos preocupados exclusivamente com o bom funcionamento do cíclotron, deram espaço para que Lattes, em colaboração com Eugene Gardner, utilizasse o método que ajudou a desenvolver em Bristol para mostrar que aceleradores de partículas poderiam produzir mésons artificialmente.

Foi a partir da qualificação dos resultados de Bristol em Berkeley, que a validade experimental dos mésons se estabeleceu na comunidade científica, abrindo caminho para que Yukawa e Powell ganhassem o Nobel de Física em 1949 e 1950, respectivamente. Entretanto, compreender a contribuição de cada colaborador nessas investigações é uma questão delicada. Somente analisando as fontes primárias que nos chegaram é possível mensurar a participação de cada um dos sujeitos que compunham este coletivo de pensamento em torno dos mésons, que unia o H. H. Wills ao Radiation Laboratory, através, principalmente, do saber corporificado que o físico brasileiro desenvolveu em Bristol para a identificação dos traços causados por partículas provenientes de raios cósmicos ou projetadas por aceleradores nas emulsões nucleares.

Por mais que Powell tenha reconhecido a pluralidade por trás de seu prêmio, afirmando que “Sou o feliz representante de um grupo de muitos cientistas, oriundos de mais de 20 nações, que trabalharam juntos em grande harmonia em Bristol, contribuindo para o desenvolvimento de uma nova ferramenta na física nuclear”, ou quando, em tom pacifista, em uma Europa devastada pela Segunda Guerra, diz que:

No decurso deste trabalho, os meus colegas e eu ficamos profundamente impressionados com as poderosas forças construtivas que são libertadas quando os representantes de muitas tradições nacionais trabalham harmoniosamente em conjunto para um objetivo comum. Dentro dos limites de um único laboratório, experienciamos os efeitos revigorantes da colaboração internacional que é o sangue vital das ciências em geral [1[1] C. Powell, Nobel Prize Outreach, disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1950/powell/facts/, acessado em: 07/05/a2024.
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].

Não há motivos para que desconfiemos da oposição à Guerra de Powell, até porque ele se recusou a participar do conflito. Porém, sejamos francos: quem recebe o Prêmio é quem é lembrado; quem recebe o Prêmio, recebe também os milhões de coroas suecas; quem recebe o Prêmio é quem acumula o capital simbólico científico, que pode ser usado de acordo com seus interesses. E quem deve receber o Prêmio? Quem concebe o plano de investigação ou quem executa o que foi planejado? E quando a execução é feita por várias pessoas? Por que não dividir o Prêmio? Essas não são questões simples de se tratar.

O Comitê do Nobel do final dos anos 1940 e início dos 1950 as identificou e agiu de maneira a mitigar potenciais problemas, não dando margem sequer para que eles surgissem. Todavia, as indicações à premiação foram feitas e, após cinquenta anos, hoje, temos acesso a elas. Temos acesso, também, aos relatórios de avaliação das indicações, onde o comitê apresenta seus argumentos a favor ou contra a escolha de um determinado candidato. Agora podemos compreender melhor o que ocorreu. Enquanto isso, à época, a imprensa, a sociedade organizada e os meios especializados brasileiros fizeram de tudo para dar prestígio ao jovem Lattes, inclusive, como se fosse possível, indicá-lo ao Nobel.

2. Repercussão do Trabalho de Lattes, Seu Simbolismo e a Ideia de um Nobel para o Brasil

Acabávamos de ser derrotados dentro de casa. Aquele Uruguai 02×01 Brasil, em pleno Maracanã, em julho de 1950, deixou feridas que ainda hoje vêm à luz. Havia pouco que tínhamos enviado nossos filhos à Guerra. Uma divisão inteira. Erguemos um monumento aos pracinhas, como eram carinhosamente chamados os que se dirigiram a terras italianas, no aterro do Flamengo, na Cidade do Rio de Janeiro. Compartilhávamos o sentimento de um só povo, extremamente desigual economicamente, doente pelo racismo e com a maioria absoluta da população analfabeta, é verdade. Ainda assim, reconhecíamo-nos brasileiros. O futebol, a língua, as mazelas, a multietnicidade, assim como a Guerra, nos uniam.

No Rio de Janeiro, então capital federal, alguns anos antes, as escolas de samba iniciavam uma nova fase de apresentação de suas composições musicais nos desfiles. Entravam em cena, em 1947, os primeiros sambas de enredo, sem os improvisos, entremeados por refrões, que marcaram época desde os anos 1930. Cartola já era uma liderança musical carioca. Fundador da Escola Estação Primeira de Mangueira, em 1928, sua poesia circulava pelas rodas de samba em morros e favelas e alcançava outros bairros, cidades e até países, seja pelo rádio, seja como representante da música popular brasileira [6[6] N. Nogueira, De Dentro Da Cartola: A Poética de Agenor de Oliveira (Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2005)., pp. 26–27].

Enquanto isso, a sociedade paulista, recém destituída do poder político federal por Getúlio Vargas, criava a Universidade de São Paulo (USP), em 1934. A inscrição “Scientia vinces” (Vencerás pela Ciência) em seu brasão indicava o caminho a ser trilhado para a retomada da relevância no cenário político nacional, que, no fundo, no fundo, São Paulo nunca deixou de ter. Foi com esse espírito que o ítalo-russo Gleb Wataghin veio para o Brasil criar o curso de física da USP e formar, ao menos, três gerações de cientistas até o final dos anos 1940. Entre eles estava o jovem Cesar Lattes [7[7] H.D. Tavares, A. Bagdonas e A.A.P. Videira, Historical Studies in the Natural Sciences 50, 248 (2020).].

Quando Lattes se tornou físico em 1943, Cartola, no Rio de Janeiro, já tinha desaparecido do Morro da Mangueira. Pelo que há de registro, ninguém sabia seu paradeiro até meados de 1946 [8[8] Cartola é contra a indústria samba – O Brasil, uma criança que quer liberdade, Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1946, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154547&pesq=%22cartola%22%20%22mangueira%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=1930.
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]. Alguns sambas registram as saudades que as rodas dele sentiam.4 4 No final de 1946, o grupo “4 Ases e 1 Coringa” gravou o samba “Onde estão os tamborins”, sucesso anunciado pelo A Noite para ser entoado ao longo do Carnaval daquele ano [9]. Em janeiro de 1947 O Cruzeiro e vários outros periódicos, divulgou a letra do samba, de autoria de Pedro Caetano [10].

Ao longo deste suposto desaparecimento, algo de difícil compreensão à razão histórica ocorreu. No Carnaval de 1947, conhecido como o “Carnaval da Paz”, a Estação Primeira de Mangueira foi a quarta escola a desfilar na Avenida Presidente Vargas, na noite de 16 de fevereiro [11[11] A Parada do Samba no Domingo de Carnaval, A Manhã, Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1947, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116408&pesq=%22esta%C3%A7%C3%A3o%20primeira%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=33202.
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, 12[12] A Parada das Escolas de Samba, Diário da Noite, Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1947, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=221961_02&pesq=%22esta%C3%A7%C3%A3o%20primeira%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=37823.
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], arrebatando o segundo lugar.5 5 O resultado oficial do concurso das Escolas de Samba do Carnaval de 1947 pode ser encontrado em [13]. O samba de enredo vice-campeão da Verde e Rosa foi “Brasil, Ciências e Artes”, composto por Cartola e Carlos Cachaça. Seus versos dizem:6 6 Apesar de não haver, na hemeroteca, notícias com o título do enredo de 1947, sabemos que certamente “Brasil, Ciências e Artes” não foi o de 1948, quando a Mangueira desfilou com “Brasil, Tesouro Invejado” [14]. Não há evidência de que haja erro no registro das datas na Galeria do Samba.

Tu és meu Brasil em toda parte

Quer nas ciências ou na arte

Portentoso e altaneiro

Os homens que escreveram

Tua história

Conquistaram tuas glórias

Epopeias triunfais

E quero neste pobre enredo revivê-los

Glorificando os nomes teus

Levá-los ao panteão

Dos grandes imortais

Pois merecem muito mais

Não querendo levá-los ao cume da altura

Cientistas tu tens cultura

E nestes rudes poemas

Destes pobres vates

Há sábios como Pedro Américo

E Cesar Lattes

É possível imaginar a multidão entoando o samba no domingo de Carnaval, sob a chuva que caía e, talvez, se perguntando quem seria esse tal Cesar Lattes, pois, por incrível que pareça, seus primeiros trabalhos sobre os mésons só iam ser publicados na Nature em maio de 1947, recebendo alguma atenção de periódicos brasileiros apenas em novembro do mesmo ano.7 7 Em seção chamada “Academia Brasileira de Ciências”, no Jornal do Commercio de 05 de novembro, José Leite Lopes trata os trabalhos de detecção de mésons pelo grupo de Bristol [15]. Não há mais notícias sobre o trabalho de Lattes em periódicos do Rio de Janeiro antes de 1948, quando participou da produção artificial de mésons nos EUA e, podemos dizer, ganhou fama. Aquela não era a primeira vez que ciência e carnaval se encontravam [16[16] I.C. Moreira, em: RedPOP: 25 Años de Popularización de La Ciencia En América Latina (Museu da Vida, Rio de Janeiro, 2015).]. Entretanto, a dúvida que fica, por ora, é: como Cartola e Carlos Cachaça souberam da existência do cientista, ou sábio, como eles dizem, Cesar Lattes, entre o último trimestre de 1946 e janeiro de 1947, quando, em tese, o samba foi composto, se ele ainda debutava para os meios científicos à época? O uso do incomum termo “vates” (poeta, trovador, vidente) para rimar com Lattes denuncia não apenas o esmero com o idioma, mas, sobretudo, a intencional inclusão do físico brasileiro na letra mangueirense. Será que o físico José Leite Lopes, amigo e o maior interlocutor de Lattes ao longo de seu período em Bristol, teve algum contato com os compositores da Verde e Rosa, na medida em que estava instalado em uma pensão em Santa Tereza, bairro bucólico-boêmio carioca, e se relacionava com artistas locais no período em questão? [17[17] H. Tavares, K.S.F.F. Guimaraes e A. Videira, Rev. Bras. Ens. Fis. 44, e20220043 (2022)., p. 06].

Mesmo sendo introduzido na imaginação do povo brasileiro em plena catarse carnavalesca pela poesia do samba mangueirense, podemos dizer que Lattes, naquele momento, ainda não tinha se tornado uma figura pública. Foi somente com o trabalho que desenvolveu em Berkeley, em março de 1948, que o físico se tornou conhecido não apenas no Brasil mas em todo o mundo. “Nos cafés anda se falando muito em física nuclear, em energia atômica, em ‘mésons”’, comenta um colunista do Jornal de Notícias, concluindo com uma relação que diz muito do espírito da época: “Lattes conseguiu ofuscar, pelo menos por alguns dias, a glória de um Leônidas e de um Domingos da Guia” [18[18] Em país de mulatas, loira é loira, Jornal de Notícias, São Paulo, 14 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=583138&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=5766.
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]. Aqui, há um equívoco. Não foi apenas por alguns dias que o nome de Lattes esteve entre o cheiro de café ou fazendo a alegria de são-paulinos e corintianos, times em que jogavam o Diamante Negro e, para muitos, o melhor zagueiro que tivemos em todos os tempos, Domingos. Ao longo de todo o ano de 1948, não se falava em outra coisa a não ser de Lattes. Situação compreensível na medida em que buscávamos um herói. Alguém ou algo que nos permitisse sentir orgulho de nossa terra, que nos representasse internacionalmente em uma circunstância histórica de imediato pós-guerra, na qual as identidades nacionais se apresentavam em cores muito vívidas. Além da Copa do Mundo estar suspensa, o Brasil resolveu não participar da Copa América. Por quem torcer? O bronze olímpico que a equipe de basquete brasileira alcançou em Londres chegou a dar algum alento, mas parece que o povo clamava por mais.

A necessidade era tal que, como se tivesse poderes para designá-lo, o respeitado químico mineiro José Carneiro Felippe cravou que Lattes “[] é, desde já, por direito natural, candidato ao Prêmio Nobel de Física” [19[19] Novos caminhos no campo da física nuclear abertos por descoberta do cientista brasileiro Cesar Lattes, Jornal de Notícias, Rio de Janeiro, 11 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=583138&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=5726.
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]. No dia seguinte, era possível ler no Gazeta de Notícias que “[] Cesar Lattes será, sem favor, o próximo Prêmio Nobel de Física” [20[20] Era Atômica, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 12 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_07&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=37260.
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]. Em agosto do mesmo ano, era como se a indicação de Lattes ao Nobel já tivesse ocorrido, com O Cruzeiro dizendo que: “[] Coube porém a Cézar Lattes, candidato ao prêmio Nobel de Física de 1948, a glória da obtenção do méson com os recursos do laboratório” [21[21] A Ciência da Atualidade, O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 14 de agosto, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=003581&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=60106.
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]. A ideia de que Lattes já estava concorrendo ao Nobel não era disseminada apenas por periódicos e cientistas do nível de Carneiro. Havia um movimento na Câmara Federal de Deputados para que Lattes fosse indicado ao Prêmio [22[22] Homenagem da Câmara Federal ao descobridor do “méson”, Correio Paulistano, São Paulo, 19 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=090972_09&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=36805.], com a casa legislativa do Estado de São Paulo se organizando para solicitar ao ministro de relações exteriores que interviesse em favor do brasileiro [23[23] Direito Inegável, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 14 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_07&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=37292.
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]. Movimento similar fez a Ordem de inventores do Brasil [24[24] Prêmio Nobel de Física reivindicado para cientista patrício Cesar Lattes, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 28 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_07&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=37542.
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]. Não é possível afirmar se isso era somente fruto de desconhecimento de como ocorrem as indicações ao Nobel ou se eram atos intencionais para que a opinião pública apoiasse Lattes e, consequentemente, a ciência no Brasil. Apesar de toda mobilização popular, o Nobel de física de 1948 foi concedido ao inglês Patrick Blackett. A respeito da premiação de 1949, saíram notícias sobre a premiação de Yukawa e sua proximidade com Lattes, talvez tentando manter viva a expectativa popular de que o brasileiro pudesse ser o próximo [25[25] Concedidos os prêmios Nobel de Medicina, Física e Química, A Manhã, Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1949, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116408&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=45970.
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, 26[26] E Cesar Lattes?, Revista da Semana, Rio de Janeiro, 26 de novembro de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=025909_04&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=29480.
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].8 8 Sobre a proximidade de Yukawa com os físicos brasileiros, ver [27].

Toda essa repercussão em torno de Lattes foi base para uma articulação entre cientistas, intelectuais, militares, políticos e empresários nacionalistas, com considerável impacto para a institucionalização da ciência brasileira. Primeiro para a física nuclear, com a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), em 1949. Posteriormente, para o surgimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Ambas instituições foram criadas em 1951, como parte do mesmo impulso pelo desenvolvimento da ciência brasileira. O ponto central é que a participação de um jovem cientista brasileiro em uma descoberta que levou à concessão de Prêmios Nobel serviu para mostrar que, com investimento em ciência e tecnologia poderíamos fazer pesquisa de ponta no Brasil, fortalecendo instituições de pesquisa e impactando na formação de nossa comunidade científica.

Para que possamos compreender os motivos de Lattes não ter ganhado um Prêmio Nobel pela sua participação na descoberta do méson π, precisamos primeiro compreender como ocorre o processo de indicação e seleção dos candidatos. O Ministério das Relações Exteriores ou outros cientistas brasileiros poderiam fazer indicações, como queriam os deputados e os membros da ordem dos inventores? Quem poderia fazer essas indicações e como elas eram feitas? Quais critérios pesavam mais nas escolhas da Academia? Essas são algumas das questões que buscaremos responder na próxima seção.

3. Premiação da Excelência em Contexto

O inventor e industrialista sueco Alfred Nobel, falecido em 1896, deixou um testamento digno de sua fama de bilionário excêntrico. De acordo com o testamento, a maior parte de sua fortuna deveria ser dedicada à criação de um prêmio para aqueles que conferiram “o maior benefício para a humanidade” nas áreas de física, química, medicina, literatura e paz. Demasiadamente vago, o testamento não deixava claro como nem quem seria responsável pela escolha. Depois de anos de negociações, ao longo dos quais o testamento de Nobel foi elevado ao status de interesse nacional, em 1900, o governo sueco publicou um estatuto que norteou a implementação do prêmio. A tradicional Academia Real de Ciências da Suécia, depois de hesitar, aceitou assumir a responsabilidade pelos prêmios de física e química, não sem antes garantir que uma parcela volumosa dos recursos fosse direcionada à criação e financiamento de institutos de pesquisa. Os cientistas da Academia, como o mais famoso deles, Svante Arrhenius, logo perceberam que o prêmio poderia ser utilizado como um recurso para elevar o reconhecimento da Academia, de seus membros e da ciência sueca como um todo [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., 29[29] G. Källstrand, The British Journal for the History of Science 55, 187 (2022)., 30[30] G. Källstrand, Public Understanding of Science 27, 405 (2018).].

Entretanto, eles tinham diante de si uma tarefa desafiadora. A consideração mais importante e de maior impacto na institucionalização das decisões no comitê e na Academia era a legitimidade do prêmio. Não é trivial que um grupo de cinco cientistas de um país da periferia europeia, com pouca importância na ciência em relação a países como Alemanha, Reino Unido, França, Áustria-Hungria e Rússia, fosse aceito como o júri da excelência, em matéria de ciência. Os membros da academia, ao se depararem com o testamento de Nobel pela primeira vez, tiveram dúvidas “se a academia seria capaz de fazer as escolhas corretas – ou melhor, se as escolhas feitas pela academia seriam reconhecidas como corretas” [29[29] G. Källstrand, The British Journal for the History of Science 55, 187 (2022)., p. 5].

Como forma de dar legitimidade ao prêmio, a academia sueca decidiu escolher o que viram como o caminho mais seguro. Primeiro, a escolha dos candidatos seria realizada com base nas indicações de cientistas influentes de vários países. Além disso, ao em vez de escolher os laureados por um trabalho ou “descoberta realizada no ano anterior” como requeria o estatuto, os comitês passaram a utilizar a influência do potencial laureado como principal fator para sua escolha. Estudando o processo de seleção em sua primeira década, quando os procedimentos foram formalizados, o sueco-brasileiro e curador do museu do Nobel, Gustav Källstrand concluiu que:

Nos seus relatórios à academia, a influência científica era o principal fator para favorecer um determinado candidato. Uma vez estabelecido este fator, havia também formas secundárias de convencer a academia de que um candidato seria aceito pela comunidade científica como merecedor de um Prêmio Nobel – fatores que não eram suficientes para um prémio, mas que podiam apoiar um candidato considerado como tendo as credenciais científicas certas. Entre estes fatores, contavam-se a presumível importância histórica [da descoberta], o status na comunidade científica e as aplicações práticas [29[29] G. Källstrand, The British Journal for the History of Science 55, 187 (2022)., p. 7].

Ou seja, para garantir que o prêmio teria legitimidade perante a comunidade científica internacional, os comitês do Nobel e a Academia sueca optaram por selecionar candidatos ao prêmio que já possuíam prestígio científico e que representassem o que consideravam ser boa ciência [29[29] G. Källstrand, The British Journal for the History of Science 55, 187 (2022).].

Formalmente, o processo de seleção e escolha foi estruturado em quatro etapas e pouco mudou desde seu estabelecimento no início do século XX. Na primeira, até o mês de setembro, o comitê convida cientistas para indicar candidatos ao prêmio do ano seguinte. Cientistas já laureados ou de instituições de pesquisa escandinavas possuem o direito permanente de fazer indicações, mesmo que não tenham recebido convites. Embora os comitês tenham se esforçado para ampliar o escopo geográfico dessas indicações ao longo do tempo, a maioria vem de países considerados centrais para a física, sobretudo nas primeiras décadas do século, o que nos dá ideia da rede de contato dos membros do comitê, na qual predominava um pequeno número de países e instituições de maior prestígio [31[31] E.T. Crawford, Nationalism and Internationalism in Science, 1880–1939: Four Studies of the Nobel Population (Cambridge University Press, Cambridge, 1992).].

Na segunda etapa, o comitê faz uma seleção preliminar dos candidatos indicados, selecionando alguns para uma análise mais detalhada. Geralmente, essa seleção ocorre com base no número de indicações, mas isso não é regra. Por exemplo, o físico alemão Karl Ferdinand Braun recebeu uma única indicação ao Nobel de física de 1909, feita por um dos membros do comitê. Braun dividiu o prêmio de 1909 com o inventor italiano Guglielmo Marconi, que recebeu apenas duas indicações, número bem inferior ao que outros candidatos, como Max Planck (com nove), Wilbur Wright (com oito) e George Hale (contabilizando sete), receberam.

Na terceira etapa, o comitê elege entre seus membros alguém para fazer um relatório de avaliação das indicações. Nessa etapa, que é finalizada até o mês de novembro, o relator elenca candidatos para uma análise detalhada de sua obra e da influência de seu trabalho. Esse relatório é uma peça retórica construída para convencer a Academia da escolha do comitê. Isso porque, na etapa final da escolha, que acontece até o final de novembro, embora isso seja raro, a Academia tem autonomia para escolher um candidato diferente do que foi recomendado pelo comitê.9 9 Todo o processo de deliberação relacionado ao prêmio é mantido sob sigilo por 50 anos, quando os arquivos são abertos para historiadores.

Como Robert Friedman revelou em seu livro sobre os prêmios de química e física, ao longo desse processo de escolha dos laureados, há amplo espaço para que os membros promovam seus interesses pessoais ou vieses coletivos da academia, em detrimento do mérito dos candidatos. Os casos de Max Planck e Albert Einstein, dois físicos amplamente respeitados na comunidade científica no final da década de 1910, são emblemáticos de como as pré-concepções de ciência e cientistas do comitê interferem no processo.

Planck, Ludwig Boltzmann, Oliver Heaviside, Lord Kelvin, Henri Poincaré, J. H. Poynting receberam inúmeras indicações, mas foram repetidamente rejeitados pelo comitê. Composto predominantemente por experimentalistas em suas primeiras décadas, o comitê do Nobel apresentou viés acentuado em desfavor aos físicos teóricos. Em 1911, recém-admitido no comitê de física, Vilhelm Carlheim-Gyllenskold reclamou que o Nobel havia sido dado apenas a físicos experimentais, com exceção de Hendrik Lorentz, que dividiu o prêmio com o experimentalista Peter Zeeman em 1902. A mesma reclamação foi registrada pelo matemático sueco Gosta Mittag-Leffler em várias ocasiões. Para ele “Os experimentalistas têm um medo especial da física teórica e, naturalmente, têm a maioria da Academia com eles” [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., p. 48]. No caso de Planck, havia entre os membros do comitê, além do medo de teoria, a rejeição de sua hipótese dos quanta, considerada por eles demasiadamente “revolucionária” e “ameaçadora”.

As numerosas e persistentes indicações de Max Planck, pela sua descoberta do quantum de energia em 1900, vinham sendo feitas há vários anos. Mas os membros do comitê, tal como todos os homens do rei da rima, ainda esperavam que o Humpty-Dumpty da teoria eletromagnética pudesse, de alguma forma, ser montado novamente – e sem a noção aparentemente absurda de que a energia é emitida e absorvida em discretos “átomos de energia”. Em 1914, o fato de a Academia ter evitado Planck tornou-se embaraçoso.10 10 Numerous and persistent nominations of Max Planck, for his discovery of the quantum of energy in 1900, had been coming for several years. But the committee members, like all the king’s men of the rhyme, still hoped that the Humpty-Dumpty of electromagnetic theory could somehow be put together again – and without the seemingly absurd notion that energy is emitted and absorbed in discrete “atoms of energy.” By 1914, the Academy’s avoidance of Planck had become embarrassing [28, p. 74].

A eclosão da Primeira Guerra Mundial causou um retraimento nas trocas entre físicos dos países beligerantes e ajudou a diminuir a pressão sobre o comitê para laurear Planck. Após uma breve interrupção da sequência de prêmios, Planck foi o ganhador do Nobel em 1918, quando ele já era o principal representante da física alemã. Naquele ano, cientistas influentes, como Svante Arrhenius, buscavam reabilitar a comunidade de física alemã, ostracizada por físicos de países vitoriosos, e promoveram Planck “como um símbolo da tradicional cultura acadêmica alemã.” Para Friedman, se Planck não tivesse se tornado o porta-voz da ciência alemã, o comitê continuaria a ignorá-lo, a despeito de uma década de enorme apoio internacional [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., pp. 110–111].

A visão de física limitada do comitê, bem como seus vieses, é ainda mais clara no caso de Albert Einstein. Quanto se tornou uma celebridade por volta de 1919, Einstein já era um velho conhecido do comitê, que, desde 1910, ignorava seu número crescente de indicações. A partir de 1917, as indicações eram quase exclusivamente para as teorias da relatividade, mas o comitê estava unido em torno da ideia de que elas não poderiam ser consideradas. Em sua tentativa de desqualificá-las, o comitê usou argumentos do físico antissemita Phillip Lenard – que se tornaria o líder da “Física Ariana” nazista – de que a relatividade, retratada como exemplo de Dadaísmo na ciência, era uma “ameaça para a física e a cultura” [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., pp. 110–111].

Em 1920, com sua popularidade mundial em ascensão, Einstein recebeu oito das vinte e oito indicações. O comitê, no entanto, achou mais pertinente laurear um físico-metalúrgico franco-suíço, hoje quase desconhecido, chamado Charles Guillaume. A única indicação a Guillaume, por seu trabalho com metrologia de precisão, havia sido enviada por um membro do comitê que, ato contínuo, promoveu sua própria agenda. O anúncio deixou a maioria dos observadores em descrença. Alguns começaram a pensar que o estatuto do Nobel proibia prêmios para a física teórica. No ano seguinte, Einstein recebeu catorze das trinta e uma indicações. Alguns o retratavam como o maior físico da história, depois de Isaac Newton. Entretanto, os membros do comitê permaneceram resolutos na ideia de que Einstein e suas teorias da relatividade não eram dignas de um Nobel.

Membro influente do comitê, Allvar Gullstrand, físico da Universidade de Uppsala, declarou nos bastidores que “Einstein nunca deverá receber um Prêmio Nobel, mesmo que o mundo inteiro o exija.” Gullstrand se encarregou de elaborar um relatório de cinquenta e uma páginas para justificar essa rejeição, mobilizando todas as críticas possíveis com o objetivo de mostrar que as teorias da relatividade, que quase nenhum dos membros do comitê entendia, estavam erradas. Em uma reunião polêmica, que se estendeu noite adentro, ficou claro que Gullstrand não entendia a teoria da relatividade e havia feito uma avaliação falha. Todavia, a maioria dos membros da academia não estava disposta a premiar Einstein, nem a se indispor com Gullstrand, um de seus membros mais influentes. Próximo da meia-noite do dia 21 de novembro de 1921, a Academia decidiu por não dar um Nobel de física naquele ano [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., p. 133]. A justificativa formal foi de que “nenhuma das indicações daquele ano se enquadra no critério definido no testamento de Alfred Nobel” [32[32] THE NOBEL PRIZE, The Nobel Prize in Physics 1921, disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1921/summary/, acessado em: 24/05/2024.
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]. A repercussão da decisão na comunidade acadêmica deixou claro que a posição da Academia era insustentável.

Em 1922, Einstein novamente dominou a lista de indicações, com dezessete, seguido por Niels Bohr, com onze. Um dos poucos físicos teóricos da academia, Carl W. Ossen, que havia exposto a análise errônea da teoria da relatividade feita por Gullstrand, resolveu promover Einstein em oposição aberta a Gullstrand. Ossen estava menos preocupado com Einstein do que com a perda de prestígio da academia devido à série de decisões desastrosas. Por outro lado, ele sabia que o viés anti-teoria da Academia não permitiria premiar Einstein pelas teorias da relatividade. A saída foi indicar Einstein, pessoalmente, pelo efeito fotoelétrico. Todas as outras indicações foram para as teorias da relatividade.

Encarregando-se do relatório do comitê para 1922, Ossen viu nessa saída a possibilidade de promover a teoria quântica, seu campo de pesquisa, que ainda enfrentava forte oposição na Academia. Ele defendeu que o prêmio de 1921 fosse dado a Einstein, pela lei do efeito fotoelétrico; e o de 1922 a Niels Bohr, por seu modelo atômico, escolhendo cuidadosamente seus argumentos para apresentar esses trabalhos como se estivessem em sintonia com a concepção de física predominante na academia. O ponto central do argumento era que os prêmios deveriam ser dados pela descoberta de leis fundamentais da natureza que haviam sido bem comprovadas experimentalmente. Demonstrando magistral habilidade retórica e de articulação, Ossen desarmou os oponentes de Einstein e Bohr. Enfraquecido por suas limitações em física teórica, Gullstrand se absteve de desafiar a proposta de Ossen, aprovada praticamente sem dissidência depois da garantia que não haveria menção à relatividade no diploma de Einstein [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., pp. 133–138].

Os casos de Planck e Einstein mostram claramente como os vieses não científicos, concepções de ciência e de cientista, partilhados pelos membros do comitê e da Academia, influenciaram as decisões de premiação do Nobel. Embora questões como posicionamento político não fossem apresentadas explicitamente nos argumentos do comitê, Friedman conclui, de sua análise dos documentos e das personalidades envolvidas no caso Einstein, que “as evidências apontam para o fato de que os membros do comitê dificilmente poderiam conceber que este radical político e intelectual de cabelo assanhado estivesse na cerimónia do Nobel, como o pináculo da física, e recebesse um prémio do seu rei” [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., p. 130].

Entretanto, há uma limitação nos casos de Planck e Einstein para pensarmos o caso Lattes. Ambos eram físicos prestigiados de uma das maiores potências científicas, com a qual os suecos tinham grande afinidade. A nacionalidade alemã contou a favor em ambos os casos. Para compreendermos por que motivos Lattes não ganhou um Nobel, agora que compreendemos melhor como as concepções de ciência e cientistas (incluindo estereótipos e preconceito), nutridos pela Academia, influenciam decisões, precisamos compreender a dinâmica de alocação de crédito e prestígio por descobertas científicas que se reflete no processo de indicação e escolha dos que serão agraciados com o Nobel.

4. O Nobel Como Sistema de Alocação de Crédito na Ciência

Para Robert Friedman, seu livro “quebra a ilusão de que o Prêmio Nobel é uma coroação imparcial e objetiva dos ‘melhores’ da física e da química.” Baseado em ampla documentação, ele mostra como o Prêmio foi frequentemente utilizado para promover agendas científicas, culturais e pessoais [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., p. xi]. Na prática, os laureados eram frequentemente escolhidos a partir de considerações pessoais e sociais, entre cientistas que já possuíam reputação internacional. As decisões refletiam a composição do comitê, formado por cinco membros, sendo, por vezes, determinadas por características pouco admiráveis como “provincialismo, arrogância, lealdade ou uma combinação delas” [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., p. 111].11 11 Neste trecho, Friedman está se referindo à premiação do químico Fritz Haber. Entretanto, “arrogância provinciana” está em evidência também nos casos de Planck e Einstein discutidos acima.

Menos crítico, Gustav Källstrand vê as decisões do comitê e da academia em suas primeiras décadas, como reflexo de uma estratégia que priorizou cientistas influentes, que elevariam o prestígio do prêmio e da academia.12 12 Isso inclui também a importância para a formação de disciplinas, escolas científicas e instituições. Um caso interessante é o do alemão Wilhelm Ostwald, cujos livros-texto e contribuição para a formação de químicos influentes ajudaram a consolidá-lo como um dos químicos mais importantes do final do século XIX [33, 34]. Diante do conjunto de nomes influentes, a decisão era tomada com base em critérios secundários que não justificavam o prêmio, mas serviam para garantir que o candidato tivesse as “credenciais corretas” e tinha “personalidade”, “caráter” e “virtudes” adequadas para um representante do Nobel [29[29] G. Källstrand, The British Journal for the History of Science 55, 187 (2022)., pp. 11–13]. Na prática, controlada por uma maioria conservadora, a Academia favorecia uma elite de homens brancos e conservadores que considerava dignos representantes do prêmio.

Há uma transformação notável nesse perfil após a Segunda Guerra Mundial, resultado da mudança geracional no comitê e de alterações na geopolítica europeia, bem como na distribuição geográfica da ciência. Uma academia menos conservadora após a Segunda Guerra Mundial em 1945 admitiu Lise Meitner como membra e, em 1948, premiou o progressista Patrick Blackett, crítico de esquerda do nacionalismo militarista do pós-Segunda Guerra, depois de ignorá-lo por vários anos [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., pp. 255–57]. Além disso, motivados pelo fato de que algumas das principais descobertas em física e química do entreguerras não terem sido sequer mencionadas nas indicações, a partir de 1949, os comitês decidiram aumentar o número de convites para a feitura de indicações, de modo a alcançarem pelo menos trezentas, ampliando-as para além das redes de contato dos membros da academia, o que tornou essa etapa menos elitista e limitada aos países centrais na comunidade científica. Os números de convite continuaram a aumentar nos anos seguintes [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., p. 261].

Entretanto, uma coisa permaneceu constante: o sistema continuou estruturado para beneficiar pessoas já prestigiadas. Isso reforçou estereótipos e preconceitos relacionados à imagem de cientistas, com desdobramentos para a percepção pública da ciência e dos cientistas. Isso é corroborado por análises de autores que mostram como as decisões do comitê favoreciam homens que se enquadravam no imaginário de cientistas do próprio comitê, o que envolve um misto de estereótipos identitários relacionados a gênero, raça, classe social e nacionalidade, que até hoje a Academia tem dificuldades de superar [35[35] P. Lunnemann, M.H. Jensen e L. Jauffred, Palgrave Commun 5, 46 (2019).].13 13 Ver, por exemplo, notícia publicada pela revista Nature, escrita por um cientista que já serviu como consultor do Nobel [36].

Em um estudo famoso sobre ganhadores do prêmio Nobel, o sociólogo da ciência Robert Merton chamou atenção para os efeitos negativos do sistema de distribuição de prestígio acadêmico que o Nobel representa e reforça. Para Merton, sistemas de recompensa como o Nobel, que supostamente destaca seus ganhadores do restante de seus colegas contemporâneos, inevitavelmente, exclui muitos cientistas que contribuíram tanto quanto, ou mais que, a maioria dos laureados.

Sem intenção deliberada por parte de qualquer grupo, o sistema de recompensas influencia assim a “estrutura de classes” da ciência, proporcionando uma distribuição estratificada de oportunidades entre os cientistas para ampliar o seu papel como pesquisadores. O processo proporciona acesso diferenciado aos meios de produção científica. Isto torna-se ainda mais importante na atual mudança histórica de ciência em pequena escala para ciência em grande escala (big science), com seus equipamentos caros e muitas vezes centralizados necessários para a pesquisa [37[37] R.K. Merton, Science 159, 56 (1968)., p. 57].

Mais do que isso, a partir de entrevistas com os laureados, Merton documentou como esses sistemas reforçam uma dinâmica de má alocação de prestígio e crédito por descobertas científicas que ele chamou de Efeito Mateus, inspirado em um versículo do evangelho segundo Mateus.14 14 O nome é inspirado em Mateus 25:29. O Efeito Mateus consiste na acumulação de maiores parcelas de reconhecimento por contribuições científicas particulares a cientistas que já possuem reputação considerável, em detrimento do reconhecimento a cientistas em início de carreira que ainda não deixaram sua marca. Enquanto cientistas famosos recebem mais créditos do que efetivamente merecem, cientistas desconhecidos recebem menos créditos do que merecem. Para Merton, os laureados do Nobel oferecem evidências robustas desse efeito porque o testemunham não como vítimas, mas como beneficiários involuntários [37[37] R.K. Merton, Science 159, 56 (1968).]. Historiadoras da ciência feministas têm também denunciado o aspecto de gênero e raça associado a este efeito, que preferem chamar de Efeito Matilda [5[5] L.D.S. Pereira, C.Q. Santana e L.F.S.P. Brandão, Cadernos de Gênero e Tecnologia 12, 92 (2019)., 38[38] C. Santana, L. Pereira e I. Silva, Cad. Pagu 65, e226524 (2022)., 39[39] G. Feichtinger, D. Grass, P.M. Kort e A. Seidl, Journal of Economic Dynamics and Control 123, 104058 (2021)., 40[40] M.W. Rossiter, Soc Stud Sci 23, 325 (1993).].

O efeito Mateus é particularmente proeminente em publicações e pesquisas coletivas, como foi o caso de Lattes. Nas distribuições de créditos por essas pesquisas, cientistas menos conhecidos tendem a ser ignorados e as ideias atribuídas ao mais famoso. Como revelam as entrevistas citadas por Merton, os laureados possuem total consciência desse efeito e muitos deles buscam diminuir o impacto dele na carreira de seus colaboradores, muitos evitando colocar seu nome em publicações. Por outro lado, se o autor desconhecido se tornar famoso, pode haver uma reversão desse quadro, com a publicação com o nome de um laureado com o Nobel ganhando valor, aumentando a projeção da publicação [37[37] R.K. Merton, Science 159, 56 (1968)., pp. 58–60].

Como veremos abaixo, o caso de Lattes é uma boa ilustração desses dois efeitos em contextos distintos. No contexto internacional, uma vez que ele não deu sequência com novas publicações de impacto, não houve essa valorização de sua participação nos trabalhos e sua contribuição foi ofuscada pela reputação de Powell. Entretanto, no contexto nacional, suas contribuições para a ciência brasileira fizeram com que sua participação em pesquisas projetadas pelo prêmio Nobel lhe rendesse grande prestígio.

5. Lattes, Occhialini e Powell nas Indicações ao Prêmio Nobel

Como evidência do impacto da descoberta do méson π, o comitê de física do Nobel recebeu as primeiras indicações para os trabalhos que levaram à sua detecção ainda em 1949. Houve indicações para que se dividisse o prêmio entre Powell e Occhialini (três), ou entre Powell, Occhialini e Lattes (uma), o que sugere que muitos compreenderam o caráter coletivo da descoberta. Entretanto, há um claro desequilíbrio de prestígio em favor de Powell quando levamos em conta as pessoas que fizeram as indicações. As indicações para Powell, sem mencionar Occhialini ou Lattes, vieram de quatro físicos influentes: o italiano Enrico Fermi, os ingleses Neville F. Mott, Charles G. Darwin e o sueco Torsten Gustafson.15 15 Fermi e Mott são ganhadores do Nobel de física, enquanto Darwin, neto do naturalista Charles Darwin, era diretor do Laboratório Nacional de Física do Reino Unido e herói da Segunda Guerra. Físico da Universidade de Lund, na Suécia, Gustafson era conselheiro científico do primeiro-ministro sueco Tage Erlander (1946 a 1969) e tinha grande influência sobre a política científica sueca no período.

Para Fermi, Cecil Powell merecia o Nobel “pelo seu excelente trabalho na detecção do decaimento do méson pi com a técnica fotográfica,” opinião compartilhada por Gustafson que, no entanto, se eximiu de dizer se Powell “deveria ganhar sozinho ou dividir o prêmio com outro ou outros pesquisadores” [41[41] E. Fermi para Comitê de Física do Nobel, de 11 de janeiro de 1949 (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência.]. Para Mott, em uma época na qual a física nuclear estava cada vez mais dependente de grandes aceleradores de partículas, Powell merecia especial atenção do comitê “pelo fato de ter mostrado que descobertas de importância fundamental ainda podem ser feitas com os mais simples instrumentos – neste caso, emulsões nucleares especiais desenvolvidas sob sua direção geral e microscópios” [42[42] N.F. Mott para Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1948), correspondência.].

A longa carta de Darwin, por sua vez, revela como ele estava determinado a ver um de seus compatriotas laureados. Após indicar Patrick Blackett em várias ocasiões, acreditando que o comitê havia rejeitado seus argumentos, Darwin decidiu propor Powell, como uma segunda opção, por “(A) seu desenvolvimento de uma nova técnica para o estudo de processos nucleares e (B) pelas descobertas que ele fez com a ajuda desta técnica” [43[43] C.G. Darwin para Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1948), correspondência.]. Listando os principais trabalhos de Powell desde 1939, Darwin chama atenção para o conjunto de sua obra, estabelecendo uma conexão entre a descoberta do méson e seu trabalho de uma década.

Contrariamente à opinião corrente, ele demonstrou em 1939 que as marcas produzidas numa emulsão fotográfica por partículas carregadas de alta energia podiam fornecer dados quantitativos sobre a energia dos processos nucleares. Ele não só estabeleceu as condições físicas essenciais para obter os melhores resultados, como também esteve por trás de todos os melhoramentos técnicos efetuados no método desde essa data. O método está agora a ser amplamente utilizado em centros de física nuclear em todo o mundo e muitos colaboradores de laboratórios britânicos e estrangeiros foram pessoalmente iniciados na técnica e livremente aconselhados sobre ela durante visitas ao laboratório do Professor Powell em Bristol, Inglaterra [43[43] C.G. Darwin para Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1948), correspondência., pp. 359–360].

Para ele, três pontos são dignos de nota: a riqueza das informações, a simplicidade do método e o fato de ele dar informações que não poderiam ser obtidas com outros métodos. Essas características, associadas ao fato de que muitos físicos estrangeiros foram treinados pessoalmente no laboratório de Powell, contribuíram para difundir o método ao redor do mundo. Diante disso, para Darwin não havia dúvidas de que “O trabalho de Powell abriu um novo capítulo no assunto partículas ‘fundamentais’ ” [43[43] C.G. Darwin para Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1948), correspondência., p. 360].

Por outro lado, é evidente que as indicações para Occhialini e Lattes foram um reflexo direto da política de aumento da representatividade dos cientistas que poderiam fazer indicações para o Nobel, adotada pela primeira vez em 1949, quando mais de trezentos convites foram distribuídos [43[43] C.G. Darwin para Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1948), correspondência., p. 261]. Com uma única exceção, o físico Donald Kerst, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, todos os que recomendaram a divisão do prêmio entre Powell e Occhialini ou entre Powell, Occhialini e Lattes, estavam fazendo sua primeira indicação naquele ano e eram, portanto, desconhecidos pelo comitê do Nobel.16 16 As indicações para 1949 podem ser vistas em [44].

Dois físicos da Universidade de Laval, no Canadá, Fernand Bonenfant e Paul Koenig usaram a primeira e, aparentemente, única oportunidade que receberam para indicar Powell e Occhialini pela descoberta do méson π, “pela forma brilhante como os experimentos foram realizados” e “pelo elevado valor científico do trabalho de investigação sobre radiação cósmica realizado por esses eminentes físicos”, listando quatro trabalhos publicados na Nature em 1947, e ignorando as publicações de membros do grupo de Bristol sobre o mesmo tema nas quais o nome de Powell não aparecia [45[45] F. Bonenfant para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência., 46[46] P. Koening para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência.].

Mais experiente e detalhista que os demais, em uma carta de cinco páginas, Donald Kerst defendeu que o Nobel deveria ser dado a Powell e Occhialini “Pelas contribuições para o desenvolvimento do método de emulsões fotográficas e pelos resultados obtidos a partir da observação de mésons” [47[47] D.W. Kerst para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência.]. Para ele, o trabalho de Lattes e Gardner não merecia um prêmio individual, mas era uma evidência do potencial do método desenvolvido por Powell e Occhialini:

Este método de observação, que tem sido largamente utilizado por Occhialini e Powell, trabalhando em conjunto, e pelos seus associados, já provou ser extremamente útil. Foi já utilizado por Lattes e Gardner para a primeira detecção de mésons produzidos artificialmente no ciclotron de 184" da Universidade da Califórnia, tendo Lattes sido um dos colaboradores de Occhialini e Powell. O método está destinado a ser utilizado repetidamente para o trabalho com raios cósmicos e em futuras investigações sobre as propriedades dos mésons com vários outros grandes aceleradores atualmente em construção que funcionarão na gama de energia necessária para a produção de mésons [47[47] D.W. Kerst para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência., p. 368].

Nomeando vários colaboradores e publicações, inclusive uma publicação da Nature para a qual Lattes contribuiu, mas que foi publicada apenas com os nomes de Powell e Occhialini, Kerst construiu o argumento de que Powell e Occhialini foram os responsáveis pelo desenvolvimento da técnica, enquanto o nome de Lattes desaparece em um reconhecimento geral às “várias pessoas que trabalharam com eles” e que haviam contribuído para o desenvolvimento da técnica [47[47] D.W. Kerst para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência., p. 368].

Em 1949, Lattes foi indicado pelo físico do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, James Bartlett e pelo diretor do Instituto de Física de Montevideo, Walter Hill [48[48] W.S. Hill para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência.]. Bartlett recomendou a divisão do prêmio entre Lattes, Occhialini e Powell pelo artigo na Nature, “que estabeleceu a existência de mais de um tipo de méson e abriu caminho para pesquisas valiosas sobre as forças entre núcleos.” Entretanto, enfatizou o papel de Powell no desenvolvimento das emulsões fotográficas. Para ele, “muito trabalho diligente foi necessário até que as propriedades dos vários tipos de mésons pudessem ser definidas com certeza” [49[49] J. Bartlett para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1948), correspondência.].

No caso de Lattes, o processo de democratização do direito de indicar é ainda mais importante, uma vez que todas as indicações que recebeu nos primeiros anos vieram de cientistas que estavam sendo convidados pela primeira vez. Não é exagero dizer que se a Academia de Ciências tivesse mantido o nível de elitismo que marcou o período anterior à Segunda Guerra, Lattes não teria sequer sido indicado para o Nobel em 1949. Embora não tenham o mesmo peso de cientistas renomados, essa democratização no processo de indicação permitiu dar visibilidade a Lattes, Occhialini e Gardner, que, como veremos na próxima seção, foram seriamente considerados pelo comitê.

Em contraste com 1949, as indicações pelo desenvolvimento das emulsões fotográficas e detecção do méson π para o Nobel de 1950, claramente, favoreceram um prêmio apenas para Powell. Naquele ano, ele foi indicado por uma ampla coalizão de cientistas prestigiados. Às indicações de anos anteriores, adicionaram-se mais catorze. No total, foram vinte e três indicações vindas de onze países. Entre os autores das indicações estavam cinco laureados como Werner Heisenberg, Wolfgang Pauli, Enrico Fermi, Ernest Walton e Theodor Svedberg. O caso de Svedberg é digno de nota porque ele esteve no Rio em março de 1948, a convite da Academia Brasileira de Ciências, enquanto Lattes era celebrado como herói nacional.17 17 Svedberg esteve no Brasil em abril de 1948, cerca de um mês após a descoberta de Lattes ter começado a repercutir na imprensa [50]. Entretanto, o físico-químico sueco, veterano da Academia Real de Ciências da Suécia desde 1922, foi um dos que acreditavam que Powell merecia o reconhecimento sozinho.

Apenas Pauli, o francês Francis Perrin e o suíço Markus Fierz sugeriram a divisão do prêmio entre Powell e Occhialini. Para Perrin, que detalhou melhor a razão para compartilhar o prêmio, parecia “difícil não associar a [Powell] o Professor Occhialini, que participou em todas as suas importantes publicações e cujas qualidades já haviam sido destacadas pela sua colaboração com o Professor Blackett” [51[51] F. Perrin para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1950), correspondência.].

Lattes não recebeu nenhuma indicação para 1950 e, formalmente, não poderia ter ganhado o prêmio junto com Powell. Ele apareceu novamente nas indicações em 1951, quando recebeu a indicação de Wataghin, também convidado pela primeira vez para indicação ao prêmio Nobel. Em 1952, Lattes recebeu sua primeira indicação de um nome de peso, que já era parte da rede de cientistas com oportunidades de fazer indicações antes da Segunda Guerra Mundial. Ela veio do químico suíço Leopold Ruzicka, ganhador do Nobel de química em 1939. Lamentando não poder indicar Gardner, que havia falecido, Ruzicka propôs:

Dr. G. LATTES, Universidade da Califórnia, Berkeley, ex-colega do Prof. Powell em Bristol (Inglaterra), por seus esforços bem-sucedidos para produzir mésons artificialmente pela primeira vez com a ajuda de grandes aceleradores e por medir sua massa, especialmente dos mésons, mais precisamente. Este trabalho abriu um campo para pesquisas experimentais em física nuclear, cuja importância ainda hoje não pode ser esquecida. Através dos trabalhos mencionados, estabeleceu-se uma forte ligação experimental entre as duas áreas da investigação física, a de raios cósmicos e a física nuclear, o que é da maior importância [52[52] L. Ruzicka para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1952), correspondência.].

Ruzicka repetiu a indicação em 1953 e 1954 sem, no entanto, apresentar novos argumentos [53[53] L. Ruzicka para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1953), correspondência., 54[54] L. Ruzicka para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1954), correspondência.].

Ainda em 1952, Lattes recebeu uma indicação do físico eslovaco-estadunidense Marcel Schein, da Universidade de Chicago. Especialista em raios cósmicos, Schein havia acabado de chegar de uma viagem pela América do Sul quando recebeu o convite da Academia para fazer uma indicação para o prêmio de 1952. Ele recomendou a divisão entre Lattes e W. Panofsky pelas suas contribuições para o campo da física de altas energias. Na carta, ele argumenta que:

Lattes teve um papel importante no estabelecimento da existência do méson pi e em encontrar o processo de decaimento do méson pi para o mi. Lattes foi o homem-chave na descoberta fundamental que mésons podem ser produzidos artificialmente no cíclotron… A descoberta abriu novos rumos de pesquisa que estão sendo explorados ativamente por físicos ao redor do mundo e contribuirão para uma compreensão mais profunda dos fenômenos nucleares [54[54] L. Ruzicka para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1954), correspondência.].

Essa indicação dá uma percepção da contribuição de Lattes que não aparece nas outras. Schein foi um dos colaboradores de Lattes nos Estados Unidos que contribuiu diretamente para o desenvolvimento da física de raios cósmicos, no Laboratório de Chacaltaya, conseguindo uma doação de uma câmara de Wilson para o laboratório e participando de projetos naquele laboratório [55[55] A. Marques, Rev. Bras. Ensino Fís. 27, 467 (2005).]. Durante sua viagem para a América do Sul, muito provavelmente, deve ter ouvido de cientistas latino-americanos críticas à decisão da Academia de premiar apenas Powell pela descoberta.

Depois de ser ignorado pela Academia pela segunda vez, Occhialini recebeu muitas indicações. Tanto Patrick Blackett, que havia ganhado o Nobel por uma descoberta em colaboração com Occhialini, quanto Powell o indicaram repetidas vezes até meados dos anos 1960. Só Blackett fez onze indicações, o que sugere que para ele a decisão da academia havia sido injusta. Ao todo, Occhialini recebeu trinta e duas indicações, com amplo apoio internacional, inclusive de dez físicos que já haviam sido laureados. A despeito desse grande reconhecimento, o comitê e a Academia nunca voltaram atrás em suas decisões. Na próxima seção, veremos como o comitê avaliou as indicações e quais os seus argumentos para deixar tanto Occhialini quanto Lattes de fora.

6. O Comitê de Física e a Academia de Ciências: Seus Relatórios Sobre os Mésons

Uma vez que recebeu todas as indicações, o comitê do Nobel faz uma seleção preliminar dos candidatos mais fortes para analisar a fundo seus trabalhos. Sem dúvidas, uma evidência da importância das investigações de Lattes é o fato de que sua participação na produção e detecção do méson artificial na Universidade de Berkeley, em 1948, foi considerada seriamente pelo comitê para o prêmio de 1949. A tarefa de produzir um relatório sobre os trabalhos de Lattes e Eugene Gardner, bem como os de Cecil Powell, ficou por conta do físico da Universidade de Uppsala e membro do comitê do Nobel desde 1935, Axel E. Lindh. Surpreendentemente, enquanto fez um relatório de apenas três páginas, bem descritivo, sobre as oito indicações que Powell recebeu naquele ano, Lindh escreveu um longo relatório sobre a única indicação que Lattes teve pela produção artificial do méson e sua detecção. A carta de indicação de Lattes ao Prêmio, de uma única página, de Walter Hill, não dava muitas informações sobre o trabalho. Segundo Hill:

Não conheço os detalhes das experiências que levaram a esta descoberta, mas em todo caso posso afirmar que o resultado obtido é um dos mais transcendentes da física dos últimos anos. Abre um vasto campo de possibilidades para o estudo da massa dos componentes dos mésons, da radiação mesônica e das forças nucleares. A única informação em meu poder limita-se ao anúncio desta descoberta pela imprensa, anúncio posteriormente confirmado por carta privada e pela comunicação feita à American Physical Society durante o Encontro de Washington (29 de abril – 1° de maio de 1948) publicada em The Physical Review, Vol 74 [48[48] W.S. Hill para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência.].

A partir desta carta, Lindh fez uma diligente análise de todos os artigos publicados por Lattes e Gardner ao longo de 1948, listando e comentando todos resultados por eles alcançados. Após discutir o status da técnica, Lindh conclui que:

É óbvio que a descoberta por Gardner e Lattes do método relacionado de produção artificial de mésons é do maior valor científico. Através do método [] parece que novos caminhos e novas possibilidades antes inimagináveis foram abertas para a pesquisa de mésons e, portanto, para a pesquisa de física nuclear como um todo. As investigações realizadas até agora, embora preliminares, dão as melhores esperanças nestes aspectos [56[56] A.E. Lindh, Investigação dos trabalhos de Dr. C.M.G. Lattes e Dr. E. Gardner propostos para premiação (Arquivos Nobel, Estocolmo, 1949)., p. 190].

Grosso modo, Lindh percebe que o controle da produção artificial de mésons iria possibilitar estudos detalhados de suas características, o que a produção em raios cósmicos não conseguia oferecer. Entretanto, no parágrafo seguinte, Lindh vincula o trabalho realizado em Berkeley ao trabalho de Powell, retratando Lattes como um simples estudante que fez suas “primeiras lições” com Powell:

Quando se trata de avaliar o esforço de ambos os investigadores, não se pode ignorar que o sucesso alcançado se baseia principalmente nos resultados do extenso e significativo trabalho pioneiro realizado pelo prof. Powell e do grupo de pesquisa sob sua liderança em Bristol, onde também o dr. Lattes teve suas primeiras lições. Acima de tudo, deve-se mencionar aqui o trabalho que levou ao desenvolvimento do método fotográfico e que fez deste método uma ferramenta eficaz a serviço da moderna pesquisa de mésons, bem como as investigações básicas de rastros de partículas em emulsão fotográfica e suas propriedades características [56[56] A.E. Lindh, Investigação dos trabalhos de Dr. C.M.G. Lattes e Dr. E. Gardner propostos para premiação (Arquivos Nobel, Estocolmo, 1949)., p. 191].

Lindh continua seu relatório dizendo, por um lado, que se sentia: “impedido de defender a proposta apresentada pelo Prof. Hill”, e, por outro, sugerindo que: “a comissão aguardasse por enquanto novas investigações e desenvolvimentos na área em questão.” Ele conclui o documento a respeito da premiação de 1949 dizendo que: “Premiar agora o descobridor do método com um Prêmio Nobel, enquanto o método ainda se encontra em fase experimental e as medições da companhia são apenas preliminares, significaria, na minha opinião, antecipar-nos aos acontecimentos” [56[56] A.E. Lindh, Investigação dos trabalhos de Dr. C.M.G. Lattes e Dr. E. Gardner propostos para premiação (Arquivos Nobel, Estocolmo, 1949)., p. 191]. Nesta última passagem, Lindh está se referindo a Powell como o “descobridor” do método fotográfico. Por ora, é interessante termos em mente que Lindh acabou sendo o responsável, também, pelo relatório do Prêmio Nobel de física de 1950, que ia laurear Powell, e que o Prêmio de 1949 foi concedido a Yukawa pela previsão teórica do méson [57[57] A.E. Lindh, Investigação complementar sobre os trabalhos de Prof. C. F. Powell proposto para premiação (Arquivos Nobel, Estocolmo,1950).].

Quando Powell emergiu como o principal candidato para ganhar, sozinho, o Prêmio de 1950, Lindh redigiu um relatório de vinte e seis páginas para convencer a Academia da escolha feita pelo comitê. Ele discute em detalhes a obra de Powell, estendendo-se para além dos trabalhos ligados diretamente ao méson, dando a entender que sua escolha foi feita considerando o conjunto de seus esforços. De acordo com Lindh:

As realizações científicas do professor Powell – seus méritos no desenvolvimento do método fotográfico como uma ferramenta de pesquisa eficaz e a descoberta do méson pesado usando esse método – são, sem dúvida, dignas de um Prêmio Nobel. A única questão, na minha opinião, é se esse prêmio deve ser concedido apenas ao professor Powell ou compartilhado entre ele e um ou mais de seus principais colaboradores. Os mais proeminentes deles parecem ser o Dr. Occhialini e o Dr. Lattes. Desses, de acordo com o relatório, o Dr. Occhialini é o que deve ser considerado com mais atenção. Seu nome aparece em todos os trabalhos relacionados à descoberta das várias espécies de mésons, o que indica que ele participou ativamente dessas importantes investigações [57[57] A.E. Lindh, Investigação complementar sobre os trabalhos de Prof. C. F. Powell proposto para premiação (Arquivos Nobel, Estocolmo,1950)., p. 128].

Lindh, portanto, reconhece o papel de Occhialini e Lattes nos trabalhos relacionados aos mésons, mas argumenta que, tendo assinado todos os trabalhos ligados à descoberta, Occhialini merecia mais atenção do que Lattes. Essa avaliação sugere que o fato de Occhialini e Powell terem publicado um artigo na Nature sem o nome de Lattes, mesmo com a participação do brasileiro na condução das investigações, pode ter tido um custo para a consideração da premiação dos três físicos em conjunto [58[58] C.L. Vieira e A.A.P. Videira, Physics in Perspective 16, 3 (2014)., p. 14]. Contudo, o restante do relatório deixa claro que isso não mudaria o curso da avaliação.

Nas páginas seguintes, Lindh construiu uma estratégia argumentativa cujo objetivo foi defender que Powell merecia o prêmio sozinho. Tendo previamente desqualificado Lattes como um mero estudante tomando suas “primeiras lições” no laboratório de Powell, a argumentação se voltou para diminuir o papel de Occhialini. Em resposta à indicação de Francis Perrin citada acima, ele reconhece que “é difícil avaliar os esforços empreendidos em cada uma das investigações em questão.” Entretanto, justifica a prioridade de Powell com base em seu “conhecimento” da dinâmica de trabalho do grupo de Bristol:

A presença de vários nomes de autores é bastante natural, pois os cientistas de Bristol trabalham em grupos, o que, na opinião do professor Powell, é a maneira mais frutífera e eficiente de conduzir pesquisas do tipo realizadas em seu laboratório. Até onde eu sei, o professor Powell é o líder dominante de todos os trabalhos em grupo. As tarefas de pesquisa e as diretrizes para sua solução são definidas pelo professor Powell e os resultados obtidos são discutidos em detalhes por ele com o grupo em questão [57[57] A.E. Lindh, Investigação complementar sobre os trabalhos de Prof. C. F. Powell proposto para premiação (Arquivos Nobel, Estocolmo,1950)., p. 130].

O conhecimento de Lindh sobre a existência de uma dinâmica de trabalho em grupo era insuficiente para que ele indicasse como ela ocorria. Estamos tratando de uma física nuclear experimental dependente de uma rigorosa artesania instrumental para a produção e interpretação de dados. Obviamente, esta dimensão do trabalho não vai aparecer nos artigos publicados, artefato cultural acabado, sem os caminhos tortuosos que as investigações trilham. Para compreender a dinâmica do grupo nosso olhar tem que estar direcionado aos cadernos de laboratório e evidências primárias produzidas à época. É inegável que, no final dos anos 1930, o próprio Powell varria as chapas fotográficas através das objetivas dos microscópios em busca dos traços causados por partículas carregadas e se deparava com inúmeros problemas para que análises satisfatórias dos dados fossem executadas. Esses problemas iam desde a necessidade de microscópios de melhor resolução, ao grande espaçamento existente entre os grãos de brometo de prata, que escureciam ao ter contato com as partículas carregadas e formavam o rastro observado nas chapas fotográficas. Esse espaçamento era um dos principais problemas para que as chapas fossem potencialmente tomadas como um instrumento científico porque ele gerava dúvidas quanto ao início e fim dos rastros [59[59] C.F. Powell, Proceedings of the Royal Society of London Series A 181, 344 (1943).].

Para superar essas dificuldades, Powell agiu como um gestor de laboratório ao longo dos anos 1940. Ele adquiriu novos microscópios, conseguiu tempo de uso de aceleradores em laboratórios de cidades próximas a Bristol, como no Cavendish, em Cambridge, e iniciou a formação de uma equipe com muitos membros. Quando Occhialini chegou em Bristol, em setembro de 1945, imediatamente constatou que era necessário adquirir ainda mais microscópios além de ter que realizar trabalhos para melhorar as chapas fotográficas [2[2] H.D. Tavares, I. Gurgel e A.A.P. Videira, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20200330 (2020)., pp. 06–07]. O físico italiano agiu enfaticamente para que os representantes da Ilford os ouvissem e aumentassem a densidade dos grãos de brometo de prata na composição das chapas [3[3] H.D. Tavares, Topoi 24, 505 (2023).], o que foi atendido no final de 1945 [60[60] C.F. Powell, G.P.S. Occhialini, D.L. Livesey e L.V. Chilton, Journal of Scientific Instruments 23, 102 (1946).]. Quando a Ilford entregou as não mais chapas fotográficas, mas, a partir daquele momento, as novas emulsões nucleares, quem passou todo o ano de 1946 trabalhando para transformá-las em um instrumento científico confiável foi aquele que, segundo Lindh, “tomou suas primeiras lições” com Powell, Cesar Lattes. Vejamos, em detalhes, o que Lattes realizou em Bristol e que Lindh, obviamente, não podia saber por não ter estado lá na época dos acontecimentos e muito menos ter o privilégio que temos de olhar retroativamente para estes fatos através de fontes primárias.

7. Os Principais Trabalhos de Lattes Relacionados ao Objeto do Nobel

Lattes chegou a Bristol em fevereiro de 1946 e, imediatamente, foi inserido no programa de pesquisa que Powell liderava. Como ele diz na primeira carta que enviou ao físico e amigo José Leite Lopes: “Cheguei há poucos dias e comecei a trabalhar com o Prof. C. F. Powell sobre o método das chapas fotográficas aplicado à física nuclear. Vamos iniciar experiências sobre o scattering nêutron-próton em condições muito melhores do que as dos trabalhos anteriores.” [61[61] J.L. Lopes, em: Cesar Lattes 70 Anos: A Nova Física Brasileira, editado por A. Marques (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Rio de Janeiro, 1994)., p. 72] Essas melhores condições às quais Lattes se refere seriam propiciadas pelas novas emulsões nucleares, disponíveis para uso no momento de sua chegada. Na realidade, “[] o Occhialini e o Powell estavam com as chapas novas,” segundo se recorda Lattes, “[] mas elas estavam em cima de uma mesa, pois eles estavam terminando um trabalho com as chapas antigas. Coube então a mim pôr isso para andar, determinar razão entre alcance e energia, descriminação de prótons e partículas alfa e assim por diante” [62[62] C.M.G. Lattes, Entrevista concedida a Micheline Nussenzveig e Cássio Leite Vieira e Fernando de Souza Barros (Arquivo Central do Sistema de Arquivos, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997).].

Ao lermos a descrição das tarefas que Lattes fora incumbido em sua chegada, de acordo com o que ele informou a Leite Lopes, vemos os detalhes do que ele pôs para andar em 1946:

Em Cambridge, estou estudando reações provocadas por deuterons de 1 MeV produzidos pelo gerador de alta tensão. No momento estou interessado em “targets” leves (D, Li, Be, B, F); vou procurar esclarecer alguns pontos obscuros relativos a essas reações [e], ao mesmo tempo, determinar a relação energy-range para partículas alpha, prótons e deuterons nas placas que serão usadas no futuro (até pouco tempo atrás, as placas foram tratadas com desprezo pela maioria dos físicos nucleares []). Vou estudar também, desintegrações produzidas por nêutron na própria placa, carregando a mesma com sais de D,18 18 Acreditamos que Lattes tenha se equivocado neste elemento e que ele tenha querido dizer boro (B). Li, Be, etc. Essas experiências de Cambridge serão feitas por [Peter] Cuer [] e por mim [63[63] C.M.G. Lattes para J.L. Lopes, (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.].

Dos vestígios acima, podemos inferir que Lattes foi o responsável por calibrar a recém-chegada emulsão nuclear.19 19 Lattes diz que os resultados alcançados com a B1 podem ser considerados os mesmos caso fossem usadas emulsões tipo C2 e E1. Ver [64]. O processo de calibração deste então pretenso instrumento científico passava pela realização de projeções de partículas a energias controladas para medir o tamanho dos rastros escurecidos que surgiam ao longo de suas passagens pela emulsão. Sabendo de antemão a energia de projeção de cada partícula, era possível construir curvas e tabelas de seus alcances. Para realizar tais medidas, após a exposição da emulsão ao feixe de partículas, o físico deveria usar microscópios para localizar e medir os traços produzidos no detector. Além desta técnica, os físicos de Bristol também usavam a contagem de grãos de brometo de prata escurecidos por uma determinada área ao longo do traço deixado pela partícula na emulsão. Havia um padrão de quantidade de grãos escurecidos a cada 50 mícrons, de acordo com a identidade e energia da partícula projetada. A execução dessas medidas era bastante penosa, requeria muita atenção e certa disposição física para ficar horas ao microscópio. Ainda havia a montagem do arranjo instrumental, composto por acelerador, alvo e o correto posicionamento das emulsões em uma angulação específica. Por fim, ocorria o processamento dos dados e a escrita dos artigos.

Como esse trabalho exigia muita disciplina corpórea para sua execução, a contratação de físicos jovens para o grupo foi uma estratégia adotada por Powell e Occhialini. Isso renovou o espírito do H. H. Wills, como afirma o físico italiano quando, por exemplo, da chegada de Lattes ao laboratório da Universidade de Bristol: “Lattes chegou e a vida no quarto andar do Royal Fort se transformou. Trouxe consigo a agitação da primavera, e a exuberância da energia jovem para aquela atmosfera de uma dedicação sóbria e determinada” [65[65] G.P.S. Occhialini, Cesar Lattes: Os anos de Bristol (Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1984).], ou, em uma outra leitura, para que uma postura proativa de pesquisa fosse implementada, como a memória de Lattes nos mostra ao tratar a impressão que teve de Powell em sua chegada: “[] era conservador, preguiçoso mais que conservador, simpaticíssimo, mas preguiçoso” [66[66] C.M.G. Lattes, [Entrevista] (Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996).] Segundo Lattes, Powell: “[] não tinha iniciativa. Foi preciso o Occhialini e eu chegarmos lá para tirá-lo de 20 anos [sic] de trabalho com emulsões fotográficas que você pode comprar na loja.”20 20 Na realidade, Powell trabalhava com chapas fotográficas há cerca de 10 anos [62].

Esta crítica a Powell, embora retroativa, chama atenção para características da atuação de Lattes em Bristol que foram centrais para a descoberta do méson π. Embora não tivesse experiência com aceleradores, Lattes rapidamente ganhou autonomia e demonstrou iniciativa para desenvolver novos arranjos experimentais a partir de adaptações dos instrumentos já existentes no laboratório.21 21 Lattes recebeu treinamento teórico para usá-los quando era estudante na USP, como as ementas dos cursos de sua época demonstram: Ver: programa elaborado pelo professor Giuseppe Occhialini, da disciplina Física Superior, para o terceiro ano do curso de física geral e experimental, da subseção de ciências físicas, do ano de 1941 [67]. Isso já começa a aparecer nos trabalhos que Lattes conduziu logo após sua chegada a Bristol, primeiro projetando núcleos de samário contra as emulsões [68[68] P. Cuer e C.M.G. Lattes, Nature 158, 197 (1946).], e, depois, usando o feixe do acelerador do Laboratório Cavendish para estudar determinadas reações e como elas agiam nesses novos detectores [69[69] C.M.G. Lattes, P.H. Fowler e P. Cuer, Proc. Phys. Soc. 59, 883 (1947).], experiências que foram centrais para que a comunidade científica tomasse a emulsão nuclear como um instrumento científico confiável.

Essas características da atuação de Lattes ficam ainda mais evidentes nos episódios que levaram à descoberta do méson. Em meio ao trabalho de calibração das emulsões, Lattes fez uma experiência fora do programa do H. H. Wills, que atendia aos seus anseios por estudar colisões provocadas por nêutrons provenientes de raios cósmicos, seu objeto de pesquisa no Brasil. Para experimentos buscando encontrar formas de medir a energia de nêutrons de raios cósmicos, Lattes solicitou à Ilford que incluísse bórax (Na2B4O7) nas emulsões e desenvolveu uma forma de medir indiretamente o momento de nêutrons sobre os quais não se sabe a direção de sua chegada, como é típico em raios cósmicos.22 22 Esta técnica consistiu na feitura de um diagrama de momento das três partículas resultantes – duas alfas e um trítio – e da realização da sua soma vetorial. O resultado desta soma podia ser tomado como equivalente ao valor do momento do nêutron que incidiu na emulsão (com características conhecidas), proveniente da transmutação causada pelo feixe de deutério do acelerador. Os resultados dos experimentos com o acelerador de Cambridge permitiram medir a magnitude e direção dos nêutrons de modo bastante satisfatório.

O próximo passo do programa de Lattes era usar a mesma técnica e emulsões – Ilford tipos C2 e B1 carregadas com boro 10 (B510) – para fazer a dedução da energia dos nêutrons cósmicos, maior do que a máxima, 13 MeV, alcançada com o acelerador. Occhialini ia esquiar no Pic du Midi, a 2.800 metros acima do nível do mar, no outono de 1946, e Lattes lhe pediu para levar emulsões para serem expostas a raios cósmicos àquela altura. Algumas destas emulsões estavam carregadas com boro e outras não.

As chapas do Pic du Midi revelaram, além de uma série de rastros de partículas, uma consequência inesperada da iniciativa de Lattes. A inclusão de boro na emulsão fez com que os grãos de brometo de prata mantivessem uma cor escura por mais tempo. Foi essa característica que permitiu análises cuidadosas das emulsões ao longo de semanas após sua exposição. Lattes, no centro dos acontecimentos, entendia bem o que estava ocorrendo, mesmo antes da detecção do méson. “Minha situação é tal que não posso sair antes de outubro de [19]47”, disse Lattes a Leite Lopes, em novembro de 1946. Ele continua descrevendo sua percepção sobre o trabalho que realizava dizendo que: “Seria loucura perder a oportunidade que ajudei a construir. Este laboratório está agora bem engrenado, cada qual fazendo sua parte, e existe um espírito de equipe formidável” [70[70] C.M.G. Lattes para J.L. Lopes (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.]. No momento de envio desta carta, o primeiro trabalho de Lattes na Nature já havia sido publicado e o segundo estava submetido. Lattes compreendia a importância deles para a física nuclear e participava da análise das emulsões expostas no Pic du Midi.

Enquanto isso, os vestígios de seu nacionalismo científico revelam como ele se via formulador da técnica fotográfica [71[71] H.D. Tavares e A.A.P. Videira, Revista de História 179, a1241 (2020).]. Ao mesmo tempo em que traçava planos com Leite Lopes para construir um instituto de pesquisa em física nuclear no Rio de Janeiro, em um futuro não muito distante, Lattes arquitetava maneiras de levar para o Brasil algum material para análise que permitisse o início dos trabalhos, pedindo a estudantes, que queriam “aprender a técnica que desenvolvi nos últimos meses” [72[72] C.M.G. Lattes para J.L. Lopes (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.], que analisassem emulsões expostas a aceleradores ingleses. Para Lattes, em meio aos acontecimentos, era tudo muito evidente. Ele era o principal desenvolvedor do aspecto prático da técnica de detecção de chapas fotográficas [73[73] H. Tavares, Estud. Av. 37, 253 (2023).], elaborando, inclusive, um método para medir energias de partículas de forma indireta, não publicado àquela altura.

Contudo, parece que o “espírito de equipe formidável” se deteriorou diante de ações da chefia do laboratório, quando ocorreram as primeiras identificações de traços nas emulsões expostas por Occhialini no Pic Du Midi, entre o final de 1946 e primeiros meses de 1947. Em 17 de dezembro de 1946, Occhialini e Powell, sem incluir ou consultar Lattes, que pensou toda a exposição no Pic Du Midi, enviaram à Nature uma carta com os resultados iniciais desta análise [74[74] G.P.S. Occhialini e C.F. Powell, Nature 159, 93 (1947).]. Quando soube, Lattes protestou. Entretanto, a pressa de Occhialini e Powell para publicar os processos de desintegração observados nessas emulsões foi crucial para que sua letter antecedesse a identificação dos mésons nas mesmas emulsões.

Entre dezembro de 1946, provavelmente após o dia 17, e março de 1947, o grupo de observadores de Bristol encontrou seis ou sete eventos nas placas do Pic du Midi que, hipoteticamente, teriam sido provocados por mésons (ver Figura 1).

Figura 1
Primeiros registros de méson em um caderno de anotação da microscopista. O segundo registro, datado de 24 de janeiro de 1947, indica o registro de um méson μ.

Um desses eventos era bem diferente dos demais. O grupo de Bristol observou um traço causado por uma partícula que, claramente, não havia sido deixado por um próton e também não possuía as características que, supostamente, um méson provocaria. Este traço estranho tinha características de uma partícula um pouco mais pesada do que se esperava de um méson e, após ter percorrido alguns mícrons, se transformava no traço daquilo que eles estavam chamando de méson (Figura 2), que acabou sendo fotografado e publicado (Figura 3) [75[75] C.M.G. Lattes, H. Muirhead, G.P.S. Occhialini e C.F. Powell, Nature 159, 694 (1947).]. Ao acompanharmos os detalhes dessa etapa da investigação, presentes nas inscrições dos cadernos de bancada da equipe, chama atenção, pela ausência, uma informação importante. O nome de Isobel Powell, Occhialini, senhoritas Irene Roberts, Margaret Andrews, Marieta Kurtz e o de Lattes aparecem constantemente nos registros de medidas e de contagens de grãos. O de Cecil Powell, não. De toda forma, eram necessários mais dados para oferecer uma melhor compreensão do que estava sendo observado.

Figura 2
Evento com esta particularidade visual não havia sido observado anteriormente. Ele foi interpretado como o traço completo do decaimento de um méson pesado (traço inferior, entrando na emulsão da direita para a esquerda) em um leve. É possível perceber que há uma mudança na espessura dos traços feitos pela observadora, que buscou a semelhança ao que era visto ao longo da trajetória da partícula, que perdia energia conforme avançava sobre os grãos de brometo de prata (processo de ionização) e escurecia uma área (vista como traço) mais larga. Evento número 19, com indicação de ter sido observado em 07 de fevereiro de 1947.
Figura 3
Microfotografia do evento estranho (Figura 3) em seu aspecto na emulsão [75[75] C.M.G. Lattes, H. Muirhead, G.P.S. Occhialini e C.F. Powell, Nature 159, 694 (1947).].

Como é possível perceber, a partir de um experimento pessoal de Lattes, o grupo do H. H. Wills se deparou com traços de mésons e de eventos não muito bem compreendidos. Eram necessários mais dados para compreendê-los. Insatisfeito com as ações de Occhialini e Powell, Lattes assumiu a exposição seguinte, arquitetando e conduzindo uma expedição ao Monte Chacaltaya, em La Paz, na Bolívia, mais elevado do que o Pic du Midi. Lattes deixou Bristol de avião no dia 07 de abril de 1947. Vale a pena lermos o trecho da carta que Lattes enviou a Wataghin no dia 21 de março, ainda quando planejava a expedição, explicando a exposição das emulsões nucleares a raios cósmicos em Chacaltaya que ia realizar:

Chegarei no Rio dia 8 de manhã e seguirei para Cochabamba logo que seja possível (dentro de uma semana no máximo); demorar-me-ei na Bolívia cerca de 15 dias e voltarei ao Brasil. Durante minha permanência no Brasil terei que estudar as placas já reveladas e enviar metade para Bristol; depois de cerca de dois meses voltarei à Bolívia para processar as placas expostas em abril e depositar novas placas. Por enquanto os planos são tais que deveria voltar para Bristol dentro de dois e meio ou três meses, a partir de minha saída. Poderei ficar mais se necessário para as experiências ou para meus interesses pessoais. [] Espero receber notícias suas antes de embarcar. Do contrário, encontrar-nos-emos logo no Brasil [sic] [76[76] C. Lattes para G. Wataghin (Universidade de São Paulo, São Paulo, 1946), correspondência, disponível em: http://acervo.if.usp.br/index.php/carta-de-cesar-lattes-a-gleb-wataghin.
http://acervo.if.usp.br/index.php/carta-...
].

Enquanto estava em expedição a Chacaltaya, saíram, em maio de 1947, os primeiros resultados sobre os mésons na Nature, desta vez incluindo não apenas o nome de Lattes, mas também o de Hugh Muirhead. Tudo ocorria muito rápido. Se em maio eles pensavam que os mésons primário e secundário possuíam a mesma massa, em julho, após terem analisado parcialmente os dados de Chacaltaya, o quadro era outro, como Lattes revela a Leite Lopes.

[] 7 casos já encontrados [a partir de dados de Chacaltaya], em que o méson secundário termina na emulsão. Alcance (Range) homogeneo =606±8 microns. Energia 4 Mev. Massa do secundário definitivamente menor do que a do primário (grain counting mostra isso de maneira definitiva) [77[77] C.M.G. Lattes para J.L. Lopes, de 16 de julho de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1947), correspondência.].

Pelo tom e aspecto das cartas a Leite Lopes, a partir de 1947, algo em Lattes começou a mudar profundamente. Os projetos de futuro que ele traçava se tornaram menos presentes, as missivas deixaram de ser redigidas à máquina e passaram a ser redigidas à mão e, é possível perceber, com mais frequência, desorientação temporal, com datas trocadas, bem como geográfica, confundindo nomes de cidades, sem contar o esquecimento de nomes de pessoas próximas (Figura 4). Há ainda um sutil ar de lamento em suas palavras. “Caro Leite”, diz Lattes em sua primeira carta ao amigo, logo após ter retornado da América Latina, quando expôs e recolheu emulsões no Monte Chacaltaya, em La Paz, na Bolívia, entre abril e junho de 1947:

“[] Cheguei ontem, depois de longa viagem bastante dura. Aqui nada de novo. A turma dos chefes não fez nada nos últimos três meses, a não ser dar entrevistas aos jornais e fazer self-propaganda. [] Na próxima semana haverá uma conferência em Dublin. Não sei ainda se irei” [78[78] C.M.G. Lattes para J. L. Lopes, de 03 de julho de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1947), correspondência.].

Figura 4
Carta enviada por Lattes a Leite em 03 de julho de 1947 [78[78] C.M.G. Lattes para J. L. Lopes, de 03 de julho de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1947), correspondência.].

Lattes não foi a Dublin, mas sim, o chefe de seu laboratório, Powell, que apresentou os primeiros dados sobre a hipótese de dois mésons, colhidos em Chacaltaya [79[79] A.M.R. Andrade, Físicos, mésons e política: a dinâmica da ciência na sociedade (Editora Hucitec, São Paulo, 1999)., p. 40], que iam sair na Nature somente em outubro de 1947 [80[80] C.M.G. Lattes, G.P.S. Occhialini e C.F. Powell, Nature 160, 486 (1947).]. É bastante significativo o fato de que, enquanto Lattes planejou e realizou toda a expedição para expor emulsões no monte Chacaltaya, emulsões estas que renderam as primeiras evidências da existências de dois mésons, Powell ficara “sem fazer nada” ou fazendo “self-propaganda”. Certamente, essa constatação mexeu com os brios de nosso talentoso físico de vinte e três anos de idade, ainda mais depois de uma “viagem bastante dura”.

Entre julho e setembro de 1947, Lattes e outros membros do laboratório trabalharam intensamente na análise dos traços encontrados nas emulsões expostas em Chacaltaya para estabelecer as massas dos dois mésons [81[81] C.M.G. Lattes para J.L. Lopes, de 14, 21 e 28 de setembro de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.]. Enquanto realizavam essa análise, “Powell anda solto no continente”, revelou Lattes a Leite, aproveitando para especificar os locais de peregrinação do líder do H. H. Wills e ironizar suas ações: “Copenhagen, Cracóvia, Suécia etc. Ele se encarrega do departamento de imprensa e propaganda, com grande prejuízo para mim.” Em seguida, há uma passagem muito significativa do sofrimento que Lattes sentia, ainda mais se considerarmos sua linguagem. Lattes fez um desenho para explicar o fenômeno de bolas de sabão ligadas por um canal de comunicação, onde uma delas, a menor, se esvai à medida em que a maior cresce. Apresentar esse desenho é a melhor forma para representarmos o descontentamento do físico brasileiro em meio à situação (Figura 5). O que temos nesta carta é a representação imagética do efeito Mateus nas circunstâncias históricas em que Lattes sofria suas consequências. É muito tocante lermos, ao final da carta, a passagem em que Lattes diz: “Se continuar assim, quando eu voltar ao Brasil terei algum dia o prazer de me pedirem informações sobre as descobertas de Powell e me perguntarem se eu o conheci pessoalmente! Bem, eu estou hoje com o saco cheio” [82[82] C.M.G. Lattes para J.L. Lopes, de 29 de setembro de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.]. É interessante como Lattes, apesar de ainda bastante jovem, previu o que estava para ocorrer em termos de reconhecimento profissional, através de prêmios concedidos pela comunidade científica.

Figura 5
Carta enviada por Lattes a Leite Lopes em 29 de setembro de 1947 [82[82] C.M.G. Lattes para J.L. Lopes, de 29 de setembro de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.].

Por outro lado, parece que Powell pressentiu que o jovem brasileiro não estava satisfeito com o encaminhamento que a situação ganhava ou, talvez, tenha ouvido alguma coisa de Niels Bohr ao longo de sua estadia na Dinamarca, em outubro de 1947. De Copenhagen, o físico inglês escreveu a Lattes e tentou amenizar a situação, atribuindo ao brasileiro papel importante nos trabalhos:

[] é muito satisfatório que você esteja tão associado com uma contribuição substancial, especialmente porque você trabalhou tão arduamente e deu tal contribuição valiosa para o desenvolvimento de nossos métodos etc.23 23 Transcrição de carta de Cecil Powell a Cesar Lattes [83].

Nossa suspeita quanto ao que motivou Powell a enviar essa carta se deve ao fato de Lattes se recordar que, mais ou menos na mesma época, “[] estava em Bristol com as chapas de Chacaltaya e eles [emissários de Bohr] me viram contando, fazendo medidas. Veio em seguida um convite para eu ir fazer um seminário no Instituto de Física e na Sociedade de Física Dinamarquesa” [62[62] C.M.G. Lattes, Entrevista concedida a Micheline Nussenzveig e Cássio Leite Vieira e Fernando de Souza Barros (Arquivo Central do Sistema de Arquivos, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997).]. Lattes foi à Dinamarca em dezembro de 1947, logo após Powell ter acabado de visitar Bohr. Ora, é coerente indagarmos sobre o porquê de Bohr querer conversar com um jovem membro da equipe do H. H. Wills, logo após ter recebido seu líder.

As evidências que possuímos sobre o que ocorreu na residência Carlsberg jogam ainda mais luz na indicação de Lattes por Walter Hill ao Prêmio de 1949 pela produção artificial de mésons. “O Bohr me perguntou se eu ia aos EUA, porque as coisas em Bristol estavam quentes,” recorda-se Lattes. Sua resposta a Bohr contém um misto de curiosidade que move a ciência, um pouco de ousadia da juventude, muito da insatisfação com o que ocorria em Bristol e uma mostra do excelente físico que se transformou desde que chegou na USP: “Respondi que a energia do acelerador de Berkeley parecia não ser suficiente para a produção de mésons. Mas, na verdade, era suficiente se levássemos em consideração a energia interna da partícula incidente e do alvo, chamada de energia de Fermi” [84[84] C.M.G. Lattes, Entrevista concedida a Micheline Nussenzveig e Cássio Leite Vieira e Fernando de Souza Barros, disponível em: https://bibliotecaquimicaufmg2010.files.wordpress.com/2012/02/entrevista.doc, acessado em: 24/05/2024.
https://bibliotecaquimicaufmg2010.files....
].

É absolutamente plausível que Lattes tenha dado essa resposta a Bohr com base em leitura prévia do artigo de Teller e McMillan sobre a força Fermi, que circulou antes de sua ida a Copenhague [85[85] W.G. McMillan e E. Teller, Phys. Rev. 72, 1 (1947).]. Temos que considerar ainda que Lattes acompanhava o trabalho que o físico estadunidense Eugene Gardner realizava no Radiation Laboratory, na Universidade de Berkeley, e conhecia o acelerador que ele tinha à disposição.24 24 Prova disso é a citação de um trabalho de Gardner, sobre a desintegração de núcleos com um feixe de deutério de 200 MeV que ainda ia ser publicado, no último artigo publicado por Lattes com o grupo de Bristol. Ver [80]. O artigo do grupo de Eugene Gardner, do Radiation Laboratory, que estava no prelo, era [86]. Mais do que isso, a mudança do destino de Lattes (de Paris para Berkeley) para gozar uma já assegurada bolsa Rockfeller, após seu tempo em Bristol revela que “algo mudou” entre o envio da proposta de pesquisa, em setembro de 1946, e o momento efetivo da saída de Lattes da Inglaterra, em janeiro de 1948 [2[2] H.D. Tavares, I. Gurgel e A.A.P. Videira, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20200330 (2020)., p. 10]. O que seria esse algo? Nossa hipótese é o artigo do McMillan e Teller, somado à percepção de que era necessária a produção controlada de mésons para que os resultados alcançados em Bristol, com raios cósmicos, ganhassem consistência quantitativa.

Em Berkeley, Lattes consolidou seu trabalho. Ele “ousou” levar sua expertise de detecção para a América, onde sugeriu arranjos experimentais, redigiu artigos, compartilhou dados e seu saber-fazer, além de ter participado ativamente da elaboração de todos os trabalhos publicados pelo grupo em 1948 e de ter criado a figura de “usuário de acelerador” [2[2] H.D. Tavares, I. Gurgel e A.A.P. Videira, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20200330 (2020)., pp. 12–20]. Assim, se olharmos para o conjunto da obra de Lattes, vemos que ele foi o responsável pelo desenvolvimento do aspecto prático da técnica fotográfica em Bristol e peça fundamental para compreender que o acelerador de Berkeley possuía condições para produzir mésons, que ele próprio ia detectar cerca de uma semana após sua chegada aos EUA. Transitar entre raios cósmicos, aceleradores, elementos radioativos, câmaras de Wilson, emulsão nucleares e microscópios conferiu a Lattes, nas circunstâncias analisadas, a reunião de habilidades experimentais para dar decisivo fôlego ao processo histórico de surgimento da física de partículas.

Alex Lindh, em 1949, ao escrever seu relatório para o comitê do Nobel sobre o trabalho de Lattes, não estava em condições de avaliar os cadernos de laboratório de Bristol, nem os de Berkeley, muito menos as cartas e outras evidências primárias que nos chegaram. Certamente, para Lindh, era muito mais plausível reproduzir o comportamento excludente do comitê do Nobel e sugerir que o jovem, com origem em um país periférico, era um aprendiz de Powell do que admitir que, diante de sua ignorância sobre quem liderou a feitura dos trabalhos, a melhor saída era que o Prêmio fosse, ao menos, dividido com Lattes e Occhialini. O tempo que o físico italiano passou no Brasil foi usado por Lindh como evidência de que ele não teve um papel tão importante no desenvolvimento da técnica:

Em relação ao Professor Occhialini, cabe aqui mencionar que ele permaneceu no Brasil durante a guerra e que após o seu término não conseguiu obter passaporte para seu país de origem (Itália), mas sim para a Inglaterra, para onde veio por mediação do Professor Blackett. Ao laboratório do professor Powell em Bristol, Occhialini veio com seu aluno Lattes e seu amigo Camerini. O professor Powell vinha trabalhando em emulsões novas e aprimoradas há vários anos. Estas novas emulsões foram concluídas logo após a chegada de Occhialini a Bristol [57[57] A.E. Lindh, Investigação complementar sobre os trabalhos de Prof. C. F. Powell proposto para premiação (Arquivos Nobel, Estocolmo,1950)., p. 130].

Essa estadia no Brasil se tornou peça chave na conclusão do relatório, onde Lindh argumenta que:

O professor Occhialini, no início de sua estada no laboratório do professor Powell, sentou-se, figurativamente falando, em uma mesa posta. Não se pode contestar que a descoberta do méson pesado foi possível graças ao trabalho de pesquisa enérgico e determinado que o professor Powell dedicou durante vários anos para tornar o método fotográfico útil para o estudo da física nuclear e dos raios cósmicos. Portanto, em minha opinião, pode ser considerado plenamente justificado se o Comitê, assim como o grande número de proponentes deste ano, propuser apenas o professor Powell para o Prêmio Nobel de Física de 1950 [57[57] A.E. Lindh, Investigação complementar sobre os trabalhos de Prof. C. F. Powell proposto para premiação (Arquivos Nobel, Estocolmo,1950)., p. 131].

8. Conclusões: Por que Lattes não Ganhou o Nobel?

A resposta curta e fácil para essa questão é que ele não ganhou porque não foi indicado em 1950, ano em que Cecil Powell foi laureado pelos trabalhos dos quais Lattes participou. Mas Lattes não recebeu nenhuma indicação no ano em que seu colaborador foi laureado, além de o estatuto do Nobel não permitir premiar quem não foi indicado no ano em questão. Porém, essa resposta é insatisfatória. Primeiro, porque ela não explica a razão de Lattes, que, como vimos, teve papel central na colaboração – o que foi reconhecido pelo comitê do Nobel –, não ter recebido reconhecimento em forma de indicações em proporção equivalente à sua contribuição. Segundo, porque o comitê tinha a opção de aguardar mais detalhes a respeito das pesquisas. Caso houvesse inclinação verdadeira para compreender a contribuição dos envolvidos, o Comitê poderia esperar o ano seguinte, quando um deles, inclusive, poderia fazer uma indicação, que foi o que ocorreu no caso de Karl Ferdinand Braun, no Prêmio de 1909.

Como vimos, o comitê reconheceu a importância de Lattes e sobretudo a de Occhialini nos trabalhos. Entretanto, ele concluiu que deveria premiar apenas Powell. Em última instância, para entender porque Lattes não ganhou o Nobel, precisamos compreender a instituição do Nobel e o tipo de concepção de ciência que fundamenta suas decisões. O primeiro ponto é o que Källstrand chamou de primazia da influência. O prêmio, com raríssimas exceções, só é dado a cientistas que já são altamente influentes na comunidade científica. Isso era o resultado de escolhas conscientes, que buscavam dar legitimidade a um prêmio que era conferido por uma instituição da periferia europeia, que duvidava de sua própria capacidade de julgamento, embora envolvesse muito dinheiro. O resultado era, na maioria das vezes, derivado de um processo que reconhecia quem já era conhecido, aumentando a projeção e visibilidade de cientistas já renomados. Lattes, na época em que foi indicado, era um cientista de vinte e poucos anos que não era influente internacionalmente. Ele era influente no Brasil e, talvez, na América Latina, mas não no cenário internacional.

Diante da literatura histórica sobre os trabalhos de Lattes e da avaliação feita pela comunidade internacional que aparece nos documentos do Nobel, podemos dizer que ele foi injustiçado na medida em que recebeu menos reconhecimento do que sua participação nos trabalhos que levaram ao prêmio Nobel podia lhe conferir. Entretanto, devemos ter clareza que não foi uma injustiça direcionada apenas à pessoa Cesar Lattes, nem ao Brasil. Lattes foi vítima de um fenômeno psicossocial, o Efeito Mateus, que gera uma distribuição injusta de crédito e recursos na ciência e está presente em vários níveis. Se olharmos o histórico de decisões do Nobel e a injusta dinâmica de alocação de prestígio acadêmico que prêmios como esse reforçam, não surpreende o fato de Lattes não ter ganhado o Nobel. Jovem e de um país periférico, Lattes estava em desvantagem em comparação a Powell e mesmo a Occhialini. O processo de indicação e avaliação de candidaturas ao Prêmio Nobel feito por seu comitê é um exemplo factual da dinâmica descrita por Robert Merton.25 25 Vale lembrar que esse efeito foi identificado originalmente em um estudo sobre a população de ganhadores do Nobel, o que o torna ainda mais adequado para compreender nosso caso.

Em colaborações científicas, pesquisadores já conhecidos na comunidade recebem ainda mais reconhecimento por suas participações, eventualmente não tão centrais, em trabalhos de impacto. Por outro lado, cientistas desconhecidos têm sua contribuição ofuscada, mesmo se ela tiver sido central para o alcance de resultados importantes. No caso de o autor desconhecido se tornar famoso, sua participação na publicação com os resultados relevantes é retroativamente valorizada. No caso de Lattes, uma vez que ele não deu sequência a seu trabalho com novas publicações de impacto internacional, não ocorreu essa valorização a posteriori de sua participação nas investigações sobre os mésons, de maneira que isso alterasse a percepção da comunidade científica e do comitê do Nobel. Em outras palavras, seria estranho se o jovem brasileiro de vinte e poucos anos, para a surpresa de todos, fosse premiado com uma distinção historicamente conhecida por ser elitista e excludente.

O caso de Lattes é interessante porque essa injustiça foi, em parte, reparada pelo fato de ele ter sido beneficiário do Efeito Mateus no Brasil. Lattes conseguiu usar o prestígio adquirido com sua participação na produção e identificação de mésons não só em prol do desenvolvimento da física brasileira, mas, também, em favor de seus projetos individuais. A discrepância em termos de acesso a recursos chegou a preocupar outros cientistas que diziam que os experimentos liderados por Lattes eram feitos com placas de ouro [6[6] N. Nogueira, De Dentro Da Cartola: A Poética de Agenor de Oliveira (Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2005)., p. 28]. Vale lembrar que o Efeito Mateus, ou Efeito Matilda, ocorre em várias escalas e várias dimensões. Em nível nacional, cientistas de regiões de maior projeção na ciência ganham mais reconhecimento e mais recurso que cientistas de regiões com menores níveis de prestígio acadêmico. O mesmo acontece nos níveis estaduais e institucionais26 26 Merton cita estudos empíricos que mostram como entre cientistas igualmente produtivos, os de instituições de maior prestígio tendem a ter suas contribuições sobrevalorizadas em comparação com aquelas de universidade de menor prestígio [37, p. 56]. e com relação às identidades de gênero e raça de cientistas. Essas desigualdades associadas a esses marcadores sociais tendem a se acumular [38[38] C. Santana, L. Pereira e I. Silva, Cad. Pagu 65, e226524 (2022)., 39[39] G. Feichtinger, D. Grass, P.M. Kort e A. Seidl, Journal of Economic Dynamics and Control 123, 104058 (2021).].

Podemos fazer do caso Lattes e da ocasião de seu centenário uma oportunidade para reflexão sobre os sistemas de crédito na ciência brasileira. Não se trata, de maneira alguma, de minimizar a importância do trabalho de Lattes. Trata-se, sim, de reconhecer que precisamos dar o devido crédito aos trabalhos de cientistas cujas posições sociais os colocam como alvos de preconceitos culturalmente enraizados, conferindo-lhes, como consequência, pouca visibilidade. Muitas pessoas que, como Lattes, deram grandes contribuições à ciência brasileira, ainda não receberam o devido reconhecimento. Em que medida as desigualdades regionais e institucionais reforçam a distribuição de recursos não equitativa na produção científica? Em que medida nossas narrativas sobre a ciência reproduzem estereótipos e essa desigualdade? Como as instituições e agências de fomento podem diminuir as consequências negativas do efeito Mateus? Essas são algumas das questões que o caso Lattes traz à tona.

Mais importante do que buscar reparação da injustiça pelo não reconhecimento do comitê do Nobel da participação central de Lattes na identificação dos mésons, é aprender com esse caso para evitar que nossas práticas e instituições reproduzam esse processo de exclusão preconceituoso. Afinal, Cartola e Carlos Cachaça já diziam que “[] não querendo levá-los ao cume da altura, cientista tu tens e tens cultura.”

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer à Diretoria do CNPq, em especial a Ricardo Galvão e Olival Freire Jr, pelo estímulo para escrevermos esse trabalho no contexto da comemoração do centenário de Lattes; e a Alexandre Correia e Roberto Muniz, que estão organizando as atividades da comemoração do centenário, por questões e conversas que ajudaram a pensar o escopo do artigo. Agradecemos, também, a Saulo Carneiro, Olival e aos pareceristas por comentários e sugestões que ajudaram a aprimorar o artigo.

Essa pesquisa contou com financiamento do Centro de História da Ciência da Academia Real de Ciências da Suécia, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da família de Cesar Lattes.

Referências

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    » https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=583138&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=5766
  • [19]
    Novos caminhos no campo da física nuclear abertos por descoberta do cientista brasileiro Cesar Lattes, Jornal de Notícias, Rio de Janeiro, 11 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=583138&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=5726
    » https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=583138&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=5726
  • [20]
    Era Atômica, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 12 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_07&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=37260
    » https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_07&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=37260
  • [21]
    A Ciência da Atualidade, O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 14 de agosto, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=003581&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=60106
    » https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=003581&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=60106
  • [22]
    Homenagem da Câmara Federal ao descobridor do “méson”, Correio Paulistano, São Paulo, 19 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=090972_09&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=36805.
    »
  • [23]
    Direito Inegável, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 14 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_07&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=37292
    » https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_07&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=37292
  • [24]
    Prêmio Nobel de Física reivindicado para cientista patrício Cesar Lattes, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 28 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_07&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=37542
    » https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_07&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=37542
  • [25]
    Concedidos os prêmios Nobel de Medicina, Física e Química, A Manhã, Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1949, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116408&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=45970
    » https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116408&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=45970
  • [26]
    E Cesar Lattes?, Revista da Semana, Rio de Janeiro, 26 de novembro de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=025909_04&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=29480
    » https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=025909_04&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=29480
  • [27]
    Não custa tão caro como se diz a pesquisa em Física Nuclear, Diário de Pernambuco, Recife, 22 de dezembro de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=029033_12&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=36918
    » https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=029033_12&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=36918
  • [28]
    R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001).
  • [29]
    G. Källstrand, The British Journal for the History of Science 55, 187 (2022).
  • [30]
    G. Källstrand, Public Understanding of Science 27, 405 (2018).
  • [31]
    E.T. Crawford, Nationalism and Internationalism in Science, 1880–1939: Four Studies of the Nobel Population (Cambridge University Press, Cambridge, 1992).
  • [32]
    THE NOBEL PRIZE, The Nobel Prize in Physics 1921, disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1921/summary/, acessado em: 24/05/2024.
    » https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1921/summary/
  • [33]
    L.D.S. Pereira, O. Freire Jr. e A.J.S. Mascarenhas, em: Perspectives on Chemical Biography in the 21st Century, editado por I. Malaquias e P.J.T. Morris (Cambridge Scholars Publisher, Cambridge, 2019).
  • [34]
    L. Dos Santos Pereira, O.F. Júnior e G. Boeck, Ambix 69, 139 (2022).
  • [35]
    P. Lunnemann, M.H. Jensen e L. Jauffred, Palgrave Commun 5, 46 (2019).
  • [36]
    M. Zimmer, Nobel Prizes have a diversity problem even worse than the scientific fields they honor, disponível em: https://www.nature.com/nature-index/news/nobel-prizes-have-a-diversity-problem-even-worse-than-the-scientific-fields-they-honor, acessado em: 03/08/2024.
    » https://www.nature.com/nature-index/news/nobel-prizes-have-a-diversity-problem-even-worse-than-the-scientific-fields-they-honor
  • [37]
    R.K. Merton, Science 159, 56 (1968).
  • [38]
    C. Santana, L. Pereira e I. Silva, Cad. Pagu 65, e226524 (2022).
  • [39]
    G. Feichtinger, D. Grass, P.M. Kort e A. Seidl, Journal of Economic Dynamics and Control 123, 104058 (2021).
  • [40]
    M.W. Rossiter, Soc Stud Sci 23, 325 (1993).
  • [41]
    E. Fermi para Comitê de Física do Nobel, de 11 de janeiro de 1949 (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência.
  • [42]
    N.F. Mott para Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1948), correspondência.
  • [43]
    C.G. Darwin para Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1948), correspondência.
  • [44]
    THE NOBEL PRIZES, Nomination Archive, disponível em: https://www.nobelprize.org/nomination/archive/list.php?prize=1&year=1949
    » https://www.nobelprize.org/nomination/archive/list.php?prize=1&year=1949
  • [45]
    F. Bonenfant para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência.
  • [46]
    P. Koening para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência.
  • [47]
    D.W. Kerst para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência.
  • [48]
    W.S. Hill para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1949), correspondência.
  • [49]
    J. Bartlett para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1948), correspondência.
  • [50]
    Cientista sueco esperado no Rio, Correio Paulistano, São Paulo, 28 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=090972_09&Pesq=Svedberg%20Nobel&pagfis=36929, acessado em: 24/05/2024.
    » https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=090972_09&Pesq=Svedberg%20Nobel&pagfis=36929
  • [51]
    F. Perrin para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1950), correspondência.
  • [52]
    L. Ruzicka para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1952), correspondência.
  • [53]
    L. Ruzicka para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1953), correspondência.
  • [54]
    L. Ruzicka para o Comitê de Física do Nobel (The Royal Swedish Academy of Sciences, Estocolmo, 1954), correspondência.
  • [55]
    A. Marques, Rev. Bras. Ensino Fís. 27, 467 (2005).
  • [56]
    A.E. Lindh, Investigação dos trabalhos de Dr. C.M.G. Lattes e Dr. E. Gardner propostos para premiação (Arquivos Nobel, Estocolmo, 1949).
  • [57]
    A.E. Lindh, Investigação complementar sobre os trabalhos de Prof. C. F. Powell proposto para premiação (Arquivos Nobel, Estocolmo,1950).
  • [58]
    C.L. Vieira e A.A.P. Videira, Physics in Perspective 16, 3 (2014).
  • [59]
    C.F. Powell, Proceedings of the Royal Society of London Series A 181, 344 (1943).
  • [60]
    C.F. Powell, G.P.S. Occhialini, D.L. Livesey e L.V. Chilton, Journal of Scientific Instruments 23, 102 (1946).
  • [61]
    J.L. Lopes, em: Cesar Lattes 70 Anos: A Nova Física Brasileira, editado por A. Marques (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Rio de Janeiro, 1994).
  • [62]
    C.M.G. Lattes, Entrevista concedida a Micheline Nussenzveig e Cássio Leite Vieira e Fernando de Souza Barros (Arquivo Central do Sistema de Arquivos, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997).
  • [63]
    C.M.G. Lattes para J.L. Lopes, (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.
  • [64]
    C.M.G. Lattes, P.H. Fowler e P. Cuer, Nature 159, 301 (1947).
  • [65]
    G.P.S. Occhialini, Cesar Lattes: Os anos de Bristol (Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1984).
  • [66]
    C.M.G. Lattes, [Entrevista] (Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996).
  • [67]
    G. Occhialini, Programa elaborado por Giuseppe Occhialini (Instituto de Física da Universidade de São Paulo, São Paulo, [1940]), disponível em http://acervo.if.usp.br/index.php/programa-elaborado-por-giuseppe-occhialini, acessado em: 09/08/2024.
    » http://acervo.if.usp.br/index.php/programa-elaborado-por-giuseppe-occhialini
  • [68]
    P. Cuer e C.M.G. Lattes, Nature 158, 197 (1946).
  • [69]
    C.M.G. Lattes, P.H. Fowler e P. Cuer, Proc. Phys. Soc. 59, 883 (1947).
  • [70]
    C.M.G. Lattes para J.L. Lopes (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.
  • [71]
    H.D. Tavares e A.A.P. Videira, Revista de História 179, a1241 (2020).
  • [72]
    C.M.G. Lattes para J.L. Lopes (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.
  • [73]
    H. Tavares, Estud. Av. 37, 253 (2023).
  • [74]
    G.P.S. Occhialini e C.F. Powell, Nature 159, 93 (1947).
  • [75]
    C.M.G. Lattes, H. Muirhead, G.P.S. Occhialini e C.F. Powell, Nature 159, 694 (1947).
  • [76]
    C. Lattes para G. Wataghin (Universidade de São Paulo, São Paulo, 1946), correspondência, disponível em: http://acervo.if.usp.br/index.php/carta-de-cesar-lattes-a-gleb-wataghin
    » http://acervo.if.usp.br/index.php/carta-de-cesar-lattes-a-gleb-wataghin
  • [77]
    C.M.G. Lattes para J.L. Lopes, de 16 de julho de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1947), correspondência.
  • [78]
    C.M.G. Lattes para J. L. Lopes, de 03 de julho de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1947), correspondência.
  • [79]
    A.M.R. Andrade, Físicos, mésons e política: a dinâmica da ciência na sociedade (Editora Hucitec, São Paulo, 1999).
  • [80]
    C.M.G. Lattes, G.P.S. Occhialini e C.F. Powell, Nature 160, 486 (1947).
  • [81]
    C.M.G. Lattes para J.L. Lopes, de 14, 21 e 28 de setembro de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.
  • [82]
    C.M.G. Lattes para J.L. Lopes, de 29 de setembro de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.
  • [83]
    C.M.G. Lattes para J.L. Lopes, de 03 de outubro de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.
  • [84]
    C.M.G. Lattes, Entrevista concedida a Micheline Nussenzveig e Cássio Leite Vieira e Fernando de Souza Barros, disponível em: https://bibliotecaquimicaufmg2010.files.wordpress.com/2012/02/entrevista.doc, acessado em: 24/05/2024.
    » https://bibliotecaquimicaufmg2010.files.wordpress.com/2012/02/entrevista.doc
  • [85]
    W.G. McMillan e E. Teller, Phys. Rev. 72, 1 (1947).
  • [86]
    W.W. Chupp, E. Gardner e T.B. Taylor, Phys. Rev. 73, 742 (1948).
  • 1
    Há apenas uma menção nominal a Occhialini, Muirhead e Lattes ao longo de todo o discurso.
  • 2
    Powell soon convinced everyone that it was possible to train young women, with no formal knowledge of physics, to perform this exacting work with expertise and meticulous accuracy. The enthusiasm with which these girls searched out new and unexpected events was certainly no less than that of the physicists who measured and interpreted them.
  • 3
    Sobre o apagamento das contribuições de mulheres ver [5[5] L.D.S. Pereira, C.Q. Santana e L.F.S.P. Brandão, Cadernos de Gênero e Tecnologia 12, 92 (2019).].
  • 4
    No final de 1946, o grupo “4 Ases e 1 Coringa” gravou o samba “Onde estão os tamborins”, sucesso anunciado pelo A Noite para ser entoado ao longo do Carnaval daquele ano [9[9] As Canções Mais Populares do Carnaval de 1947, A Noite, Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1947, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=348970_04&pesq=%22cartola%22%20%22mangueira%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=44754.
    https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocR...
    ]. Em janeiro de 1947 O Cruzeiro e vários outros periódicos, divulgou a letra do samba, de autoria de Pedro Caetano [10[10] Renovar é também morrer, O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 1947, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=003581&pesq=%22cartola%22%20%22mangueira%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=52704.
    https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocR...
    ].
  • 5
    O resultado oficial do concurso das Escolas de Samba do Carnaval de 1947 pode ser encontrado em [13[13] O Carnaval que Passou, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1947, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_06&pesq=mangueira&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=45041.
    https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocR...
    ].
  • 6
    Apesar de não haver, na hemeroteca, notícias com o título do enredo de 1947, sabemos que certamente “Brasil, Ciências e Artes” não foi o de 1948, quando a Mangueira desfilou com “Brasil, Tesouro Invejado” [14[14] Os “Fenianos” Ganharam o Carnaval, Diário da Noite, Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=221961_02&pesq=%22esta%C3%A7%C3%A3o%20primeira%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=42798.
    https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocR...
    ]. Não há evidência de que haja erro no registro das datas na Galeria do Samba.
  • 7
    Em seção chamada “Academia Brasileira de Ciências”, no Jornal do Commercio de 05 de novembro, José Leite Lopes trata os trabalhos de detecção de mésons pelo grupo de Bristol [15[15] Academia Brasileira de Ciências, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 5 de novembro de 1947, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=364568_13&pesq=lattes&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=37773.
    https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocR...
    ].
  • 8
    Sobre a proximidade de Yukawa com os físicos brasileiros, ver [27[27] Não custa tão caro como se diz a pesquisa em Física Nuclear, Diário de Pernambuco, Recife, 22 de dezembro de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=029033_12&pesq=%22nobel%22%20+%20%22lattes%22&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=36918.
    https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocR...
    ].
  • 9
    Todo o processo de deliberação relacionado ao prêmio é mantido sob sigilo por 50 anos, quando os arquivos são abertos para historiadores.
  • 10
    Numerous and persistent nominations of Max Planck, for his discovery of the quantum of energy in 1900, had been coming for several years. But the committee members, like all the king’s men of the rhyme, still hoped that the Humpty-Dumpty of electromagnetic theory could somehow be put together again – and without the seemingly absurd notion that energy is emitted and absorbed in discrete “atoms of energy.” By 1914, the Academy’s avoidance of Planck had become embarrassing [28[28] R.M. Friedman, The Politics of Excellence: Behind the Nobel Prize in Science (Freeman Book, New York, 2001)., p. 74].
  • 11
    Neste trecho, Friedman está se referindo à premiação do químico Fritz Haber. Entretanto, “arrogância provinciana” está em evidência também nos casos de Planck e Einstein discutidos acima.
  • 12
    Isso inclui também a importância para a formação de disciplinas, escolas científicas e instituições. Um caso interessante é o do alemão Wilhelm Ostwald, cujos livros-texto e contribuição para a formação de químicos influentes ajudaram a consolidá-lo como um dos químicos mais importantes do final do século XIX [33[33] L.D.S. Pereira, O. Freire Jr. e A.J.S. Mascarenhas, em: Perspectives on Chemical Biography in the 21st Century, editado por I. Malaquias e P.J.T. Morris (Cambridge Scholars Publisher, Cambridge, 2019)., 34[34] L. Dos Santos Pereira, O.F. Júnior e G. Boeck, Ambix 69, 139 (2022).].
  • 13
    Ver, por exemplo, notícia publicada pela revista Nature, escrita por um cientista que já serviu como consultor do Nobel [36[36] M. Zimmer, Nobel Prizes have a diversity problem even worse than the scientific fields they honor, disponível em: https://www.nature.com/nature-index/news/nobel-prizes-have-a-diversity-problem-even-worse-than-the-scientific-fields-they-honor, acessado em: 03/08/2024.
    https://www.nature.com/nature-index/news...
    ].
  • 14
    O nome é inspirado em Mateus 25:29.
  • 15
    Fermi e Mott são ganhadores do Nobel de física, enquanto Darwin, neto do naturalista Charles Darwin, era diretor do Laboratório Nacional de Física do Reino Unido e herói da Segunda Guerra. Físico da Universidade de Lund, na Suécia, Gustafson era conselheiro científico do primeiro-ministro sueco Tage Erlander (1946 a 1969) e tinha grande influência sobre a política científica sueca no período.
  • 16
    As indicações para 1949 podem ser vistas em [44[44] THE NOBEL PRIZES, Nomination Archive, disponível em: https://www.nobelprize.org/nomination/archive/list.php?prize=1&year=1949.
    https://www.nobelprize.org/nomination/ar...
    ].
  • 17
    Svedberg esteve no Brasil em abril de 1948, cerca de um mês após a descoberta de Lattes ter começado a repercutir na imprensa [50[50] Cientista sueco esperado no Rio, Correio Paulistano, São Paulo, 28 de março de 1948, disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=090972_09&Pesq=Svedberg%20Nobel&pagfis=36929, acessado em: 24/05/2024.
    https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocR...
    ].
  • 18
    Acreditamos que Lattes tenha se equivocado neste elemento e que ele tenha querido dizer boro (B).
  • 19
    Lattes diz que os resultados alcançados com a B1 podem ser considerados os mesmos caso fossem usadas emulsões tipo C2 e E1. Ver [64[64] C.M.G. Lattes, P.H. Fowler e P. Cuer, Nature 159, 301 (1947).].
  • 20
    Na realidade, Powell trabalhava com chapas fotográficas há cerca de 10 anos [62[62] C.M.G. Lattes, Entrevista concedida a Micheline Nussenzveig e Cássio Leite Vieira e Fernando de Souza Barros (Arquivo Central do Sistema de Arquivos, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997).].
  • 21
    Lattes recebeu treinamento teórico para usá-los quando era estudante na USP, como as ementas dos cursos de sua época demonstram: Ver: programa elaborado pelo professor Giuseppe Occhialini, da disciplina Física Superior, para o terceiro ano do curso de física geral e experimental, da subseção de ciências físicas, do ano de 1941 [67[67] G. Occhialini, Programa elaborado por Giuseppe Occhialini (Instituto de Física da Universidade de São Paulo, São Paulo, [1940]), disponível em http://acervo.if.usp.br/index.php/programa-elaborado-por-giuseppe-occhialini, acessado em: 09/08/2024.
    http://acervo.if.usp.br/index.php/progra...
    ].
  • 22
    Esta técnica consistiu na feitura de um diagrama de momento das três partículas resultantes – duas alfas e um trítio – e da realização da sua soma vetorial. O resultado desta soma podia ser tomado como equivalente ao valor do momento do nêutron que incidiu na emulsão (com características conhecidas), proveniente da transmutação causada pelo feixe de deutério do acelerador.
  • 23
    Transcrição de carta de Cecil Powell a Cesar Lattes [83[83] C.M.G. Lattes para J.L. Lopes, de 03 de outubro de 1947 (Centro de Pesquisa e Documentação, Rio de Janeiro, 1946), correspondência.].
  • 24
    Prova disso é a citação de um trabalho de Gardner, sobre a desintegração de núcleos com um feixe de deutério de 200 MeV que ainda ia ser publicado, no último artigo publicado por Lattes com o grupo de Bristol. Ver [80[80] C.M.G. Lattes, G.P.S. Occhialini e C.F. Powell, Nature 160, 486 (1947).]. O artigo do grupo de Eugene Gardner, do Radiation Laboratory, que estava no prelo, era [86[86] W.W. Chupp, E. Gardner e T.B. Taylor, Phys. Rev. 73, 742 (1948).].
  • 25
    Vale lembrar que esse efeito foi identificado originalmente em um estudo sobre a população de ganhadores do Nobel, o que o torna ainda mais adequado para compreender nosso caso.
  • 26
    Merton cita estudos empíricos que mostram como entre cientistas igualmente produtivos, os de instituições de maior prestígio tendem a ter suas contribuições sobrevalorizadas em comparação com aquelas de universidade de menor prestígio [37[37] R.K. Merton, Science 159, 56 (1968)., p. 56].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2024
  • Revisado
    27 Jul 2024
  • Aceito
    27 Jul 2024
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