Acessibilidade / Reportar erro

Esporte adaptado: abordagem sobre os fatores que influenciam a prática do esporte coletivo em cadeira de rodas

Sport for persons with a disability: approach about the factors that influence the practice of team wheelchair sports

Resumos

Este ensaio suscita uma discussão acerca da complexidade do esporte adaptado, diante da forma reducionista como o fenômeno tem sido definido ao longo do tempo. Entende-se que este é um construto complexo e, portanto, a abordagem para o seu entendimento deve ser de pensamento complexo. Foram discutidos os vários aspectos relacionados à prática do esporte pelas pessoas com deficiência e como os trabalhos devem ser conduzidos neste campo. Embora o esporte adaptado tenha efeitos positivos sobre variáveis como reabilitação e inclusão social, este não pode ser definido apenas com base nestas questões e sim como um fenômeno complexo e abrangente.

Esporte; Deficiência; Treinamento


This paper gives rise a discussion about the complexity of wheelchair sports highlighting the reductionist way in wich the phenomenon has been defined over time. It is understood that this is a complex construct and therefore the approach for its understanding thought to be complex. We discussed various aspects related to the practice of sport for people with disabilities and how the studies should be conducted in this field. Although the sport has adapted positive effects on variables such as rehabilitation and social inclusion, this can't be defined solely on these issues, but as a complex and comprehensive phenomenon.

Sports; Disability; Training


Esporte adaptado: abordagem sobre os fatores que influenciam a prática do esporte coletivo em cadeira de rodas

Sport for persons with a disability: approach about the factors that influence the practice of team wheelchair sports

Anselmo de Athayde Costa e SilvaI; Renato Francisco Rodrigues MarquesII; Luis Gustavo de Souza PenaI; Sheila MolchanskyI; Mariane BorgesI; Luis Felipe Castelli Correia de CamposI; Paulo Ferreira de AraújoI; João Paulo BorinI; José Irineu GorlaI

IFaculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas

IIEscola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

Endereço Endereço: José Irineu Gorla Faculdade de Educação Física Universidade Estadual de Campinas Av. Érico Veríssimo, 701 13083-851 - Campinas - SP - BRASIL e-mail: gorla@fef.unicamp.br

RESUMO

Este ensaio suscita uma discussão acerca da complexidade do esporte adaptado, diante da forma reducionista como o fenômeno tem sido definido ao longo do tempo. Entende-se que este é um construto complexo e, portanto, a abordagem para o seu entendimento deve ser de pensamento complexo. Foram discutidos os vários aspectos relacionados à prática do esporte pelas pessoas com deficiência e como os trabalhos devem ser conduzidos neste campo. Embora o esporte adaptado tenha efeitos positivos sobre variáveis como reabilitação e inclusão social, este não pode ser definido apenas com base nestas questões e sim como um fenômeno complexo e abrangente.

Palavras-chave: Esporte; Deficiência; Treinamento.

ABSTRACT

This paper gives rise a discussion about the complexity of wheelchair sports highlighting the reductionist way in wich the phenomenon has been defined over time. It is understood that this is a complex construct and therefore the approach for its understanding thought to be complex. We discussed various aspects related to the practice of sport for people with disabilities and how the studies should be conducted in this field. Although the sport has adapted positive effects on variables such as rehabilitation and social inclusion, this can't be defined solely on these issues, but as a complex and comprehensive phenomenon.

Key words: Sports; Disability; Training.

Introdução

O esporte é um fenômeno sociocultural com formas de manifestação heterogêneas1. O esporte adaptado se coloca como uma destas possibilidades, sendo um objeto complexo com raízes na reabilitação de soldados no momento pós II Guerra2, atualmente é um fenômeno global que desperta a atenção devido a inúmeras características particulares: possibilidade de ascensão social, oportunidade de prática em condições de igualdade, melhorias da aptidão física, e condições de saúde entre outras.

Estudos têm associado à prática esportiva benefícios relativos à reabilitação3, à inclusão social4 e também à saúde5. Tais orientações denotam paradigmas específicos sobre o esporte adaptado e são derivadas das influências da sociedade sobre o fenômeno e as decorrentes respostas que este oferece ao espaço social. Devido à sua pluralidade de manifestações, para analisá-lo de modo amplo, faz-se necessário considerar sua complexidade.

O pensamento complexo considera que não basta elencar vários aspectos de um objeto para entendê-lo e, mas sim é preciso considerar as interações entre eles e as influências mútuas, sem hierarquia e considerando suas imprevisibilidades6.

A ideia de Complexidade não segue o caminho linear do desenvolvimento (começo, meio e fim), mas sim, as inúmeras possibilidades de interação do objeto com o espaço social. Não visa desconsiderar a razão ou outra forma de pensamento, mas entende que o pensamento reducionista ignora algumas dimensões humanas e não se faz suficiente para entender a sociedade e os sujeitos que a compõem7.

Todavia apesar de consenso na literatura sobre a necessidade de abordagem dos fenômenos de forma complexa e não reducionista, o esporte adaptado tem sido apresentado e definido em muitas oportunidades a partir de apenas algumas de suas facetas. No entendimento dos autores deste estudo, define-se o esporte adaptado como um construto complexo que não pode ser encarado de forma reduzida à condição de preparação física, reabilitação ou ao "status" de "ferramenta de inclusão". Há o temor ainda de que a negligência no tratamento do esporte adaptado, oriunda de uma visão reducionista sobre suas formas de manifestação, possa resultar em prejuízos para os principais envolvidos na prática: os atletas com deficiência.

O objetivo geral deste trabalho é, a partir de reflexão teórica, apresentar e discutir o esporte adaptado sob a luz da complexidade de modo a estruturá-lo como um fenômeno abrangente, que sofre e exerce influência da sociedade contemporânea.

Explicar ou descrever o esporte adaptado exige, mais do que elencar conteúdos e fatores condicionantes, considerar que ele tem o poder de transformar a vida dos sujeitos que com ele se relacionam, assim como tais indivíduos podem modificá-lo. Diante disso, o objetivo específico deste estudo é apresentar um modelo para compreensão do esporte adaptado, contextualizando e relacionando seus conceitos e componentes conformadores com o momento que este campo de estudo atravessa. A metodologia utilizada se baseia em três momentos: apresentação e adaptação do modelo da teoria geral do Esporte de MATVEEV8; análise de seus componentes; reflexão sobre as interações complexas características do esporte adaptado. Com isto espera-se compreender as diferentes facetas e componentes do esporte adaptado, sem perder a noção de complexidade e influência mútua que o caracteriza.

Fundamentos do esporte adaptado

Esporte adaptado é um termo utilizado apenas no Brasil e consiste em uma possibilidade de prática para pessoas com deficiência. Para tanto regras, fundamentos e estrutura são adaptados para permitir a participação destas pessoas2. Em outros idiomas, o termo mais comum é Esporte para pessoas com Deficiência ou "Sport for Persons with a Disability"9. Já o termo esporte Paralímpico designa as modalidades adaptadas que fazem parte do programa dos Jogos Paralímpicos.

TWEED e HOWE10 afirmam que o crescimento do esporte paralímpico se deve a três fatores: efetividade do esporte no processo de reabilitação, direito das pessoas com deficiência à prática do esporte e, caráter da modalidade enquanto entretenimento. Porém, pode-se sugerir que tais componentes não se aplicam apenas ao esporte paralímpico e sim ao esporte adaptado em geral.

MATVEEV8 apresentou um esquema que define a teoria geral do esporte. Em tal modelo o autor tece considerações sobre as inter-relações recorrentes entre as diversas áreas do conhecimento quando estas convergem no esporte. Com base no esquema proposto sugere-se um modelo para compreensão dos fundamentos do esporte adaptado, no qual os grandes fatores determinantes do fenômeno exercem sua influência (FIGURA 1). É possível afirmar de forma semelhante ao proposto por MATVEEV8 que a redução ou desconsideração a algum dos componentes do modelo resulta em prejuízos para o resultado que se pretende atingir no esporte adaptado e possivelmente para seus praticantes. A seguir é apresentada uma descrição dos aspectos componentes do modelo.


Aspectos biológicos

Em relação aos componentes biológicos, trata-se de compreender as complicações relativas à funcionalidade fisiológica, metabólica e/ou neuromuscular, decorrentes da deficiência (adquirida ou congênita), que influenciam diretamente o comportamento motor do atleta.

Dessa forma, a evolução no processo de treinamento de alto rendimento no esporte adaptado se deve à análise do impacto que a prática esportiva tem na aptidão física. De modo geral, tais benefícios podem ser relacionados à composição corporal11-12, à função cardiorrespiratória13-14, aos parâmetros neuromotores como força muscular13,15-17, aos níveis de tolerância do sistema energético anaeróbio para realização de atividades intensas18-21 e aos componentes das habilidades motoras22.

Aspectos psicológicos

A psicologia do esporte enquanto área do conhecimento ainda pode ser considerada uma área de tímida produção no Brasil e no que concerne ao esporte adaptado, escassos são os trabalhos publicados, o que sugere um vasto campo de pesquisa e intervenção. Estudos realizados no Brasil sobre as influências do esporte adaptado no domínio psicológico relatam melhoras em autoconceito e autoestima23 e valorização pessoal23-24.

Considerando o ponto de entrada no mundo do esporte é preciso ter a consciência de que sujeitos que adquirem alguma deficiência na idade adulta tendem a desenvolver no esporte expectativas que deem ao fenômeno uma conotação mais intensa de superação em detrimento aos seus pares com deficiência congênita ou adquirida ainda na infância. Assim sendo é imprescindível saber a origem da deficiência, afinal a pessoa cuja deficiência é congênita não deve ter experimentado as mudanças repentinas oriundas da deficiência25. Em contrapartida, uma pessoa com a deficiência congênita pode ter passado por privações quanto às experiências motoras e discriminações o que faz com que seja necessário conhecer estas implicações para melhor construção do diálogo a ser estabelecido com cada atleta25.

De acordo com FIGUEIRA26 a deficiência interfere não apenas na pessoa que a possui (nos aspectos personalidade, relações familiares e sociais, aspectos estruturais ou funcionais), mas também no profissional que com ela trabalha o que acarreta a necessidade de capacitação profissional para lidar com o atleta deficiente.

Previamente ao início do trabalho com modalidades adaptadas torna-se imperativo conhecê-la em suas minúcias (e.g.: regras, características principais, caráter eletivo e excludente, classificação funcional etc), e conhecer todas as implicações da deficiência para o atleta praticante de determinada modalidade. Uma destas implicações reside na questão ambiental. A acessibilidade nem sempre é garantida principalmente às pessoas usuárias de cadeira de rodas, trazendo inúmeros empecilhos, transtornos e constrangimentos. Além disso, aspectos relativos aos deslocamentos para treinos e viagens podem requerer auxílio em termos de material humano (por exemplo, enfermeiros) e estrutura (ônibus e automóveis adaptados etc) o que pode influir sobre o estado psicológico do atleta diante de situações competitivas.

Trabalhar com atletas que possuem deficiências, também requer o entendimento de variáveis psicológicas que afetam as performances individuais. RAVIZZA27 descreve a autoconsciência como o conhecimento sobre as próprias emoções, pensamentos e comportamentos. Este conhecimento é importante porque possibilita ao atleta identificar seus pontos fortes e fracos o que influência nas metas dos treinos e competições segundo BUTLER e HARDY28.

O aspecto motivacional é outro ponto de vital importância no trabalho com atletas deficientes. SHEARER e BRESSAND25 apontam fatores que podem motivar a prática esportiva por este sujeito e destacam que muitos atletas vislumbram no esporte a possibilidade de se firmarem enquanto pessoas "normais" e portanto podem encarar o fenômeno como uma "ajuda" à sua deficiência. Por este ponto ressalta-se a propriedade inclusiva do esporte, pois o simples fato de estar engajado na prática esportiva já altera o paradigma da pessoa com deficiência fazendo com que esta se veja de forma diferente.

O processo de avaliação psicológica irá permitir a melhora da psicodinâmica (funcionamento psicológico) dos atletas visando torná-la mais compreensível e, com isso a comissão técnica passa a compreender de forma mais efetiva o os diferentes comportamentos frente a variadas situações. Isto corroborará na montagem de treinamentos mais assertivos e de acordo com as capacidades individuais, o que certamente irá contribuir para a excelência de desempenho.

Aspectos da modalidade

Cada modalidade é dotada de particularidades que irão direcionar o planejamento e a subsequente condução das atividades. Um princípio primordial a ser observado é que em função da classificação funcional, os atletas irão apresentar diferentes potenciais funcionais. Como exemplo, é possível citar o caso do "rugby" em cadeira de rodas, esporte no qual, em função da classificação funcional acabam por existir dois grupos nos quais os atletas são subdivididos: "pontos baixos", cuja classificação varia de 0,5 a 1,5 e que são jogadores cuja característica é de ação defensiva através de bloqueios nas situações de ataque e defesa, ou seja, são atletas que irão trabalhar em função do outro grupo os chamados "pontos altos". A classificação para estes varia de 2,0 a 3,5 e são jogadores que desempenham função mais agressiva e têm a responsabilidade de carregar a bola nas situações de ataque.

Tal diferença em volume funcional é recorrente nos esportes coletivos em cadeira de rodas. Cabe ao técnico conhecer o sistema de classificação em suas particularidades, pois um erro de julgamento pode fazer com que um atleta seja treinado para uma função não condizente com seu potencial funcional. Além disso, para aquelas modalidades que possuem semelhança com a versão convencional, é preciso que os técnicos tenham consciência das diferenças existentes em relação ao esporte adaptado. Tomando como exemplo o caso do Handebol em Cadeira de Rodas (HCR) o sistema de posicionamento convencional bem como as habilidades a serem desempenhadas com a bola deve ser analisado com certo cuidado. Um atleta tetraplégico, por exemplo, não é capaz de executar as habilidades em que se exige manipulação da bola da mesma forma que amputados e paraplégicos, devido ao maior grau de comprometimento neuromuscular que afeta os membros superiores. Neste caso tal atleta está apto a desempenhar as funções de bloqueio e marcação que são funções táticas de grande importância para a equipe, ou seja, cabe ao técnico saber motivar o atleta para o cumprimento daquela função.

O foco da prática pedagógica deve ser na pessoa que pratica a atividade, portanto ao lidar com o atleta com deficiência, é importante considerar as especificidades que cercam o sujeito, como por exemplo, tempo de lesão, funcionalidade e experiências motoras prévias. Dessa forma, o profissional deve controlar o ambiente e os objetivos de acordo com o indivíduo, para que a prática seja benéfica29.

Um aspecto interessante do esporte adaptado é que diferentemente do esporte convencional o processo de iniciação esportiva muitas vezes tende a ser acelerado/condensado. Espera-se que na fase de iniciação esportiva, o atleta deva conhecer os fundamentos básicos de cada modalidade. No caso de esportes em cadeira de rodas, ao receber um sujeito amputado ou com lesão na medula espinhal, o primeiro fundamento a ser trabalhado, deve ser o contato com a cadeira de rodas esportiva, pois isto possibilitará em fase posterior, conhecer os fundamentos específicos da modalidade escolhida.

No trabalho de base é fundamental a aquisição de habilidades motoras e fundamentos técnicos. As principais estratégias para esse trabalho são os exercícios sincronizados e analíticos. Todavia, deve-se entender a função dessas estratégias e não tornar a técnica como um ponto de chegada, limitando a abordagem dada à modalidade esportiva. A técnica deve ser considerada como um ponto de partida, possibilitando a aquisição de um maior repertório motor, ou seja, mais ferramentas para a resolução dos problemas inerentes ao jogo30.

Segundo FERREIRA et al.31, ao ensinar uma modalidade coletiva, deve-se combinar elementos específicos do jogo, como aspectos técnicos e táticos, com a compreensão do jogo, através de situações-problema, em ambientes abertos. No esporte adaptado, essas estratégias são fundamentais na aquisição de habilidades motoras, principalmente na fase de iniciação, onde relações com a cadeira de jogo, entendimento da modalidade, são imprescindíveis para o sucesso esportivo.

Além da organização do ambiente, para se obter êxito esportivo, deve-se levar em conta aspectos genéticos e a metodologia da aprendizagem e do treinamento. Outro fator importante, na fase de iniciação, é a variedade de estímulos nas primeiras fases e o trabalho com a especificidade de cada modalidade e a posterior especialização32.

Quando a deficiência é congênita, o processo de iniciação esportiva pode se dar da mesma forma que no esporte convencional, tomando cuidado sempre de adaptar as atividades e exigências de acordo com o nível do praticante, além de proporcionar estímulos espontâneos, que facilitem o entendimento da prática esportiva e aquisição de habilidades motoras.

Aspectos sociais

O esporte é um fenômeno permeado por valores e simbolismos próprios, que tanto transformam quanto sofrem influência da sociedade em que se insere. Analisá-lo como ambiente de relações humanas exige compreendê-lo como objeto com múltiplas formas de manifestação1,33. O esporte adaptado se configura como uma delas e tem no movimento paralímpico sua faceta de maior destaque atualmente, principalmente por suas características de alto rendimento.

O profissionalismo mais acentuado no esporte paralímpico nos últimos anos não o privou de continuar promovendo o empoderamento (do inglês "empowerment") para pessoas com deficiência, porém o levou a cumprir função social com base em perspectivas de mercado e comercialização. Essa mudança de perspectiva tem aumentado o poder econômico de suas entidades organizadoras34. O profissionalismo tem sido a fonte do crescimento e abrangência do esporte paralímpico em escala mundial, mas ao mesmo tempo também tem motivado algumas discussões sobre formas de atuação de administradores, técnicos, atletas, árbitros, classificadores, entre outros agentes sociais.

Um tópico importante caracteriza-se pelo potencial inclusivo deste fenômeno. O esporte adaptado posiciona-se na sociedade contemporânea como importante meio de inclusão social e empoderamento de pessoas com deficiência, porém o componente competitivo lhe confere uma face excludente, na qual sujeitos são selecionados e comparados frente sua capacidade atlética35. O crescimento da importância social e do profissionalismo presente no esporte paralímpico lhe confere um papel paradoxal frente à inclusão de pessoas com deficiência. Por um lado, pode ser tomado como importante meio de divulgação de práticas esportivas adaptadas e forma de ascensão social, mas por outro, os mecanismos de classificação e competição esportiva remetem ao destaque de poucos atletas neste espaço36.

A prática esportiva pode ser um componente facilitador para a inclusão social, pois possibilita aos atletas fazerem parte de um grupo no qual existem mais pessoas com as mesmas condições e seus feitos são valorizados37. Porém, o limiar entre o sucesso e o fracasso é muito tênue, sendo dependente de configurações específicas, como os sistemas de classificação. Por exemplo, em modalidades individuais, fazer parte do grupo menos comprometido em uma classe pode simbolizar maiores chances de sucesso do que ser um dos mais comprometidos em outra5, e em modalidades coletivas a pontuação recebida pode facilitar ou dificultar a participação nos jogos38. Assim, os classificadores recebem destaque como agentes de grande poder social neste espaço5.

Outra questão relevante quanto à inclusão social diz respeito à representatividade política de pessoas com deficiência em órgãos de administração paralímpica. Atletas canadenses, norte-americanos, britânicos e israelenses apontaram o esporte como um meio de manifestação política das pessoas com deficiência, tanto como forma de posicionamento e exigência de melhores condições na sociedade como um todo, quanto dentro do próprio movimento paralímpico39. A presença de administradores com deficiência nos principais cargos de organização esportiva pode ser consequência do anseio por representatividade da classe de atletas e forma de afirmação de autonomia destes sujeitos frente ao espaço social40.

Aspectos de avaliação motora em esporte adaptado

A avaliação serve a um objetivo importante na área do Esporte Adaptado. Quando realizada sob vários aspectos do comportamento motor de um indivíduo, torna possível ao especialista em Educação Física Adaptada/Esporte Adaptado monitorar, identificar e obter esclarecimentos sobre estratégias a serem aplicadas.

Segundo DEPAUW41 a investigação, anterior aos anos 70, sobre a atividade física em indivíduos deficientes, foi sobretudo descritiva, concentrando-se em três áreas fundamentais: a) identificação de problemas motores; b) efeitos da atividade física; c) descrição do crescimento e do desenvolvimento das crianças deficientes. Naquela década, centraram-se sobretudo na fisiologia e na biomecânica. Nos anos 80, segundo a mesma autora, deu-se um aumento substancial das investigações. As áreas de estudo diversificaram-se e os procedimentos tornaram-se mais sofisticados e variados.

Os esforços sistemáticos da investigação foram devotados ao entendimento das bases científicas, fisiológicas e biomecânicas do desempenho. Entre o período de 2000 a 2012, houve um grande crescimento das práticas de esportes adaptados e, com isso, a necessidade da sistematização dos processos de avaliação e dos programas de intervenção42. As investigações no período de 2000 até as mais recentes podem ser agrupadas nas seguintes áreas: a) ensino e aprendizagem das atividades físicas; b) fatores de influência na atividade física; c) efeitos da atividade física; e d) habilidades motoras e performance (rendimento).

Acredita-se que a identificação dos perfis neurológico, fisiológico, morfológico, psicológico, social e de desempenho motor das pessoas com deficiências irá fornecer um conhecimento significativo sobre essa população. No mesmo sentido, quando esses fatores forem relacionados à prática dos esportes, poderão ser geradas informações que auxiliem em melhores estratégias de planejamentos para modalidades esportivas.

Reflexões sobre o esporte adaptado

Neste estudo optou-se por uma abordagem que faz uso do pensamento complexo6, pois se entende que esta é uma forma de considerar as múltiplas influências que conferem ao fenômeno um caráter de imprevisibilidade. Pelo exposto neste ensaio define-se que os fatores componentes do construto esporte adaptado podem ser agrupados em quatro grupos sendo, aspectos biológicos, aspectos psicológicos, aspectos da modalidade e por fim aspectos sociais e o conceito aqui definido é que o esporte adaptado é algo mais do que a soma destes fatores.

Cabe ao professor de educação física adaptada (e.g.: técnicos, instrutores etc) lidar com diferentes situações que são passíveis de ocorrer em decorrência das varias facetas do fenômeno esporte. Esta multiplicidade confere ao esporte um caráter de imprevisibilidade. Dessa forma não é possível estabelecer modelos preditores que possibilitem a estimativa de forma confiável do resultado esportivo.

Diferentes são os quadros que podem ser encontrados na prática do esporte. Cada pessoa pode ser considerada um sistema composto pela sua deficiência (e suas peculiaridades), pelos seus objetivos pessoais (os quais podem estar relacionados à questão psicológica, a questão social entre outras), pelos aspectos biológicos (e aqui se inserem as capacidades e potencialidades para a prática de uma determinada modalidade) e, que irá atuar num contexto determinado pelas especificidades da modalidade.

O estabelecimento de um paradigma mais complexo sobre o esporte adaptado causa o entendimento do fenômeno e suas inter-relações (FIGURA 1). Com isto possível entender o atleta como um todo e não apenas como um organismo que responde ao treinamento de forma biológica (no caso do treinamento ou da reabilitação) ou de forma psicológica (no caso da inclusão). Neste sentido é possível ampliar o entendimento acerca da avaliação, ou seja, é possível planejar o processo avaliativo para torná-lo mais abrangente e efetivo.

Entende-se também que o modelo para compreensão do esporte adaptado, aqui proposto, tem um efeito sobre o atleta com deficiência, o qual é entendido como o principal sujeito daquele campo de estudo/trabalho. Assim cai por terra a visão de que somente o treinamento físico seja o grande responsável pelo resultado esportivo. Embora seja de grande importância, cabe ressaltar a influência dos demais aspectos (FIGURA 1) que podem ser expressas nas questões individuais que agem no indivíduo.

A título de resumo é possível apontar alguns aspectos referentes ao esporte adaptado os quais resumem os tópicos mais relevantes deste ensaio. Em primeiro lugar entende-se que o esporte adaptado é um fenômeno complexo e este entendimento não deixa espaço para definições do esporte baseadas em suas facetas, como, por exemplo, esporte como fator de reabilitação ou inclusão. O pensamento complexo acerca do esporte pode permitir aos técnicos a realização de um trabalho mais consistente a partir do momento que o profissional entende que vários são os fatores que irão definir o resultado esportivo. Esta abordagem abre novas possibilidades de investigação, pois são necessárias evidências que possibilitem a quantificação das relações existentes entre as facetas do modelo.

Notas

O autor Anselmo de Athayde Costa e Silva é bolsista Capes de Doutorado.

Os autores Luis Gustavo de Souza Pena, Luis Felipe Castelli Correia Campos foram bolsistas CNPq de Mestrado, durante a elaboração do trabalho.

Recebido para publicação: 30/01/2013

Aceito: 18/02/2013

  • 1. Stigger MP. Educação física, esporte e diversidade. Campinas: Autores Associados; 2005.
  • 2. Araújo PF. Desporto adaptado no Brasil. São Paulo: Phorte; 2011. v. 1.
  • 3. Cardoso VD. A reabilitação de pessoas com deficiência através do desporto adaptado. Rev Bras Cien Esporte. 2011;2:529-39.
  • 4. Costa AM, Souza SB. Educação física e esporte adaptado: história, avanços e retrocessos em relação aos princípios da integração/inclusão e perspectivas para o século XXI. Rev Bras Cien Esporte. 2004;3:27-42.
  • 5. Wu S, Williams T, Sherril C. Classifiers as agents of social control in disability swimming. Adap Phys Act Q. 2000; 7:421-36.
  • 6. Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 2a ed. Lisboa: Insituto Piaget; 1995.
  • 7. Santana WC. Pedagogia do esporte na infância e complexidade. In: Paes RR, Balbino HF. Pedagogia do esporte: contextos e perspectivas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.
  • 8. Matveev LP. Teoria general del entrenamiento deportivo. Barcelona: Paidotribo; 2001.
  • 9. Mauerberg-deCastro E. Esporte para deficientes: do alto rendimento ao esporte de participação. In: Mauerberg-deCastro E. Atividade física adaptada. Ribeirão Preto: TecMedd; 2005. p. 437-83.
  • 10. Tweed S, Howe D. Introduction to the paralympic movement. In: Vanlandewijck Y, Thompson W, editors. The paralympic athlete. Singapore: Wiley-Blackwell; 2011. p. 294.
  • 11. Kelly S, Nehrenberg D, Hua K, Garland T, Pomp D. Exercise, weight loss, and changes in body composition in mice: phenotypic relationships and genetic architecture. Phys Gen. 2011;4:199-212.
  • 12. Sutton L, Wallace J, Goosey-Tolfrey VL, Scott M, Reilly T. Body composition of female wheelchair athletes. Int J Sports Med. 2009;4:259-65.
  • 13. Jacobs P, Nash M, Rusinowski J. Circuit training provides cardiorespiratory and strength benefits in persons with paraplegia. Sports Med. 2001;13:711-7.
  • 14. Janssen T, Dallmeijer A, Veeger DJ, Van der Woude LH. Normative values and determinants of physical capacity in individuals with spinal cord injury J Rehabil Res Dev. 2002;1:29-39.
  • 15. Dallmeijer A, Kappe Y, Veeger D, Janssen T, Van der Woude L. Anaerobic power output and propulsion technique in spinal cord injured subjects during wheelchair ergometry. J Rehabil Res Dev. 1994;2:120-8.
  • 16. Hicks AL, Martin Ginis KA, Pelletier CA, Ditor DS, Foulon B, Wolfe DL. The effects of exercise training on physical capacity, strength, body composition and functional performance among adults with spinal cord injury: a systematic review. Spinal Cord. 2011;11:1103-27.
  • 17. Noreau L, Vachon J. Comparison of three methods to assess muscular strength in individuals with spinal cord injury. Spinal Cord. 1998;10:716-23.
  • 18. De-Groot S, Janssen T, Evers M, Van der Luijt P, Nienhuys K, Dallmeijer A. Feasibility and reliability of measuring strength, sprint power, and aerobic capacity in athletes and non-athletes with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2012;7:647-53.
  • 19. de Lira CA, Vancini RL, Minozzo FC, et al. Relationship between aerobic and anaerobic parameters and functional classification in wheelchair basketball players. Scand J Med Sci Sports. 2010;4:638-43.
  • 20. Morgulec-Adamowicz N, Kosmol A, Molik B,; Yilla A, Laskin J. Aerobic, anaerobic, and skill performance with regard to classification in wheelchair rugby athletes. Res Q Exerc Sport. 2011;1:61-9.
  • 21. Turbanski S, Schmidtbleicher D. Effects of heavy resistance training on strength and power in upper extremities in wheelchair athletes. J Str Cond Res. 2010;1:8-16.
  • 22. Gorla JI, Costa e Silva AA, Costa LT, Campos LFCC. Validação da bateria "Beck" de testes de habilidades para atletas brasileiros de "rugby" em cadeira de rodas. Rev Bras Educ Fís Esporte 2011;3:473-86.
  • 23. Gorgatti MG, Serassuelo H, Santos SS, Nascimento MB, Oliveira SRS, Simões AC. Tendência competitiva no esporte adaptado. Arq San Pesq Saúde. 2008;1:18:25.
  • 24. Brazuna MR, Mauerberg-deCastro E. A trajetória do atleta portador de deficiência física no esporte adaptado de rendimento: uma revisão da literatura. Motriz. 2001;2:115-23.
  • 25. Shearer D, Bressan E. Psychological aspects of wheelchair sport. In: Goosey-Tolfrey VL, editor. Wheelchair sport. Champaign: Human Kinetics; 2010. p. 100-15.
  • 26. Figueira E. Pessoas com deficiência: aspectos psicológicos, intervenções clínicas, dificuldades e possibilidades profissionais. São José dos Campos: Planeta Educação; 2012. [29 Jan. 2013]. Disponível em: http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=1780
  • 27. Ravizza K. Increasing awareness for sport performance. In: Williams JM, editor. Applied sport psychology: personal growth to peak performance. 3rd ed. Mountain View: Mayfield;1998. p. 171-81.
  • 28. Butler R, Hardy L. The performance profile: theory and application. Sport Psychol. 1992;3:253-64.
  • 29.Graça A, Mesquita I. Ensino do desporto. In: Tani G, Bento JO, Petersen RDS, organizadores. Pedagogia do desporto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006.
  • 30. Tani G, Santos S, Meira Junior CM. O ensino da técnica e a aquisição de habilidades motoras no desporto. In: Tani G, Bento JO, Petersen RDS, organizadores. Pedagogia do desporto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006.
  • 31. Ferreira HB, Galatti LR, Paes RR. Pedagogia do esporte: considerações pedagógicas e metodológicas no processo de ensino-aprendizagem do basquetebol. In: Paes RR, Ferreira BH, organizadores. Pedagogia do esporte: contextos e perspectivas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.
  • 32. Vieira LF, Vieira JLL, Krebs RJ. O ensino dos esportes: uma abordagem desenvolvimentista. In: Paes RR, Ferreira BH, organizadores. Pedagogia do esporte: contextos e perspectivas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.
  • 33. Marques RFR, Almeida MAB, Gutierrez GL. Esporte: um fenômeno heterogêneo: estudo sobre o esporte e suas manifestações na sociedade contemporânea. Rev Mov. 2007;3:225-44.
  • 34. Howe D. Sport, professionalism and pain: ethnographies os injkury and risk. New York: Routledge; 2004.
  • 35. Marques RFR, Duarte E, Gutierrez GL, Almeida JJG, Miranda TJ. Esporte olímpico e paralímpico: coincidências, divergências e especificidades numa perspectiva contemporânea. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2009;4:365-77.
  • 36. Howe D, Jones C. Classification of disabled athletes: (dis) empowering the paralympic practice community. Adap Phys Act Q. 2006;23:29-46.
  • 37. Goodwin D, Johnston K, Gustafson P, Elliott M, Thurmeier R, Kuttai H. Its okay to be a quad: wheelchair rugby players sense of community. Adap Phys Act Q. 2009;2:102-17.
  • 38. Castelano ML. Classificação funcional no basquete sobre rodas: critérios e procedimentos [dissertação]. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2001.
  • 39. Wheeler GD, Steadward RD, Legg D, Hutzler Y, Campbell E, Johnson A. Personal investment in disability sport careers: an international study. Adap Phys Act Q. 1999;16:219-37.
  • 40. Marques RFR. O esporte paraolímpico no Brasil: abordagem da sociologia do esporte de Pierre Bourdieu [tese]Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2010.
  • 41. DePauw K. Teaching and coaching individuals with disabilities: research findings and implications. Phys Educ Rev. 1990;1:12-6.
  • 42. Gorla JI. Atividade motora adaptada. Campinas: Faculdade de Educação Física/UNICAMP; Forthcoming 2012.
  • Endereço:
    José Irineu Gorla
    Faculdade de Educação Física
    Universidade Estadual de Campinas
    Av. Érico Veríssimo, 701
    13083-851 - Campinas - SP - BRASIL
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      30 Jan 2013
    • Aceito
      18 Fev 2013
    Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 65, 05508-030 São Paulo SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3091 3147 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: reveefe@usp.br