Tem sido motivo de reuniões e seminários de educação médica nos últimos anos o problema da formação médica no curso de graduação, especialmente no que diz respeito à chamada especialização precoce.
Cremos que, pelo menos entre aqueles mais diretamente envolvidos nesta discussão, já se haja estabelecido consenso sobre o papel da escola médica, que seria o de dar ao curso médico caráter de terminalidade.
Tendo este ponto como referencial e se, à sua luz, analisamos a situação do ensino médico na maior parte das escolas brasileiras, vamos verificar uma profunda contradição entre o modelo de ensino vigente e aquele desejado.
Nessas escolas, o que caracteriza o ensino médico é um currículo fragmentado em múltiplas disciplinas, quase sempre superpostas a uma especialidade médica, e todo centrado em atividade hospitalar.
Ainda do ponto de vista da escola médica, outra grande dificuldade tem sido o fato dela própria não dispor do modelo de profissional que pretende formar, pois seu corpo docente é maciçamente constituído de especialistas e sua vinculação fundamental, para área de treinamento, é com um hospital de características complexas.
Por outro lado, é também de fácil constatação que o sistema de prestação de serviços, privilegiando as ações de maior especialização e complexidade, através inclusive da maior remuneração para elas, aponta ao futuro médico este caminho, pois é o que lhe conferirá melhor "status" profissional, social e, ainda, melhor remuneração. Desta maneira, o sistema de prestação de serviços influi de modo decisivo sobre o sistema formador.
Estes fatores mencionados, somados à expectativa da sociedade, que, pela má informação, ou pela propaganda comercial, demanda cada vez mais um tipo de serviço médico sofisticado e altamente tecnológico, cria um ciclo de interações extremamente difícil de ser rompido.
É necessário, portanto, a adoção de uma estratégia bem definida para enfrentar este problema, sob pena de fracassarmos nas ações isoladas, que seriam desgastantes e improdutivas.
Esta estratégia deve basear-se na articulação da universidade com o sistema de prestação de serviços, de maneira ampla envolvendo todos os níveis de assistência e todas as instituições responsáveis, buscando o vínculo entre o aparelho formador e o prestador de serviços.
Este vínculo deve ser obtido formalmente através de instrumentos adequados (convênios, cartas de intenções, comodatos etc), buscando o compromisso institucional e inter-institucional.
Uma vez obtida esta articulação, deverão ser elaborados "programas de ação". Estes deverão ser definidos, em conjunto, pelas instituições envolvidas, com o máximo de participação decisória dos elementos que vão executá-los. Deverão constituir-se, por assim dizer, em objetivos específicos, dentro do objetivo geral de melhorar a qualidade de saúde da população.
A participação de estudantes nos programas deve ser obtida de maneira organizada, como atividade curricular, a fim de evitar a improvisação.
Desta forma, a universidade passaria a cumprir seu verdadeiro papel no sistema de saúde, nos diversos níveis, a saber:
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formando pessoal mais adequado à prestação de serviços;
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refletindo sobre a prática real de assistência e colaborando na elaboração de modelos;
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oferecendo serviços através do Hospital Universitário, que deve ser mantido como hospital de base e centro de cuidados especiais; exercendo efetivamente a educação continuada através da integração com os serviços;
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formando seus quadros docentes dentro de uma visão mais abrangente das necessidades da população;
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submetendo seus currículos a permanente questionamento em face da realidade.
A adoção desta estratégia tem como pressuposto a regionalização dos serviços e a integração docente-assistencial. Já dispomos de instrumentos legais suficientes para desencadear este processo.
A modificação gradual, tanto do sistema de ensino, quanto do de serviços, através de "programas de ação" nos quais exista interesse de participação dos diversos setores envolvidos, parece a mais adequada, pois pode oferecer soluções para problemas de várias ordens, principalmente político-administrativos, que, de outro modo, poderiam resultar em impasses intransponíveis.
Luiz Antonio Santini Rodrigues da Silva
Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Jan 2022 -
Data do Fascículo
May-Aug 1982