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SOLILÓQUIO DA EDUCAÇÃO: EM APOIO ÀS TRANSFORMAÇÕES DA ESCOLA MÉDICA BRASILEIRA

A educação não pode ser entendida senão dentro do conceito histórico-sócio-cultural de determinada sociedade em determinado momento não apenas cronológico, mas, sobretudo, sócio-evolutivo. Isto implica na aceitação de um novo conceito de tempo.

O conceito acima, essencialmente dinâmico, se opõe à clássica idéia de imobilismo que vem caracterizando as mais retrógradas posições educacionais, quando a sociedade procurava reproduzir sua própria imagem para a sua própria segurança.

Acontece, entretanto, que o conceito de segurança muda nas sociedades politicamente abertas. As democracias dispensam freios autocráticos. Elas se auto-regulam através de suas estruturas políticas habituais desde que estas se mantenham em permanente discussão dialética com todos os setores da sociedade organizada.

Depois de muitas reflexões, escritos, e muita experiência em educação médica, acredito que chegou o momento, face às transformações que se esperam ocorrer no País, no qual me sinto no dever de monologar sobre Educação, esperando que este monólogo, por menos expressivo que seja, possa sensibilizar os leitores desta Revista e permear um compromisso mais efetivo da ABEM em apoio às transformações da Escola Médica Brasileira.

Decálogo da Educação

O setor educacionável é parte indissolúvel do sistema social e reflete sempre a problemática do sistema político e economicamente vigente.

Assim, a educação está vinculada ao sistema produtivo, ou seja, aos modos de produção econômica.

A educação não pode ser neutra, devendo-se constituir em processo permanente sob contínua ebulição criativa e questionamento dialético.

A educação per se, entretanto, não tem poder transformador: em consequência devem ser repelidas as teorias behavioristas e conservadoras que julgam poder mudar o homem sem mudar o sistema.

O metodológico, clássico e formal, em pedagogia, não leva a qualquer avanço substancial a não ser que esteja comprometido com a transformação social.

O que ficou dito acima não implica em negar à educação seu papel transformador: é exatamente nos momentos históricos de crise institucional, que a educação adquire poder transformador.

As transformações pelas quais deve passar a Educação não se farão de dentro para fora: modificações administrativas e pedagógicas profundas não se tornarão realidade sem a concorrência de pressões externas geradas pela mobilização da sociedade em regime democrático aberto.

A educação não é feita para reprimir mas para libertar o homem.

O processo educacional deve estar dirigido ao Homem inserido em uma realidade que se admite em permanente processo de aperfeiçoamento: daí seu sentido dinâmico e transformador.

Aceitando-se o aforismo “ninguém educa ninguém e todos educam a todos”, compreende-se que a educação não se faz apenas na escola mas deve ser entendida como processo global que compete a toda a sociedade.

Estas reflexões surgem no momento em que a Constituinte brasileira se instala com o objetivo de construir uma Carta que possa apontar ao País os caminhos da democracia, da liberdade e da justiça. Aí sim, a Educação terá o seu lugar privilegiado, como força transformadora, ao lado dos outros setores diretamente ligados ao desenvolvimento social.

O subsistema educacional atual brasileiro é fruto de longa tradição autocrática que remonta à época colonial. A Escola, no Brasil, não está cumprindo nem a sua mais elementar tarefa de instruir para a profissionalização e, muito menos, se preocupando em educar o Homem com a visão e o sentimento do mundo que dá sentido à cidadania. O subsistema educacional está cristalizado, imobilizado e, portanto, inoperante.

A educação médica no Brasil, como em outros países latino-americanos, tem estado historicamente atrelada às propostas conservadoras oriundas do hemisfério norte e, por consequência, esteve sempre ligado ao processo de produção capitalista. Este tem sido o caminho seguido pelas escolas de medicina dos países economicamente dependentes. Este assunto, exaustivamente estudado por educadores médicos da América Latina, tem sido caracterizado pelos sucessivos movimentos da educação médica iniciado, no início do século, pelo movimento flexineriano que coincidiu (não por acaso) com o ápice da revolução industrial e foram seguidos por outros, que embora com características inovadoras - medicina preventiva, medicina integrada, medicina comunitária e integração docente-assistencial - não tinham capacidade transformadora.

Finalizando é preciso ressaltar que a Educação é uma só. Suas adjetivações identificam apenas determinados setores. Por um lado, a Educação Médica não terá condições de mudar sem que a educação no País seja transformada de fato, isto é, qualitativamente. Por outro lado, suas ligações com a saúde fazem com que a Educação Médica (em sentido mais abrangente) esteja atentamente debruçada sobre as transformações que deverão ocorrer no setor saúde em consequência da implantação da Reforma Sanitária. Chegou o momento em que os dois setores se devem entender no tocante à formação de recursos humanos adequados à realidade que o País atravessa.

Desejo repetir que “Enquanto as escolas de medicina nos países desenvolvidos estão preocupadas em preparar o “médico do futuro”, i.e., da era pós-industrial, temos que aceitar que a nossa realidade exige a formação de um profissional voltado para o “passado”, ou seja, o médico adequado e necessário às condições de inferioridade social e econômica com a qual nos defrontamos. Por este motivo, nossa missão é mais complexa e, ao mesmo tempo, desafiadora porque ela está forçosamente comprometida com a transformação desta realidade”. Realidade esta que repudiamos, passado este que, como “tempo social”, não poderá ser perpetuado.

Os esforços conduzidos pela ABEM, nestes últimos anos, resultaram em um pensamento crítico e renovador que constitui hoje no País inestimável patrimônio. O acervo bibliográfico acumulado e publicado nos anais de seus Congressos anuais, na Revista Brasileira de Educação Médica e em várias monografias é, seguramente, o mais rico da América Latina.

Monologar é, antes de tudo, uma preparação para o diálogo que se antecipa à ação. Por consequência, não se deve confundir solilóquio com lamento, mas, sim, como um apelo à ação. A ABEM, mantendo seus compromissos anteriores, prepara-se, no momento, para passar ao diálogo amplo, aberto e construtivo com as IES brasileiras e as instituições prestadoras de serviços de saúde, com a finalidade de partir para a ação. Este apelo acaba de ser feito pelo atual Presidente da ABEM, Prof. L. Paula Castro, no último número do Boletim desta Associação: “... vamos à luta...”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1986
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