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CARGAS DEPARTAMENTAIS NA ESTRUTURA CURRICULAR DA GRADUAÇÃO EM MEDICINA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Resumo:

O autor relata algumas características da reorientação curricular do curso de graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, apresentando as cargas horárias dos Departamentos que integram a graduação em Medicina. A carga horária total é de 11.040 horas, sendo 8.520 horas (77, 17%) destinadas à Faculdade de Medicina. As áreas fundamentais da formação profissional do aluno (Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Pediatria, Tocoginecologia e Clínica de Moléstias Infecciosas e Parasitárias) detém 50, 72% do total da graduação. Os estágios em emergência somam 900 horas (8,15% da graduação). O autor comenta, também, a carga horária restrita do Departamento de Psiquiatria, bem como das disciplinas oferecidas no Centro de Saúde Escola.

Abstract:

Number of hours accomplished by all departments in the curriculum structure of undergraduation in Medicine, University of São Paulo School of Medicine.

Some of the characteristics of the curriculum reorientation of the course of medicine, University of São Paulo School of Medicine, as well as the number of hours accomplished by all the departments which integrate the course of medicine are reported. The number of hours sums up to 11,040 hours, 8,520 (77, 17%) offered by the School of Medicine. The fundamental areas for the professional formation of the students (Clinical Medicine, Surgery, Pediatrics, Tocogynecology and lnfectious and Parasitological Diseases) represent 50,72% of the course. Training periods in emergency amount to 900 hours (8,15% of the course). The number of hours accomplished by the Psychiatry Department, as well as by the disciplines belonging to the Health Center- School are also commented.

Em outubro de 1983, as Congregações da Faculdade de Medicina, do Instituto de Ciências Biomédicas, do Instituto de Química e do Instituto de Biociências, aprovaram a reorientação do currículo de Graduação em Medicina na Universidade de São Paulo. Tal reorientação tinha como propósitos, entre outros, a aproximação dos cursos básico e clínico, o aprimoramento do ensino de fisiopatologia e de propedêutica, a consolidação do aprendizado em Clínica Médica Geral e Clínica Cirúrgica Geral e a for­mação geral do graduado através do aprendizado em Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Pediatria, Tocoginecologia e Moléstias Infecciosas e Parasitárias.

O objetivo geral da graduação em Medicina estabelecido pela orientação curricular é habilitar o aluno para:

  1. Prestar assistência ambulatorial à criança sadia, promovendo a manutenção e proteção contínua de sua saúde.

  2. Prestar assistência a mulheres durante o ciclo grávido­puerperal e a recém-nascidos.

  3. Prestar assistência a crianças e adultos, em atendimento ambulatorial ou em regime de internação hospitalar, portadores das doenças mais frequentes, de acordo com a demanda verificada em:

  • Centros de Saúde

  • Ambulatórios Gerais

  • Enfermarias Gerais

  • Unidades de Emergência

  1. Reconhecer os pacientes em estado crítico, mobilizando imediatamente recursos para o seu atendimento.

  2. Encaminhar para recursos assistenciais especializados adequados, pacientes portadores de condições cujo manejo escape à competência do médico gerar.

Foi aprovado, também, um elenco de capítulos do vasto conhecimento médico que lastreia o objetivo geral. Esse elenco é o seguinte:

  1. Reprodução humana, gestação, parto e puerpério.

  2. Assistência ao recém-nascido.

  3. Crescimento e desenvolvimento do ser humano.

  4. Puericultura.

  5. Elementos e teorias da personalidade.

  6. Relação médico-paciente. Assistência global ao indivíduo, como um ser físico, psíquico e social indivisível.

  7. Fundamentos da Medicina Preventiva. O método epidemiológico e suas aplicações no exercício da Medicina geral.

  8. Bases da Demografia e dos sistemas de atenção médica.

  9. Fundamentos da nutrição.

  10. Agressão e defesa - mecanismos básicos.

  11. Farmacologia clínica.

  12. Bases de Medicina psicossomática - Fatores biológicos, psíquicos e sociais que intervém nos quadros psicossomáticos.

  13. Deontologia médica.

  14. Medicina Legal.

  15. Semiologia e semiotécnica.

  16. Métodos propedêuticas complementares.

  17. Pré e pós-operatório.

  18. Anestesia regional e geral.

  19. Hemoterapia.

  20. Diagnóstico e tratamento, em qualquer nível de atenção médica e em qualquer idade, de pacientes portadores das doenças mais frequentes, de acordo com a demanda verificada em Centros de Saúde, Ambulatórios Gerais, Enfermarias Gerais e Unidades de Emergência.

Por outro lado, considerou-se que o programa haveria de ser permeado por vivências trilaterais (professor/aluno/paciente) facilitadoras de posicionamentos afetivos indispensáveis ao exercício da Medicina, entre os quais se destacam:

  1. O reconhecimento de que o paciente é um ser humano, além de um elemento de estudo.

  2. A valorização dos fatores ambientais físico e psicossociais na gênese das doenças orgânicas e psíquicas.

  3. A valorização do amparo emocional ao psiquismo do paciente sobretudo em relação a crianças e idosos.

  4. O reconhecimento dos efeitos negativos emocionais e financeiros da hospitalização que só será solicitada em casos de estrita necessidade e durante o tempo mínimo necessário.

  5. O reconhecimento da necessidade de reabilitação social do paciente sobretudo se deficiente físico ou mental.

  6. A aceitação das limitações do médico geral no atendi­mento de uma demanda aberta.

Detalhamento do processo de reorientação curricular e comentários a propósito já foram publicados anteriormente22. MARCONDES, E & RAIA, S. A orientação curricular do curso de graduação em Medicina da Universidade de São Paulo. Rev. Hosp. Fac. Med. S. Paulo, 39:278-87, 1984..

O presente trabalho visa apresentar e comentar as cargas horárias alocadas aos Departamentos envolvidos no programa. O quadro 1 apresenta as cargas horárias Institucionais e Departamentais.

Claro está que a carga horária destinada a cada Departamento não significa muito no que se refere à efi­cácia do programa; conteúdo, metodologia e avaliação são o que importa. Contudo, é uma informação útil na apreciação do porte de cada Departamento dentro da estrutura curricular.

Comentários

1. Carga horária total

A carga horária total é de 11.040 horas, muito além das exigências oficiais. Tal dimensão se deve a dois fatores principalmente: a) dois anos de internato com 4.920 horas (incluindo estimativa de plantões) e b) ampliação dos semestres letivos do 2° do 3° e do 4° ano. A justificativa para a ampliação dos semestres letivos é a seguinte: desde a inauguração da Faculdade de Medicina há 70 anos, a duração do curso é de seis anos e nessas sete décadas de existência o conhecimento médico aumentou incomensuravelmente. A carga horária total atual é superior em 10% a do Curso Experimental de Medicina da FMUSP que em 1973 era de 10.000 horas.11. MARCONDES, E. O Curso Experimental de Medicina da Universidade de São Paulo. Educ. Med. Salud, 9:172-95, 1975.

Claro está que a carga horária total em questão é um "limite superior'' do tempo disponível. A unidade de tempo considerada é o período, com a duração de quatro horas (das 8 às 12 horas das 14 às 18 horas); na verdade, é certo que nem todos os períodos têm quatro horas de duração; aceita-se a duração mínima de três horas do que resulta um "limite inferior'' de tempo disponível de 8.280 horas.

2. "Curso básico vs. Curso clínico"

Pelo quadro 1, poder-se-ia pensar que o curso básico dispõe de 2.520 horas (ICB+IQ+IB+IME = 23,83%) e que o curso clínico dispõe de 8.520 horas (FM = 77,17%). Cabe informar, contudo, que o curso assim chamado básico é na verdade centrado nos conjuntos de Disciplinas nos quais se procura integração sobretudo entre Fisiologia, Farmacologia, Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Patologia e Imagenologia. Assim, a Faculdade dispõe de 840 horas no total dos Conjuntos de Disciplinas que é de 1.830 horas.

3. Áreas fundamentais do aprendizado clínico

Além das quatro áreas tradicionais (Clínica Médica, Cirurgia, Pediatria e Tocoginecologia), a Faculdade de Medicina decidiu que também é área fundamental a Clínica de Moléstias Infecciosas e Parasitárias; estas cinco áreas detêm 50,27% do total da graduação. Este percentual poderia ser ampliado, pois os Departamentos de Gastroenterologia (3,40%) e de Cardiopneumologia (1,63%), recentemente criados, incluem Disciplinas extraídas dos Departamentos de Clínica Médica e de Cirurgia e obvia­mente inseridas no contexto das áreas fundamentais do aprendizado clínico.

4. Clínica Médica Geral + Clínica Cirúrgica Geral em especial

Eis um ponto crítico na estrutura curricular da graduação em Medicina; o aprendizado em Clínica Médica Geral e em Cirurgia Geral. No atual currículo da USP, tais áreas foram privilegiadas a fim de contribuir para que o graduando tivesse uma boa formação clínica geral.

Os números são os seguintes:

  • Propedêutica 375 horas

  • Clínica Médica Geral + Cirurgia Geral no 4° ano 180 horas

  • Internato 1.710 horas

Total = 2.265 horas

% = 20,51

5. Aprendizado em emergências

O "Complexo Hospital das Clínicas" dispõe de um impressionante sistema de Serviços de Emergência cobrindo todas as áreas do atendimento de pronto-socorro. Na graduação estão envolvidas somente as emergências de Clínica Médica + Neurologia Clínica, Cirurgia + Neurocirurgia, Pediatria, Obstetrícia, Traumatologia e Cardiologia, correspondendo a 900 horas no total (8, 15% da gra­duação).

6. Patologia

O Departamento de Patologia ocupa posição de destaque da estrutura curricular: através de várias disciplinas, participa dos semestres III, IV, V, VI, VII e VIII, sobretudo em integração com outras disciplinas em vários conjuntos de Disciplinas. Não é de admirar, pois, que ocupe o quinto lugar entre os Departamentos da Faculdade de Medicina com 675 horas o que equivale a 6,11 % do programa.

7. Psiquiatria

Detém 3,53% da carga horária total (390 horas) e participa do currículo em três momentos: Psicologia Médica no semestre V, Psiquiatria no quarto ano e Estágio Hospitalar no quinto ano. Trata-se de uma área singular quanto ao seu conteúdo e que deveria intervir em muitos outros momentos no currículo (a exemplo do que ocorre com o Departamento de Patologia) contribuindo para o enfoque psicossomático que a Medicina deve ter bem como para o aprendizado e exercício adequados no que se refere à relação médico-paciente. Claro está que, na opinião do autor, deveria ser maior a carga horária destinada ao Departamento de Psiquiatria.

8. Comentários finais

Observando o quadro 1, verifica-se coerência com o perfil da Faculdade de Medicina da USP. Operando um grande complexo hospitalar, o "Complexo Hospital das Clínicas" com seus cinco Institutos e, mais ainda, atuando no Hospital Universitário situando no campus da Cidade Universitária, é evidente que o produto final só pode ser um médico bem preparado para atuar na rede assistencial médico-hospitalar (com ambulatórios especializados) na qual se exerce uma Medicina sobretudo organicista e curativa.

Quadro 1
Cargas horárias Institucionais e Departamentais na estrutura curricular da graduação em Medicina da Universidade de São Paulo

Daí os pequenos espaços para os Departamentos de Psiquiatria (já comentado) e de Medicina Preventiva e a inexistência de disciplinas da área de ciências humanas.

Alias, os programas a nível de Centro de Saúde somam apenas 300 horas (2,71%) totalmente a cargo somente dos Departamentos de Pediatria e de Medicina Preventiva.

Assim, no que se refere aos objetivos apresentados, o atendimento em Centros de Saúde só está sendo atingido, no momento, em relação à assistência à criança. Por outro lado, aguarda-se a inauguração do Ambulatório Geral do Hospital das Clínicas para sua inserção na estrutura curricular.

Não se pode negar que há lugar para todos os médicos competentes e a sociedade necessita de todos eles. O autor está convencido do sucesso da graduação em Medicina da USP na formação de profissionais competentes para atuação na rede assistencial médico-hospitalar.

Finalmente, convém lembrar que o percentual de alunos da FMUSP que são admitidos nos programas de Residência no Hospital das Clínicas beira os 100%. Esta é outra característica importante para o planejamento educacional desta Instituição; mas isso é outro assunto!

Referências Bibliográficas

  • 1
    MARCONDES, E. O Curso Experimental de Medicina da Universidade de São Paulo. Educ. Med. Salud, 9:172-95, 1975.
  • 2
    MARCONDES, E & RAIA, S. A orientação curricular do curso de graduação em Medicina da Universidade de São Paulo. Rev. Hosp. Fac. Med. S. Paulo, 39:278-87, 1984.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1988
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