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Pôster como estratégia de aprendizado na disciplina de humanidades: contribuições para a formação do médico

Use of posters as a learning strategy in the humanities discipline: contributions to the training of medical professionals

RESUMO

Introdução:

Com a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, houve a reformulação do currículo médico sob uma perspectiva biopsicossocial. Para atender a essa demanda no âmbito acadêmico, o componente de humanidades médicas (HM) foi delineado para estimular reflexões interdisciplinares de cunho ético-humanista. A proposta é potencializada com o desenvolvimento de estratégias educacionais capazes de garantir a execução da disciplina no contexto das metodologias ativas. Nessa perspectiva, no ano de 2020, devido à pandemia da Covid-19, o formato tradicional de aulas presenciais necessitou de adaptação para o ensino remoto, o que suscitou a concepção e proposta de adoção de pôster criativo como recurso metodológico.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo analisar as possíveis contribuições da produção do pôster criativo para o aprendizado e processo de formação do médico, no contexto da disciplina de HM.

Método:

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa de viés exploratório-descritivo. A coleta foi realizada mediante entrevista individual semiestruturada, por meio virtual, no período de agosto a novembro de 2022. Após a transcrição, utilizou-se a análise de conteúdo temática desenvolvida por Bardin para auxiliar na análise dos relatos transcritos e na elaboração de unidades temáticas. A interpretação seguiu referenciais teóricos interdisciplinares do campo da saúde e componentes da disciplina de HM.

Resultado:

No total, 20 acadêmicos de uma universidade pública do estado do Pará compuseram a amostra deste estudo. A partir da organização e leitura das transcrições, emergiram as seguintes categorias: experiência no ensino presencial; experiência no ensino remoto; processo de elaboração do pôster; arte e humanidades médicas; contribuições da disciplina e do pôster.

Conclusão:

O uso da ferramenta pôster destaca o papel dos acadêmicos como protagonistas do seu aprendizado no recorte de HM. A maioria referiu o uso do pôster como elemento potencializador para a reflexão proposta pela disciplina, favorecido pela mediação da arte, em diversas modalidades de expressão. Houve a oportunidade de os acadêmicos exporem seus sentimentos e compreensões acerca de temáticas sensíveis à formação médica.

Palavras-chave:
Tecnologias Educacionais; Educação Médica; Humanização da Assistência

ABSTRACT

Introduction:

The implementation of the Unified Health System in Brazil led to a need to reformulate the medical curriculum from a biopsychosocial perspective. In the academic field, the Medical Humanities (MH) component has stimulated interdisciplinary reflections of an ethical-humanist nature. This exercise is streamlined with the development of educational strategies capable of guaranteeing the execution of the discipline in the context of active methodologies. From this perspective, in 2020, due to the COVID 19 pandemic, the traditional format of face-to-face classes was forced to be adapted for remote teaching, which led to the conception and proposal for adoption of posters as a methodological resource.

Objective:

To analyze the possible contributions of creative poster production to the physician’s learning and training process, in the context of the medical humanities discipline.

Method:

A qualitative exploratory-descriptive approach. The data was collected through virtual, semi-structured, individual interviews, from August to November 2022. Following transcription of the interviews, thematic content analysis developed by Bardin (2011) was used to assist in the analysis of the transcribed reports and the development of thematic units. The interpretation followed interdisciplinary theoretical references in the field of health and components of the medical humanities discipline.

Result:

The study sample was composed of 20 academics from a public university in the state of Pará. From the organization and reading of the transcripts, the following thematic units emerged: experience in face-to-face teaching; experience in remote teaching; poster creation process; art and medical humanities; contributions from the discipline and the poster.

Conclusion:

The use of posters as a tool highlights the role of academics as protagonists of their own learning in the medical humanities field. The majority referred to the use of the poster as an element that enhanced the reflection proposed by the discipline, favored by the mediation of art, in different forms of expression. It offered an opportunity for academics to express their feelings and understandings about topics sensitive to medical training.

Keywords:
Educational Technologies; Education, Medical; Humanization of assistance

INTRODUÇÃO

Tradicionalmente o ensino médico e o exercício da medicina estiveram pautados no paradigma biomédico. Esse modelo se apresenta como uma compreensão da relação saúde-doença centrada em fundamentos biológicos, sendo a doença definida como um desajuste dos mecanismos do organismo e a saúde definida como ausência de doenças11. Almeida PJR, Caldeira FID, Gomes C. Do modelo biomédico ao modelo biopsicossocial: a formação de profissionais da saúde no Brasil. Revista Brasileira de Educação Física, Saúde e Desempenho. 2022;3(2)..

No Brasil, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) no ano de 1988 e a vigência de princípios como a universalidade, equidade e integralidade nos serviços e nas ações de saúde evidenciaram ainda mais a importância da formação profissional para a qualidade do cuidado e dos serviços prestados. Tornou-se necessário, portanto, o emprego de mudanças no ensino médico tradicional a fim de garantir o atendimento às demandas da população assistida conforme as diferentes necessidades e os contextos sociais22. Meireles MA de C, Fernandes C do CP, Silva LS e. Novas Diretrizes Curriculares Nacionais e a formação médica: expectativas dos discentes do primeiro ano do curso de medicina de uma instituição de ensino superior. Rev Bras Educ Med. 2019;43(2):67-78..

Entre as mudanças implementadas, figuram as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Medicina, publicadas no ano de 2014, que determinam às instituições de ensino superior a formação de médicos e médicas generalistas, considerando aspectos socioculturais, humanísticos e biológicos de forma interdisciplinar e multiprofissional. Dessa maneira, substituiu-se a formação restrita pautada no modelo biomédico por um modelo biopsicossocial33. Brasil. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União; 23 jun 2014. Seção 1, p. 8-11..

No cenário acadêmico, a disciplina de humanidades médicas (HM) então assumiu significativo protagonismo na formação profissional ao problematizar conteúdos relativos à bioética, à comunicação e a determinantes sociais, psicológicos, comportamentais e culturais do processo saúde-doença e da relação médico-paciente44. Rios IC. Humanidades médicas como campo de conhecimento em medicina. Rev Bras Educ Med . 2016;40(1):21-9.. Outro aspecto relevante é a combinação com o uso de metodologias ativas de ensino nas faculdades médicas, baseadas em estímulos ao processo ensino-aprendizagem, de modo a incitar os discentes a participar de forma mais eficaz na busca pelo conhecimento55. Macedo KD da S, Acosta BS, Silva EB da, Souza NS de, Beck CLC, Silva KKD da. Active learning methodologies: possible paths to innovation in health teaching. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2018;22(3).. No entanto, por tratar-se de uma disciplina recente no currículo médico, surgem desafios quanto ao desenvolvimento das atividades de ensino em HM no que tange às novas estratégias formativas.

Nesse contexto, destaca-se Carvalho et al.66. Carvalho JR, Ayres M, Izabel I, Rios C, Lilia I, Schraiber B, et al. Humanidades como disciplina da graduação em Medicina. Rev Bras Educ Med . 2013;37. com a proposta de elaboração criativa de pôsteres por acadêmicos, aqui compreendida como “uma comunicação que demonstra as informações e dados mais relevantes de uma produção científica”. Para tanto, o diferencial seria o emprego de imagens e textos de livre escolha, permitindo uma aproximação da medicina com outras ciências, como a literatura, o cinema e as obras de arte em geral, “favorecendo a apreensão dos conceitos-chave, a capacidade de elaboração crítica e o desenvolvimento de atitudes de compromisso individual e engajamento coletivo”66. Carvalho JR, Ayres M, Izabel I, Rios C, Lilia I, Schraiber B, et al. Humanidades como disciplina da graduação em Medicina. Rev Bras Educ Med . 2013;37..

No curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará (Uepa), campus VIII - Marabá, a disciplina de HM é organizada em quatro módulos, nos dois anos correspondentes ao ciclo básico, integralmente realizada na modalidade presencial77. Universidade do Estado do Pará. Projeto Político Pedagógico do Curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará (Uepa) no município de Belém - Pará. Belém: Uepa; 2015.. Contudo, no ano de 2020, devido à pandemia da Covid-19, o formato das aulas necessitou de adaptação para o ensino remoto, o que determinou a proposta e adoção da tarefa de construção de pôster criativo no processo de ensino e aprendizado.

A partir do primeiro semestre do ano de 2020 e com base no estudo de Carvalho et al.66. Carvalho JR, Ayres M, Izabel I, Rios C, Lilia I, Schraiber B, et al. Humanidades como disciplina da graduação em Medicina. Rev Bras Educ Med . 2013;37., foram incluídas atividades pré-sala de aula, com envio antecipado de material para estudo prévio (com artigos, filmes e curtas-metragens), com a tarefa de elaboração de pôster criativo individual. Em datas predefinidas, conforme cronograma e conteúdo programático da disciplina, a aula era iniciada com a exposição dialogada do docente sobre a síntese do tema/artigo disponibilizado. No segundo momento, ocorria a explanação individual dos alunos sobre o pôster produzido, ocasião em que defendiam um recorte extraído do artigo problematizado e justificavam com as referências artísticas escolhidas para a composição da tarefa. Entre os critérios estabelecidos por Moura88. Moura, DSCM. Plano da disciplina de Humanidades Médicas I, II, III e IV. Curso de Medicina da Universidade Estadual do Pará, Marabá, PA, 2020. Marabá: Uepa; 2020.:

Elaboração escrita, formatação A4, em PDF. E deve conter obrigatoriamente: 1. Imagens e referências artísticas (poema, música, charge, fotografia, filme, pintura, entre outros recursos) e articulação com os conceitos principais do artigo referenciado na disciplina. Atentar para a qualidade, nitidez e enquadramento da imagem/recurso escolhido e criatividade na construção do pôster; 2. Entrega e apresentação do pôster - Articulação dos principais conceitos em foco, discussão e exemplificação do tema; 3. Anexar o pôster na plataforma Google Classroom, conforme o prazo da tarefa.

Acreditava-se que a interface com elementos artísticos incitava o discente a um exercício reflexivo e de sensibilidade. E ainda encorajava o compartilhamento de percepções e sentimentos mobilizados com a atividade e as discussões, colaborando ainda para trocas qualitativas nas interações entre os alunos e a docente. A título de ilustração, seguem dois modelos de pôsteres desenvolvidos pelos alunos e a interpretação dos discentes/autores sobre as suas produções temáticas (Figuras 1 e 2). Destaca-se ainda a autorização prévia dos autores para essa exposição.

Figura 1
Pôster sobre bioética.

Figura 2
Pôster sobre ciclo da vida e envelhecimento

Diversas possibilidades de produção criativa se apresentam no processo de elaboração e discussão de cada pôster. Essas diferentes configurações dependem do conjunto de experiências do próprio discente, como as vivências pessoais e familiares, o universo de leituras, habilidades e conhecimentos artísticos, a disponibilidade de promover diálogos e novos sentidos, entre outros fatores. A interpretação das teorias e dos conceitos veiculados nos artigos e problematizados em sala de aula também é maleável no que concerne às situações vividas, às lembranças afetivas e à possibilidade de novas reflexões, delineando a chamada “aprendizagem significativa” no campo da saúde, conforme Ferla99. Ferla AA. Um ensaio sobre a aprendizagem significativa no ensino da saúde: a interação com territórios complexos como dispositivo. Saberes Plur. 2021;5(2):81-94..

Diante do exposto, reitera-se a necessidade de avaliação de novas estratégias de ensino-aprendizagem na área médica, especificamente a alternativa de emprego do pôster criativo no contexto de disciplinas de cunho humanista, para a elucidação de possíveis potencialidades e fragilidades, bem como a adequação aos interesses educacionais dos discentes. A partir desse propósito, o estudo teve como objetivo analisar as possíveis contribuições da produção do pôster criativo para o aprendizado e processo de formação do médico, no contexto da disciplina de HM, do curso de Medicina da Uepa, campus VIII - Marabá.

MÉTODO

Este estudo apresenta abordagem qualitativa de viés exploratório-descritivo. Em consonância com Minayo1010. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13a ed. São Paulo: Hucitec; 2013., a pesquisa qualitativa se ocupa de “um nível de realidade tratado por meio da história, da biografia, das relações, do universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores, das atitudes e utilizam técnicas variadas para o trabalho empírico”.

O estudo foi realizado na Uepa, campus VIII, a qual tem suas dependências físicas situadas na cidade de Marabá. O estudo seguiu as normas e as diretrizes da Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Ministério da Saúde, e foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Uepa e aprovado pelo Parecer nº 5.208.944 em 23 de janeiro de 2022. Além disso, está de acordo com as normas do Código de Nuremberg1111. Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. O Código de Nuremberg. 1947. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/codigo_nuremberg.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
e com os princípios da Declaração de Helsinque de 19641212. World Medical Association. Declaration of Helsinki. JAMA. 1997;277:925-6..

Participaram especificamente os discentes do curso de Medicina da Uepa, campus VIII, que tiveram experiência presencial e on-line na disciplina de HM. A escolha dessa população justifica-se pelo fato de terem vivenciados as duas modalidades da disciplina, o que os torna aptos a comparar sua compreensão sobre a produção de pôster e possíveis contribuições para o aprendizado da disciplina de HM no seu processo de formação médica.

Houve contato prévio com o representante das turmas pertencentes à população selecionada para agendamento de um encontro virtual, a fim de apresentação e convite aos alunos para a única entrevista, agendada conforme a disponibilidade de cada participante. O período da coleta de dados compreendeu intervalo entre agosto e dezembro 2022. A entrevista ocorreu de maneira on-line, com tempo estimado em torno de 30 minutos, na plataforma Google Meet, gravada e posteriormente transcrita.

Inicialmente, explicaram-se aos participantes os objetivos do estudo, e, após a concordância, eles assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Em seguida, realizou-se uma entrevista individual semiestruturada dividida em duas partes: a primeira com questões fechadas para levantamento de perfil socioeconômico e sobre o cotidiano dos acadêmicos (aspectos questionados: sexo, idade, escolaridade, renda familiar, meio eletrônico utilizado para construção e apresentação dos pôsteres); na segunda etapa, houve perguntas abertas para a coleta de informações específicas sobre o uso da ferramenta pôster e suas experiências pessoais relacionadas ao tema. A interrupção da coleta ocorreu após a saturação teórica, momento em que os novos dados apreendidos não apresentam nenhum elemento novo significativo à proposta do estudo1313. Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saude Publica. 2008;24(1):17-27..

Eis os questionamentos feitos:

  • Como foi a sua experiência discente na disciplina de HM no ensino presencial?

  • Como foi/como tem sido a sua experiência como discente na disciplina HM ensino remoto?

  • Sobre a tarefa de elaboração do pôster, poderia explicar com detalhes o processo, tempo, tema/seleção de materiais/artigo e recursos?

  • Você produz outro tipo de arte (poesia, pinturas, desenhos, música, entre outros)?

  • Quais contribuições você percebe da disciplina de HM para sua formação profissional?

  • Você acredita que o pôster teve alguma contribuição nesse processo?

Para o exame dos dados, utilizou-se o método análise de conteúdo na modalidade temática de Bardin1414. Bardin, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011., designada como um tratamento da informação a partir de um padrão específico: inicia-se com a pré-análise dos relatos transcritos e a elaboração de unidades temáticas com a apresentação de recortes dos pontos principais/sentidos acerca da compreensão do acadêmico de Medicina sobre a produção de pôster. A interpretação seguiu a partir de referenciais teóricos interdisciplinares do campo da saúde, educação médica e componentes da própria disciplina de HM.

RESULTADOS

Vinte acadêmicos compuseram a amostra deste estudo. E possibilitaram a organização de um perfil: sexo, idade, escolaridade, período acadêmico na ocasião da coleta, renda familiar, recursos tecnológicos (meio eletrônico ou manual) e subsídios para a construção do pôster.

A maioria correspondeu ao sexo masculino (13), sendo sete do sexo feminino. A faixa de idade maioritária foi de 21-25 (12), tendo em ordem decrescente: 18-20 (três), 26-30 (três) e > 30 (dois). Apenas um aluno possui outra formação de nível superior. Doze participantes encontravam-se no oitavo semestre e oito no nono semestre. A faixa de renda familiar girou em torno de três-cinco salários mínimos (nove), tendo em ordem decrescente seis-dez (cinco), até dois (quatro) e mais de dez (dois).

Quanto ao processo de construção do pôster, todos os participantes responderam que realizavam a confecção de maneira digital, com a utilização de computador próprio e os programas Canva (17), PowerPoint (cinco), Word (dois) e Photoshop (dois). Como subsídios para a elaboração, todos citaram o uso dos materiais sugeridos pela disciplina e disponibilizados pela docente e pela internet, em seguida há: livro/arquivo digital (18); documentários/curta-metragem/filmes (15); poesias/poemas/literatura em geral (14); músicas/canções (14); entrevistas/jornais (11); e livro/artigo impresso (oito). Referiam utilizar mais de uma das alternativas algumas vezes.

A partir da organização e leitura das transcrições, emergiram as seguintes unidades temáticas: experiência no ensino presencial; experiência no ensino remoto; processo de elaboração do pôster; arte e humanidades médicas; contribuições da disciplina e do pôster. Elas são discutidas utilizando-se trechos das entrevistas, apresentam-se idade e semestre verídicos, porém nomes fictícios, a fim de preservar a identidade da amostra.

DISCUSSÃO

Acerca da experiência no ensino presencial, os acadêmicos enfatizaram o maior contato e interação entre eles, inclusive possibilitando um maior conhecimento das vivências e experiências do outro, contrastando com as atividades remotas. Pontuaram os encontros e seu potencial terapêutico, assim como o fato de se sentirem mais engajados e livres na disciplina e nas exposições de pensamentos e opiniões inerentes a ela. Alguns recortes exemplificam isso:

Eu sentia que era uma espécie de momento terapêutico [...] eu sempre senti esse acolhimento na disciplina. Eu acho que era muito bom o fato de a gente ter um contato interpessoal entre os colegas, então a gente tinha possibilidade de trocar ideias e a gente tinha possibilidade de trocar experiências de forma mais íntima, tínhamos possibilidades de ouvir uns aos outros (Letícia, 21 anos, nono semestre).

O presencial é muito melhor que o on-line, o on-line tira o principal da matéria, a humanidades, e presencialmente a gente tinha contato, tinha discussões, a gente podia criar discussões sobre determinado assunto (Paulo, 21 anos, oitavo semestre).

Tanto que, quando a gente tinha nossas discussões, a gente sempre compartilhava muitas coisas além dos artigos… a gente colocava muitas coisas pessoais da gente, e isso deu pra conhecer as realidades de todo mundo, as dificuldades que todo mundo enfrentou para chegar até aqui (Lorenzo, 36 anos, oitavo semestre).

Quanto ao período presencial da disciplina de humanidades, os acadêmicos, em sua maioria, reconhecem-no como modalidade propícia para o seu envolvimento em discussões e interações, inclusive mencionam um suposto efeito terapêutico advindo dos encontros. Nesse sentido, sabe-se que grupos dialógicos são reconhecidos por impacto terapêutico em diferentes contextos e circunstâncias, incluindo o ambiente universitário, em que estratégias grupais em seus variados formatos se relacionam com valorizar e estimular a promoção da saúde, a prevenção de doenças e a qualidade de vida dos participantes, em que há relevante parcela de acadêmicos da área da saúde, inclusive do curso de Medicina1515. Souza DC de, Favarin DB, Scorsolini-Comin F. Estratégias grupais para promoção de saúde em universitários. Educação (UFSM). 2021;46(1)..

Entretanto, a experiência on-line, necessária para a manutenção da disciplina no contexto da pandemia de Covid-19, foi alvo de críticas, como as dificuldades no acesso à internet, a baixa capacidade de concentração e a perda do contato interpessoal característico da vivência cotidiana presencial. Essa realidade comprometeu a importância e o engajamento dispensados à disciplina. Ainda assim, a possibilidade de continuidade da disciplina no contexto pandêmico trouxe a possibilidade de compartilhar sentimentos próprios do cenário de insegurança e estresse derivados da Covid-19, configurando uma espécie de “catarse emocional”. Além disso, os acadêmicos viram a possibilidade de seguir a disciplina de suas casas como um fator facilitador da exposição de pensamentos:

Deixou muito a desejar fazer essa disciplina porque não tinha mais aquele contato, e isso prejudicava um pouco até a construção das discussões. Em muitos casos, a internet caía, então atrapalhava a apresentação de alguém, e consequentemente os outros alunos não prestavam atenção (Carla, 21 anos, oitavo semestre).

Acho que a gente ficou mais livre e um pouco mais à vontade por fazer de casa, por apresentar de casa, por ter o computador como um anteparo das nossas emoções, ou um meio de defesa pra mostrar vulnerabilidade em alguns assuntos, sinto basicamente como isso (Valquíria, 37 anos, oitavo semestre).

Eu acho que deu uma dispersada um pouco, inclusive pessoalmente, acho que a gente vai perdendo um pouco a… o afinco pela disciplina… então eu acho que o ensino remoto prejudicou nisso (Antônio, 27 anos, oitavo semestre).

Eu, particularmente, falando de mim agora, colocava muitos elementos que eu estava passando até mesmo durante o ensino remoto, por mais que seja de uma maneira um pouco indireta. Acho que uma das maiores dificuldades era o acesso à internet, porque como na maior parte do ensino remoto a gente estava na nossa cidade e muitas vezes a gente não tinha uma conexão de internet muito estável (José, 20 anos, nono semestre).

Tais evidências não estão restritas ao local desta pesquisa, pois são encontradas em outros estudos que descrevem as adaptações metodológicas para a educação médica no cenário pandêmico1616. Santos BM, Cordeiro MEC, Schneider IJC, Ceccon RF. Educação médica durante a pandemia da Covid-19: uma revisão de escopo. Rev Bras Educ Med . 2020;44(supl 1).), (1717. Serra ST, Taquette SR, Bteshe M, Corrêa LM, Mattos AVV. The need for changes in medical education and the perception of teachers before the Covid-19 pandemic. Interface Comun Saúde Educ. 2021;25.), (1818. Quintanilha LF, Avena K de M, Magalhães LBNC, Andrade B de B. Impacto da pandemia do Sars-COV-2 na educação médica: migração “compulsória” para o modelo remoto, uma visão preliminar de gestores da educação médica. Int J Health Educ. 2021 Apr 29;5(1).. Ainda, deve-se pontuar que as apresentações e discussões de pôster no formato remoto permitiram que não houvesse uma interrupção completa de humanidades, além de ter sido definida por entrevistados como um meio de desabafo para as experiências daquela emergência global. Essa estratégia é evidenciada em outro estudo, em que é descrita como um espaço de enfrentamento, seja para a pressão do próprio ensino remoto, seja para as incertezas sobre o futuro e aprendizado de habilidades médicas1919. Marquez LV, Hernandes RA, Rodrigues ASD, Raimondi GA, Paulino DB. Rodas de conversa remotas: ensino-aprendizagem e vivência da promoção da saúde na pandemia da Covid-19. Rev Bras Educ Med . 2022;46(1)..

O planejamento e a elaboração do pôster consistiam em cruciais etapas da atividade proposta pela disciplina, e seu processo foi definido pelos entrevistados como fomentador de criatividade e subjetividade, exemplificadas pela preferência ao uso de imagens de acervo pessoal e obras literárias e cinematográficas admiradas por eles. Entre os principais subsídios mencionados, estão a internet e seu vasto conteúdo, os materiais indicados pela docente a partir do plano pedagógico do curso, livros/arquivos digitais e documentários/curta-metragem/filmes. Desse modo, observa-se o uso de diversas fontes para a realização da atividade, demonstrando o nível de liberdade que exerciam. Contudo, atuando como fator limitador de tempo e consequentemente de dedicação, houve relatos de que a rotina universitária, notoriamente preenchida por significativo volume de conteúdo e de atividades teóricas/práticas das demais áreas curriculares2020. De Matos MS, Ferraço CM, Rosa JCA, Bastos JA, Brandão PC. Primeiro período de Medicina: choque de realidade e o início da construção da identidade médica. Rev Psicol Saúde. 2019;157-71.),(2121. Kam SXL, Toledo ALS de, Pacheco CC, Souza GFB de, Santana VLM, Bonfá-Araujo B, et al. Estresse em estudantes ao longo da graduação médica. Rev Bras Educ Med . 2019;43(1 supl 1):246-53., influenciou no empenho dispensado à atividade, isto é, à própria disciplina de humanidades:

As vantagens acho que é a capacidade de nos tornar mais criativos pra exercer essa atividade da melhor forma possível (Gisele, 20 anos, oitavo semestre).

Muitas vezes eu usava imagens de acervo pessoal mesmo porque o pôster era mais individual e eu gostava de passar essa coisa de que foi eu mesma que criei (Patrícia, 23 anos, oitavo semestre).

A elaboração dos meus pôsteres dependia da semana, em algumas semanas eu não conseguia… eu não conseguia em uma semana priorizar todas as matérias, nas semanas que eu conseguia colocar HM como prioridade, eu dedicava um turno para construção desse pôster… então eu lia artigo, conseguia pesquisar outras fontes para acrescentar ao que eu tinha entendido, pra deixar meu pôster mais dinâmico, por exemplo (Marcos, 28 anos, nono semestre).

Em relação à elaboração do pôster, eu acho que cada um faz disso uma experiência própria, eu particularmente sempre lia o artigo primeiro, pelo menos a maior parte dele, às vezes deixava passar alguma coisa, porque eu já me empolgava quando eu achava o assunto do artigo interessante, já pra fazer o pôster (José, 20 anos, nono semestre).

De maneira unânime, os acadêmicos que apresentavam experiência prévia em expressões artísticas, incluindo desenho, canto e tocar instrumentos musicais, reconheciam uma maior facilidade na confecção de seu trabalho, indicando, portanto, o caráter artístico inerente à atividade. Ressaltam, ainda, o efeito positivo que a arte traz para a vida deles, como momento de evasão de sentimentos:

Eu estudei música durante seis meses, então eu canto, eu toco violão, por um tempo eu cheguei a desenhar também, mas foi bem pouquinho assim, foram poucos desenhos que eu fiz [...] porque, uma vez que a gente explora esses outros lados, que a gente estuda música, a gente acaba conhecendo algumas teorias, a música em si, você estudar a música em si, ela te traz enriquecimento em diversas áreas, na matemática, no dia a dia no próprio pensamento… eu acho que a música em si ela auxilia sim... (Letícia, 21 anos, nono semestre).

Canto, já fiz canto, participei de coral em Belém e me arrisquei em desenho, desenho à mão livre nada de pintura ou algo do gênero só pintura mesmo, desenho de paisagem, de pessoas. Sim, eu acho que… ter uma sensibilidade diferenciada e um olhar diferente sobre as situações pode me possibilitar a fazer pôsteres que… fugiam do comum, do usual… aí eu meio que unia o lúdico com o racional (Valquíria, 37 anos, oitavo semestre).

A música tem sido, foi e tem sido um mecanismo de evasão às vezes para mim; momentos ruins da minha vida, a música me salvou diversas vezes, mas também o desenho, desenho um pouco às vezes, gosto de pintar também, basicamente são essas duas formas de expressão artística que fazem da minha vida uma coisa melhor. Acho que a cabeça de uma pessoa que tem alguma relação com algum tipo de expressão artística… eu acho que a cabeça da pessoa pensa de forma diferente, então, se a pessoa já tem alguma familiaridade, eu acho que facilita na hora de criar o pôster, até mesmo para a pessoa buscar inspirações específicas (José, 20 anos, nono semestre).

Nessa perspectiva, todas as expressões de arte, considerando suas particularidades, têm o potencial de despertar sensibilidade e promover um novo olhar sobre o ser humano, sua subjetividade e sobre a pessoa que adoece e morre2222. Pimentel D. Humanidades, arte e saúde. Estud Psicanal. 2018;(50):67-72.. Dessa forma, sabe-se que o uso da arte na formação médica é uma realidade, inclusive com sugestíveis efeitos positivos. Entre tais repercussões, são evidenciadas as aquisições das seguintes competências: melhora na relação médico-paciente; observação; empatia; sensibilidade cultural; trabalho em equipe; comunicação e pensamento crítico, por exemplo2323. Ventura AC, Ferreira IRA, Oliveira NS de, Manso MEG. O ensino médico de artes e o desenvolvimento do profissionalismo durante a graduação em Medicina. Research, Society and Development. 2022;11(10):e114111032555.),(2424. Mairot LT da S, Costa BBG da, Heringer TPM, Borges RC, Moura EP. As artes na educação médica: revisão sistemática da literatura. Rev Bras Educ Med . 2019;43(4):54-64.

Dessa forma, mediante uma abordagem artística, o pôster revelou o potencial de estimular reflexões sobre temáticas sensíveis à carreira médica, sobretudo da esfera humanística, porém, contribuía também para aquisição de outras habilidades necessárias para uma boa prática profissional. Os acadêmicos lançavam mão de distintas e criativas referências para a composição de sua obra particular, como elementos da mitologia, do cinema e da poesia. Desse modo, havia o uso e a junção de subsídios artísticos dos campos biológico, literário e audiovisual, do tradicional e contemporâneo.

Outro apontamento refere-se às percepções dos universitários acerca das contribuições de HM, classificadas majoritariamente positivas, citam reflexões sobre conduta ética como futuros médicos e médicas, a análise de temas distantes de sua realidade pessoal e a revisão de preconceitos após os debates e a discussão de temáticas pouco exploradas em etapas posteriores da graduação, a exemplo da saúde da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e mais (LGBT+). No entanto, houve a crítica sobre a não continuidade da disciplina de HM ao longo do curso, já que está restrita ao ciclo básico e, por isso, exclusiva aos períodos iniciais da graduação. Consideram que representa ainda uma ruptura no processo reflexivo e dialógico no ciclo clínico da formação. Esse achado é compatível com a percepção de acadêmicos em outras pesquisas2525. Garcia Júnior CAS. Humanidades: ensino de “nova” dimensão ética na educação médica. Rev Bioét. 2020;28(3):479-85.),(2626. Barboza JS, Felício HM dos S. Humanidades médicas e seu lugar no currículo: opiniões dos participantes do Cobem/2017. Rev Bras Educ Med . 2020;44(1).

O uso da ferramenta pôster também foi reconhecido como um potencializador do interesse pelos temas debatidos, uma vez que fomentava a busca por maior número de referências, autores e expressões artísticas para construir uma exposição personalizada de sua interpretação do que estava sendo discutido, e, portanto, permitia leitura e releitura dos tópicos pertencentes ao campo das ciências humanas e propostos pela disciplina, contribuindo para a internalização e humanização dos estudantes de Medicina.

No entanto, pontua-se, entre os relatos fornecidos, em minoria, a percepção de que essa ferramenta tinha um caráter “engessado”, e a predileção era voltada aos diálogos livres (método protagonista no período presencial). Tal percepção discente pode ser justificada pelo fato de que a experiência pessoal de alguns ocorreu em um contexto em que havia, por escolha deles, atitudes de distanciamento, como não ligar suas câmeras durante os encontros remotos e a não interação e discussão das produções alheias. Assim, destaca-se que, enquanto alguns ressignificavam sua experiência mediante ações interacionais, como envio de elogios e questionamentos no chat da plataforma ou ligando a câmera e o microfone para contribuições, havia alguns que não apresentavam tal disposição e interesse.

Além disso, identificou-se a percepção de que HM, em contraste com as demais matérias curriculares, era um espaço “mais leve” que possibilitava a escuta mútua e união entre os alunos, definindo um ambiente adequado para o aprendizado e a reflexão de temas essenciais para prática médica humanizada. Nesse sentido, o seu reconhecimento como uma “válvula de escape” para as dificuldades enfrentadas na graduação também é encontrado em outro estudo2727. Garcia-Jr CAS, Verdi MIM. Dimensão dos problemas éticos implicados na educação médica. Rev Bras Educ Med . 2019;43(4):99-108..

[...] em pensar na medicina muito além do campo técnico, teórico, mas também do conversar com o ser humano, de olhar para o ser humano de uma outra forma, não olhar apenas para doença [...] eu diria que o resultado do pôster e não o pôster em si, as discussões eram muito mais abrangentes e enriquecedoras, mas, sim, cada pessoa tentava imprimir aquilo que entendeu, e o pôster ele justamente era a impressão de opiniões, mas, assim, digamos que o pôster pra mim foi só o pico do iceberg, o que tá muito abaixo é toda nossa discussão, todas nossas abordagens (Carla, 21 anos, oitavo semestre).

Eu acho que foram várias contribuições, primeiro que tiveram temas que são debatidos lá que durante o curso a gente ver que não foram debatidos, porque são polêmicos… por exemplo, grupo LGBT, então acaba sendo um momento ali diferente de todo o resto, eu acho que teve uma grande colaboração para minha formação. Eu acho que [o pôster] ajudou, mas eu não digo que seria primordial, pra mim, o que teria feito mais diferença era ter um espaço aberto para conversar sobre a temática, não só aquela exposição mais engessada que o pôster trouxe (Bárbara, 22 anos, nono semestre).

Eu tinha muito… como eu posso te dizer? Eu vou ser sincero contigo, eu tinha alguns preconceitos em relação a algumas coisas... porque eu venho de uma realidade de pessoas com pensamento muito arcaico… aí depois de Humanidades não, consegui enxergar mais as pessoas, enxergar as particularidades de cada um e saber respeitar cada um, o que o outro pensa… sim, contribuiu muito [o pôster] (Lorenzo, 36 anos, oitavo semestre).

Entretanto, é necessário destacar a perseverança de percepções biomédicas nas considerações de acadêmicos:

Eu sempre achei humanidades médicas muito pouco objetiva e também pouco científica e pouco metódica, eu esperava algo mais metódico… a gente sempre trabalhou muito com artigos narrativos, inclusive tive essa discussão com a professora, falei, porque, pela qualidade da evidência, não são os artigos com a evidência científica mais forte, são as revisões sistemáticas (Paulo, 21 anos, oitavo semestre).

A aparente necessidade de limitação das discussões humanísticas ao parâmetro metodológico de evidências científicas exemplifica um pensamento equivocado sobre a disciplina de humanidades e como ela deve ser implementada no contexto universitário, pois se constituiu com o objetivo de superar o antagonismo entre tecnicismo e humanismo, e ter como objeto de estudo as características, necessidades e consequências das relações humanas na medicina; portanto, campo em que não cabem apenas raciocínios lógicos, técnicos ou científicos2828. Rios IC, Marcondes E. Humanidades e medicina: razão e sensibilidade na formação médica. Cien Saude Colet. 2010;15(supl 1):1725-32.. Sabe-se que essa resistente percepção, embora ultrapassada, é ainda evidenciada no discurso de graduandos2929. Veras RM, Passos VBC de, Feitosa CCM, Fernandes SCS. Diferentes modelos formativos em saúde e as concepções estudantis sobre atendimento médico humanizado. Cien Saude Colet . 2022;27(5):1781-92. e profissionais3030. Terra LSV, Campos GW de S. Alienação do trabalho médico: tensões sobre o modelo biomédico e o gerencialismo na atenção primária. Trab Educ Saúde. 2019;17(2)..

Considerando a vivência da disciplina de HM e seu processo de transição entre estratégias pedagógicas, visualiza-se um reflexo nos relatos dos participantes sobre a relevância da disciplina, seus acertos e dificuldades. Estima-se que, para além de um componente curricular, configura-se também numa oportunidade de interação e promoção de diálogos, entre os quais de áreas afins das ciências humanas, aproximando-se de um lembrete de que conhecimentos biológicos não iriam consistir, exclusivamente, em uma única dimensão a se considerar na formação médica. É, pois, necessário atender ao convite de humanidades e abraçar a oportunidade de questionar a si, refletir sobre as fragilidades, as potencialidades, os sentimentos e as incertezas atravessados durante a jornada da formação médica e seu porvir. Daí advém a percepção de que a disciplina consistiu em um afago, uma vez que a oportunidade de conversar e ouvir é uma estratégia de cuidado, com significativo potencial e desdobramentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso da ferramenta pôster destaca o papel dos acadêmicos como protagonistas do seu aprendizado, na perspectiva das metodologias ativas, também no recorte de HM. Mediante um contato com a arte em suas várias expressões e liberdade criativa, os acadêmicos tiveram a oportunidade de expor suas reflexões, sentimentos e compreensões acerca de temáticas sensíveis à formação médica no que tange às ciências humanas. Eles reconhecem o papel da disciplina e suas contribuições na trajetória da graduação, inclusive a maioria destaca o uso do pôster como potencializador da conexão com a disciplina e sua proposta, porém não houve unanimidade; as discussões abertas sem a mediação da tarefa criativa também são mencionadas como melhor estratégia.

A partir de uma comparação entre os períodos de ensino remoto e presencial, identifica-se uma preferência pelo contato pleno proporcionado apenas pelo momento que antecede a pandemia. Além disso, pontuam-se problemas com internet e a dificuldade de concentração como dificultadores da modalidade on-line. No entanto, essa adaptação foi imprescindível para a manutenção da disciplina nesse contexto, em que havia orientações sanitárias de isolamento em todo o país.

Assim, mesmo coexistindo com desafios como a rotina atribulada por demais demandas acadêmicas, o pôster demonstrou consistir em um efetivo e positivo instrumento para suscitar reflexão, dedicação e senso criativo dentro do campo de HM. Houve também a necessidade de lidar com percepções de caráter biomédico voltadas equivocadamente para a disciplina, o que é encarado como uma resistência de paradigmas que acompanharam o surgimento da medicina e apenas recentemente foram debatidos e questionados na educação médica, sendo um processo gradual de superação dentro e fora do ambiente acadêmico.

Porém, como fragilidade, percebe-se que este estudo é restrito à experiência de apenas uma instituição pública, e, portanto, é necessária a implementação de mais estudos que avaliem essa proposta de ensino em diferentes contextos, como outras instituições com diferentes características, para um entendimento mais amplo sobre suas potencialidades e fragilidades. Contudo, considera-se a experiência descrita como exitosa, uma vez que consistiu, a partir de metodologia inovadora, criativa, em evidenciar a dimensão artística como uma relevante aliada de HM à formação profissional.

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  • 2
    Avaliado pelo processo de double blind review.
  • FINANCIAMENTO

    Declaramos não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Roberto Esteves.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2023
  • Aceito
    10 Abr 2024
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