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EDITORIAL

É no sentido de desenvolver os cuida dos primários de saúde, executados através de serviços básicos, que se voltam as prioridades nacionais em matéria de saúde nos anos 80, definidas na VII Conferência Nacional de Saúde, recentemente realizada em Brasília.

A decisão de criar e implementar o PREV-SAÚDE fundamenta-se, além dos aspectos da realidade econômico-social, sanitária e política, também no decidido·e consensual posiciona mento em torno dos cuidados primários de saúde de todos os países do mundo, reunidos na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde de Alta-Ata, em 1978, ratificado na XXXIIa Assembléia Mundial de Saúde.

O documento "Proposição de Diretrizes - uma contribuição" do Ministério da Saúde, em sua versão preliminar, ao se referir aos recursos humanos como fator essencial e condição básica principal para a realização das atividades de saúde (p.12) afirma que “serão expandidos e intensificados os esforços para a articulação crescente entre as instituições de Educação e de Serviços de Saúde, visando o desenvolvimento de processos de integração docente-assistencial como estratégia básica para a adequação da for mação de recursos humanos e estímulo ao aperfeiçoamento dos serviços. As regiões de saúde serão também regiões docente-assistenciais, integrando-se as atividades de ensino-aprendizagem às atividades assistenciais em todos os níveis; algumas dessas regiões contemplarão a participação direta da Universidade conformando distritos docente-assistenciais”.

Dessa forma, delineia-se para o setor saúde, na sua articulação com o setor educação, diretrizes de integração docente-assistencial (I.D.A.). Pelas próprias características daquele documento, tais diretrizes não podem ser encaradas apenas como "recomendação", mas fundamentalmente como uma decisão de governo a ser concretizada na prática e na realidade das instituições envolvidas.

A proposição da I.D.A. está esboçada na América Latina há cerca de 15 anos, desde a I Conferência Panamericana de Educação Médica e no Brasil há não me nos de 10 anos. São exemplos do esforço de divulgação destas propostas em nosso país, o Seminário sobre "A Formação do Médico de Família" de Petrópolis, em 1973, o XIV Congresso de Educação Médica, do Rio de Janeiro, em 1976 e também o XVI, em Londrina - 1978, além do Seminário sobre "A Formação do Médico Generalista", realizado também em 1978 na cidade de Campinas.

Os próprios documentos 1 e 2 da Comissão do Ensino Médico do MEC, de 1972 e 1974, respectivamente, reconhecem as limitações do Hospital Ensino e propõem que o ensino tenha como cenário os vários órgãos do sistema de saúde, apontando para a necessidade de uma hierarquização nas diversas unidades do sistema de saúde, em articulação com o ensino. Ou, em outras palavras, propõe já a Regionalização Docente-Assistencial.

No entanto, à margem dos seminários e das definições das comissões, vai acontecendo o real: as Secretarias de Saúde e o INAMPS não têm seus serviços regionalizados, nem articulados entre si; os profissionais de saúde são extremamente mal pagos; as prioridades esbarram nós magros e inalterados orçamentos da saúde; os recursos para a saúde são esgotados em atividades caras dos segmentos secundário e terciário de assistência médica; as necessidades de saúde da população são frouxamente relacionadas com a assistência a ela prestada.

As Universidades em geral e as Escolas Médicas em particular encontram-se em plena crise: formam profissionais de inadequada qualificação técnico-científica, têm seus docentes mal remunerados, seus egressos encontram o mercado de trabalho fechado pela recessão na área da saúde; a universidade mantém-se alheia e distante da vida e das necessidades das populações.

No nosso entendimento, questões didático-pedagógicas não parecem se constituir em entraves importantes para a integração docente-assistencial. Outra ordem de problemas se coloca: que interesses imediatos podem ter as Secretarias de Saúde e o INAMPS (os Serviços) e as Universidades nesta integração? que dividendos políticos lhes trará? em que contribuirá para tirá-los da crise econômica e da crise de funcionalidade em que se encontram?

Chegamos, ao nosso ver, a um momento de ruptura: é necessário superar o estágio das declarações e intenções do discurso, que duram já 10 anos no país e partir para a implantação do processo de integração docente-assistencial. Esta decisão implica na adoção de uma estratégia que dê conta das questões acima coloca das e da realidade dos serviços de saúde. Isto só se dará através dos entendimentos locais, em torno de objetivos e necessidades comuns, definidos pela participação democrática dos diversos níveis (de direção e execução) das instituições participantes e dos diferentes segmentos da população interessada, constituindo-se na única forma de um envolvimento efetivo de dirigentes e executantes diretos do processo em torno de um projeto socialmente comprometido e politicamente viável.

É necessário, em âmbito mais geral (e atendo-nos exclusivamente ao que se referem aos recursos humanos) que o INAMPS e as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde remunerem ·melhor os profissionais de saúde que substituam o ineficaz discurso de intenções pela efetiva ampliação de seus quadros, abrindo o mercado de trabalho para os médicos generalistas e outros profissionais de saúde e consequentemente, estimulando as Universidades para a formação de médicos de cuidados primários, de medicina social e de saúde pública, os profissionais adequados ao PREV-SAÜDE; e que garantam a multiprofissionalidade das equipes de saúde.

As Universidades em geral e as Escolas de Medicina em particular também precisam cumprir seu papel social e político: na medida em que o mercado de trabalho se amplia e define um perfil de profissional de cuidados primários, é necessário que se estabeleça a aliança entre a Universidade e os serviços públicos para sua formação, substituindo por atos concretos a defasagem de 10 anos de discurso com a prática da integração.

Paulo Marchiori Buss

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1980
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