RESUMO
A educação interprofissional é uma importante ferramenta para o desenvolvimento das competências colaborativas na formação de estudantes na área da saúde, com experiências ainda escassas no Brasil. Essa dificuldade de implementação deve-se principalmente a resistências institucionais, de professores e estudantes, a entraves curriculares e ao corporativismo das profissões. Por isso, destaca-se a importância deste artigo em compartilhar uma experiência de educação interprofissional, em que se buscou avaliar a disponibilidade para aprendizagem interprofissional de estudantes do Centro de Ciências da Saúde da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Para tanto, realizou-se um estudo transversal, observacional, descritivo e de abordagem quantitativa. A amostra foi uma casuística de 770 estudantes dos cursos de Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Odontologia, Medicina, Nutrição, Psicologia e Terapia Ocupacional que estavam no primeiro, na metade e nos últimos semestres. Foi aplicado o questionário Readiness Interprofessional Learning Scale (RIPLS), versão adaptada ao português, validada para cursos de graduação. Por meio do programa Epidata 3.1, construiu-se um banco de dados, com a validação de dupla digitação. O banco de dados foi exportado para o programa Stata 12.0, em que se realizou a análise dos dados. Para análise da diferença estatística significante, calculou-se o teste t e Anova para a diferença de médias e Qui-Quadrado para a concordância das assertivas isoladamente, considerando o nível de significância de 5%. Da amostra, participaram 186 (24,2%) homens e 584 (75,8%) mulheres. Houve significância estatística (p-valor = 0,0082) em relação à média superior das mulheres (109,27) em desenvolver competências colaborativas em comparação aos homens (107,5). Também foi observado um decréscimo do escore de competências colaborativas com o aumento do grupo etário, pois no grupo de 16-20 anos a média foi de 110, e nos grupos de 21-25 e acima de 26 anos foi de 108,2 (p-valor = 0,016). A média geral de desenvolvimento de competências colaborativas de todos os participantes da pesquisa foi de 108,8, não havendo diferença significativa por curso (p-valor = 0,947). Ainda foi analisado que os alunos concluintes possuem menor potencial para desenvolver competências colaborativas (107,93) do que os intermediários (108,7) e ingressantes (110,3) (p-valor = 0,0052). O estudo aponta que os estudantes ingressantes apresentaram alta disponibilidade para a educação interprofissional, tornando propício que, no início da vida acadêmica, as habilidades de trabalho em equipe e colaboração, identidade profissional e atenção centrada no paciente sejam fortalecidas nos currículos sem apresentar resistência do estudante, sendo importante desenvolver essas ações até o final do curso.
Educação Superior; Comunicação Interdisciplinar; Relações Interprofissionais; Educação Médica
ABSTRACT
Interprofessional learning is an important tool in the development of collaborative competences among health sciences students. We believe the following study is highly relevant due to the fact that experience in this concept has been limited in Brazil, particularly due to resistance from institutions, teachers, and students, also hampered as it is by bureaucratic obstacles and professional corporatism. Using cross-sectional, descriptive, quantitative, and observational methodology, we evaluated the readiness for interprofessional learning among health sciences students at the University of Fortaleza in northeastern Brazil. With the sample consisting of 770 nursing, physical education, pharmacy, physical therapy, speech therapy, dentistry, nutrition, psychology, medicine, and occupational therapy students in their early, middle and late semesters, information was collected by means of the Readiness for Interprofessional Learning Scale Questionnaire translated into Portuguese and validated for undergraduate students. A database was built with the Epidata 3.1 software, using two-pass verification and exported to Stata 12.0 for analysis. Differences in scores were analyzed with the t test and Anova, while agreement between statements was evaluated with the chi-square test. The level of statistical significance was set at 5% (p < 0.05). The participants included 186 men (24.2%) and 584 women (75.8%). On average, women scored significantly better (109.27) than men (107.5) with regard to the development of collaborative competences (p = 0.0082). The overall average score was 108.8, with no significant difference between courses (p = 0.947). Average scores, did, however, not only decrease with age (16-20 years = 110; 21-25 years and >26 years = 108.2) (p = 0.016), but also according to length of attendance (early semesters = 110.3; middle semesters = 108.7; late semesters = 107.93) (p = 0.0052). The readiness for interprofessional learning displayed by students in their early semesters shows that the concepts of team work/collaboration, professional identity, and patient-centered care may be strengthened in the early semesters of the curriculum without encountering significant resistance on the part of the students, suggesting such practices should be encouraged throughout the entire course.
Education, Higher; Interdisciplinary Communication; Interprofessional Relations; Medical Education
INTRODUÇÃO
A educação interprofissional (EIP) é definida como o treinamento conjunto para o desenvolvimento de aprendizagem compartilhada entre duas ou mais profissões, que aprendem juntas com e sobre as outras. Tem sido uma ferramenta importante para o desenvolvimento das competências gerais na formação de estudantes, principalmente para atuar em equipe, resultando, em última instância, na melhoria da integralidade do cuidado. Para tanto, além das competências específicas de cada profissão e as comuns a todas, a EIP possibilita o desenvolvimento de competências colaborativas, que envolve o respeito às outras profissões, o planejamento conjunto, o exercício da tolerância e negociação, entre outras1,2.
A fim de promover a EIP, entre outros objetivos, a Universidade de Fortaleza (UNIFOR), em 2012, iniciou um processo de mudança curricular dos oito cursos do Centro de Ciências da Saúde (CCS), tendo adotado a proposta de currículo integrado3, onde os eixos de organização curricular possuem módulos que desenvolvem competências4,5comuns à formação dos profissionais de saúde e específicas para cada curso.
Os módulos comuns a no mínimo três cursos do Centro passam a compor o denominado Núcleo Comum (NC). Para o Eixo das Bases e Ações Técnico-Científicas na Saúde, surgem quatro módulos; Dinâmica Celular, Sistemas Reguladores, Ambiente e Hereditariedade, e Sistemas de Defesa, envolvendo conteúdos das antigas disciplinas de Anatomia, Histologia, Fisiologia, Bioquímica, Biologia Molecular, Microbiologia, Imunologia, Parasitologia, Patologia e Farmacologia. No Eixo do Ser Humano e suas Relações, foram integrados conteúdos das disciplinas de Sociologia, Filosofia, Antropologia, Psicologia, Epidemiologia e Saúde Coletiva, por meio dos módulos de Universidade Saúde e Sociedade e Diversidade Humana e Saúde Coletiva. Outros módulos, como Desenvolvimento Humano I e II, Projetos Integrados em Saúde e Libras, também compõem o NC, mas não fazem parte da matriz curricular de todos os cursos.
Assim, os cursos de Enfermagem, Educação Física, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Odontologia, Nutrição e Terapia Ocupacional, durante dois ou três semestres, possibilitam que seus estudantes desenvolvam as atividades dos módulos do NC com estudantes de diversos cursos. Esse processo de matrícula não é sistemático, mas ocorre de acordo com os horários de conveniência dos estudantes.
Além do NC, foi fundamental o investimento em abordagens pedagógicas inovadoras no processo de ensino-aprendizagem, enfocando métodos ativos de ensino-aprendizagem6 que busquem a aprendizagem significativa7,8.
Essa situação, em que os cursos possuem estudantes que estão concluindo uma formação no projeto pedagógico tradicional e outros vivenciando a realidade do currículo integrado, constitui um momento ímpar para avaliar diferentes matrizes curriculares, na perspectiva dos estudantes. A disponibilidade para aprendizagem interprofissional dos estudantes pode variar entre os cursos da saúde? Características como gênero, grupo etário, tempo de formação e matrizes curriculares influenciam nessa disponibilidade? Assim, este trabalho foi realizado para avaliar a disponibilidade para aprendizagem interprofissional de estudantes do Centro de Ciências da Saúde da Universidade de Fortaleza, refletindo sobre a EIP no currículo integrado.
METODOLOGIA
Foi realizado um estudo transversal, observacional, descritivo e de abordagem quantitativa. A população do estudo foi constituída de 7.251 estudantes do CCS da UNIFOR regularmente matriculados, no semestre 2014.2, nos cursos de Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Odontologia, Medicina, Nutrição, Psicologia e Terapia Ocupacional.
A amostra foi uma casuística em que os sujeitos da pesquisa foram estudantes do primeiro, da metade e dos últimos semestres, totalizando 770 participantes, que representam 11% do universo amostral. Sortearam-se disciplinas de todos os cursos pesquisados. Os professores das disciplinas sorteadas foram contatados para permitir que o pesquisador realizasse a coleta de dados durante a aula. Todos os estudantes presentes em sala de aula no momento da coleta, após os esclarecimentos dos objetivos da pesquisa, foram convidados a responder ao questionário. Os estudantes que concordaram em participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e responderam ao questionário proposto. Os indivíduos pesquisados não foram identificados, e a participação na pesquisa foi espontânea, sendo respeitadas as recusas, não implicando qualquer sanção aos indivíduos.
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFOR, sendo aprovado com o número 715.715 de 30/06/2014.
Este estudo teve como variáveis de exposição: gênero, grupo etário, curso, momento de formação (ingressante, metade da formação, concluinte), graduação (se o aluno já possui uma graduação anterior ou não) e participação em atividades de extensão, como, por exemplo, PET-Saúde. A variável desfecho foi a identificação da disponibilidade do aluno em desenvolver competências colaborativas, avaliada por meio da aplicação do questionário Readiness Interprofessional Learning Scale (RIPLS), versão adaptada ao português, validada para cursos de graduação9,10.
O instrumento RIPLS adaptado9,10tem 26 itens que envolvem perguntas sobre trabalho em equipe e colaboração (TEC), identidade profissional (IP) e atenção centrada no paciente (ACP), avaliados por uma escala Likert de cinco categorias, com a seguinte pontuação: (1) discordo totalmente; (2) discordo; (3) não concordo nem discordo; (4) concordo; (5) concordo totalmente. A variável desfecho poderia variar de no mínimo 26 a no máximo 130.
As assertivas “não quero desperdiçar meu tempo aprendendo junto com estudantes de outras profissões da saúde”; “habilidades para solução de problemas clínicos só devem ser aprendidas com estudantes do meu próprio curso”; “a função dos demais profissionais da saúde é principalmente apoio aos médicos”; “preciso adquirir muito mais conhecimentos e habilidades que estudantes de outras profissões da saúde” e “eu me sentiria desconfortável se outro estudante da área da saúde soubesse mais sobre um tópico do que eu” foram invertidas, adquirindo a seguinte pontuação: (5) discordo totalmente; (4) discordo; (3) não concordo nem discordo; (2) concordo; (1) concordo totalmente.
Por meio do programa Epidata 3.1, construiu-se um banco de dados, com a validação de dupla digitação. O banco de dados foi exportado para o programa Stata 12.0, em que se realizou a análise dos dados. Para análise da diferença estatística significante, calculou-se o teste t e Anova para a diferença de médias e Qui-Quadrado para a concordância das assertivas isoladamente, considerando o nível de significância de 5%.
RESULTADOS
Desse diagnóstico participaram 770 estudantes, sendo 186 (24,2%) homens e 584 (75,8%) mulheres. Houve significância estatística (p-valor = 0,0082) em relação à média superior das mulheres (109,27) em desenvolver competências colaborativas em comparação aos homens (107,5) (Tabela 1).
Quanto à idade dos entrevistados, a média foi de 23 anos, tendo como valor mínimo 16 e máximo 62 anos. Dos 770 entrevistados, 280 (36,3%) estavam no grupo etário de 16 a 20; 337 (43,7%) de 21 a 25; e 153 (19,8%) acima de 26 anos. Foi observado um decréscimo do escore de competências colaborativas com o aumento do grupo etário, pois no grupo de 16-20 anos a média foi de 110 e nos demais grupos foi de 108,2 (p-valor = 0,016) (Tabela 1).
Além dos oito cursos em fase de mudança curricular, foram avaliados também os estudantes dos cursos de Medicina e Psicologia. Esses dois cursos são estruturados para o desenvolvimento de competências, mas não possuem disciplinas/módulos comuns aos demais cursos. A média geral de desenvolvimento de competências colaborativas de todos os participantes da pesquisa foi de 108,8, não havendo diferença significativa por curso (p-valor = 0,947) (Tabela 2).
Quando foram avaliadas as potencialidades dos estudantes em relação à colaboração e do trabalho em equipe quanto ao tempo de formação, foi observada uma queda da média entre o início e o final da formação, estatisticamente significativa (p-valor = 0,0052). Ou seja, os concluintes apresentam menor potencial para desenvolver competências colaborativas (107,93), do que os intermediários (108,7) e ingressantes (110,3). Os ingressantes e os que estão na formação intermediária participam do currículo integrado, e os concluintes estão no currículo tradicional. Os estudantes que tiveram outra graduação (73 – 9,4%) apresentaram média semelhante (108,2) à dos que nunca concluíram outra graduação (108,9) (p-valor = 0,260) (Tabela 3).
Durante a graduação, os estudantes podem participar de diversos projetos de extensão. Esses projetos, em sua maioria, possibilitam o desenvolvimento de atividades interprofissionais. Dos entrevistados, 559 (72,6%) nunca participaram e 211 (27,4%) participaram de projetos de extensão. A média do desenvolvimento de habilidades colaborativas dos participantes de projetos de extensão é ligeiramente superior (109,1) à dos não participantes (108,8), mas sem significância estatística forte (p-valor = 0,06) (Tabela 3).
Quando se analisam os três conceitos (TEC, IP e ACP) separadamente, identifica-se que, para a competência TEC, os valores poderiam variar entre 15 e 75, tendo sido obtida uma média de 64,9. Evidenciou-se que os mais jovens, na faixa de 16 a 20 anos (65,9; p-valor 0,003) e que estão no início da formação (66,0; p-valor 0,002), apresentaram maior disponibilidade para o TEC (Tabelas 1 e 3).
Ainda em relação à TEC, destacam-se algumas assertivas que tiveram uma concordância alta (acima de 90%) sobre a disponibilidade para aprendizagem interprofissional e trabalho em equipe, tais como: “o aprendizado junto com outros estudantes irá me ajudar a tornar-me um membro efetivo de uma equipe de saúde”; “os pacientes seriam beneficiados se estudantes da área da saúde trabalhassem juntos para resolver os problemas”; “a aprendizagem compartilhada com outros estudantes da área da saúde aumentará minha capacidade de compreender problemas clínicos”; “não quero desperdiçar meu tempo aprendendo junto com estudantes de outras profissões da saúde” (invertida, avaliada a discordância); “a aprendizagem compartilhada com estudantes de outras profissões da saúde ajudará a me comunicar melhor com os pacientes e outros profissionais”. Essas assertivas apresentaram significância estatística (p < 0,05) em relação ao tempo em formação, em que a concordância diminui (início, metade e final), e com o tipo de currículo (integrado e tradicional).
Para a IP, em que os valores poderiam variar entre 6 e 30, tem sido obtida na amostra uma média de 21,37. Nesse grupo pesquisado, a IP está mais fortalecida entre as mulheres (21,5; p-valor 0,007), e nos cursos de Odontologia (22,1) e Fisioterapia (21,7), p-valor 0,000 (Tabelas 1 e 2).
As assertivas de IP tiveram uma concordância que variou entre 38,3-76,8%. Houve significância estatística (p < 0,05) no item “eu me sentiria desconfortável se outro estudante da área da saúde soubesse mais sobre um tópico do que eu” (invertida, avaliada a discordância), em que concluintes do currículo tradicional (60,1%) e estudantes do curso de Enfermagem (75,7%), Nutrição (63,9%) e Medicina (63,6%) tiveram maior discordância. Destacam-se ainda as assertivas “a função dos demais profissionais da saúde é principalmente apoio aos médicos” e “preciso adquirir muito mais conhecimentos e habilidades que estudantes de outras profissões da saúde” (as duas foram invertidas, avaliando a discordância), em que houve significância estatística (p < 0,05) entre os cursos; as maiores discordâncias foram nos cursos de Odontologia (78,8%), Psicologia (72,7%) e Enfermagem (68,5%) para a primeira, e Psicologia (59%) e Enfermagem (45,3%) para a segunda.
No terceiro conceito analisado, ACP, a média foi de 22,53, podendo variar de 5 a 25. Para essa competência, verificou-se que os mais jovens, na faixa de 16 a 20 anos (22,8; p-valor 0,001), que estão no início da formação (22,8; p-valor 0,035) e são estudantes dos cursos de Medicina (23,2) e Enfermagem (22,88) (p-valor 0,000), possuem maior sensibilidade para desenvolver ACP (Tabelas 1, 2 e 3). Analisando-se isoladamente as assertivas relacionadas com ACP, observou-se que o índice de concordância variou de 82,2-98,5%, destacando-se o item “estabelecer uma relação de confiança com meus pacientes é importante para mim (situação do paciente)”, em que houve uma ligeira diminuição com o tempo de formação (p < 0,05).
DISCUSSÃO
É importante analisar o recorte deste estudo, pois estamos diante de uma transição curricular em que os estudantes ingressantes e intermediários da formação estão desenvolvendo uma proposta de currículo integrado, enquanto os concluintes estão no currículo tradicional.
Destaca-se, entretanto, que as vivências dos estudantes do currículo integrado são bem diferentes das do anterior, não sendo possível neste estudo destacar a influência de um único componente como o de maior significado para as diferenças encontradas entre ingressantes e concluintes em relação principalmente à disponibilidade para o trabalho em equipe. Essas diferenças entre os dois tipos de projetos pedagógicos se devem principalmente à integração de conteúdos curriculares, ao desenvolvimento de competências, à utilização de metodologias ativas de ensino-aprendizagem e à oportunidade de participação de disciplinas comuns a diversos cursos.
Ressalta-se como limitação deste estudo a presença de estudantes de Medicina e Psicologia que não participam dos módulos comuns ofertados aos demais cursos do CCS. Essa especificidade dos dois cursos não foi omitida, sendo considerada uma oportunidade para reflexão acerca da formação por competência diferenciada nos demais cursos estudados. Temos ainda como limitação a seleção dos entrevistados por conveniência por semestres de referência, entre ingressantes, intermediários e concluintes, sem comprometer, contudo, a representatividade amostral necessária ao estudo.
O estudo de Aguilar-da Silva et al.1, assim como este estudo, também apresentou que os estudantes de graduação em ciências da saúde da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora estão disponíveis para a aprendizagem compartilhada, principalmente no que se refere à colaboração e ao trabalho em equipe. Tal situação é semelhante à encontrada no estudo de Souto et al.11com egressos de Psicologia da Unifesp (campus Baixada Santista), em que foi alta a concordância das assertivas relativas ao trabalho em equipe da maioria dos entrevistados, que reconhecem a importância da EIP na formação do psicólogo. Em estudo com egressos dos cursos de Educação Física, Fisioterapia, Nutrição e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp – campus Baixada Santista), as porcentagens de concordância nas 26 assertivas do questionário foram altas, tendo sido possível analisar as principais competências desenvolvidas nos projetos pedagógicos12. Câmara10 avaliou a disponibilidade para a aprendizagem interprofissional nos estudantes dos 14 cursos de graduação e egressos do PET-Saúde da UFMG, onde também foi alta a concordância das assertivas referentes ao trabalho em equipe, em especial entre os egressos do PET-Saúde. Esses quatro estudos se destacam por terem utilizado instrumentos semelhantes ao deste artigo – RIPLS (validado para o Brasil). Utilizando grupos populacionais diferentes, apresentaram alta disponibilidade para aprendizagem interprofissional de seus estudantes, consolidando a avaliação de aspectos relevantes de seus programas educacionais.
No mesmo grupo populacional dos egressos dos cursos de Educação Física, Fisioterapia, Nutrição e Terapia Ocupacional da Unifesp (campus Baixada Santista), em estudo qualitativo, os entrevistados valorizaram a experiência de EIP vivenciada em suas formações, destacando, principalmente, o potencial desenvolvido na prática colaborativa para os vínculos interprofissionais, a integralidade do cuidado e a atenção centrada no paciente13.
O estudo de Câmara10 identificou evidências de diferença significativa do índice TEC entre os sexos, sendo que o sexo feminino concordou mais com os itens do TEC; entre os respondentes que participaram e não participaram do projeto PET-Saúde, sendo que o grupo que participou do PET-Saúde concordou mais com os itens do TEC; e entre os cursos, sendo o de Medicina o que mais difere dos demais, apresentando menor mediana que todos os outros cursos, ou seja, estudantes do curso de Medicina tendem a concordar menos com os itens do TEC. Esse estudo verificou também que o tempo de participação nas atividades de EIP não influencia significativamente o valor do índice TEC.
Um estudo realizado numa universidade da Malásia, também utilizando o RIPLS, com estudantes de Medicina, Farmácia e Enfermagem, apontou que a pontuação total de estudantes de Medicina na dimensão TEC foi significativamente menor do que a de Enfermagem e Farmácia. Mas não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos de estudantes de Enfermagem e Farmácia14. No presente estudo, foram pesquisados estudantes de dez cursos, e o resultado foi divergente do encontrado na Malásia: as piores médias em relação ao TEC foram dos cursos de Odontologia e Farmácia (p >0,005), apresentando diferença significativa somente quanto ao grupo etário e ao tempo de formação.
O estudo de Aziz et al.14, em relação ao IP, ainda indicou que a pontuação total dos estudantes de Farmácia foi significativamente maior do que a dos estudantes de Medicina, enquanto não houve diferença estatisticamente significativa na pontuação entre os estudantes de Medicina e Enfermagem. E em relação à assertiva “a função dos demais profissionais da saúde é principalmente apoio aos médicos”, estudantes de Medicina registraram uma pontuação média mais elevada que os outros dois grupos. Esse estudo da UNIFOR apresentou resultado divergente, pois as maiores concordâncias em relação a essa afirmativa foram dos estudantes de Fonoaudiologia e Fisioterapia.
A assertiva “a função dos demais profissionais da saúde é principalmente apoio aos médicos”, que retrata uma superioridade da Medicina em relação às demais profissões, visão muito prejudicial ao trabalho em equipe, não foi valorizada pelos estudantes de Medicina da UNIFOR. A realidade diferenciada desses estudantes se refletiu também na ACP, que teve a maior média do Centro. Isto pode ser reflexo do eixo humanístico-profissional desenvolvido longitudinalmente na formação desses estudantes, o qual propicia a reflexão e uma prática profissional que resultem na aquisição de competências atitudinais. Os módulos são estruturados com o ingresso de vários campos e disciplinas do saber médico, aliados ao desenvolvimento de habilidades e atitudes requeridas para a abordagem dos problemas em estudo, integrando os eixos técnico-científico, profissional-humanístico e comunitário-assistencial. Para o desenvolvimento do eixo humanístico-profissional, é estruturada em cada módulo do currículo uma base de experiências que viabilizem o desenvolvimento de altruísmo, responsabilidade social, busca de excelência, integridade e respeito aos sentimentos, valores e pensamentos de pacientes, colegas e profissionais.
Alsharif15 reforça a importância da EIP ao longo da formação de estudantes da saúde, tanto para sensibilização da relação com pacientes, quanto para outros membros da equipe, para que seja propiciado longitudinalmente o desenvolvimento do respeito à diversidade cultural e às diferenças individuais.
Na assertiva “preciso adquirir muito mais conhecimentos e habilidades que estudantes de outras profissões da saúde”, no estudo de Aziz et al.14, houve maior proporção de concordância dos estudantes de Medicina do que dos outros dois grupos. Fato semelhante foi encontrado com estudantes de Medicina da UNIFOR, em que a concordância foi de 43,9%, um percentual muito superior ao encontrado nos estudantes de Farmácia (31,71%), o segundo grupo colocado nessa assertiva.
Diversos estudos apontam evidências da importância da prática colaborativa na formação em saúde2,16, apesar de Olson e Bialocerkowski17reconhecerem que ainda persiste um grande desafio em desenvolver avaliações de experiências em educação interprofissional, principalmente devido à diversidade metodológica entre os estudos.
Alguns estudos apontam que mesmo experiências pontuais influenciam a disponibilidade para a aprendizagem interprofissional. Blue e Zoller18 afirmaram em seu estudo que os estudantes que tenham participado de pelo menos uma atividade extracurricular envolvendo educação interprofissional tinham atitudes mais positivas para a percepção da necessidade de cooperação. Bradley et al.19, que utilizaram as subescalas RIPLS para a identidade profissional e trabalho em equipe, realizaram com estudantes de Medicina e Enfermagem intervenções uniprofissionais e interprofissionais. Os resultados apontaram que a escala pós-intervenção para os grupos interprofissionais aumentou significativamente, mas retornou aos níveis pré-teste após 3-4 meses. No entanto, as entrevistas demonstraram que os grupos interprofissionais mantiveram uma “positividade residual” para educação interprofissional maior do que nos grupos uniprofissionais. Mas um estudo longitudinal que avaliou intervenções interprofissionais concluiu que, apesar do alcance de muitos objetivos do projeto, que envolvia múltiplas atividades de apoio interprofissional, não houve resultados tão positivos, principalmente nas avaliações de melhorias atitudinais20.
As experiências ainda são escassas no Brasil e as barreiras para sua implementação são muitas, como as resistências institucionais, de professores e estudantes, entraves curriculares e corporativismo das profissões2. Por isso, destaca-se a importância deste artigo em compartilhar a experiência da UNIFOR, que, apesar de neófila, destaca-se como um caminho possível na formação dos profissionais da saúde.
CONCLUSÃO
O estudo aponta que os estudantes ingressantes apresentaram alta disponibilidade para a EIP, tornando propício que no início da vida acadêmica as habilidades de trabalho em equipe e colaboração, identidade profissional e atenção centrada no paciente sejam fortalecidas nos currículos sem apresentar resistência discente.
O fato da disponibilidade dos estudantes concluintes se apresentar mais baixa indica a necessidade de que as atividades de EIP sejam longitudinais e se ampliem para os cenários de práticas de cuidado aos pacientes em atividades práticas e estágios a fim de que os estudantes concluam sua formação sendo capazes de atuar em equipes interprofissionais e realizar práticas colaborativas.
É importante destacar ainda a importância do diálogo e do estabelecimento de parcerias entre as diversas instituições de ensino superior, despertando para a necessidade de implementar a educação interprofissional nos projetos pedagógicos dos cursos da saúde, assim como desenvolver pesquisas que avaliem as experiências que estão sendo implantadas em nosso país, contribuindo desta forma com a produção de conhecimento científico em nosso meio, pois até o momento o arcabouço do conhecimento vem de experiências internacionais.
REFERÊNCIAS
- 1 Aguilar-da-Silva RH, Scapin LT, Batista NA. Avaliação da formação interprofissional no ensino superior em saúde: aspectos da colaboração e do trabalho em equipe. Avaliação 2011; 16(1): 167-184.
- 2 Batista NA. Educação interprofissional em saúde: concepções e práticas. Caderno FNEPAS 2012; 2: 25-28.
- 3 Almeida MM, Morais RP, Guimarães DF, Machado MFAS, Diniz RCM, Nuto SAS.Da Teoria à Prática da Interdisciplinaridade: a Experiência do Pró-Saúde UNIFOR e Seus Nove Cursos de Graduação. Revbras educ méd 2012;36(1, Supl.1):119-126.
- 4 Zabala A, Arnau L. Como aprender e ensinar competências. Porto Alegre: Artmed, 2010.
- 5 Roegiers X, De Ketele JM. Uma pedagogia da integração: competências e aquisições no ensino. Porto Alegre: Artmed; 2004.
- 6 Mitre SM, Siqueira-Batista R, Girardi-de-Mendonça JM, Morais-Pinto NM, Meirelles CAB, Pinto-Porto C et al. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais. Ciênc. saúde coletiva 2014; 13(Sup. 2): 2133-2144.
- 7 Moreira MA. Teorias da Aprendizagem. 2.ed ampl.São Paulo:EPU; 2011.
- 8 Gomes AP, Dias-Coelho UC, Cavalheiro PO, Gonçalvez CAN, Rôças G, Siqueira-Batista R. A educação médica entre mapas e âncoras: a aprendizagem significativa de David Ausubel, em busca da Arca Perdida. Rev bras educ méd 2008;32(1): 105-111.
- 9 Peduzzi M, Norman IJ, Coster S, Meireles E. Adaptação transcultural e validação da Readiness for Interprofessional Learning Scale no Brasil. Rev Esc Enferm USP 2015; 49(Esp 2):7-15.
- 10 Câmara AMCS. Educação interprofissional no pet-saúde: Cenário para o desenvolvimento de Práticas e Competências Colaborativas na área da saúde / Tese (Doutorado — Doutorado em Ciências e Tecnologias em Saúde) —- Universidade de Brasília, 2015, 176 p.
- 11 Souto TS, Batista SH, Batista NA. A Educação Interprofissional na Formação em Psicologia: Olhares de Estudantes. Psicologia: ciência e profissão 2014; 34 (1):32-45.
- 12 Rossit RAS, Batista SH, Batista NA. Formação para a integralidade no cuidado: potencialidades de um projeto interprofissional. Revista internacional de humanidades médicas 2014; 3 (1):55-64.
- 13 Rossit RAS, Batista SHSS, Batista NA. Análise de um projeto de educação interprofissional na formação em saúde: percepção de egressos. Espaço para a Saúde (Online) 2014;15 (supl 1):381-386.
- 14 Aziz Z, Teck LC, Yen PY. The attitudes of medical, nursing and pharmacy students to inter-professional learning. Procedia — Social and Behavioral Sciences 2011; 29:639-645.
- 15 Alsharif NZ. Cultural humility and interprofissional education and practice: a winning combination. American Journal of Pharmaceutical Education 2012; 76(7):1-2.
-
16 Organização Mundial da Saúde. Organização Panamericana de Saúde/OPAS-2010. Marco para Ação em Educação Interprofissional e Prática Colaborativa. Gabinete da Rede de Profissões de Saúde — Enfermagem & Obstetrícia do Departamento de Recursos Humanos para a Saúde. Disponível em: < a: http://www.who.int/hrh/nursing_midwifery/en/>. Acesso em 02 Dez. 2013.
» http://www.who.int/hrh/nursing_midwifery/en/ - 17 Olson R, Bialocerkowski A. Interprofessional education in allied health: a systematic review. Medical education 2014; 48: 236–246.
- 18 Blue AV, Zoller JS. Promoting Interprofessional Collaboration Through the Co-Curricular Environment. Health and Interprofessional Practice 2012; 1(2):eP1015.
- 19 Bradley P, Cooper S, Duncan F. A mixed-methods study of interprofessional learningof resuscitation skills. Medical Education 2009; 43: 912–922.
- 20 Braithwaite J, Westbrook M, Nugus P, Greenfield D, Travaglia J, Runciman W, et al. A four-year, systems-wide intervention promoting interprofessional collaboration. BMC Health Services Research 2012; 12:99.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2017
Histórico
-
Recebido
20 Ago 2016 -
Aceito
26 Set 2016