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ENSINO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR NO CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA

A intenção do presente ensaio não é descrever o que é feito ou não no ensino de Planejamento Familiar nas Escolas Médicas do Brasil, nem tão pouco descrever o que ensinamos no Departamento de Tocoginecologia da Universidade a que pertencemos. Pretendemos, sim, propor o que acreditamos que deveria ser feito, baseados numa longa experiência na prática e no ensino do Planejamento Familiar no Brasil e em outros países da América Latina.

Também não vamos oferecer uma “fórmula” que deva ser seguida à risca. Faremos apenas uma proposta que inclui tanto aspectos que já fazem parte dos currículos de graduação da maioria das escolas médicas, como outros que em muitas delas, inclusive em nossa Faculdade, ainda não são considerados.

Neste sentido é também uma autocrítica e reflete a necessidade de constantemente avaliarmos e revisarmos o conteúdo de nosso currículo.

Partimos da base de que o ensino de graduação em medicina deva ser terminal, tendo como objetivo principal a formação de um médico geral ou “de família”, que deve ter conhecimentos gerais sobre o assunto e capacidade resolutiva atribuída ao nível primário de atendimento.

Com esse conceito em mente, passamos a analisar algumas questões, descrever o conteúdo curricular que consideramos mínimo, discutir as características da forma de ensinar e os requisitos básicos para que isso possa ser posto em prática.

1. É Necessário o Ensino do Planejamento Familiar no Curso de Graduação em Medicina?

A primeira pergunta que surge é se realmente é necessário incluir o ensino do Planejamento Familiar no Curso de Graduação em Medicina. Para responder a essa pergunta é necessário antes que se determine se o Planejamento Familiar faz parte do que deve saber o médico geral, “de família”, que seria o objetivo desse Curso Médico. Para nós, a resposta é claramente afirmativa, por três razões fundamentais.

Primeiramente, porque o Planejamento Familiar é uma atividade de medicina preventiva de grande efetividade, é um mecanismo para evitar a gravidez de risco. Essa gravidez inclui tanto a gestação em mulheres com patologias ou características pessoais associadas a maior morbidade ou mortalidade materna e perinatal, como a que é simplesmente não desejada, e, portanto, associada a maior risco de aborto e de outras expressões de rejeição.

Em segundo lugar, existe hoje no Brasil uma alta prevalência de uso dos mais variados métodos anticoncepcionais, porém com uma predominância desequilibrada dos anticoncepcionais hormonais orais. Estudos de prevalência de uso realizados em 1986, nos diferentes Estados, mostram que entre 53 a 73% das mulheres casadas estavam usando alguma forma de regulação da fertilidade11. ARRUDA, J. M.; RUTEMBERG, N.; OCHOA, L. H.; MORRIS, L. & FERRAZ, E. A. Pesquisa sobre saúde materno-infantil e planejamento familiar. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 5. Águas de São Pedro, 12-16 out. 1986.. Essa alta porcentagem de uso corresponde a um fenômeno comum a muitos outros países em desenvolvimento. Aparentemente é o resultado de uma mudança de atitude com relação ao número ideal de filhos, que acompanha as mudanças culturais da modernização. Essas alterações provavelmente derivam da grande expansão dos meios de comunicação eletrônicos (rádio e televisão) e de outros resultados da modernização, como urbanização acelerada e progressos na educação.

Todas essas mudanças sócio-culturais não têm sido acompanhadas de progressos paralelos na informação e portanto, no conhecimento dos métodos anticoncepcionais, tanto por parte do público em geral, como por parte do pessoal de saúde, incluindo o médico.

Essa deficiente informação é o resultado de uma atitude contrária ao Planejamento Familiar que se manteve por muitos anos e levou a se ignorar tudo o que fosse relativo à anticoncepção nos cursos de medicina. Tal deficiência na formação do médico permeou toda a sociedade e deu lugar a todo tipo de distorções na indicação e no uso dos métodos anticoncepcionais.

Hoje, quando sabemos que há uma grande proporção de mulheres usando anticoncepcionais, particularmente os sistêmicos, e quando conhecemos as complicações, fatores de risco, interações com drogas, etc., não é mais possível permitir que o médico geral e o especialista de qualquer outra disciplina possa ignorar as informações básicas sobre essas técnicas, se desejamos prestar assistência correta a nossa clientela. Ficar sem esse conhecimento significa continuar expondo as mulheres usuárias a toda classe de riscos por uso inadequado ou formalmente contra­indicado dos diversos anticoncepcionais.

Por último, porém não menos importante, a possibilidade de decidir acerca da sua própria fertilidade é um dos direitos mais importantes para toda mulher, assim como para todo casal. Essa decisão é um problema íntimo do indivíduo, que depende do seu ambiente sócio-cultural. Contudo a orientação de como tomar essa decisão é responsabilidade do médico e deveria ser um dos papéis mais importantes desempenhados pelo médico de família ou generalista.

Esse papel do médico é um dos que melhor caracteriza a visão do profissional que cuida, orienta e responde às necessidades imediatas de saúde de cada um dos membros da família.

2. O que ensinar?

O primeiro conceito que nos parece fundamental é que o ensino do Planejamento Familiar não pode ficar restrito ao ensino da anticoncepção, nem ao Departamento de Obstetrícia e Ginecologia. Acreditamos que se devam incluir conceitos básicos de Demografia, com especial aplicação à dinâmica populacional brasileira, um conhecimento bastante aprofundado da Biologia da Reprodução, elementos básicos do manejo da Esterilidade e Infertilidade, fisiologia e fisiopatologia da Função Sexual, incluindo orientações sobre as principais disfunções sexuais e, obviamente, Anticoncepção.

Em que Departamento e área do currículo devem ser ministrados esses distintos componentes dependerá da estrutura de cada escola e da disponibilidade de docentes interessados e preparados.

Analisaremos, em breve, os conteúdos que acreditamos ser fundamentais para a formação desse médico geral a que estamos nos referindo.

2.1 Conceitos básicos de Demografia

Os conceitos básicos que devem fazer parte do conhecimento do médico devem incluir: a evolução histórica da população do mundo e do Brasil; os componentes da dinâmica populacional, fundamentalmente mortalidade e fecundidade, também em perspectiva histórica (que devem incluir as mudanças recentes da fecundidade no Brasil); os fatores que se associam à mortalidade, particularmente perinatal e infantil, assim como à fecundidade, demonstrando as diferenças por regiões, por renda, educação e local de residência (urbana/rural).

Mostrar como as características históricas da fecundidade e, em menor grau, da mortalidade condicionam a distribuição etária da população e a relação de dependência; explicar o que significa tanto uma estrutura populacional muito jovem, como no caso do Brasil, quanto uma estrutura populacional envelhecida como é o caso de muitos países europeus hoje.

Em termos de dinâmica populacional, além de explicar o significado das taxas em termos de tempo necessário para duplicar a população, deve-se fazer entender o conceito da inércia de crescimento populacional, que faz com que a população de um país com base populacional larga continue crescendo por muitos anos, depois que a taxa total de fecundidade (média de filhos por mulher) chegue ao nível de reposição (média de dois filhos por casal).

No caso do Brasil, é também importante insistir na distribuição espacial da população e no problema das migrações internas, que têm um efeito muito direto sobre o perfil de saúde e doença da população.

Porém, tão importante como o conteúdo do ensino desses fundamentos demográficos, é a carga filosófico-política muitas vezes colocada acima da informação. Infelizmente, na maioria das vezes que se fala em dinâmica populacional brasileira, ou se coloca o fantasma apocalíptico da explosão demográfica como o culpado de todos os problemas sociais do Brasil, desde a pobreza até a delinqüência, ou, no outro extremo, fala-se nas dimensões geográficas deste país continental e da necessidade de preencher os “espaços vazios”, contra argumenta-se que qualquer posição diferente de manter a taxa atual de crescimento populacional é produto do imperialismo internacional, agora simbolizado no Fundo Monetário Internacional (FMI). Ainda que difícil, é preciso começar a dar uma visão objetiva e equilibrada da situação populacional do Brasil. Ê, sem dúvida, necessário conhecer as projeções de população e seu significado em termos de crescimento urbano e a carga sobre as inversões em infra-estrutura que carrega consigo um crescimento rápido de população. Mas é necessário também conhecer as vantagens de uma população jovem sobre uma população envelhecida e os problemas derivados de uma proporção excessivamente alta de população acima dos 60 ou 65 anos e seu efeito sobre os sistemas previdenciários, por exemplo.

O espaço relativamente longo que temos dedicado ao ensino de fundamentos demográficos não se relaciona com a importância relativa que lhe atribuímos, mas à necessidade que vemos de precisar o que entendemos deva ser conhecimento do médico. O mais importante é que devemos evitar posicionamentos extremos e tendenciosos, sejam para justificar o controle da natalidade, sejam para justificar a intolerância em aceitar o lugar da anticoncepção entre as atividades médicas.

2.2 Biologia da Reprodução

Este é um assunto que tradicionalmente é ensinado nos Cursos de Graduação em Medicina, desde as ciências básicas nos primeiros anos até o internato no Departamento de Tocoginecologia e, ocasionalmente, na Urologia. É possível que o conteúdo do ensino da Biologia da Reprodução em muitas escolas médicas seja até excessivo para o médico geral, porém, no nosso julgamento, há alguns aspectos que achamos fundamentais e que nem sempre ficam suficientemente claros para uma boa parte dos recém-graduados.

Partindo da análise do que deve saber o médico geral, achamos que esse conceito pode ser resumido dizendo que: deve saber o necessário para orientar os indivíduos nos períodos mais críticos de mudanças na sua fisiologia reprodutiva, como adolescência, gravidez, pós-parto e aleitamento e período peri e pós-menopáusico; deve entender com muita clareza a ciclicidade da função reprodutiva feminina e a continuidade da função masculina; compreender muito bem o processo de ovulação, migração de gametas e fecundação e os limites de sobrevida funcional de ambos gametas no trato genital feminino.

Assim, parece-nos que nem todos os temas são suficientemente ensinados em muitas escolas médicas. Assuntos como adolescência feminina e masculina, fisiologia da lactação e interações com a função reprodutiva e as características fi­siológicas do período peri e pós-menopáusico são muito bem descritos em algumas poucas escolas, mas quase que totalmente esquecidos em muitas outras. Parece-nos ainda que estes temas são do maior interesse prático para esse médico geral e o de família que se pretende formar.

2.3 Esterilidade e Infertilidade

Acreditamos que o médico geral deva ter a capacidade de dar orientações iniciais, a nível primário, ao casal que consulta por incapacidade de conseguir ou manter uma gravidez. Em primeiro lugar, o médico geral deve esclarecer sobre o limite do que é normal e o que passaria a se definir como esterilidade, evitando consultas precoces aos poucos meses de vida sexual ou de suspensão do uso de anticoncepcionais.

Ainda a nível primário, acreditamos que se deva esclarecer a importância da interação entre os fatores feminino e masculino, contribuindo para eliminar os conceitos errados que atrapalham a colaboração do homem no estudo e tratamento do casal estéril. Na medida em que se compreende que um homem fértil pode, aumentando ainda a sua fertilidade, conseguir engravidar uma mulher com fertilidade limita da, poderá obter-se uma maior colaboração de esposos que, confundindo qualquer suspeita acerca de sua fertilidade, temem por sua “masculinidade” e resistem a qualquer exame.

Por último, também a nível primário, podem ser feitas algumas explorações iniciais do casal estéril, excluindo ou diagnosticando e, ocasionalmente, corrigindo alguns fatores. Entre esses devem incluir-se fatores coitais, mais freqüentes do que em geral se pensa, fatores inflamatórios cervicais e a presença de varicocele, clinicamente detectável no homem. O estudante de graduação deveria, portanto, estar capacita do para seguir todas estas orientações descritas acima, já que são atividades próprias do médico geral que as deve realizar antes de simplesmente encaminhar ao especialista sem maior análise.

2.4 Função Sexual

Este é um dos temas mais esquecidos na formação do médico. O resultado tem sido a sua incapacidade de responder adequadamente à mínima consulta na esfera sexual de sua clientela feminina ou masculina, pelo que habitualmente foge de dar uma resposta ou rapidamente recorre ao psicólogo.

Pensamos que o estudante de medicina tem que, pelo menos, conhecer a fisiologia da função sexual e os principais desvios da normalidade funcional em ambos os sexos. Como uma boa parte das dificuldades sexuais a nível primário corresponde só a um conhecimento incompleto da normalidade, será suficiente que o médico conheça bem os limites da normalidade para que possa dar essa atenção primária a sua clientela.

A respeito do tratamento das disfunções sexuais, acreditamos que se deva começar a informar as principais escolas dos tratamentos modernos e, talvez, da forma de se tratar casos mais fáceis, como por exemplo o vaginismo ou a dispareunia.

Reconhecemos porém as nossas próprias limitações nesta área e insistimos apenas na necessidade de definir com clareza os conteúdos mínimos que devem ter este ensino e que não podemos continuar formando as próximas gerações de médicos na mesma ignorância de nossa geração e das que formamos até agora.

2.5 Anticoncepção

É óbvio que não cabe aqui descrever tudo o que deva ser ensinado em termos de anticoncepção. Queremos sim propor alguns princípios gerais que achamos tão ou mais importantes do que a enumeração de métodos que devam ser conhecidos pelo médico geral.

O primeiro princípio é de que todo médico deve conhecer todos os métodos anticoncepcionais disponíveis à população brasileira, sem preconceitos e com a melhor fundamentação possível. Uma das posições mais freqüentes entre nós é a de desprezar os métodos que não dependem diretamente da ação médica e que precisam de mais ensino à paciente, ensino esse muitas vezes demorado e difícil. Esse problema aplica-se particularmente à abstinência periódica nas suas diversas formas e aos métodos de barreira, que estão associados com o conceito de que seriam pouco efetivos.

Acreditamos que se deva manter uma atitude muito equilibrada, lembrando que todos os métodos têm as suas indicações e contra-indicações e que a eficácia desses métodos em particular depende muito das pessoas que os usam, bem como da correção das instruções dadas para o seu uso. Assim nenhum método deve ser esquecido por preconceitos de quem é responsável pelo ensino.

O segundo ponto a ser considerado é que se deve evitar a atitude de “torcedor” por um ou mais métodos, o que leva facilmente a uma posição negativa e de desprestígio de métodos “rivais”. Compreende-se que quem ensina tenha uma experiência pessoal ou familiar que o faça preferir pessoalmente determinado(s) método(s), se essa experiência é ou foi positiva, e rejeitar outros, se a experiência foi negativa. Deve-se manter, porém, uma atitude objetiva de respeito ao conhecimento científico e às experiências brasileiras e estrangeiras, sem contaminá-las com preconceitos pessoais baseados em amostras de um ou de uns poucos casos próximos, tanto no entusiasmo excessivo por um método como no desprestígio desproporcionado por outro.

O terceiro ponto, também ligado aos anteriores, é o de ser muito objetivo em se colocar claramente as limitações, contra-indicações e fatores de risco para o uso dos diferentes métodos. É reconhecido o grande valor da anticoncepção como instrumento eficaz de prevenção de problemas de saúde, evitando gravidezes de risco. É também fundamental evitar o risco próprio do uso de cada método, não se entendendo só o risco de complicação grave e de morte. Deve-se dar a devida importância aos riscos físicos ou psíquicos que não chegam a ameaçar a vida da mulher mas que podem ser somente desconfortos. A mulher que consulta para saber como evitar a gravidez tem o direito de conhecer os riscos antes de aceitar este ou outro método anticoncepcional. Não é raro o médico pensar e decidir pela paciente. Julga que o efeito secundário não é importante e que, portanto, a mulher irá tolerá-lo bem. Muitas vezes nem passa pela sua cabeça que essa mulher em particular pode não gostar de menstruações um pouco mais ou um pouco menos abundantes ou prolongadas, por exemplo, e por isso não comunica esta informação à futura usuária do método.

Isto pode acontecer e tem maior gravidade, no caso da laqueadura tubária, onde nem sempre a paciente sabe sobre a sua irreversibilidade. Também, às vezes, não avalia as possibilidades de arrependimento de acordo com as características de idade, número de filhos vivos, estabilidade do casal e outras variáveis. Até os médicos, às vezes, esquecem a sua objetividade quando falam da possível reversão da laqueadura pela microcirurgia, lembrando somente as estatísticas mais otimistas e esquecendo aquelas em que a microcirurgia sequer pode ser tentada pelas péssimas condições das trompas verificadas pelo exame laparoscópico.

É portanto fundamental que o médico geral, que irá aconselhar a família, saiba muito bem das limitações, contra-indicações e fatores de risco de cada um dos métodos e que tenha o conceito de respeito ao direito da mulher de ser muito bem informada do que poderá acontecer com ela durante o uso de cada procedimento ou droga de efeito anticoncepcional.

3. Como ensinar?

No caso do Planejamento Familiar, existem matérias tipicamente teóricas como Demografia, onde não se poderá ir além do exercício teórico e do seminário, mas nas demais a prática e o exemplo são fundamentais, mais ainda se lembrarmos da ênfase que temos colocado na atitude que deve ser adquirida pelo graduando.

Aspectos relativos à Biologia da Reprodução, Esterilidade, Orientação Sexual e Anticoncepção, só poderão ser devidamente ensinados e aprendidos em locais onde exista a prática dessas atividades.

A simples “existência” de tais práticas não é, todavia, suficiente. Se essa prática não é correta, particularmente no que tange à anticoncepção, ela poderá desorientar ao invés de formar adequadamente o nosso médico geral. Já sabemos que aprende-se com o exemplo e a imitação na prática do que se observa no docente. Daí a ênfase que temos de colocar na qualificação científica dos docentes nestes aspectos particulares do conhecimento, que vai desde a demografia até a anticoncepção, passando pela fisiologia da sexualidade.

Como descrevemos anteriormente, estas são matérias em que é fácil cair na subjetividade e assumir “posições” em lugar de tentar atitudes equilibradas e objetivas. Talvez o mecanismo para obter esse equilíbrio seja a discussão permanente com pessoas de dentro e de fora da escola, com o fim de conservar um espírito crítico do que estamos fazendo. Neste aspecto, a discussão com os próprios alunos é muitas vezes útil e eficiente para não cair nos extremos, que temos discutido com insistência ao falar dos conteúdos do ensino.

4. Condições que deve cumprir a prática utilizada no ensino

Limitando-nos apenas à prática do aspecto mais controvertido, que é a anticoncepção, pensamos que é importante discutir as condições que deverá ter essa prática para que realmente sirva aos propósitos de formação correta desse médico geral, orientador da família a nível primário, que seria o objetivo do ensino de graduação em medicina.

A primeira condição é a de se oferecer Planejamento Familiar Integral, isto é, incluindo o manejo e o tratamento da esterilidade conjugal.

A segunda condição é que se ofereça informação e serviços de anticoncepção incluindo todos os métodos aceitos no Brasil, sem eliminação ou desconsideração preconceituosa de nenhum. Sabemos que esta é uma condição muito difícil de ser cumprida e que talvez nenhuma escola, incluindo a nossa, a esteja cumprindo.

É difícil porque nem todos têm acesso a todos os métodos anticoncepcionais, alguns dos quais são mesmo difíceis de serem encontrados no Brasil, como o DIU, o diafragma e outros, porque requerem tempo, disposição e conhecimentos que nem sempre encontramos nos ambulatórios dos Hospitais Universitários. Sabemos também que os diversos organismos nacionais e interacionais interessados em colaborar com o planejamento familiar no Brasil têm-se mostrado mais interessados em promover determinados métodos de maior eficácia e não necessariamente todos os métodos que a mulher tem o direito de conhecer e usar. Esperamos que o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher do ministério da Saúde, que propõe justamente a informação e o uso de todos os métodos, venha efetivamente ajudar a corrigir estas imperfeições, das quais pensamos que nenhuma de nossas escolas conseguiu escapar até hoje.

A terceira condição é a de existir um forte componente educativo, que dê uma informação não só completa sobre todos os métodos, mas também honesta e objetiva, sem “torcer” por alguns e denegrir os outros. Este, componente educativo deve ir além do monólogo, muitas vezes mecânico e rotineiro de uma enfermeira, educadora ou assistente social. Deve facilitar o diálogo, deve abrir espaços para as mulheres expressarem suas dúvidas, crenças, preconceitos, opiniões, temores. Este abrir espaços significa não só ouvir, mas também respeitar o que se ouve, abandonando atitudes paternalistas e sem pretender saber, melhor que elas, o que elas sentem.

A quarta e última condição, porém não menos importante, é que essa prática de Planejamento Familiar esteja inserido no contexto da Assistência Integral à Saúde da Mulher, isto é, num ambiente em que também se ofereça com a mesma facilidade, atendimento a qualquer outra necessidade em saúde que essa população feminina de qualquer idade possa ter.

Esta condição é particularmente importante para a formação do médico geral, evitando que ele forme uma opinião distorcida da importância relativa das distintas atividades de assistência à mulher. Se fosse treinado num local em que o Planejamento Familiar tivesse a maior parte dos recursos e a assistência pré-natal muito pouco, é claro que ficaria com a idéia que esta última atividade é menos importante, o que sena totalmente contrário às evidências que mostram a importância fundamental dos cuidados pré-natais para à saúde da mãe e da criança33. FAÚNDES, A., HARDY, E., DIAZ, J. & PINOTTI, J. A. Association of marital status and years of schooling with perinatal outcome: the influence of prenatal care as an intermediate variable. J. Peri-Dat. Med., 10: 105, 1982.. Os mesmos tipos de exemplos poderiam ser dados com outros componentes de Assistência Integral à Saúde da Mulher. O importante é guardar o conceito de que esta quarta condição a prática dirigida no ensino do aluno de graduação e tanto ou mais importante do que as três anteriores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    ARRUDA, J. M.; RUTEMBERG, N.; OCHOA, L. H.; MORRIS, L. & FERRAZ, E. A. Pesquisa sobre saúde materno-infantil e planejamento familiar. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 5. Águas de São Pedro, 12-16 out. 1986.
  • 2
    FAÚNDES, A., DIAZ, J. A., DIAZ, M. M. & PINOTTI, J. A. Freqüência e adequação no uso de métodos contraceptivos por mulheres de Campinas. R. Paul. Med, 104(1): 44-6, 1986.
  • 3
    FAÚNDES, A., HARDY, E., DIAZ, J. & PINOTTI, J. A. Association of marital status and years of schooling with perinatal outcome: the influence of prenatal care as an intermediate variable. J. Peri-Dat. Med, 10: 105, 1982.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1986
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