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Os privilégios reproduzidos pelo elitismo no ensino da medicina: uma revisão integrativa de literatura

The privileges reproduced by elitism in medical education: an integrative literature review

RESUMO

Introdução:

O elitismo no ensino da medicina é um fenômeno histórico. Desde as universidades europeias da Idade Média, o ensino da medicina tornou-se um monopólio da elite. No Brasil, a elitização do conhecimento médico ocorreu com a vinda da família real em 1808, reforçando o papel dos médicos como protagonistas da saúde, enquanto práticas curativas populares foram desvalorizadas. Nos Estados Unidos, Abraham Flexner influenciou o ensino médico mundial com um modelo elitizado baseado na lógica biomédica.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivos compreender os fatores que reproduzem o contexto elitista no ensino da medicina, investigar como esses aspectos influenciam a exclusão de determinados grupos sociais no meio médico e apontar caminhos para a discussão e o enfrentamento do problema.

Método:

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura realizada a partir de 14 artigos selecionados entre 182, publicados no período de 2012 a 2022 e filtrados das bases de dados PubMed, SciELO, Lilacs, Web of Science e Scopus.

Resultado:

Percebem-se semelhanças entre o grupo privilegiado na medicina, formado por homens, brancos, heterossexuais e cisgênero, de condição socioeconômica favorável, em comparação ao grupo sistematicamente marginalizado de mulheres pertencentes a minorias étnico-raciais, de baixa classe socioeconômica e/ou parte da população LGBTQIA+. Essa coincidência tem bases históricas e econômicas que refletem uma estrutura maior, que distribui privilégios partindo dos critérios de raça, gênero, classe social e orientação sexual. Entre os processos históricos que reproduzem esse padrão, cita-se o processo de colonização de países como o Brasil, marcado pela exploração, pelo apagamento e pela imposição de uma cultura e ciência médica balizada por um padrão europeu; o racismo e machismo que, como ideologias, continuam sendo critérios para a distribuição de privilégios na sociedade de classes; e a heterocisnormatividade, que também atua excluindo corpos e orientações sexuais e produção de conhecimentos e práticas de cuidado em saúde.

Conclusão:

Epistemologias críticas como as presentes no pensamento interseccional do feminismo negro e na colonialidade do poder de Aníbal Quijano e Audre Lorde apresentam-se como caminhos à ruptura dessa norma, propiciando o questionamento de suas raízes para a organização de lutas coletivas e formas de produção de conhecimento que venham ao encontro dos interesses dos grupos historicamente oprimidos.

Palavras-chave:
Privilégio Social; Educação Médica; Disparidades Socioeconômicas em Saúde

ABSTRACT

Introduction:

Elitism in medical education is a historical phenomenon. Beginning at the European universities of the Middle Ages, the teaching of medicine became a monopoly of the elite, excluding less privileged social groups. In Brazil, the elitization of medical knowledge occurred with the arrival of the royal family in 1808, reinforcing the role of doctors as protagonists of health, while popular healing practices were devalued. In the US, Abraham Flexner influenced medical teaching worldwide with an elitist model based on biomedical logic.

Objectives:

The objective is to understand the factors that reproduced the elitist context in medical teaching, investigate how these aspects influence the exclusion of certain social groups in the medical environment and point out ways to discuss and tackle the problem.

Methods:

This is an integrative literature review of 14 articles selected from 182, published between 2012 and 2022, and filtered from the PubMed, Scielo, Lilacs, Web of Science and Scopus databases.

Results and Discussion:

There are similarities among those in the privileged group in medicine, characterised by being white, heterosexual and cisgender men of favourable socioeconomic status, compared to the systematically marginalized group of women belonging to ethnic minorities, low socio-economic class and/or part of the LGBTQIA+ community. This coincidence has historical and economic bases that reflect a larger structure, which distributes privileges based on the criteria of race, gender, social class and sexual orientation. Among the historical processes that have reproduced this pattern, the colonization process of countries such as Brazil is cited, marked by the exploitation, erasure and imposition of a medical culture and science guided by a European standard; racism and chauvinism that as ideologies, remain criteria for the distribution of privileges in class society and cisheteronormativity, which also excludes bodies and sexual orientations and the production of health care knowledge and practices.

Conclusion:

Critical epistemologies such as those found in the intersectional thinking of black feminism and in Aníbal Quijano and Audre Lorde’s coloniality of the power are presented as ways to break this norm, giving rise to questions of its roots for the organization of collective struggles and forms of production of knowledge that meet the interests of historically oppressed groups.

Keywords:
Social privilege; Medical education; Socioeconomic disparities in health

INTRODUÇÃO

Os pilares da profissão médica abarcaram, desde sua consolidação prática com Hipócrates, a cura dos males humanos e o bem-estar social, porém, a partir do momento em que a medicina é vista como a profissão de diagnóstico e tratamento de doenças, ela se torna um símbolo social de prestígio e autoridade para definir o que é saúde e doença11. Freidson E. Profession of medicine: a study of the sociology of applied knowledge. Chicago: University of Chicago Press; 1970..

A noção de privilégio está intrinsecamente ligada às questões de gênero, classe social, raça e orientação sexual, visto que, historicamente, certos grupos têm desfrutado de privilégios em virtude de seu alinhamento com as normas sociais dominantes. Compreender a complexidade da relação entre os privilégios e as dinâmicas de poder que constituíram a sociedade atual é crucial e envolve o reconhecimento e o desmantelamento de estruturas opressivas que reproduzem desigualdades, além da promoção de espaços seguros e inclusivos para todos os indivíduos se expressarem plenamente, sem medo de discriminação ou preconceito22. Paton M, Naidu T, Wyatt TR, Oni O, Lorello GR, Najeeb U, et al.. Dismantling the master’s house: new ways of knowing for equity and social justice in health professions education. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2020 Dec;25(5):1107-126. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-020-10006-x.
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No Brasil, o ensino superior ainda é restrito a uma parcela pequena da população, afetando tanto o acesso quanto a permanência dos estudantes. Na medicina, o prestígio social e retorno econômico a preservam como um espaço privilegiado e estratificado, demandando um esforço de controle ao acesso a essas posições22. Paton M, Naidu T, Wyatt TR, Oni O, Lorello GR, Najeeb U, et al.. Dismantling the master’s house: new ways of knowing for equity and social justice in health professions education. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2020 Dec;25(5):1107-126. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-020-10006-x.
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Partindo da pergunta de pesquisa “O que tornou a medicina uma profissão de elites e quais fatores reproduzem essa condição na educação médica atual”, esta revisão tem por objetivos apresentar uma síntese analítica da literatura acerca dos fatores que reproduzem o contexto elitista no ensino da medicina, investigar como esses aspectos influenciam a exclusão de determinados grupos sociais no meio médico e apontar caminhos para a discussão e o enfrentamento do problema.

MÉTODO

A seleção dos artigos-base desta revisão ocorreu em janeiro de 2023, por meio de consulta às bases de dados eletrônicas: PubMed, SciELO, Lilacs, Web of Science e Scopus. A partir de testes preditivos nas plataformas eletrônicas, foram utilizados os seguintes descritores: privilégios sociais, educação médica e experiência educacional, permeados pelo booleano “AND”, findando na seguinte estratégia de busca: (social privileges) AND (medical education) AND (education experience). Para a inclusão dos artigos, utilizaram-se os seguintes critérios: artigos publicados entre os anos de 2012 e 2022, considerando para construção de referencial exploratório inicial a promulgação da lei também conhecida como Lei de Cotas no Brasil (Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012)44. Brasil. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Ingresso nas universidades federais e instituições federais de ensino técnico de nível médio e outras providências. Diário Oficial da União; 30 ago 2012. Seção 1, p. 1., nos idiomas português, inglês e espanhol, independentemente do tipo metodológico de estudo. Excluíram-se os artigos que não possuíam relevância com o tema central do estudo ou estavam duplicados nas bases de dados.

Com base nos critérios de inclusão, obteve-se um total de 182 artigos, que, após a adoção dos processos descritos na Figura 1, resultaram em um número final de 14 estudos. Os dados foram coletados por meio de instrumento próprio elaborado pelas autoras, adaptado da proposta realizada por Souza et al.5. A análise dos dados ocorreu a partir da síntese dos achados em consonância com a pergunta de pesquisa, seguida pela categorização temática a partir de concordâncias ou divergências entre os resultados.

Figura 1
Fluxograma da descrição do método da pesquisa.

RESULTADOS

Incluíram-se na amostra final 14 artigos científicos: oito estudos qualitativos, uma pesquisa por método misto, dois ensaios críticos, um estudo de coorte retrospectivo e dois relatos de experiência. Os anos com maior produção científica foram 2020 e 2022, com três e quatro estudos publicados, respectivamente. Os estudos foram desenvolvidos na África, América do Sul, América do Norte, Europa e Oceania, em oito países, conduzidos e desenvolvidos majoritariamente por pesquisadores da América do Norte e Europa, cuja área do conhecimento de todos os estudos foi a medicina, com ênfase em educação médica. Destaca-se a produção de apenas um estudo brasileiro incluído na pesquisa. O Quadro 1 apresenta as informações referentes à caracterização geral dos artigos selecionados.

Quadro 1
Caracterização geral dos estudos incluídos.

De acordo com a amostragem obtida, os artigos, em geral, abordam as dificuldades, barreiras e vantagens no acesso ao curso de Medicina e na permanência nele para diferentes grupos, além das medidas de enfrentamento. Com base nos objetivos deste estudo, foram identificadas três categorias para a discussão nos artigos selecionados: contexto histórico e econômico no acúmulo de privilégios; interseccionalidade, facilitadores e entraves na educação médica; e microagressões, segregação e desafios de enfrentamento. O Quadro 2 apresenta os fatores relacionados às categorias identificadas.

Quadro 2
Síntese de dados de acordo com as categorias de avaliação.

DISCUSSÃO

Contexto histórico e econômico no acúmulo de privilégios

A instituição das universidades tornou o ensino da medicina monopólio da elite europeia, seja na Inglaterra, com a formação em Oxford ou Cambridge, ambas mediadas pela Provincial Medical and Surgical Association, ou na França, com as faculdades médicas de Paris, Montpellier e Strasbourg, mantendo os privilégios sociais dos físicos ou médicins da época, e restringindo a profissão médica à educação clássica de acesso restrito à aristocracia do período, seja ela de origem social ou patronagem66. Coelho E. Físicos, sectários e charlatães: a medicina em perspectiva histórico-comparada. In: Machado MH, editora. Profissões de saúde: uma abordagem sociológica. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1995. p. 35-62..

No Brasil, o processo de elitização do conhecimento médico ocorreu a partir da vinda da família real em 1808, que trouxe uma visão positivista da medicina durante esse período e enfatizou o protagonismo dos médicos, sobretudo homens, brancos, membros das elites e portadores de visões hierarquizantes sobre a sociedade. Os registros da época objetivavam apagar o “atraso” das práticas curativas de origem africana e indígena, tendo sido um processo cercado por resistências e manutenção de crenças e terapêuticas mais diretamente vinculadas às camadas populares77. Freitas RC, Nogueira A. A saúde como campo de batalha: doenças e artes de curar no Brasil, 1750-1822. Cien Saude Colet. 2022;27(9):3379-87. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232022279.02672022.
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Nesse contexto, temos o início do processo de imposição de autoridade cultural da medicina mesclada ao estabelecimento da diferença entre os saberes científicos e os saberes populares, lógica sociocultural que perdura até hoje na base da medicina brasileira. Ressalta-se nesse período o apagamento da escravidão e das diferenças regionais nos registros que medeiam os determinantes do processo saúde-doença no Brasil; afinal, a vinda da família real faz por emegir a exigência de profissionais médicos para suprir demandas portuguesas, e não dos colonos bem adaptados às práticas médicas da época (práticas de cura africanas e indígenas), o que demarca ainda mais o mecanismo de elitização da medicina brasileira88. Hochman G, Pimenta TS, Freitas RC. Da Independência ao Império: saúde e doença no Brasil do século XIX. Cien Saude Colet . 2022;27(9):3375-7. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232022279.08812022.
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Em 1910, surge nos Estados Unidos Abraham Flexner que, a partir do seu relatório sobre a educação médica norte-americana, influenciou a prática médica mundial do ensino da medicina, instituindo um modelo de negação dos determinantes sociais com a instituição da lógica majoritariamente biológica do processo saúde-doença99. Almeida-Filho N. Reconhecer Flexner: inquérito sobre produção de mitos na educação médica no Brasil contemporâneo. Cad Saude Publica. 2010;26(12):2234-49. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010001200003.
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. O modelo flexneriano reajustou o ensino médico para uma perspectiva biomédica hospitalocêntrica, o que contribuiu para o ensino elitizado da medicina, a consagração da experiência prática em detrimento da teoria clínica, a comercialização massiva e regulada dos serviços médicos, e a privatização da atenção à saúde99. Almeida-Filho N. Reconhecer Flexner: inquérito sobre produção de mitos na educação médica no Brasil contemporâneo. Cad Saude Publica. 2010;26(12):2234-49. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010001200003.
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. Apesar dos benefícios, há críticas em relação ao modo como esse evento ocorreu e às consequências na ampliação da disparidade de acesso a grupos minoritários. Nos Estados Unidos, cinco das sete escolas para negros da época foram fechadas. A escola médica se elitizou e passou a ser frequentada pela classe média alta1010. Pagliosa FL, Ros MA da. O relatório Flexner: para o bem e para o mal. Rev Bras Educ Med. 2008;32(4):492-9. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-55022008000400012.
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As matrizes de educação em saúde reproduzem as ideias positivistas de universalismo e racionalismo de forma a valorizar pilares de dominação, privilégio e status na saúde, o que reproduz a educação como objeto de conquista individual e não como uma forma de contribuição social1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
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. Os privilégios mantidos por essa organização social estão enraizados na educação médica e acabam por segregar de forma silenciosa1212. Periyakoil VS, Chaudron L, Hill EV, Pellegrini V, Neri E, Kraemer HC. Common types of gender-based microaggressions in medicine. Acad Med. 2020 Mar;95(3):450-7. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000003057.
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ou, por vezes, influenciam seus agentes a ignorar seus próprios facilitadores sociais em prol da manutenção do status1313. Mulder L, Wouters A, Fikrat-Wevers S, Koster AS, Ravesloot JH, Croiset G, et al. Influence of social networks in healthcare on preparation for selection procedures of health professions education: a Dutch interview study. BMJ Open. 2022 Oct 31;12(10):e062474. doi: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2022-062474.
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. A profissão médica, por meio de mecanismos socioculturais de poder, reproduz o ideal de ascensão social, sendo a figura do médico uma competência imaginária dotada de prestígio e respeito moral1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
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, um problema quando indivíduos com disparidades de oportunidade almejam esse papel, visto serem sujeitos que não deveriam idealmente ser integrados nesse mecanismo de propagação de poder.

Interseccionalidade, facilitadores e entraves à educação médica

A interseccionalidade é um conceito fundamental nos estudos sociais que reconhece a multiplicidade, o entrecruzamento e a complexidade das identidades e experiências humanas. Desenvolvido por feministas negras, como a brasileira Lélia Gonzalez e a estadunidense Angela Davis, e difundido pela acadêmica e jurista negra Kimberlé Crenshaw1414. Crenshaw K. Demarginalizing the intersection of race and sex: a black feminist critique of anti-discrimination doctrine, feminist theory, and antiracist politics. University of Chicago Legal Forum. 1989;1:139-67.),(1515. Wyatt TR, Johnson M, Zaidi Z. Intersectionality: a means for centering power and oppression in research. Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2022 Aug;27(3):863-75. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-022-10110-0.
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, a interseccionalidade tem sido usada como abordagem crítica para compreender as interações entre diferentes sistemas de opressão, como raça, gênero, classe social, etnia e sexualidade. Apesar de a categorização ser fundamental para os estudos sociais, é importante reconhecer que as categorias sociais não são estáticas e dependem de construções sociais que podem variar a depender do contexto1515. Wyatt TR, Johnson M, Zaidi Z. Intersectionality: a means for centering power and oppression in research. Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2022 Aug;27(3):863-75. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-022-10110-0.
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Na educação médica, facilitadores e entraves podem apresentar estruturas e funcionamentos semelhantes em diferentes cenários. O privilégio de classe constitui-se de vantagens sociais e econômicas que alguns indivíduos ou grupos possuem, de acordo com a sua posição socioeconômica na sociedade, o qual não é distribuído de forma equitativa e leva à reprodução de desigualdades. Discussões sobre as origens socioeconômicas dos estudantes de Medicina raramente ocorrem e são percebidas como um tabu1616. Conway-Hicks S, de Groot JM. Living in two worlds: becoming and being a doctor among those who identify with “not from an advantaged background”. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2019 Apr;49(4):92-101. doi: https://doi.org/10.1016/j.cppeds.2019.03.006.
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. O início da jornada do médico já é ditada pela condição econômica e classe social: estudantes provenientes de escolas particulares possuem vantagem competitiva nos processos seletivos para o acesso às escolas de Medicina, dado que, nas escolas estatais, observam-se baixa qualidade de ensino, despreparo dos docentes, falta de orientação vocacional e má gestão ou indisponibilidade de recursos1717. Wright S. Medical school personal statements: a measure of motivation or proxy for cultural privilege? Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2015 Aug;20(3):627-43. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-014-9550-4.
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),(1818. Borracci RA, Pittaluga RD, Álvarez Rodrigues JE, Arribalzaga EB, Poveda Camargo RL, Couto JL, et al. Factores asociados con el éxito académico de los estudiantes de medicina de la Universidad de Buenos Aires. Medicina (B Aires). 2014;74(6):451-6..

Enquanto nas escolas particulares o ensino superior é visto como o único caminho possível após o ensino médio, nas escolas públicas isso é considerado como exceção1717. Wright S. Medical school personal statements: a measure of motivation or proxy for cultural privilege? Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2015 Aug;20(3):627-43. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-014-9550-4.
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, fato corroborado pelo fato de o maior número de indivíduos com diplomas de honras em faculdades médicas ser composto de egressos de colégios privados18. Visto que as escolas particulares possuem maior engajamento na arena competitiva por capital no campo das admissões em faculdades de Medicina, elas também estão em posição de ditar o que deve ser valorizado pelos selecionadores1717. Wright S. Medical school personal statements: a measure of motivation or proxy for cultural privilege? Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2015 Aug;20(3):627-43. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-014-9550-4.
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, o que inclui experiências de trabalho prévio na área da saúde.

No Brasil, as experiências de trabalho prévios na área não se encaixam como pré-requisitos para admissão na faculdade, por mais que a experiência possa servir como competência cultural para a redação obrigatória ao processo seletivo. Entretanto, existem diversos países que exigem essas experiências, como é o caso do Reino Unido, onde, para conseguir tais exigências, muitas vezes é necessária uma rede social preexistente de alto status, raramente disponível a estudantes originários de classe menos privilegiada1919. Foreshew A, Al-Jawad M. An intersectional participatory action research approach to explore and address class elitism in medical education. Med Educ. 2022 Nov;56(11):1076-85. doi: https://doi.org/10.1111/medu.14857.
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Além disso, existem oportunidades oferecidas aos estudantes privilegiados indisponíveis aos demais, caracterizadas como currículo oculto. Esse conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridos por meio das interações sociais, rotinas diárias, práticas pedagógicas e estruturas das escolas desempenha um papel significativo na formação dos alunos e reproduz desigualdades sociais. Para os alunos oriundos da classe menos favorecida, há tanto dificuldade de adaptação à cultura da Faculdade de Medicina quanto estigmatização por parte de preceptores e colegas1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
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),(1616. Conway-Hicks S, de Groot JM. Living in two worlds: becoming and being a doctor among those who identify with “not from an advantaged background”. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2019 Apr;49(4):92-101. doi: https://doi.org/10.1016/j.cppeds.2019.03.006.
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. Outro obstáculo observado por estudantes com menor condição socioeconômica e financiamento parental foi o estresse financeiro relacionado à necessidade de realização de empréstimos para cursar Medicina1919. Foreshew A, Al-Jawad M. An intersectional participatory action research approach to explore and address class elitism in medical education. Med Educ. 2022 Nov;56(11):1076-85. doi: https://doi.org/10.1111/medu.14857.
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. Nesse cenário, sobressaem sentimentos de desesperança, vergonha e constrangimento, resultando em um desempenho inferior nos exames da faculdade e posterior esgotamento entre médicos residentes1616. Conway-Hicks S, de Groot JM. Living in two worlds: becoming and being a doctor among those who identify with “not from an advantaged background”. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2019 Apr;49(4):92-101. doi: https://doi.org/10.1016/j.cppeds.2019.03.006.
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Existe uma relação entre pais com ensino superior e sucesso acadêmico dos filhos1818. Borracci RA, Pittaluga RD, Álvarez Rodrigues JE, Arribalzaga EB, Poveda Camargo RL, Couto JL, et al. Factores asociados con el éxito académico de los estudiantes de medicina de la Universidad de Buenos Aires. Medicina (B Aires). 2014;74(6):451-6., especialmente em profissões de elite, como a medicina, na qual se observa um padrão de reprodução de microclasse1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
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. Uma parte significativa dos estudantes tem pelo menos um dos pais na profissão médica, e isso é visto como um dos marcadores de maior privilégio de status socioeconômico1616. Conway-Hicks S, de Groot JM. Living in two worlds: becoming and being a doctor among those who identify with “not from an advantaged background”. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2019 Apr;49(4):92-101. doi: https://doi.org/10.1016/j.cppeds.2019.03.006.
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. Devido à gama das conexões sociais médicas, a família se mostra como uma importante fonte de capital social para garantir experiência prévia na área hospitalar. Assim, aqueles que não possuem um elo interno para tais conexões enfrentam obstáculos significativos já no início da sua jornada1717. Wright S. Medical school personal statements: a measure of motivation or proxy for cultural privilege? Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2015 Aug;20(3):627-43. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-014-9550-4.
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Para que “o ser médico” seja atingível - tanto no que se precede ao curso de Medicina quanto no seu decorrer e durante a prática da profissão -, é imprescindível que haja um esforço duplo por parte de alunos não privilegiados, o que se transforma em um percurso extenuante do início ao fim. Parte dessa dificuldade pode ser explicada pelo conceito desenvolvido por Lareau em 20032020. Lareau A. Unequal childhoods: class, race, and family life. Berkeley, CA: University of California Press; 2003., acerca das lógicas culturais de educação infantil, a qual denota que diferentes grupos sociais criam seus filhos com base em modelos distintos. Enquanto a lógica de criação nas famílias de classes média e alta se dá pelo cultivo coordenado, o qual se concentra no desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais e culturais visando às futuras realizações acadêmicas, nas famílias de classes sociais mais baixas a formação ocorre por meio do crescimento “natural e espontâneo”, no qual se adota uma abordagem menos estruturada e mais orientada para a autonomia e independência, a exemplo de adolescentes que desde cedo contribuem na renda familiar e cuidam de irmãos mais jovens. Essas desvantagens são justificadas e romantizadas pelo desenvolvimento da resiliência e da busca por felicidade, sem considerar o duplo esforço necessário para que jovens de famílias de classes sociais mais baixas alcancem posições semelhantes aos de classes mais elevadas. Dessa forma, observa-se que comportamentos e ideais da sociedade são primariamente ditados pelo capital, que estabelece dinâmicas de poder e pilares de privilégio1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
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Ao longo dessa jornada, emergem sentimentos pessoais de incapacidade e de limitações intelectuais, os quais são mais do que uma autopercepção individual, pois para os primeiros médicos da família existe um traço em comum de não pertencimento, ainda que suas realizações acadêmicas e de vida sejam significativas, o que configura uma barreira considerável para a educação médica1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
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. Ainda que existam casos excepcionais, observa-se a necessidade de uma luta constante para alcançar e manter posições de prestígio e poder. Tendo isso em vista, não é coerente esperar que alunos obtenham sucesso acadêmico e reconhecimento social apenas com base em mérito pessoal, visto que nem todos possuem as mesmas oportunidades e condições iniciais1919. Foreshew A, Al-Jawad M. An intersectional participatory action research approach to explore and address class elitism in medical education. Med Educ. 2022 Nov;56(11):1076-85. doi: https://doi.org/10.1111/medu.14857.
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O acesso a uma conexão social com médicos, além de ser um facilitador imprescindível para a entrada em cursos da área da saúde, torna-se uma barreira consolidada para grupos étnico-raciais e costumes socioculturais adversos à classe majoritária. Diversos estudos trouxeram à tona a incongruência e o desajuste da população migrante ou sua descendência ao estudar medicina. Alguns alunos migrantes relataram a tentativa de manter laços com amigos de infância (também etnicamente diversos), porém essa experiência tendia a minimizar novos contextos e novas oportunidades advindos com a graduação, o que acabava por realçar ainda mais as crescentes disparidades culturais1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
),(1313. Mulder L, Wouters A, Fikrat-Wevers S, Koster AS, Ravesloot JH, Croiset G, et al. Influence of social networks in healthcare on preparation for selection procedures of health professions education: a Dutch interview study. BMJ Open. 2022 Oct 31;12(10):e062474. doi: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2022-062474.
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),(1616. Conway-Hicks S, de Groot JM. Living in two worlds: becoming and being a doctor among those who identify with “not from an advantaged background”. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2019 Apr;49(4):92-101. doi: https://doi.org/10.1016/j.cppeds.2019.03.006.
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No que se refere a gênero, identidade de gênero e orientação sexual, Foreshew et al.1919. Foreshew A, Al-Jawad M. An intersectional participatory action research approach to explore and address class elitism in medical education. Med Educ. 2022 Nov;56(11):1076-85. doi: https://doi.org/10.1111/medu.14857.
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, Butler et al.2121. Butler K, Yak A, Veltman A. “Progress in medicine is slower to happen”: qualitative Insights into how trans and gender nonconforming medical students navigate cisnormative medical cultures at Canadian training programs. Acad Med . 2019 Nov;94(11):1757-65. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000002933.
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) e Moretti-Pires et al.2222. Moretti-Pires RO, Grisotti MO. O lugar (do) errado: discriminações contra lésbicas, gays e mulheres bissexuais no ensino médico. Saúde Soc. 2022;31(3):e180349pt. relatam um fato muito visível na sociedade: o conhecimento da medicina, assim como o estudo da fisiologia humana, é centrado em arquétipos masculinos e em uma cultura cisnormativa. Isso reforça o padrão das relações de gênero que são basicamente fundamentadas na figura do homem heterossexual e acaba por marginalizar outras posições sociais, como a da mulher heterossexual e de pessoas LGBTQIA+.

Quando se trata de mulheres advindas de classes com menor condição socioeconômica, esse viés é acentuado, sendo a estigmatização classista ainda presente. Ainda que elas alcancem cargos de liderança em ambientes de saúde, se comparado a homens, há uma probabilidade maior de que estejam relacionados a setores de menor poder. Ocorre que, para a mulher, existe a necessidade de um esforço adicional, visto que, além de ser médica, é cobrado socialmente o exercício do papel de mulher social e educadora, resultando em um desgaste que pode afastar o modelo feminino das posições de liderança, levando a maiores disparidades de gênero no futuro2222. Moretti-Pires RO, Grisotti MO. O lugar (do) errado: discriminações contra lésbicas, gays e mulheres bissexuais no ensino médico. Saúde Soc. 2022;31(3):e180349pt.),(2323. Fredrich VCR, Coelho ICM, Sanches L da C. Desvelando o racismo na escola médica: experiência e enfrentamento do racismo pelos estudantes negros na graduação em Medicina. Trab Educ Saúde. 2022;20:e00421184. doi: https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs421.
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Além da mulher, percebe-se uma certa barreira ao pertencimento social de pessoas não conformes de gênero, sendo sua presença apagada por alunos tradicionais. Apesar de a transfobia não estar restrita apenas à esfera médica, percebe-se uma lentidão na forma como a medicina abraça as transformações sociais. As informações fornecidas nos currículos médicos ainda retratam pacientes dentro das normas cisgêneras, estabelecendo uma relação rígida entre gênero e órgão sexual, o que corrobora as suposições baseadas em marcadores legais de gênero2121. Butler K, Yak A, Veltman A. “Progress in medicine is slower to happen”: qualitative Insights into how trans and gender nonconforming medical students navigate cisnormative medical cultures at Canadian training programs. Acad Med . 2019 Nov;94(11):1757-65. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000002933.
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Além de gênero, a orientação sexual é outra questão que permeia os estudos sobre privilégio social e dinâmica de poder. A homossexualidade ainda possui o estereótipo social de risco biológico e psíquico, e a visão do médico como figura dotada de expectativa social vai ao encontro da visão de que apenas determinados padrões poderiam ocupar esse lugar. Dessa forma, pessoas LGBTQIA+ ocupam “o lugar errado, o qual foi projetado socialmente para que elas não pudessem alcançar ou almejar essa posição. O fato de as pessoas LGBTQIA+ ocuparem esse lugar inicia um frenesi social de discriminação implícita e explícita, visando reestabelecer o contexto de “normalidade social” antes instituído2222. Moretti-Pires RO, Grisotti MO. O lugar (do) errado: discriminações contra lésbicas, gays e mulheres bissexuais no ensino médico. Saúde Soc. 2022;31(3):e180349pt..

Entre os diversos elementos que dificultam a implementação de um ensino médico equitativo, destaca-se o racismo institucional, presente nas estruturas, políticas e normas, resultando em desigualdades no acesso aos recursos, aos serviços e às oportunidades sociais com base em características raciais22. Paton M, Naidu T, Wyatt TR, Oni O, Lorello GR, Najeeb U, et al.. Dismantling the master’s house: new ways of knowing for equity and social justice in health professions education. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2020 Dec;25(5):1107-126. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-020-10006-x.
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. O racismo é um sistema que cria tanto desvantagens quanto privilégios a partir do critério racial. Apesar de no contexto brasileiro o racismo ser evidenciado majoritariamente contra pessoas negras, os estudos revelam ocorrência de discriminação ou opressão também contra grupos indigenas e orientais. Independentemente da localidade geográfica, há, entretanto, um reconhecimento do privilégio branco sobre a população não branca. O sistema de promoção e ensino da saúde é organizado de forma a beneficiar de maneira sistemática médicos e pacientes brancos, de modo que os indivíduos brancos são ensinados a ignorar seu privilégio racial em prol de um mito social de meritocracia2323. Fredrich VCR, Coelho ICM, Sanches L da C. Desvelando o racismo na escola médica: experiência e enfrentamento do racismo pelos estudantes negros na graduação em Medicina. Trab Educ Saúde. 2022;20:e00421184. doi: https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs421.
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),(2424. Romano MJ. White privilege in a white coat: how racism shaped my medical education. Ann Fam Med. 2018 May;16(3):261-3. doi: https://doi.org/10.1370/afm.2231.
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Embora estudantes de Medicina alcancem diversos privilégios devido ao seu trabalho árduo e intelecto, a raça desempenha um papel fundamental como princípio organizador na sociedade. Estudantes brancos vivenciam um mundo projetado para favorecer suas vantagens e, por isso, têm maior chance de sobressair em seu desempenho acadêmico, maior probabilidade de encontrar mentores e figuras de referência semelhantes, menor chance de sofrer deslegitimação, marginalização e silenciamento dentro dos currículos, além de serem mais propensos a ter amigos próximos e familiares já estabelecidos na profissão médica22. Paton M, Naidu T, Wyatt TR, Oni O, Lorello GR, Najeeb U, et al.. Dismantling the master’s house: new ways of knowing for equity and social justice in health professions education. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2020 Dec;25(5):1107-126. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-020-10006-x.
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),(2525. Lynch G, Holloway T, Muller D, Palermo AG. suspending student selections to alpha omega alpha honor medical society: how one school is navigating the intersection of equity and wellness. Acad Med . 2020 May;95(5):700-3. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000003087.
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. A soma dos privilégios raciais injustos cria uma medicina dominada pela classe média branca, o que leva à percepção de que esses estudantes são mais inteligentes, talentosos e bem-sucedidos, e têm maior probabilidade de alcançar êxito como futuros profissionais médicos e cientistas, resultando em uma experiência educacional médica desigual. Essa percepção enviesada é ainda mais reforçada pelas métricas e distinções utilizadas para avaliar o acesso à faculdade de Medicina e o sucesso nela1919. Foreshew A, Al-Jawad M. An intersectional participatory action research approach to explore and address class elitism in medical education. Med Educ. 2022 Nov;56(11):1076-85. doi: https://doi.org/10.1111/medu.14857.
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),(2525. Lynch G, Holloway T, Muller D, Palermo AG. suspending student selections to alpha omega alpha honor medical society: how one school is navigating the intersection of equity and wellness. Acad Med . 2020 May;95(5):700-3. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000003087.
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Como dita a interseccionalidade, os seres humanos não podem ser avaliados a partir de categorias únicas de desenvolvimento social; afinal, existem diversos padrões intrinsecamente ligados, como é o caso de raça, gênero e classe1919. Foreshew A, Al-Jawad M. An intersectional participatory action research approach to explore and address class elitism in medical education. Med Educ. 2022 Nov;56(11):1076-85. doi: https://doi.org/10.1111/medu.14857.
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),(2121. Butler K, Yak A, Veltman A. “Progress in medicine is slower to happen”: qualitative Insights into how trans and gender nonconforming medical students navigate cisnormative medical cultures at Canadian training programs. Acad Med . 2019 Nov;94(11):1757-65. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000002933.
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. Dessa forma, indivíduos podem ser integrados em algumas categorias e marginalizados em outras, tornando a incorporação de todas as suas esferas sociais impossível ou minimamente indesejada2121. Butler K, Yak A, Veltman A. “Progress in medicine is slower to happen”: qualitative Insights into how trans and gender nonconforming medical students navigate cisnormative medical cultures at Canadian training programs. Acad Med . 2019 Nov;94(11):1757-65. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000002933.
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. Assim, a interseccionalidade visa questionar aquilo que é tido como padrão, bem como indagar sobre a relação da experiência com a forma de enxergar o mundo. Tentar privilegiar um aspecto social em detrimento de outro incorre em opressão e em microagressões1515. Wyatt TR, Johnson M, Zaidi Z. Intersectionality: a means for centering power and oppression in research. Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2022 Aug;27(3):863-75. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-022-10110-0.
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),(1616. Conway-Hicks S, de Groot JM. Living in two worlds: becoming and being a doctor among those who identify with “not from an advantaged background”. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2019 Apr;49(4):92-101. doi: https://doi.org/10.1016/j.cppeds.2019.03.006.
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Pelas lentes da interseccionalidade é possível compreender que um indivíduo é moldado por diferentes formas de opressão, que, se separadas em diferentes eixos, como raça, gênero, classe e orientação sexual, recortam os sujeitos e reduzem sua complexidade. Apenas a categorização não é suficiente para capturar a complexidade das experiências humanas, e a interseccionalidade alerta para a necessidade de considerar a interconexão entre categorias sociais e experiências individuais. Ressalta-se que a crítica não se deve à consideração das diferentes condições de opressões, mas sim à sua análise de forma isolada ou hierarquizada. A categorização revela desigualdades e formas de opressão, e, aliada à análise interseccional, leva a uma compreensão mais abrangente das desigualdades e a estratégias mais eficazes para promover a justiça social e a equidade1313. Mulder L, Wouters A, Fikrat-Wevers S, Koster AS, Ravesloot JH, Croiset G, et al. Influence of social networks in healthcare on preparation for selection procedures of health professions education: a Dutch interview study. BMJ Open. 2022 Oct 31;12(10):e062474. doi: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2022-062474.
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),(1515. Wyatt TR, Johnson M, Zaidi Z. Intersectionality: a means for centering power and oppression in research. Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2022 Aug;27(3):863-75. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-022-10110-0.
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O fato de a medicina representar um capital simbólico de prestígio acaba por influenciar sujeitos não inseridos em estruturas tradicionais de poder a almejar um papel na medicina. Entretanto, a medicina atual não contempla um conhecimento igualitário e sim uma posição social superior, tornando a arena competitiva provável para certos indivíduos e improvável para outros22. Paton M, Naidu T, Wyatt TR, Oni O, Lorello GR, Najeeb U, et al.. Dismantling the master’s house: new ways of knowing for equity and social justice in health professions education. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2020 Dec;25(5):1107-126. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-020-10006-x.
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),(1313. Mulder L, Wouters A, Fikrat-Wevers S, Koster AS, Ravesloot JH, Croiset G, et al. Influence of social networks in healthcare on preparation for selection procedures of health professions education: a Dutch interview study. BMJ Open. 2022 Oct 31;12(10):e062474. doi: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2022-062474.
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),(1919. Foreshew A, Al-Jawad M. An intersectional participatory action research approach to explore and address class elitism in medical education. Med Educ. 2022 Nov;56(11):1076-85. doi: https://doi.org/10.1111/medu.14857.
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Microagressões, segregação e dificuldades de enfrentamento

Microagressões, termo introduzido por Sue et al.2626. Sue DW, Capodilupo CM, Torino GC, Bucceri JM, Holder AM, Nadal KL, et al. Racial microaggressions in everyday life. Am Psychol. 2007;62(4):271-86. doi: https://doi.org/10.1037/0003-066X.62.4.271.
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para contextos em que a discriminação formal é rara e ilegal, podem ser definidas como comportamentos cotidianos verbais ou não verbais que advêm do inconsciente, do preconceito oculto ou da hostilidade, diferenciando-se das agressões diretas pelo seu caráter inconsciente, não intencional e por vezes despercebido pelo agressor. O não reconhecimento dessas microagressões ocorre devido à falta de consciência sobre questões de diversidade cultural e normalização de hierarquias culturais subjacentes1212. Periyakoil VS, Chaudron L, Hill EV, Pellegrini V, Neri E, Kraemer HC. Common types of gender-based microaggressions in medicine. Acad Med. 2020 Mar;95(3):450-7. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000003057.
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),(2727. Leyerzapf H, Abma T. Cultural minority students’ experiences with intercultural competency in medical education. Med Educ . 2017 May;51(5):521-30. doi: https://doi.org/10.1111/medu.13302.
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, o que dificulta o enfrentamento, pois a percepção das ações é considerada como parte da cultura médica, uma manifestação envolta em humor e medo de represálias. Quando essas microagressões são confrontadas, o indivíduo é percebido como mesquinho ou mesmo “estraga-prazeres”22. Paton M, Naidu T, Wyatt TR, Oni O, Lorello GR, Najeeb U, et al.. Dismantling the master’s house: new ways of knowing for equity and social justice in health professions education. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2020 Dec;25(5):1107-126. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-020-10006-x.
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),(2727. Leyerzapf H, Abma T. Cultural minority students’ experiences with intercultural competency in medical education. Med Educ . 2017 May;51(5):521-30. doi: https://doi.org/10.1111/medu.13302.
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Apesar de parecerem insignificantes ou inofensivas para aqueles não marginalizados, há um grande impacto no destinatário, visto que cumulativamente incorrem na discriminação, na privação de direitos, no isolamento, no estresse, na redução da confiança e do bem-estar, e, em última instância, na desvinculação com o trabalho e na saída do curso1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
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. A fim de resistirem a essas situações, os estudantes de grupos minoritários apoiam-se uns nos outros, pois a similaridade permite que se sintam mais à vontade e confiantes2727. Leyerzapf H, Abma T. Cultural minority students’ experiences with intercultural competency in medical education. Med Educ . 2017 May;51(5):521-30. doi: https://doi.org/10.1111/medu.13302.
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. O impacto das microagressões não se restringe àquele que sofre, mas atingem também os que praticam e testemunham a situação, visto que há a conclusão de que o comportamento é tolerado institucionalmente e reforça a perpetuação1212. Periyakoil VS, Chaudron L, Hill EV, Pellegrini V, Neri E, Kraemer HC. Common types of gender-based microaggressions in medicine. Acad Med. 2020 Mar;95(3):450-7. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000003057.
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. Apesar dos impactos, na educação médica esses comportamentos tendem a ser tão comuns que são quase considerados ritos de passagem para a profissão22. Paton M, Naidu T, Wyatt TR, Oni O, Lorello GR, Najeeb U, et al.. Dismantling the master’s house: new ways of knowing for equity and social justice in health professions education. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2020 Dec;25(5):1107-126. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-020-10006-x.
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Comportamentos como segregação social de grupos estudantis minoritários2727. Leyerzapf H, Abma T. Cultural minority students’ experiences with intercultural competency in medical education. Med Educ . 2017 May;51(5):521-30. doi: https://doi.org/10.1111/medu.13302.
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, falta de apoio e compreensão por parte dos professores em situações estigmatizantes2727. Leyerzapf H, Abma T. Cultural minority students’ experiences with intercultural competency in medical education. Med Educ . 2017 May;51(5):521-30. doi: https://doi.org/10.1111/medu.13302.
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, LGBTQIA+fobia manifesta por atitudes e comportamentos velados como expressões ou piadas por parte do corpo docente, estudantes e funcionários, e isolamento em relação a interações sociais2121. Butler K, Yak A, Veltman A. “Progress in medicine is slower to happen”: qualitative Insights into how trans and gender nonconforming medical students navigate cisnormative medical cultures at Canadian training programs. Acad Med . 2019 Nov;94(11):1757-65. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000002933.
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),(2222. Moretti-Pires RO, Grisotti MO. O lugar (do) errado: discriminações contra lésbicas, gays e mulheres bissexuais no ensino médico. Saúde Soc. 2022;31(3):e180349pt. acabam sendo normalizados pelos próprios acometidos pela microagressão.

Diferenças sociais e culturais também são usadas como forma de segregação, sendo a linguagem utilizada para delinear e por vezes ressaltar a diferença social e cultural entre os estudantes1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
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. O uso de termos autodepreciativos ou a autodenominação dos estudantes segregados como “sujo”, “inadequado”, “pouco polido”, “não suficientemente inteligente para ser médico” se diferencia da imagem elitista dos outros estudantes de Medicina que são vistos como polidos, altamente inteligentes, até mesmo considerados de outra raça ou de um “calibre diferente” (1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
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. Essa visão apenas corrobora a construção social de que a habilidade e o talento são considerados naturais a indivíduos privilegiados, não sendo características das pessoas da classe não privilegiada1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
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No que tange à segregação de grupos minoritários, o reforço do comportamento ocorre pela estimulação implícita da perspectiva apresentada pelo grupo majoritário sobre o que seria o comportamento aceitável em relação a grupos sub-representados. Assim, apesar de os receptores e as testemunhas das microagressões reconhecerem esses comportamentos, há tolerância silenciosa, culminando em uma inação coletiva1212. Periyakoil VS, Chaudron L, Hill EV, Pellegrini V, Neri E, Kraemer HC. Common types of gender-based microaggressions in medicine. Acad Med. 2020 Mar;95(3):450-7. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000003057.
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Na medicina, a dificuldade de enfrentamento ocorre também devido aos privilégios detidos por estudantes de Medicina e médicos. Esses privilégios levam a uma menor motivação para o enfrentamento de estereótipos, visto que há a convicção de que as relações de poder são necessárias para tornar a medicina um espaço “exclusivo” que se separa da sociedade1919. Foreshew A, Al-Jawad M. An intersectional participatory action research approach to explore and address class elitism in medical education. Med Educ. 2022 Nov;56(11):1076-85. doi: https://doi.org/10.1111/medu.14857.
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. Assim, apesar de iniciativas que visam abordar as desigualdades e a melhoria das conquistas e aspirações de grupos sub-representados, a tentativa de abordar as desigualdades educacionais é recebida de forma hostil, haja vista que o discurso de que a ampliação de iniciativas de participação equivale à discriminação positiva ou mesmo a uma ameaça aos padrões educacionais, levando à construção de estudantes mais adequados ou inadequados para a graduação1717. Wright S. Medical school personal statements: a measure of motivation or proxy for cultural privilege? Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2015 Aug;20(3):627-43. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-014-9550-4.
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.

A inação coletiva e o reforço do comportamento se manifestam em situações como o uso de expressões jocosas, preconceituosas ou mesmo piadas e brincadeiras cruéis contra pessoas LGBTQIA+2121. Butler K, Yak A, Veltman A. “Progress in medicine is slower to happen”: qualitative Insights into how trans and gender nonconforming medical students navigate cisnormative medical cultures at Canadian training programs. Acad Med . 2019 Nov;94(11):1757-65. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000002933.
https://doi.org/https://doi.org/10.1097/...
),(2222. Moretti-Pires RO, Grisotti MO. O lugar (do) errado: discriminações contra lésbicas, gays e mulheres bissexuais no ensino médico. Saúde Soc. 2022;31(3):e180349pt., na falta de solidariedade no ambiente de ensino-aprendizagem quando há casos de assédio moral contra estudantes2222. Moretti-Pires RO, Grisotti MO. O lugar (do) errado: discriminações contra lésbicas, gays e mulheres bissexuais no ensino médico. Saúde Soc. 2022;31(3):e180349pt. e na minimização do impacto do status socioeconômico na saúde1616. Conway-Hicks S, de Groot JM. Living in two worlds: becoming and being a doctor among those who identify with “not from an advantaged background”. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2019 Apr;49(4):92-101. doi: https://doi.org/10.1016/j.cppeds.2019.03.006.
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, culminando no declínio ainda maior de minorias nas faculdades de Medicina2424. Romano MJ. White privilege in a white coat: how racism shaped my medical education. Ann Fam Med. 2018 May;16(3):261-3. doi: https://doi.org/10.1370/afm.2231.
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.

Perspectivas futuras

A análise dos sofrimentos, dos privilégios e da segregação sofridos a partir da utilização de teóricos e teorias pode ser uma aliada na compreensão mais profunda das raízes e relações dos privilégios existentes. A matriz colonial de poder apresentada por Quijano2828. Quijano A. Coloniality of power, eurocentrism, and Latin America. Nepantla: Views from South. 2000;1(3):533-80.) e Mignolo2929. Mignolo W. The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Durham: Duke University Press; 2011. propõe a utilização das esferas de poder (subjetividade, gênero, sexualidade, autoridade e exploração da terra e do trabalho) como instrumentos de dominação. Essa estrutura gera, reproduz e mantém hierarquias, e sua análise pode fornecer um meio para entender as complexas relações de poder que dominam a medicina22. Paton M, Naidu T, Wyatt TR, Oni O, Lorello GR, Najeeb U, et al.. Dismantling the master’s house: new ways of knowing for equity and social justice in health professions education. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2020 Dec;25(5):1107-126. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-020-10006-x.
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. A avaliação a partir de teóricas do feminismo negro, como Audre Lorde, bell hooks e Patricia Hill Collins, permite compreender como as diferenças nas lutas de raça, classe, gênero estão interconectadas e são usadas para defender os sistemas históricos de dominação e a importância da resistência por parte de vozes marginalizadas à sociedade racista e patriarcal dominante, reforçando a necessidade de se resistir à marginalização22. Paton M, Naidu T, Wyatt TR, Oni O, Lorello GR, Najeeb U, et al.. Dismantling the master’s house: new ways of knowing for equity and social justice in health professions education. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2020 Dec;25(5):1107-126. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-020-10006-x.
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),(1919. Foreshew A, Al-Jawad M. An intersectional participatory action research approach to explore and address class elitism in medical education. Med Educ. 2022 Nov;56(11):1076-85. doi: https://doi.org/10.1111/medu.14857.
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Como estratégias de enfrentamento citam-se: o reconhecimento do privilégio que permite a realização de ações para desmantelar os sistemas que propagam a desigualdade2424. Romano MJ. White privilege in a white coat: how racism shaped my medical education. Ann Fam Med. 2018 May;16(3):261-3. doi: https://doi.org/10.1370/afm.2231.
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; a criação de espaços de diálogos para funcionários e alunos sobre privilégios, discriminação e impacto do estresse financeiro e da alienação social da saúde como parte do currículo básico1919. Foreshew A, Al-Jawad M. An intersectional participatory action research approach to explore and address class elitism in medical education. Med Educ. 2022 Nov;56(11):1076-85. doi: https://doi.org/10.1111/medu.14857.
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
; o estabelecimento de espaços nos quais estudantes marginalizados possam compartilhar suas experiências1919. Foreshew A, Al-Jawad M. An intersectional participatory action research approach to explore and address class elitism in medical education. Med Educ. 2022 Nov;56(11):1076-85. doi: https://doi.org/10.1111/medu.14857.
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; e políticas como programas de apoio financeiro1313. Mulder L, Wouters A, Fikrat-Wevers S, Koster AS, Ravesloot JH, Croiset G, et al. Influence of social networks in healthcare on preparation for selection procedures of health professions education: a Dutch interview study. BMJ Open. 2022 Oct 31;12(10):e062474. doi: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2022-062474.
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. No que tange ao processo de admissão nas faculdades, sugerem-se: o desenvolvimento da “reflexividade crítica” por parte dos selecionadores1717. Wright S. Medical school personal statements: a measure of motivation or proxy for cultural privilege? Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2015 Aug;20(3):627-43. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-014-9550-4.
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; a remoção de barreiras que perpetuam oportunidades desiguais de ingresso1313. Mulder L, Wouters A, Fikrat-Wevers S, Koster AS, Ravesloot JH, Croiset G, et al. Influence of social networks in healthcare on preparation for selection procedures of health professions education: a Dutch interview study. BMJ Open. 2022 Oct 31;12(10):e062474. doi: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2022-062474.
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; e a criação de uma rede que permita que estudantes não privilegiados tenham acesso a facilitadores, como informações e experiência em saúde1313. Mulder L, Wouters A, Fikrat-Wevers S, Koster AS, Ravesloot JH, Croiset G, et al. Influence of social networks in healthcare on preparation for selection procedures of health professions education: a Dutch interview study. BMJ Open. 2022 Oct 31;12(10):e062474. doi: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2022-062474.
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. Além disso, tem-se que o empoderamento de mulheres e minorias sociais depende de ambientes estruturados de forma a garantir pertencimento, segurança e equidade nos serviços de saúde, promovendo valorização de sua identidade1212. Periyakoil VS, Chaudron L, Hill EV, Pellegrini V, Neri E, Kraemer HC. Common types of gender-based microaggressions in medicine. Acad Med. 2020 Mar;95(3):450-7. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000003057.
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.

De acordo com Gale3030. Gale T. Towards a southern theory of student equity in Australian higher education: enlarging the rationale for expansion. International Journal of Sociology of Education. 2012 Oct;1(3):238-62. doi: https://doi.org/10.4471/rise.2012.14.
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e Parker3131. Parker S. How universities make inequality worse. The Conversation; 24 Feb 2016 [acesso em 28 de junho de 2024]. Disponível em: Disponível em: https://theconversation.com/how-universities-make-inequality-worse-55155 .
https://theconversation.com/how-universi...
, para que a equidade tenha efeitos reais e que as vantagens que perpetuam a desigualdade sejam combatidas, são necessárias uma redistribuição dos benefícios do ensino superior e uma representação proporcional1111. Southgate E, Brosnan C, Lempp H, Kelly B, Wright S, Outram S, et al. Travels in extreme social mobility: how first-in-family students find their way into and through medical education. Critical Studies in Education. 2016 Dec;58(2):242-60. doi: https://doi.org/10.1080/17508487.2016.1263223.
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. No Brasil, foram criadas políticas públicas a fim de ampliar o acesso ao ensino superior, a exemplo da Lei de Cotas (nº 12.711/2012)44. Brasil. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Ingresso nas universidades federais e instituições federais de ensino técnico de nível médio e outras providências. Diário Oficial da União; 30 ago 2012. Seção 1, p. 1. e programas sociais, como o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (Fies). A Lei de Cotas determina que as universidades, os institutos e os centros federais reservem 50% das suas vagas para estudantes advindos de escola pública, sendo reservado um percentual dessas vagas para estudantes negros (autoidentificados como de cor “parda” ou “preta”) e indígenas3232. Guarnieri FV, Melo-Silva LL. Cotas universitárias no Brasil: análise de uma década de produção científica. Psicol Esc Educ. 2017;21(2):183-93. doi: https://doi.org/10.1590/2175-3539201702121100.
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. O Prouni consiste na concessão de bolsas de estudo integrais ou parciais e bolsas permanência aos estudantes em universidades e faculdades privadas, e, no caso do Fies, trata-se de um subsídio de empréstimos financeiros para estudantes de limitada condição socioeconômica a juros reduzidos, visando ampliar o acesso e garantir a equidade de direitos educacionais3333. Brasil. Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa Universidade para Todos - Prouni, regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior; altera a Lei nº 10.891, de 9 de julho de 2004, e dá outras providências. Brasília; 14 jan 2005 [acesso em 28 jun 2024]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11096.htm .
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
.

Além de medidas de enfrentamento, são necessárias ações para permanência e manutenção desses direitos adquiridos, visto que a maior acessibilidade ao ensino médico levará à substituição de fatores excludentes atuais por novos1717. Wright S. Medical school personal statements: a measure of motivation or proxy for cultural privilege? Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2015 Aug;20(3):627-43. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-014-9550-4.
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. Por isso, Bourdieu3434. Bourdieu P. Distinction: a social critique of the judgement of taste. Cambridge, MA: Harvard University Press; 1984. aponta para a necessidade de que haja uma movimentação conjunta entre os grupos envolvidos a fim de que essas medidas sejam perenes1717. Wright S. Medical school personal statements: a measure of motivation or proxy for cultural privilege? Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2015 Aug;20(3):627-43. doi: https://doi.org/10.1007/s10459-014-9550-4.
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.

Reconhecer que não existe uma hierarquia entre as diferentes formas de opressão também se mostra fundamental. Audre Lorde3535. Lorde AG. Não há hierarquias de opressão. In: Lorde AG. Textos escolhidos de Audre Lorde. Herética Difusão Lesbofeminista Independente; 2012. p. 5-6 [acesso em 28 jun 2024]. Disponível em: Disponível em: https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/direitos-humanos/direitos-da-populacao-lgbt/obras_digitalizadas/audre_lorde_-_textos_escolhidos_portu.pdf .
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enfatizou a importância de se entender que a liberdade não pode ser verdadeiramente obtida enquanto outros indivíduos ainda estiverem aprisionados, mesmo com amarras diferentes. Isso significa que as opressões interseccionais, como o racismo, o sexismo, a homofobia e outras formas de discriminação, estão entrelaçadas e não podem ser abordadas de forma isolada. Desse modo, faz-se necessária uma abordagem mais inclusiva e holística para a luta pelos direitos humanos e pela igualdade, buscando reconhecer e confrontar as maneiras como as estruturas sociais reproduzem a opressão em diferentes níveis e em diversas comunidades.

A exclusão e marginalização de certos grupos na nossa sociedade podem ser atribuídas às bases de sustentação políticas, ideológicas e culturais do modo de produção que se sustenta pela exploração daqueles privados de recursos. Esse mecanismo contribui para a exploração e a marginalização de determinados grupos na sociedade, e, em um contexto de combate às opressão de grupos marginalizados, faz-se necessário um olhar crítico sobre onde cada indivíduo se insere e qual seu papel nesse sistema que perpetua a desigualdade3636. Trindade H. Crise do capital, exército industrial de reserva e precariado no Brasil contemporâneo. Serv Soc Soc. 2017;(129):225-44. doi: https://doi.org/10.1590/0101-6628.106.
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.

Questionar as bases da educação e do contexto histórico é crucial para construir uma educação inclusiva. A educação não é neutra e está inserida em estruturas sociais, políticas e econômicas que reproduzem desigualdades e preconceitos. Portanto, é necessário questionar e desconstruir essas bases, examinando os currículos, as práticas pedagógicas e os sistemas educacionais para identificar e combater os mecanismos que contribuem para a exclusão e a marginalização de certos grupos.

Uma educação inclusiva requer uma análise crítica do contexto histórico, reconhecendo as injustiças e opressões que moldaram e continuam a influenciar as estruturas sociais e educacionais. Somente por meio desse questionamento e da implementação de mudanças significativas é que se pode avançar em direção a uma educação que valorize a diversidade, a igualdade e a justiça, proporcionando oportunidades e acesso equitativo para todos os indivíduos, independentemente de suas origens ou identidades sociais.

Limitações

Uma das principais limitações desta revisão é a ausência de mais estudos brasileiros na área, o que dificultou a compreensão das nuances e particularidades do contexto educacional do país. Ao não considerar as especificidades locais, o estudo corre o risco de generalizar resultados obtidos, prejudicando sua aplicabilidade e validade para a realidade brasileira.

A falta de informações sobre a Lei de Cotas, que visa promover a inclusão e a equidade no acesso ao ensino superior, representa uma lacuna significativa no estudo. A legislação brasileira estabelece cotas raciais e sociais para o ingresso em instituições de ensino superior, o que impacta diretamente a distribuição de privilégios e desigualdades na educação médica.

Como se considerou, para a construção de referencial exploratório inicial, a promulgação da Lei de Cotas que ocorreu em 2012, um marco importante para a análise da produção nacional, é bem provável que artigos nacionais e internacionais potencialmente relevantes para o debate publicados em anos anteriores tenham sido sido excluídos da revisão, o que pode representar uma importante limitação.

Outra limitação está relacionada à escassez de estudos abordando especificamente o tema dos privilégios sociais na educação médica. A falta de pesquisas nessa área pode dificultar a obtenção de dados e evidências robustos, comprometendo a construção de um corpo de conhecimento sólido e aprofundado. Adicionalmente, cabe apontar que o próprio local de privilégio tradicionalmente ocupado por quem produz conhecimento no tema educação médica pode interferir no reconhecimento e na evidenciação de vantagens educacionais.

CONCLUSÃO

A medicina, ao longo da história, tornou-se uma profissão associada às elites devido à conjunção de fatores históricos, sociais, raciais, étnicos e de gênero, em diferentes contextos do globo.

Essa dinâmica se perpetua por meio da influência de instituições de ensino médico elitistas, que ainda favorecem estudantes de origens privilegiadas, com critérios de seleção que valorizavam desproporcionalmente características socioeconômicas e culturais associadas às elites.

Dessa forma, observa-se que, para promover uma maior diversidade e equidade na profissão médica, é necessário questionar a estrutura que, historicamente, se utiliza de marcadores sociais para distribuir e reproduzir privilégios na sociedade. Nesse sentido, o uso de teorias críticas aplicadas à saúde permite investigar e apoiar medidas coletivas de enfrentamento e superação das bases estruturais de manutenção do status preservado ao longo das gerações.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Dra. Tasha R. Wyatt a disposição e ajuda para que todos os artigos pudessem estar nesta revisão.

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  • 2
    Avaliado pelo processo de double blind review.
  • FINANCIAMENTO

    Declaramos não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editora associada: Daniela Chiesa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2024
  • Aceito
    29 Jul 2024
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