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Fontes de Estudo na Escola Médica -Recursos Instrucionais Utilizados por Alunos de Medicina da Região Sudeste do Brasil

Learning Sources in Medical School: Instructional Materials Used by Medical Students in Southeast Brazil

Resumo:

A busca ativa da informação é imperativa na formação de profissionais de Medicina.

Objetivo:

a) Identificar os princípios títulos hoje adotados nas faculdades de medicina pesquisadas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais; b) Identificar os critérios de aquisição e recursos instrucionais utilizados por estes estudantes, além do livro-texto, no processo de aprendizagem.

Métodos:

Aplicação de questionários para identificar títulos e critérios adotados na compra de livros e de outros recursos instrucionais.

Resultados e Conclusões:

A biblioteca básica do aluno de medicina ao final do curso compõem-se principalmente de livros de clínica médica, seguidos pelos de anatomia e de fisiologia. As outras especialidades apresentam com frequência progressivamente menor, estando os de medicina preventiva localizados no seu limite inferior. A maioria dos livros é comprada no livreiro da escola, que se revela um agente integrador entre alunos e professores. O idioma preferencial na escolha dos livros ainda é o português, quando comprado ao inglês e ao espanhol. Existe uma diversificação na utilização dos recursos instrucionais, mais o livro-texto apresenta-se como preferência marcante , apesar dos recursos de informática serem também utilizados por esta categoria de alunos.

Palavra-chave:
Educação Médica; Estudantes de Medicina; Aprendizagem

Abstract:

Active information search is now mandatory as part of medical education.

Objectives:

To identify the following among medical students in Southeast Brazil: a) learning resources and main titles used in course studies and b) criteria for purchasing textbooks.

Methods:

A questionnaire (with mostly multiple -choice questions) was sent to the study sample in order to obtain the target information listed above.

Results and Conclusions:

By the time of their internship, most students had purchased textbooks in ´Internal Medicine, followed in frequency by Anatomy and Physiology. Textbooks in other specialties were less prevalent, with Preventive Medicine being the least frequent subject. Most textbooks are purchased from booksellers at the school. Portuguese is the preferred language as compared to English and Spanish. Instructional materials used by students vary and include information technology resources. However, textbooks are still the most important learning source.

Key-words:
Education, Medical; Students, Medical; Learning

“To study the phenomena of disease without books is to sail an uncharted sea, while to study books without patients is not to go to sea at all.”
William Osler (1849-1919)

INTRODUÇÃO

De forma crescente, o desenvolvimento do ensino e pesquisa na universidade pressupõe o uso de fontes adequadas - atualizadas e relevantes - de informação. O crescimento exponencial do conhecimento científico e tecnológico impõe o preparo do futuro profissional de forma a entender-se como em permanente processo de formação e capaz de buscar informação ativamente.

Sob este ponto de vista, tem havido questionamento sobre se o ensino universitário favorece o aprendizado de seus alunos11. Pascarella ET, Bohr L, Nora A, Terenzini PT. Is differential exposure to college linked to the development of critical thinking? Research in Higher Education 1996; 37(2):159-74.. Grosso modo, dois são os achados principais; por um lado, os alunos desenvolvem maiores habilidades acadêmicas; por outro, apresentam maior o domínio dos diferentes conteúdos ministrados. Além disso, parece haver algum efeito sobre o pensamento crítico. Pelo menos em populações norte-americanas, este parece ser o caso. Ao estudar 2.076 estudantes de 13 instituições norte-americanas. Pascarella et al demonstraram que os estudantes inscritos em cursos breves ou apenas em poucas disciplinas de pequena carga horária apresentavam níveis mais baixos de pensamento crítico que os seus pares inscritos em cursos mais longos e/ou em disciplinas com maior carga horária.

Existe hoje uma gama de possibilidades abertas pela área da informática para organização e acesso ao conhecimento e que permite a busca ativa da informação em cenários de aprendizagem qualitativamente diversos daqueles em que a matéria de estudo se referencia apenas pelo roteiro de conteúdos apresentado pelo professor na aula expositiva. No dizer de Burbules22. Burbules NC. Digital texts and the future of scholarly writing and publication. J. Curriculum Studies. 1998; 30 (1):105-24.):

“as possibilidades das tecnologias digitais para a produção de textos, armazenagem e distribuição, que já foram vistas como simplesmente permitindo maior velocidade, menor custo ou um modo mais conveniente de fazer as coisas do que antes, hoje podem ser vistas como tendo um profundo efeito na organização e conteúdo do que escrevemos, assim como nas estratégias que utilizamos para ler o que está escrito. (...) O texto torna-se algo mais que uma coleção de palavras impressas. Apresenta-se como um desempenho, uma jornada, uma arena de exploração, experimentação, estimulando múltiplos e diferentes respostas do leitor.”

Novas formas de representação do conhecimento científico, viabilizadas pelo desenvolvimento das tecnologias nos campos da comunicação e informação, originam múltiplas possibilidades de interação do aluno com conceitos e práticas. O livro-texto, entretanto, permanece uma fonte imprescindível de informações. É reconhecida, no entanto, a oferta inadequada - principalmente pela escassez, custo e desatualização - do acervo bibliográfico para uso dos estudantes nos cursos de graduação. Esses fatores são, em grande parte, responsáveis pelo hábito prevalecente do uso de cópias reprográficas de cadernos e apostilas, prática redutora do conhecimento e cerceadora do desenvolvimento da independência e autonomia necessárias ao aluno universitário.

O Paltex/Opas (Programa Ampliado de Livro - Texto Organização Pan-Americana da Saúde) apoia o desenvolvimento de estudos que têm por objetivo conhecer de que forma docentes e alunos decidem sobre a indicação e escolha de recursos instrucionais. Essa iniciativa vem ao encontro das diretrizes de trabalho do Nutes/UFRJ (Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro) de investigar os processos de formação no campo da saúde de forma a orientar a proposição de novas iniciativas, consoantes como compromisso de contribuir para a qualidade da assistência prestada à população.

Este artigo pretende discutir junto à comunidade acadêmica de que forma alunos e docentes decidem sobre a indicação e escolha de recursos instrucionais no processo ensino-aprendizagem nas universidades de Medicina pesquisadas. Pretende ainda divulgar os resultados obtidos de maneira a contribuir para desenvolver alternativas que facilitem o acesso a recursos instrucionais, notadamente o livro-texto, a alunos e docentes desta área do conhecimento. Espera-se também oferecer elementos que colaborem, junto ao Paltcx/Opas, para organizar novas linhas editoriais de livros que atendam as necessidades evidenciadas.

Os principais objetivos aqui apresentados são:

  • Identificar os principais títulos adotados nas faculdades de Medicina pesquisadas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais;

  • Identificar os critérios utilizados pelos alunos para aquisição utilização das fontes indicadas;

  • Identificar os recursos instrucionais, além do livro texto, utilizados e/ou de interesse dos alunos no processo de ensino-aprendizagem.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de estudo do tipo survey com objetivo exploratório33. Babbie C. Tipos de Desenhos de Pesquisa. In: Métodos De Pesquisa de Survey. Belo Horizonte: UFMG ,1999. p. 94-111.. Neste sentido, vale ressaltar as limitações inerentes este tipo de estudo. Uma vez que não se utiliza amostragem aleatória, os valores aqui apresentados não podem ser empregados como estimadores da população de interesse, ou seja, alunos de graduação do curso de Medicina no Brasil. Não houve também o objetivo de explicar eventos ou testar a relação entre variáveis, sendo exploratório, o estudo visou levantar dados iniciais que orienta se com desenvolvimentos futuros.

A técnica de amostragem utilizada foi a intencional ou de julgamento33. Babbie C. Tipos de Desenhos de Pesquisa. In: Métodos De Pesquisa de Survey. Belo Horizonte: UFMG ,1999. p. 94-111.. Assim, as instituições escolhidas o foram porque, segundo o critério dos autores, permitiam boa aproximação das seguintes necessidades da pesquisa:

  1. Participação de escolas médicas de instituições públicas e privadas, umas e outras com alguma importância (avaliada subjetivamente) em suas áreas de abrangência;

  2. Os questionários deveriam ser respondidos por alunos ao longo de todos os períodos do curso de graduação;

  3. Colaboração de instituições participantes não só em termos da anuência em participar do estudo, como também no fornecimento de suporte à coleta dos dados.

Os dados que aqui se apresentam referem-se a alunos de graduação de Medicina. Representam uma parcela do estudo original, que teve maior abrangência. Em sua totalidade, envolveu alunos de Medicina e Enfermagem, assim como seus respectivos docentes. A coleta de dados ocorreu durante o segundo semestre de 1998. No que se refere ao corpo discente faculdades de Medicina, abrangeu 956 alunos de oito instituições de ensino superior, públicas e privadas, distribuídas em três estados da Região Sudeste do Brasil. No estado do Rio de Janeiro, foram 487 os alunos respondentes. Participaram as faculdades de Medicina de Teresópolis (FMT), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de Campos (FMC), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). Em São Paulo, com 178 respondentes, colaboraram a Faculdade de Medicina do ABC (ABC) e a Faculdade De Medicina de Marília (Famema). A Faculdade Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi a única representante deste estado, tendo participado com 291 alunos. A população foi distribuída ao longo de todos os períodos do curso (Tabela 1).

TABELA 1
Distribuição dos alunos de medicina por período

Em cada instituição participante, havia um só responsável pela coleta dos dados e seu retorno aos pesquisadores. Exceto alguns poucos, todos os questionários foram respondidos pelo próprio aluno, na presença do entrevistador. Houve um pequeno número de casos em que o questionário foi respondido sem a assistência do entrevistador. Isto ocorreu quando o respondente, alegando variados motivos (falta de tempo, sentir-se mais à vontade, etc.), solicitou entregá-lo posteriormente. Nestes casos, a solicitação era aceita, e o aluno questionado quanto a eventuais dúvidas ao devolver o questionário. Fazia-se, assim, a posteriori, uma espécie de controle de qualidade do dado coletado.

O questionário compôs-se de 15 perguntas. As três primeiras foram dirigidas a dados de identificação (instituição, curso e período). Seguiu-se uma de resposta aberta sobre os títulos de livros de Medicina comprados durante o curso. Por opção de pesquisa, o questionamento foi feito apenas em relação às disciplinas mais comuns da área básica (Anatomia, Fisiologia e Bioquímica) e também às do núcleo comum ciclo profissional (Clínica, Cirurgia, Patologia, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia). Questionou-se também sobre livros de Medicina Preventiva. Dados sobre compra de livros foram coletados por meio de cinco perguntas (local, objetivos e critérios para compra, além do idioma preferido). O uso de recursos instrucionais e a forma de orientação docente sobre métodos de estudo foram tema das três perguntas seguintes. Finalmente, as três últimas visaram obter dados sobre o uso da informática no aprendizado.

A forma final desse questionário resultou de um processo de construção iniciado pela discussão de seus objetivos, prosseguindo por vários testes informais de seus conteúdos e formatos preliminares entre os técnicos e docentes do Nutes, além de um estudo piloto realizado com alunos de pós-graduação de diferentes áreas da saúde. Neste caso, os alunos de pós-graduação atuaram primeiramente como respondentes, em seguida como entrevistadores e, finalmente, como analistas de todo este processo. Desta maneira, até atingir sua forma final, o questionário passou por diversas modificações, referentes tanto ao conteúdo como à sua diagramação.

Os dados foram tabulados conforme os objetivos da pesquisa, e seu peso relativo aferido pelo uso da porcentagem. Em um caso, foi necessário o uso da média. Quanto aos titulares de livros, esta análise foi precedida de uma auditoria em que um dos autores percorreu bibliotecas e livrarias especializadas para conferir a correção da autoria, a existência dobrar também a pertinência entre o título referido e a área indicada pelo respondente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O texto que segue deve ser interpretado à luz do período de dois anos e meio que separa a coleta dos dados da redação final deste artigo.

Neste sentido, por exemplo, as informações relativas à informação devem desconsiderar os valores absolutos de posse e uso de computadores. Importa mais avaliá-las como indicadoras grosseiras de uma tendência. Como veremos, são números relativamente elevados. Uma vez que a tendência nacional tem sido de um acelerado aumento do uso e posse de recursos e equipamentos de informática, é pouco provável que os valores atuais sejam inferiores aos que foram colhidos. Ao contrário, espera-se que sejam superiores. Como o raciocínio desenvolvido no tópico pertinente é favorecido por números elevados, podemos supor que o que se escreveu com base em dados de 1993 é ainda mais verdadeiro nos fins de hoje.

Por outro lado, as outras variáveis em estudo são de tal natureza que o lapso de tempo ocorrido não é de magnitude tal que provoque variação de monta. Reconheça-se que, atualmente, por influência de um variado conjunto de fatores as IES vêm sofrendo pressões tendentes a introduzir-lhes modificações estruturais. Ainda mais: a sociedade, as instituições escolares pré-universitárias e as formas de acesso ao terceiro grau veem também sofrendo modificações. Desta maneira, é razoável supor que nos próximos anos o retrato que esta pesquisa procura apresentar venha se alterar significativamente. Neste sentido, é uma tarefa importante para o futuro repetir este levantamento, a fim de comparar as duas descrições. Poderemos, assim, mesmo que de forma indireta, identificar alguns dos efeitos das grandes transformações contemporâneas.

Livros

No que se refere à bibliografia, a Tabela 2 apresenta o número de livros comprados pelos alunos do sexto ano de Medicina, classificados segundo as disciplinas. Observá-la permite avaliar, mesmo que de forma grosseira, a biblioteca básica de um aluno de Medicina no período. Chama a atenção a expressiva ausência de livros de Medicina Preventiva (0,09 livro/aluno), seguida pela de Ginecologia (0,5 livro/aluno) e a relevância dada ao livro de Clínica Médica (1.33 livros/aluno).

TABELA 2
Disciplinas cobertas pelos livros comprados pelo aluno de Medicina no último ano de graduação

É possível que a distribuição observada reflita a importância que estes alunos atribuem às diferentes disciplinas do curso médico. Se assim for, é razoável supor que, quanto mais importante a disciplina (do ponto de vista do aluno), maior a probabilidade de compra do livro correspondente. Desta maneira, pode-se suspeitar, por exemplo, que o aluno considere disciplinas como Clínica Médica (1,33 livros/aluno) mais relevantes do que Ginecologia (0,5 livro/aluno).

Por outro lado, esta análise pode ser simplista em excesso. Uma vez que estamos trabalhando com números médios e Clínica Médica (ao contrário da Ginecologia) é uma das primeiras disciplinas do ciclo profissional, pode ser que a diferença identificada seja apenas um reflexo disto.56 compram livros de Ginecologia os alunos que desejam prosseguir na especialidade. Ao contrário, todos, em maior ou menor grau, são estimulados à compra de livros de Clínica Médica.

De qualquer maneira, entretanto, estes dados podem indicar, mesmo indiretamente, o tipo de educação médica que nossos alunos vêm recebendo.

A compra do livro segundo o local, os critérios de decisão e os objetivos foram avaliados nas Tabelas 3, 4 e 5, respectivamente. A Tabela 3 mostra que estes são comprados geralmente no livreiro da escola (62%). É um achado razoável, já que, em geral, o livreiro está muito próximo do aluno. É esta proximidade costuma se apresentar em termos tanto físicos como afetivos e financeiros.

TABELA 3
Local de compra dos livros*
TABELA 4
Critérios de decisão para a compra de livro
TABELA 5
Objetivos* visados pelo aluno quando da compra do livro

O papel do livreiro, no entanto, não deve ser superestimado, pois, segundo mostra a Tabela 4, sua indicação teve o menor peso dentre os critérios de decisão disponíveis. Mostraram- se mais relevantes os critérios “utilidade do livro”, seguido por “indicação do professor” e “de profissionais do seu trabalho”. A Tabela 5 mostra a importância que as provas têm como critério de aquisição do livro. Nela observa-se que 68% dos respondentes as levam em consideração ao comprarem seus livros. Já outras atividades mais ligadas à prática profissional mostram-se menos relevantes.

Considerar em conjunto as três tabelas permite identificar certo pragmatismo em nossos respondentes. Compram seus livros onde é mais prático e, ao fazê-lo, visam à sua utilização para permitir melhor desempenho nas avaliações a que são quotidianamente submetidos.

Estudar para provas nem sempre é a melhor maneira de tornar-se médico. O conteúdo teórico, embora fundamental, é apenas um pré-requisito para a assistência adequada ao paciente. A atividade médica envolve um conjunto de habilidades que extrapolam o conteúdo teórico.

Ainda mais, dada a sua rápida obsolescência, a atualização necessária torna a educação continuada uma necessidade. É isto cria a demanda por habilidades de auto-aprendizado.

Ora, a forma de avaliação é prerrogativa da instituição de ensino. Assim, é razoável imaginar que o comportamento de comprar livros visando às provas possa modificar-se se tais instituições modificarem sua forma de avaliar. Portanto, um tema para reflexão é a pertinência das atuais formas e conteúdos de avaliação.

O idioma é mais um critério que determina a escolha de um livro em detrimento de outro. Quando comparado com o inglês, o português obtém a preferência dos entrevistados: 54% preferem os livros em português, independentemente do preço (Tabela 6). Entre o espanhol e o português, 86% optam por este último (Tabela 7). Fica claro, portanto, que a língua estrangeira é uma dificuldade encontrada nas IES pesquisadas.

TABELA 6
Preferência do aluno pelo idioma do livro (inglês vs. portugues)
TABELA 7
Preferência do aluno pelo idioma do livro (português vs espanhol)

Outras fontes de estudo

Outra variável de interesse é a forma de orientação para estudo que os docentes utilizam. A Tabela 8 apresenta as orientações percebidas pelo aluno como mais marcantes em relação ao conjunto dos docentes. É possível perceber que, embora variadas, estão presentes na maior parte dos casos. Apenas 5% dos respondentes afirmaram não receber nenhum tipo de orientação. No entanto, ressalta-se que 30% deles afirmaram receber apenas uma lista bibliográfica, sem qualquer comentário quanto ao seu conteúdo ou pertinência em relação à disciplina ministrada.

TABELA 8
Tipo de orientação para estudo fornecida pelo conjunto dos docentes

Quanto aos recursos instrucionais utilizados, é possível perceber sua diversificação na Tabela 9. No entanto, é visível sua concentração nos recursos mais tradicionais, como livros, notas de aula, artigos e apostilas. Tais fatos se mostram mais marcantes quando os alunos são questionados não quanto aos recursos utilizados, mas em relação àqueles preferencialmente utilizados (Tabela 10). Aqui, os 12 recursos citados na Tabela 9 restringem-se aos cinco primeiros itens.

TABELA 9
Recursos instrucionais utilizados pelo respondente para o seu estudo habitual
TABELA 10
Recurso instrucional utilizado preferencialmente pelo respondente para o seu estudo habitual.

É interessante, no entanto, comparar as frequências desses recursos (Tabela 10) quando citados como de uso preferencial ou não. O uso do livro-texto continua marcante, porém reduzindo-se 69%. Isto possivelmente se explica pelo uso preferencial das próprias anotações de aula (21%) ou pelas cópias de aula de um ou mais colegas (15%). Por outro lado, apostilas que na Tabela 9 se associam a percentual de relevo mostram-se muito menos importantes como fonte de estudo principal (8%). O uso de artigos científicas sofre efeito semelhante, reduzindo-se apenas 1%do total de respondentes.

Ao compararmos estes valores com os obtidos em estudantes de Medicina israelenses, esta proporção se inverte44. Friedberg M; Mahanaimi D; Lev-Zion R; Sidi A & Click S. Reading habits of third year medical students during an integrated endocrinology course. Medical teacher. 1998; 20(2):133-7.. A Grande maioria dos estudantes (93%) relatou utilizar as notas de aula como fonte principal de estudo. Os livros-texto foram utilizados principalmente como recurso auxiliar. Mesmo assim, foram abandonados às vésperas das provas. Tal imersão se mantém mesmo quando calculamos estas proporções em nossa amostra, levando em conta apenas alunos do terceiro ano, estrato considerado por estes autores. Em nosso estudo, o uso do livro-texto mantém ainda uma discreta hegemonia (54%), enquanto o uso preferencial de notas de aulas próprias ou de terceiros atinge a proporção de 36%.

Tal diferença pode ser um reflexo tanto do método de coleta utilizado, corno do contexto do estudo. Por um lado, os dados foram colhidos através de um diário feito pelo estudante durante um curso de Endocrinologia com duração de 23 dias e carga de 90 horas Para assegurar uma taxa de resposta elevada a esta tarefa, foram tomadas várias medidas (discussão em classe e lembranças contínuas durante o curso, gratificações, entre outras).

Por outro lado, a própria estrutura do curso desencoraja o uso Intenso de livros-texto. Por se tratar de um curso que integrava diversas disciplinas (Endocrinologia. Fisiologia. Fisiopatologia, Patologia, Bioquímica e Farmacológica), o número de livros-texto a serem lidos era extremamente elevado, principalmente se considerarmos sua curta duração.

Esta última interpretação recebe o apoio da teoria da relação custo benefício55. Vessey I. The effect of information presentation on decision making: a cost benefit-analysis. Information & Management. 1991: 27:103-19.. Segundo esta teoria, ao tomar uma decisão, procuramos minimizar o custo conjunto do esforço para realizar a tarefa e do risco de errar ao decidir Nessey, 1994). Sob este ponto de vista, usar anotações de aula para estudar faz sentido, principalmente se o objetivo é obter bom desempenho nas provas Por um lado, notas de aula são de estudo mais simples e rápido que livros-textos. Por outro, sendo o professor que ministra a aula o mesmo que prepara a prova, é razoável imaginar que provas e aulas sejam consistentes entre si.

Os recursos da informática difundem-se muito rapidamente e, se isto se aplica aos estudantes de Medicina, é razoável supor que tais alunos possuem e/ou usam computadores. Os dados mostram-se compatíveis com esta hipótese: 63% dos respondentes usam computador, 57% o possuem em casa e apenas 3%o rejeitam. Isto significa dizer que 38% dos respondentes não dispõem de computador por motivos alheios à sua vontade, já que declararam que desejam adquiri-lo o mais breve possível. Se se considerar a diferença entre os que utilizam computador e os que o possuem, percebe-se que seu uso supera a posse em 6%. Em nosso entender, isto significa que pelo menos uma parcela dos que não possuem computador tem motivação suficiente para utilizá-lo em laboratórios públicos ou em outras circunstâncias.

Este é um dado que corrobora o desejo expresso de possuir um computador. No entanto, é difícil avaliar a importância relativa desse percentual como fator de confirmação do desejo, porque não se investigou nas instituições participantes a disponibilidade de recursos de informática.

Nota-se, na Tabela 11, que 51% dos respondentes declararam utilizar sua máquina para trabalhos escolares e que esta função superou até o lazer (47%). Outro aspecto é o percentual dos que utilizam redes de computadores para o seu estudo (31%) e dos que possuem/utilizam programas educativos (19%).

TABELA 11
Objetivo visado ao utilizar o microcomputador

Pode-se supor, portanto, que, pelo menos entre estudantes de Medicina, exista um público treinado no uso de recursos computacionais e, mais que isto, cujo treinamento inclua competências para o estudo. Nesta linha de raciocínio, é possível supor que haja uma demanda, atualmente reprimida, para equipamentos e programas educativos.

Se, por um lado, estes dados são alvissareiros, porque sugerem grandes possibilidades de aprendizado pelo uso de recursos da informática, McKenzie66. McKenzie J. Crazing the Net - Raising a generation of free-range students. Phi Delta Kapan, 1998, september:26-31. nos alerta para o risco de transformar o “paraíso da informação” em seu inferno. O raciocínio é simples. A posse e uso de computadores e sua interligação em redes mundiais nos permitiram amplo acesso a uma gigantesca base de dados. O que se questiona então, é em que medida nossos estudantes estão aptos para transformar informação em conhecimento, e este em sabedoria.

A informação está rapidamente disponível. Mas ela é também muito volumosa, extremamente dispersa, não organizada de confiabilidade da variável. Segundo esse autor, “não há qualquer evidência confiável de que as redes melhorem os estudantes em leitura matemática ou nas habilidades do pensamento, exceto quando estão inseridos em programas de aprendizagem cuidadosamente planejados para mostrar ao aluno como interpretar a informação e fazer o seu próprio julgamento”. Esta deveria ser uma preocupação importante dos educadores interessados no uso dos recursos da informática como ferramentas de aprendizado.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi financiado pelo Paltex - Programa Ampliado de Livros-Texto da Opas - Organização Panamericana de Saúde, através de convênio celebrado com a FUJB - Fundação Educacional José Bonifácio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    Pascarella ET, Bohr L, Nora A, Terenzini PT. Is differential exposure to college linked to the development of critical thinking? Research in Higher Education 1996; 37(2):159-74.
  • 2
    Burbules NC. Digital texts and the future of scholarly writing and publication. J. Curriculum Studies. 1998; 30 (1):105-24.
  • 3
    Babbie C. Tipos de Desenhos de Pesquisa. In: Métodos De Pesquisa de Survey. Belo Horizonte: UFMG ,1999. p. 94-111.
  • 4
    Friedberg M; Mahanaimi D; Lev-Zion R; Sidi A & Click S. Reading habits of third year medical students during an integrated endocrinology course. Medical teacher. 1998; 20(2):133-7.
  • 5
    Vessey I. The effect of information presentation on decision making: a cost benefit-analysis. Information & Management. 1991: 27:103-19.
  • 6
    McKenzie J. Crazing the Net - Raising a generation of free-range students. Phi Delta Kapan, 1998, september:26-31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2002

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2000
  • Revisado
    05 Set 2001
  • Aceito
    26 Nov 2001
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