Resumo:
Introdução: Os desafios à continuidade do processo ensino-aprendizagem universitário ante as medidas de combate à pandemia da Covid-19 tornaram mais importante o debate sobre o uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC) no ensino médico. Diversas estratégias foram empregadas no mundo por docentes para a continuidade das atividades pedagógicas.
Objetivo: Este estudo teve como objetivo investigar as estratégias e os usos de TIC no ensino médico ante a pandemia de Covid-19.
Método: Examinaram-se sistematicamente cinco bases de dados, nas quais se empregaram as expressões e os termos “covid-19”, “ensino médico”, “educação superior” e “estudantes” em português, inglês e espanhol, o que resultou em 321 citações iniciais, com 18 referências finais após a aplicação de critérios de inclusão e exclusão.
Resultado: Quatro temas-chave foram identificados na literatura: 1. “Desafios para o ensino médico anteriores à Covid-19”; 2. “Desafios na migração para o ensino a distância”; 3. “Estratégias para a superação de desafios relacionadas ao ambiente de aprendizagem virtual”; e 4. “Estratégias para a superação de desafios relacionadas às avaliações”.
Conclusão: No contexto da pandemia de Covid-19, o emprego de TIC no ensino médico se mostrou importantíssimo, pois se encontraram quatro estratégias, entre as quais se destacaram o aprimoramento em áreas em que as TIC já eram utilizadas, a migração de algumas áreas mais articuladas e experiências em disciplinas clínicas e procedurais. Também houve preocupação sobre os impactos do uso de TIC em substituição da presença de estudantes nos ambientes de aprendizagem médicos.
Palavras-chave: Covid-19; Ensino Superior; Educação Médica; Ensino a Distância; Scoping Review
Abstract:
Introduction: The challenges brought by the continuity of the university teaching-learning process in the face of the measures to combat the pandemic of COVID-19 made the debate on the use of information and communication technologies (ICT) in medical education more important. Several strategies were used by teachers worldwide to continue their teaching activities.
Objective: to investigate the strategies and uses of ICT in medical education in the face of the COVID-19 pandemic.
Method: Five databases were systematically assessed, using the terms “COVID-19”, “medical education”, “higher education” and “students”, in Portuguese, English and Spanish, resulting in 321 initial citations, with 18 final references after applying the inclusion and exclusion criteria.
Result: Four key topics were identified in the literature: (1) Challenges for Medical Education prior to COVID-19; (2) Challenges in migrating to remote education; (3) Strategies to overcome challenges related to the learning environment; and (4) Strategies to overcome challenges related to assessments and exams.
Conclusion: The use of ICT in medical education in the context of the COVID-19 pandemic showed to be especially important, with considerations regarding the improvement in areas that were already used, the migration of some more articulated areas and experiences in clinical and procedural disciplines. There was also concern about the impacts of using ICT to replace the in-person presence of students in medical learning environments.
Keywords: COVID-19; Higher Education; Medical Education; Distance Learning; Scoping Review
INTRODUÇÃO
Mudanças importantes em termos mundiais foram ocasionadas pelo novo coronavírus, o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 - Sars-CoV-2). Em 11 de março de 2020, declarou-se pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19) com 118 mil casos registrados e quatro mil óbitos1. Como o isolamento social é a mais importante estratégia empregada nessa emergência sanitária, houve mudanças em todos os campos sociais, incluindo as universidades e, nelas, o ensino médico. A pandemia de Covid-19 provocou disrupção nas rotinas hospitalares como um todo, nos serviços de saúde, nas escolas de Medicina e em outros importantes ambientes de aprendizagem, além da centralidade que os profissionais da saúde têm na sociedade para manutenção de vidas2. O cancelamento sistemático das aulas presenciais e a substituição por aulas mediadas por tecnologia a distância trouxeram grandes questionamentos em termos de educação médica para realização das disciplinas pré-clínicas e clínicas2),(3.
O emprego de tecnologias de informação e comunicação (TIC) na educação médica não é uma novidade trazida pela Covid-19, pois elas já são utilizadas desde o final do século XX4, com amplos estudos sobre protocolos próprios e debates pedagógicos dessas estratégias pedagógicas5. No entanto, não se trata de um caminho empregado em todos os setores do ensino médico, uma vez que o modelo presencial, centrado em conteúdos e no desenvolvimento de habilidades clínicas, ainda é preponderante5. Mesmo assim, existem experiências registradas na literatura sobre ensino médico mediado por TIC, inclusive em fases avançadas do curso como o internato médico6.
A presente revisão de escopo tem por objetivo investigar as estratégias de uso de TIC empregadas no ensino médico ante os desafios da pandemia de Covid-19.
MÉTODO
Realizou-se uma revisão de escopo na qual se utilizou manual do Joanna Briggs Institute7, que pressupõe a síntese de resultados e temáticas em desenvolvimento. O foco foi mapear o que existe de relevante na literatura do campo de interesse, uma opção pertinente ante os desafios para a educação médica advindos da pandemia de Covid-19. A questão de pesquisa identificada foi a seguinte:
Quais são as estratégias empregadas no ensino médico ante a pandemia de Covid-19?
Para sistematizar a escrita do trabalho, optou-se pela utilização das recomendações do PRISMA-SrC, um checklist com 21 itens específico para melhorar a qualidade das revisões de escopo8.
As buscas foram realizadas em português, espanhol e inglês, no período de 14 a 31 de julho de 2020. Utilizaram-se quatro bases científicas: Scopus, PubMed, BVS e SciELO. No portal Google Scholar, realizou-se o mapeamento da literatura cinza. No Scopus, usaram-se as seguintes palavras-chave: (TITLE-ABS-KEY (covid-19) AND TITLE-ABS-KEY (“medical education”) AND TITLE-ABS-KEY (student) OR TITLE-ABS-KEY (“high education”)) AND (LIMIT-TO (SUBJAREA, “MEDI”)). Dois membros da equipe de pesquisa realizaram todas as etapas de maneira independente: busca, seleção por títulos, resumo e leitura na íntegra. Em caso de divergências, houve avaliação de um terceiro avaliador, que deliberava em caráter final sobre a inclusão ou não do artigo na etapa.
Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: enfoque na educação médica, apresentação de, pelo menos, uma estratégia empregada no ensino após o início da Covid-19, artigos originais, relatos de experiências e comentários baseados em iniciativas educacionais. Foram critérios de exclusão: artigos que se referiam à percepção de estudantes e/ou docentes sobre a pandemia, artigos sobre avaliação de preferências, estudos com aspectos clínicos sobre a Covid-19, estudos estritamente sobre biossegurança para os estudantes, considerações estritamente teóricas, estudos que não apresentavam claramente quais recursos foram empregados para lidar com os desafios da pandemia de Covid-19 e artigos apenas com considerações sem caminhos ou intervenções e estudos sobre saúde mental de professores e estudantes.
Para a análise dos artigos incluídos, realizou-se um mapeamento que consistiu no levantamento prévio dos temas-chave apresentados nos resultados dos artigos, no agrupamento dessas informações, na identificação de vínculos entre os pontos e na síntese dos estudos, com o propósito de classificar e reclassificar o material produzido de acordo com a pergunta da revisão de escopo.
RESULTADO
Nas buscas realizadas, obteve-se um total de 321 artigos, dos quais 18 foram incluídos para construção da revisão, após seleção pela equipe de pesquisa, conforme mostra a Figura 1.
O Quadro 1 apresenta os dados bibliométricos dos estudos incluídos.
Quatro temas-chave foram identificados na literatura: 1. “Desafios para o ensino médico anteriores à Covid-19”; 2. “Desafios na migração para o ensino a distância”; 3. “Estratégias para a superação de desafios relacionadas ao ambiente de aprendizagem virtual”; e 4. “Estratégias para a superação de desafios relacionadas às avaliações”.
Desafios para o ensino médico anteriores à Covid-19
A maioria dos estudos incluídos apontou que a discussão sobre a forma de estruturação do currículo médico e sua centralização em um paradigma considerado pouco articulado com as revoluções das TIC já ocorria havia muito tempo, mas a questão se tornou mais contundente após a necessidade de migração ao on-line9),(11. A centralidade do docente e do espaço clínico na formação e a posição pouco protagonista dos estudantes no processo ensino-aprendizagem também foram características marcadas nos artigos, a exemplo da dificuldade de migrar disciplinas avançadas nos cursos para outras formas que não a vivência em enfermarias e ambulatórios9. Um exemplo interessante refere-se a disciplina de Anatomia, considerada a “pedra angular” da formação médica, que, mesmo com recursos virtuais e simulações, ainda encontra grande resistência para abandonar o ensino com cadáveres11. O desempenho profissional dos médicos futuros é uma preocupação da comunidade acadêmica, haja vista o volume de materialidades e espaços necessários para a formação desse profissional, uma vez que, além dos conhecimentos anatômicos, existem desenvolvimentos de habilidades técnicas que têm pouca possibilidade de alternativas que não presenciais nas atividades didático-pedagógicas9),(11.
A necessidade de migração para o ensino a distância tem gerado grande pressão tanto nos estudantes - preocupados com o desenvolvimento de habilidades - como nos educadores, que passam a forçosamente a se aventurar em território desconhecido, como é o caso da digitalização das salas de aulas14),(15, a despeito do uso cada vez mais presente de recursos eletrônicos tanto na clínica médica geral como nos espaços educacionais17. Apesar da tecnologia avançada e potente nas universidades, incluindo hardware e software, ainda há necessidade de avanços significativos para permitir um aprendizado on-line eficaz10, além de uma mudança de paradigma educacional que permita o protagonismo do estudante, que ainda é muito dependente da sala de aula e da tutela docente10.
Nesse sentido, deve-se ressaltar o fato muito comum de as pessoas procurarem informações sobre saúde em plataformas como o YouTube, frequentemente usado como fonte de educação para maiores conhecimentos sobre as doenças19. Ao mesmo tempo, existem, há alguns anos, avanços em áreas como a teledermatologia, alternativa prontamente viável como medida para resolução de alguns aspectos das disciplinas presenciais do campo22.
Desafios na migração para o ensino a distância
Uma questão importantíssima levantada trata sobre possibilidades e impossibilidades de migração para o virtual, ao menos de maneira mais imediata, com uma importante divisão destacada entre as disciplinas pré-clínicas, as disciplinas clínico-teóricas e o internato10),(12),(13. Outrossim, apenas aquelas primeiras e com foco teórico teriam mais vocação para a migração para o espaço virtual com velocidade10, uma vez que diversas habilidades próprias do fazer clínico não são conseguidas na modalidade virtual. Isso parece estar também relacionado ao próprio ato clínico, que demanda presença tanto do profissional como do paciente, para além da educação médica em si11.
Há limitações imensas para as vivências clínicas e de ambiente cirúrgico, além das visitas ao consultório, assim como a impossibilidade de algumas especialidades cirúrgicas serem migradas para o ensino a distância12. Enquanto as disciplinas pré-clínicas apresentam maior facilidade por causa da menor interação com o paciente, do melhor acesso ao material educacional virtual, do uso de plataformas e da aprendizagem baseada em problemas, as clínicas têm possibilidade de migração, desde que se utilizem simuladores de realidade virtual e pacientes simulados13, guardadas as devidas restrições tanto na construção de conhecimento clínico quanto na aquisição de habilidades14),(15),(20.
Em termos das TIC desenvolvidas e empregadas, existem grandes desafios em ambientes com restrições de recursos, incluindo falta de disponibilidade generalizada, diagnóstico incorreto resultante de baixa qualidade das fotos, dados médicos on-line inadequados do paciente, lacuna de comunicação entre o médico e os pacientes em tratamento e problemas inerentes à realização de investigações, o que pode gerar prejuízo educacional irreparável22.
Estratégias para a superação de desafios relacionadas ao ambiente de aprendizagem virtual
Em relação às estratégias empregadas para as atividades didático-pedagógicas, a literatura aponta para as plataformas de videoconferência que foram anteriormente muito utilizadas na educação e na telemedicina10. Com a pandemia, houve a necessidade de diversificar a utilização, com no caso de encontros virtuais formados conforme ensino baseado em problemas10),(12),(13. Essas plataformas têm grande diversificação das modalidades de ensino a distância por meio do uso de TIC13. Há forte recomendação de ensino em pequenos grupos, o que facilita a interatividade13),(14),(26. É preconizado o uso da sala de aula invertida, como estratégia pedagógica, com o corpo docente mediando os conteúdos e as informações que devem ser acessados e estudados pelos discentes antes da aula26.
Em termos das plataformas para ambiente virtual de aprendizagem, citaram-se Microsoft Teams, Google Meet, Edmodo, Moodle e Blackboard10),(15; no caso das plataformas de videoconferência, mencionaram-se Zoom, Skype para empresas, WebEx e Adobe Connect10),(14),(15. Também o Twitter foi empregado como espaço para interação entre estudantes e corpo docente, especialmente para resolução de dúvidas e problemas médicos, com ampla interação15),(20. Registraram-se ainda os seguintes procedimentos: pré-gravação das aulas, uso de chat assíncrono e mesmo marcação de horários síncronos para supervisão e suporte educacional-pedagógico15.
Em relação às estratégias pedagógicas para as atividades virtuais, destacam-se o emprego de mapa mental do exame, diagnóstico diferencial e resumo do gerenciamento, com links para recursos a serem empregados em casos clínicos16; fóruns de discussão assíncronos16; um simpósio que facilita as interações sociais e a presença do professor16; portfólio de aprendizado que facilita os aspectos dos objetivos pessoais e reflete o domínio organizacional16; apresentação virtual de casos pelos próprios estudantes17; rodadas de discussão virtuais17; e suporte aos estudantes por meio de acompanhamentos síncrono e assíncrono nas mídias sociais por especialistas18),(21. Os seminários on-line e por videoconferência baseados na solução de problemas, geralmente acompanhados de resultados de investigação ou de um longo diálogo com o paciente, também foram relatados como estratégias22),(23.
Além das disciplinas com maior carga horária teórica, as plataformas on-line também estão sendo empregadas para algumas atividades clínicas, como o Zoom para visitação no leito17 e outras fontes eletrônicas de contato com contato com o paciente, com o propósito de reduzir os impactos no desenvolvimento de habilidades clínicas17. Mensagens instantâneas para serviços de saúde virtuais, mensagens públicas sobre modificação comportamental, rastreamento epidemiológico e acesso a provedores virtuais de saúde já eram muito empregados18.
Encontraram-se experiências de dissecção virtual11 e uso de banco de imagens de anatomia11, patologia12 e radiologia15. Também a endoscopia, laparoscopia e cirurgia robótica são amplamente usadas em muitas disciplinas cirúrgicas e permitem a visualização cirúrgica por quem não está participando diretamente12),(14. Outra interessante estratégia foi a cirurgia transmitida virtual com câmera GoPro® e comunicação audiovisual bidirecional em tempo real entre o aluno e a equipe operacional12. Em outra experiência, aplicativos móveis validados para componentes do exame neuro-oftálmico foram empregados no ensino de oftalmologia18. Reforça-se a necessidade de que o corpo docente receba suporte para conduzir o ensino e a preceptoria clínica virtual14.
É possível avaliar, gerenciar e atender pacientes por meio da captura de vídeo e transmissão segura durante os procedimentos e para a prestação de cuidados em um ambiente de telessaúde12, da mesma forma que foram empregadas sessões de revisão cirúrgica de vídeo com preceptores14 e sessões de casos clínicos mediadas por plataformas on-line por meio de oficinas remotas interativas e sessões de casos15.
Existem experiências de visitas de médico que afixou um iPad Pro e executou o aplicativo de videoconferência24; assim como o contato dos estudantes com os pacientes por meio do Zoom25 em sessões de laboratório, simulações e sessões de ultrassonografia à beira do leito, e também para instruções clínicas com pacientes padronizados e em ambientes autênticos de atendimento a eles26.
Estratégias para a superação de desafios relacionadas às avaliações
Uma preocupação muito marcada na literatura se referiu à avaliação do processo ensino-aprendizagem, já que tradicionalmente se privilegiam a memorização e as provas com enfoque conteudista. Além disso, por causa da pandemia, os exames passaram para as plataformas on-line10),(26, o que demandou mudança de abordagem22),(23.
Várias estratégias interessantes de avaliações on-line foram encontradas, incluindo avaliação oral por meio de videoconferência e comunicação próxima com os alunos12, apresentações orais12, avaliações assíncronas com consulta à bibliografia15, gravações em vídeo de apresentações sobre caso clínico15),(18, exercícios de medicina baseada em evidências ao avaliar tratamentos14, exames com consulta23 e perguntas aleatorizadas no ambiente virtual de aprendizagem com tempo máximo estabelecido para conclusão23.
Em disciplinas que preveem o desenvolvimento de habilidades clínicas, houve consideráveis avanços para permitir a migração para os ambientes virtuais de aprendizagem, como o uso de relatório eletrônico no qual o supervisor clínico avalia as competências dos estudantes16),(19; emprego de instrumento para avalição de habilidades clínicas15, fórum de discussão on-line e apresentação baseada em casos, avaliando a reflexão crítica e o uso da literatura16; construção de casos interativos simulados, que podem ser concluídos de forma assíncrona16),(18; mapas mentais com links para documentos importantes, podcasts, vídeos e outros recursos; e uma seção final para autorreflexão crítica e ligação aos cenários clínicos16. Uma atividade que se destacou foi a solicitação aos estudantes que avaliassem a qualidade da informação em vídeos do YouTube relação ao que existe em termos de medicina baseada em evidências19.
De maneira mais integrada com a prática clínica, encontraram-se também exames práticos realizados em videoconferência, em que pacientes reais foram sendo substituídos por cenários e imagens de casos virtuais22. Em outro estudo, os preceptores do corpo docente supervisionaram e ouviram a conversação mediadas pelo Zoom entre estudantes e pacientes, forneceram feedback e comentários por meio da função de bate-papo do software, em tempo real, e intervieram quando necessário. Após a chamada, os alunos ajudaram a documentar esses retornos de chamada. Os professores preceptores avaliaram o desempenho dos alunos com as mesmas ferramentas de avaliação do estágio tradicional24.
DISCUSSÃO
O afastamento de alunos de estágios clínicos pode ter implicações significativas para o planejamento futuro da força de trabalho27. No entanto, a pandemia de Covid-19 tornou mais evidentes questões que já eram debatidas no ensino médico, tais como o papel do discente, o foco na formação por meio da vivência clínica e os desafios gerados por um modelo tradicional - como é o médico - perante o mundo contemporâneo e os avanços tecnológicos. Também a centralidade do estudante e não dos docentes no processo ensino-aprendizagem se tornou mais nítida como questão importante para as decisões pedagógicas dos cursos médicos28.
Ao mesmo tempo, os artigos apontam que existem grandes diferenças nas disciplinas de caráter geral das ciências da saúde, as específicas pré-clínicas médicas e as clínicas médicas, direcionando ao entendimento que deverão ser tomadas medidas diferentes, pensadas em possibilidades de mudança integral para o uso de TIC, mixagem, diminuição de carga presencial e até mesmo adiamento, caso seja significativa para a formação, com vistas a cinco possibilidades de abordagem: continuar, adiar, adaptar, descartar, adicionar outras formas29.
É potencial o uso de videoconferências para compensar a retirada das aulas clínicas realizadas diariamente. Uma webcam e um microfone passam a ser importantes para o trabalho em sala de aula30. O aprendizado misto, definido como a combinação do aprendizado presencial convencional e do ensino assíncrono ou síncrono, cresceu rapidamente e agora é amplamente utilizado no ensino médico30. Há também o emprego de webinários, fóruns de discussão, clubes de estudos clínicos, mídias sociais em geral e outras formas que possibilitem a interação entre os estudantes, professores e experts médicos31.
Questões referentes à capacitação do corpo docente para o uso das TIC e ao desenvolvimento de recursos de infraestrutura são defendidas pela literatura há muito tempo e se tornaram mais importantes ainda no contexto da pandemia de Covid-19. Ao mesmo tempo, diversas estratégias para a superação de desafios relacionadas ao ambiente de aprendizagem, às avaliações e aos exames foram adotadas de maneira interessante pelos docentes nos artigos incluídos no presente estudo, trazendo inspirações para a implementação imediata e o desenvolvimento futuro.
Em razão da emergência da Covid-19 como acometimento amplo na sociedade e que exigiu a reconfiguração do ensino no mundo todo, o presente estudo tem como potência a apresentação do que foi possível ser publicado na literatura científica internacional a respeito das estratégias empregadas para a continuidade do ensino médico perante as limitações da pandemia. No entanto, são evidentes as suas limitações, uma vez que o impacto da Covid-19 é recente, não havendo tempo para que todas as experiências nesse campo estejam na literatura, inclusive pelo tempo necessário para estudos mais robustos serem desenvolvidos, sintetizados na forma de publicação científica, submetidos, apreciados e aprovados por pares, além do processo de publicação nos veículos de divulgação científica. De todo modo, os achados da presente revisão de escopo são importantes como norte para futuras ações e adaptações em termos de educação médica durante a pandemia de Covid-19. Aos estudos futuros caberá avaliar a possibilidade de essas estratégias serem modificadas ou mesmo verificar se outras aparecerão conforme os cursos médicos se defrontam com os desafios trazidos pelo contexto sanitário e educacional.
CONCLUSÃO
Nesta revisão do escopo, as experiências relatadas de ensino médico em época de pandemia de Covid-19 sugerem a necessidade de adaptação da formação focada na presença do estudante em ambientes clínico-laboratoriais para uma situação mediada por TIC. Nesse sentido, os antigos desafios da educação médica ante as mudanças do mundo contemporâneo, como a teleconsulta, passaram a ser ressignificados como possibilidades de certa aprendizagem, visando minimizar os prejuízos oriundos do distanciamento social exigido como medida sanitária. Também o papel do estudante no processo ensino aprendizagem deve ser repensado, com certa centralidade na autonomia dadas as características do ensino remoto. De certa forma, pode-se concluir que as estratégias educacionais empregadas no ensino médico perante a pandemia de Covid-19 relacionam-se a quatro caminhos possíveis:
Manter as estratégias pedagógicas já trabalhadas via on-line, como as atividades e classes previamente mediadas por tecnologia.
Adaptar aulas, exercícios e simulações clínicas que eram presenciais e que se tornaram possíveis pela mediação de tecnologia on-line.
Adaptar visitas e consultas clínicas com estratégias mistas em que um profissional faz a parte presencial com os pacientes e transmite (e às vezes interage) para os estudantes por tecnologia on-line.
Adiar para o futuro elementos que são insubstituíveis - tanto clínicos como em procedimentos - que tem aspecto prático e de contato, além da questão da humanização
Em alguma medida, existem saídas possíveis para áreas mais clínicas e de contato com casos e procedimentos médicos, mas há o forte e importante questionamento sobre até que ponto essas adaptações podem ser empregadas sem prejuízo ao desenvolvimento de habilidades e competências aos futuros profissionais médicos.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Fev 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
17 Ago 2020 -
Aceito
09 Dez 2020