Open-access Significados atribuídos pelos docentes às vivências envolvendo direitos humanos no ambiente acadêmico

Resumo:

Introdução:  Os direitos humanos (DH) são inerentes à condição humana, considerando todos os aspectos da vida: o direito à vida, à educação, à liberdade, à religião, à segurança e ao trabalho. Dessa forma, é importante incentivar a cultura dos DH nas instituições de ensino, na intenção de qualificar as dinâmicas interpessoais e o ambiente educacional. O desenvolvimento docente nesse aspecto torna-se fundamental.

Objetivo:  Este estudo teve como objetivo compreender os significados atribuídos pelos tutores às vivências envolvendo DH no ambiente acadêmico como primeiro passo para instituir o desenvolvimento docente nessa área.

Método:  Trata-se de um estudo qualitativo, realizado entre dezembro de 2019 e setembro de 2020, que envolveu tutores de uma faculdade do Nordeste do Brasil cuja metodologia de ensino é a Aprendizagem Baseada em Problemas. A coleta se deu por meio de grupos focais com seleção intencional. O roteiro para a discussão foi baseado no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, no Caderno de Educação em Direitos Humanos, na Declaração de Direitos Humanos e em artigos referentes ao tema. Utilizou-se a análise de conteúdo de Bardin. O projeto recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa: CAAE nº 22696919.3.0000.5569.

Resultado:  As categorias analíticas estudadas foram: gênero e sexualidade, comunicação e liberdade de expressão, minorias sociais e estigmatização e autoestima do estudante. Durante o processo de reinterpretação das falas, identificaram-se as seguintes subcategorias empíricas: capacitismo, gordofobia, saúde mental, psicofobia e conflitos interpessoais. Os docentes revelaram conflitos envolvendo DH, a exemplo das seguintes situações: opressão de gênero; homofobia por parte de docentes e estudantes; falta de representatividade racial na faculdade; gordofobia no ambiente acadêmico; queda de rendimento de estudantes por problemas de saúde mental. Expressaram insegurança em intervir e dar feedback em tais situações, bem como certo desconhecimento relacionado aos DH.

Conclusão:  Os docentes relataram episódios que demonstram práticas de violação aos DH no ambiente acadêmico e se mostraram inseguros para intervir nessas situações, sobretudo quando geravam conflito entre os estudantes.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Educação; Aprendizagem Baseada em Problemas; Docentes; Conhecimento, Atitudes e Prática em Saúde

Abstract:

Introduction:   Human Rights are inherent to the human condition, considering all aspects of life: the right to life, to an education, to freedom, to religion, to security and to work. Given that, it is important to nurture a Human Rights culture in educational institutions, aiming at improving inter-personal dynamics and the educational environment. The tutors’ development, in this aspect, becomes fundamental.

Objective:   To understand the meanings attributed by tutors to their experiences involving Human Rights situations in the academic environment as the first step to implement teacher development in this area.

Methods:   qualitative study involving tutors from a college located in northeastern Brazil, which employs the Problem-Based Learning methodology, between December of 2019 and September of 2020. The collection was performed through focal groups with intentional selection. The script for the discussion was based in the National Plan for Human Rights Education, The Human Rights Education Manual, The Universal Human Rights Declaration and articles related to the discussion topic. Bardin content analysis was used. The project was approved by the Ethics Committee under CAAE number 22696919.3.0000.5569.

Results:   The studied analytic categories were: gender and sexuality, communication and freedom of speech, social minorities and student self-esteem and stigmatization. During the process of reinterpreting the collected content, the following empirical subcategories were identified: ableism, fatphobia, psychophobia and interpersonal conflicts. The tutors revealed having experienced conflicts involving Human Rights, as follows: gender oppression; homophobia by students and teachers; lack of racial representativeness among the college student population; fatphobia in the academic environment; decrease in student’s performance due to mental health issues. The participant tutors also expressed insecurity when it came to intervening and giving feedback in such situations, as well as some lack of knowledge about Human Rights.

Conclusion:   The tutors reported episodes that demonstrated Human Rights violation practices in the academic environment and showed to be insecure about intervening in such situations, especially when these situations led to conflict between the students.

Keywords: Human Rights; Education; Problem-Based Learning; Faculty; Health Knowledge, Attitudes, Practice

INTRODUÇÃO

Os direitos humanos (DH) são prerrogativas inerentes à condição humana, considerando todos os aspectos da vida: o direito à vida, à educação, à liberdade, à religião, à segurança e ao trabalho1. É importante instituir a cultura dos DH nas instituições de ensino como forma de contribuir para a dinâmica das relações interpessoais e, portanto, para o ambiente educacional2. O desenvolvimento docente sobre DH é fundamental, e, para que esse processo ocorra, compreender as vivências no ambiente acadêmico torna-se uma importante etapa.

No Brasil, os DH foram institucionalizados por meio da Constituição brasileira de 1988, denominada “Constituição Cidadã”. No entanto, ainda que o país tenha ratificado a maioria dos instrumentos globais e regionais de proteção aos DH, não houve uma efetivação de tais direitos dentro do território nacional3.

A Educação em Direitos Humanos (EDH), potencialmente, possibilitaria às pessoas respeitar o ser humano, sua dignidade, os valores democráticos, a tolerância e a convivência harmônica dentro das regras do estado de direito, contribuindo para que a população assuma o papel de protagonista de sua história3.

Consoante com o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, o Brasil instituiu o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, resultando na elaboração dos Programas Nacionais de Direitos Humanos (PNDH) e do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (Pnedh)4.

Conforme os PNDH, a EDH é um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando várias dimensões, como apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre DH e afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos DH em todos os espaços da sociedade4.

Os PNDH e o Pnedh também objetivam dar visibilidade e ferramentas de acesso aos direitos oriundos dos tratados e das convenções ratificados pelo país por meio dos eixos da educação básica, do ensino superior, da educação não formal, da educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança pública e da educação na mídia5.

Com relação às instituições de ensino superior (IES), fica evidente o dever de participar da construção de uma cultura de promoção, proteção, defesa e reparação dos DH por meio dos princípios indissociáveis do ensino, da pesquisa e da extensão com o intuito de formar agentes sociais comprometidos com o futuro da sociedade, visando à promoção do desenvolvimento, da justiça social, da democracia e da paz6)-(8.

Algumas IES já são reconhecidas por seus trabalhos sobre EDH desde a década de 1990. Um exemplo é a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) que, por meio do Departamento de Direito, estabeleceu os temas DH, ética e cidadania como linha de pesquisa, instituiu os DH como disciplina e formou associações com instituições estrangeiras, como o Instituto Interamericano de Direitos Humanos2. Entretanto, vale ressaltar que, nas bases de dados pesquisadas - MEDLINE, SciELO, Lilacs e Cochrane -, em que se utilizaram os descritores “direitos humanos”, “educação em direitos humanos” e “DH”, não foram encontrados estudos que abordem a questão dos DH e da EDH em IES da área da saúde.

Ressalta-se que, para o estabelecimento da cultura dos DH dentro das IES, é essencial a participação de um corpo docente que compreenda e respeite tanto os DH como as liberdades fundamentais e as responsabilidades pessoais e coletivas, sabendo distinguir os episódios de violência e de vulnerabilidade social com autonomia e senso crítico, com o intuito de desenvolver, a partir dessa distinção, ações para promover (educação e cultura), proteger (normas de convivência, mediações e conhecimento de direitos e deveres) e defender tais direitos dentro da comunidade acadêmica6. Fica ainda mais acentuada essa importância quando a IES utiliza a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) como metodologia de ensino, uma vez que o trabalho em pequenos grupos amplia a percepção dos tutores sobre questões de DH entre os estudantes durante um grupo tutorial9.

A ABP é uma metodologia ativa na qual o estudante deve desenvolver proatividade e autonomia para que se torne protagonista da sua aprendizagem. A ABP funciona em pequenos grupos, chamados tutoriais, compostos por dez a 12 estudantes e um tutor, cuja principal função é facilitar o processo de aprendizagem. Existem quatro princípios educacionais fundamentais que embasam essa metodologia e que se traduzem nas aprendizagens: construtiva, colaborativa, autônoma/autodirigida e contextual. Essa metodologia tem como proposta o desenvolvimento de outras habilidades para além do domínio cognitivo, como comunicação, aprender a aprender, trabalho em grupo, relação interpessoal e respeito pelo outro, entre outras10)-(13.

Portanto, contribuir para a cultura de DH nas IES é fundamental para estabelecer um bom ambiente educacional, no qual os processos de aprendizagem sejam efetivos para a formação de profissionais tecnicamente competentes, éticos e humanos. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi compreender os significados atribuídos pelos tutores às vivências envolvendo DH no ambiente acadêmico como primeiro passo para instituir o desenvolvimento docente nessa área.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo de natureza qualitativa, no qual foi oferecido um espaço de fala para que os tutores expressassem os significados atribuídos às suas vivências envolvendo questões de DH no ambiente acadêmico, mais especificamente no desenvolvimento do grupo tutorial.

O estudo foi realizado na Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS) que utiliza a metodologia da ABP. Para aprimorar de forma continuada o desempenho dos tutores e coordenadores, a FPS conta com o Comitê de Desenvolvimento Docente (CDD), o qual é responsável por desenvolver o tutor para o exercício das suas funções, tarefas e afins, sendo uma de suas metas no momento instituir a cultura dos DH no ambiente acadêmico. O estudo foi realizado durante o período entre dezembro de 2019 e setembro de 2020.

A coleta das informações se deu por meio da realização de grupos focais (GF). Por questões operacionais, em decorrência do momento sanitário atual relacionado à pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19), realizaram-se dois GF, ambos com três participantes, sendo um presencial e outro por via remota, em que se utilizou a plataforma Cisco Webex. Portanto, no final participaram no total seis tutores. Apesar do pequeno número, uma vez que na FPS existem 73 tutores de medicina atuando em grupos tutoriais, reforça-se a ideia de que, em estudos de natureza qualitativa, leva-se em conta a representatividade dos discursos, ou seja, as informações prestadas por pessoas implicadas em um tema de pesquisa podem representar o conjunto de pessoas da coletividade à qual pertencem e que vivenciam o mesmo contexto envolvendo o objeto do estudo14.

Nos dois grupos, utilizou-se o mesmo roteiro e participaram o mesmo moderador e observadores externos. Para a realização do GF, selecionaram-se de forma intencional tutores da FPS que exerciam regularmente essa função. Com o intuito de manter a confidencialidade do estudo, optou-se pela utilização de cognomes nos resultados e na discussão do artigo para preservar as identidades dos participantes.

Os GF ocorreram conforme as seguintes etapas:

  • Recursos providenciados: espaço apropriado, constituído de território neutro e de fácil acesso aos participantes, protegido de ruídos e interrupções externas.

  • Equipamentos requeridos: dois gravadores, cuja utilização foi condicionada à expressa permissão dos participantes do grupo.

  • Duração do GF: levou-se em conta o grau de polêmica em torno dos aspectos em discussão e da necessidade do grupo, mas a variação de tempo ficou entre 90 e 110 minutos15.

  • O papel do moderador e a dinâmica da discussão: quanto ao moderador, a condição de partida é que ele tenha substancial conhecimento do tópico em discussão para que possa conduzir o grupo adequadamente. Foi convidada uma pessoa com experiência na temática de DH e externa ao grupo dos participantes.

  • Observadores externos: não se manifestam durante a discussão e procuram captar e registrar a reação dos participantes. Foram convidados dois observadores externos com experiência na condução de GF.

  • Atribuições do moderador: introduzir a discussão e mantê-la; enfatizar para o grupo que não há respostas certas ou erradas; observar os participantes, encorajando a palavra de cada um; buscar as oportunidades temáticas da própria discussão; construir relações com os informantes para aprofundar, individualmente, respostas e comentários considerados relevantes pelo grupo ou pelo pesquisador; observar as comunicações não verbais e o ritmo próprio dos participantes, dentro do tempo previsto para o debate15.

O objetivo do grupo foi expresso de forma clara no momento de abertura dos trabalhos, sinalizando as questões centrais nas quais a discussão iria concentrar-se. Após apresentação dos participantes, especificaram-se as regras básicas de funcionamento dos grupos, elucidando o papel do moderador.

Adotou-se a seguinte lista básica de regras: falar uma pessoa de cada vez; evitar discussões paralelas; dizer livremente o que pensa; evitar o domínio da discussão por parte de um dos integrantes; manter a atenção e o discurso na temática em questão.

Coube ao moderador verificar se todos os participantes haviam assinado previamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual incluiu a referência ao uso de gravadores ou câmaras.

As categorias analíticas teóricas16 foram predifinidas com base no referencial teórico adotado, ou seja, no Pnedh, no Caderno de Educação em Direitos Humanos (Cedh), na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em artigos que tratam do tema17)-(23. Mantiveram-se essas categorias à medida que foram identificadas na análise das falas dos participantes. As categorias analíticas empíricas se referem aos conteúdos de fala não identificados previamente, mas que foram considerados relevantes para a apreensão e compreensão dos significados trazidos pelos participantes em relação à temática do estudo24.

Após a transcrição na íntegra dos conteúdos gravados durante a discussão nos GF, procedeu-se às suas análises com base no referencial teórico adotado17)-(23) (Figura 1). Adotaram-se os seguintes passos, conforme a técnica de análise de conteúdo de Bardin, na modalidade temática24),(25:

  • Pré-análise: ordenamento do material produzido por meio das entrevistas e do material teórico; imersão nos dados brutos para impregnar-se por seu conteúdo; identificação de conceitos a partir dos quais os materiais foram examinados e referenciados com base nos objetivos de análise do estudo (aprofundamento individual/vertical).

  • Exploração do material: o conteúdo da fala foi organizado por categorias, como também os aspectos similares (horizontalização), recorrentes, ilustrados por recortes de transcrições, núcleos de sentido e temas centrais com subcategorias (análise transversal do material).

  • Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: os pesquisadores fizeram inferências e interpretações das falas pautados no referencial teórico24.

Figura 1
Fluxograma de análise de dados.

Sempre ancorada no referencial teórico adotado, realizou-se a interpretação com discussão cuidadosa e permanente pelos pesquisadores, em que se privilegiou a subjetividade apreendida a partir do contexto das falas. Assim, o material foi analisado e discutido, buscando-se a saturação.

O fechamento amostral por saturação teórica é operacionalmente definido como a suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, uma certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados.

A avaliação da saturação teórica a partir de uma amostra é feita por um processo contínuo de análise dos dados, realizado já no início do processo de coleta. Atentando às questões apresentadas aos entrevistados, que refletem os objetivos da pesquisa, essa análise preliminar almeja o momento em que o acréscimo de dados e informações não altera a compreensão do estudo26.

Dessa forma, o desenvolvimento de dois GF distintos, em se utilizaram as mesmas categorias teóricas, não trouxe prejuizo ao presente estudo. Percebe-se que nenhum dos discursos é igual ao outro, no entanto todos apresentam elementos em comum. Inicialmente, a adição de informações entre os discursos é mais evidente. Posteriormente, tal adição vai esvaindo-se até que deixa de acontecer26.

A pesquisa obedeceu aos critérios éticos da Resolução nº 510/2016. O projeto foi aprovado: Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 22696919.3.0000.5569.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O estudo procurou compreender os significados atribuídos pelos tutores às suas vivências envolvendo questões de DH no ambiente acadêmico. No total participaram seis tutores, cinco do sexo feminino e um do masculino, sendo: três do curso de Medicina (Freire, Anita e Raquel), uma do curso de Farmácia (Anália), uma do curso de Nutrição (Maria), uma do curso de Fisioterapia (Cecília).

As categorias analíticas apresentadas a seguir foram definidas a partir do referencial teórico relacionado com DH, segundo o Pnedh, o Cedh, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e artigos que tratam do tema17)-(23: gênero e sexualidade, comunicação e liberdade de expressão, minorias sociais e estigmatização e autoestima do estudante. Durante o processo de reinterpretação das falas, identificaram-se as seguintes subcategorias, consideradas empíricas: capacitismo, gordofobia, saúde mental, psicofobia e conflitos interpessoais.

A seguir, apresentam-se as falas dos tutores, as interpretações deles segundo as categorias e subcategorias de análise identificadas, e a articulação com os pressupostos teóricos adotados relacionados com DH.

Categoria 1: gênero e sexualidade

Feminilidade é o conjunto de características atribuídas às mulheres por pertencerem ao gênero feminino, tais como sensibilidade, passividade e compreensão, enquanto a masculinidade reúne atributos como agressividade, dominação e insensibilidade27.

Nesse sentido, Anita relatou uma discussão envolvendo divergência entre os estudantes como exemplo da falta de acolhimento às diferenças e, ao mesmo tempo, promovendo um conflito de gênero, pelo uso da voz, resultando em opressão: “ele tinha uma voz muito intensa [...], e aí tinha essa menina, que era uma menina magrinha, que falava muito de religião e ele que tinha a religião dele... Você via que claramente ele ganhava dela na voz e ele não deixava ela acabar [...]”.

O uso imperativo da voz e/ou do comportamento como forma de impor uma ideologia pode configurar uma forma de violência, visto que a violência não se resume apenas à agressão física, mas também se manifesta por meio de atitudes verbais, psicológicas, morais ou patrimoniais27.

Dentro da perspectiva da sexualidade e de sua definição como um conjunto de aspectos biológicos, psicológicos e sociais, a diversidade compreende as formas de vivência e expressão da sexualidade28. Nesse contexto, a orientação sexual e a identidade de gênero são determinantes sociais de saúde para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Consequentemente, a discriminação e o preconceito são agravantes de sofrimento e de doença, pois os problemas de saúde desse segmento populacional são complexos e suas demandas são numerosas29),(30.

Todavia, um grande empecilho é o preconceito reproduzido pelo profissional de saúde, o que desestimula a procura dos serviços médicos pela população LGBT e induz a falta de veracidade das informações colhidas na anamnese. Isso fica evidente quando 40% das mulheres não contam que são lésbicas ou bissexuais ao procurarem atendimento médico. Além disso, entre as que revelaram, mais de 50% relataram reações discriminatórias ou de surpresa por parte do profissional29),(31.

Nesse contexto, Cecília mencionou uma situação na qual o estudante afirmou que se recusaria a atender casais homoafetivos. Cecília se mostrou preocupada, pois muitas vezes não saberia como conduzir esses casos:

[...] a gente tava falando sobre a relação terapeuta-paciente, e se ele tivesse que atender um paciente que fossem casais homoafetivos, que aí esse aluno falou que não aceitaria, não iria atender [...] às vezes são questões que são levantadas na tutoria que muitas vezes a gente não sabe nem como lidar [...].

Partindo do pressuposto de que um dos propósitos da educação de ensino superior é manter uma relação de serviço e reciprocidade com a sociedade44, e um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) é a univesalidade, a qual compreende o “acesso garantido aos serviços de saúde para toda população [...] sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie”32, faz-se necessário que os estudantes dos cursos voltados para a saúde sejam estimulados a se destituir de preconceitos durante a sua graduação33.

Cecília também afirmou despreparo para lidar com temas referentes aos DH, principalmente com os conflitos que podem ocorrer devido a crenças divergentes. Declarou que vê nas tutorias um ambiente de oportunidade para tratar dessas questões, mesmo que estejam fora dos objetivos anteriormente estipulados segundo a matriz curricular: “eu queria ter uma oportunidade de dizer assim: agora vamos falar sobre isso aqui! Acabou, vamos fazer uma tutoria sobre isso, vamos discutir isso daqui, não era, né?, o objetivo necessariamente, não era o objetivo daquela tutoria isso”.

A tutora pareceu disposta a discutir sobre DH durante a tutoria, mas não o fez. Isso pode ser reflexo de ausência de familiaridade com o tema. Nesse sentido, é essencial que os educadores sejam instruídos quanto a cultura de respeito aos DH, pois, por meio desse conhecimento, serão capazes de realizar uma melhor leitura critica do ambiente acadêmico, a fim de que possam detectar cenários e oportunidades de intervenção e garantir a aplicabilidade dos princípios contidos nas diretrizes nacionais2.

Categoria 2: comunicação e liberdade de expressão

A comunicação interpessoal é uma ferramenta indispensável para a convivência em sociedade. Ela pode ser expressa tanto de forma verbal quanto não verbal34. Na Constituição de 1988, foi garantido o direito de liberdade de expressão das atividadee intelectual, artística, científica e de comunicação, sem que haja o desrespeito dos outros direitos garantidos35. Assim, vê-se que a comunicação e a liberdade de expressão estão atreladas e que algumas expressões ou gestos estão carregados de significados preconceituosos e discriminatórios.

Durante o GF, Freire tratou o tema da comunicação interpessoal se referindo a algumas situações de desentendimento gerado pela desinformação: “às vezes eu percebo mais uma questão de desinformação, e aí sai algumas coisas assim, tipo, socialmente aceitas, mas do ponto de vista de respeito erradas [...]”.

Palavras, frases ou comentários que por vezes parecem ingênuos podem ter efeitos indesejados e ofensivos36, a exemplo de: homossexualismo, em que o sufixo “ismo” tem conotação patológica37; criado-mudo, que se refere ao escravo que ficava em pé ao lado da cama36. Assim, é imprescindível que a liberdade de expressão que nos é permitida por meio da comunicação não se torne desrespeitosa.

Em contrapartida, o correto uso dos termos e das expressões quando referenciando grupos sociais minoritários pode ajudar a legitimar esses movimentos sociais, de forma a combater estereótipos e respeitar as individualidades37.

Em outra esfera, Cecília sugeriu que o tema política deve ser encorajado e debatido entre os estudantes como ferramenta de aprendizagem. Ressaltou que essa abordagem deve ser saudável, mantendo-se o respeito, com a finalidade de levar a política para algo além de um debate polarizador.

[...] eu acho que agente poderia falar mais sobre isso, né?, a política no sentido amplo, né?, a gente, educação, saúde, tudo isso é política [...] se a gente fala mais sobre isso, eu acho que a gente tá mais ciente de direito, né?, de dever, de cidadania, que também é um papel, né?, da faculdade [...] (Cecília).

A EDH visa ao pleno desenvolvimento do indivíduo, ao seu preparo para o exercício da cidadania e à sua qualificação laboral2. Desde a Constituição de 1988, os fundamentos do Estado são pautados na cidadania, na dignidade da pessoa humana e no pluralismo político35. Esses fundamentos, em consonância com a concepção atual de DH, englobam não apenas direitos políticos e civis, mas também direitos econômicos, sociais e culturais. Assim, é importante que exista uma construção de valores baseados nos DH para o exercício efetivo de uma cidadania ativa, em que o cidadão de direitos e deveres seja o agente da transformação e luta por uma sociedade justa38.

Categoria 3: minorias sociais

Não existe um conceito internacionalmente aceito sobre quais grupos pertencem às minorias sociais. Inicialmente, a definição englobava apenas os aspectos nacional, étnico, cultural, religioso e linguístico, sem mencionar pessoas com deficiência, mulheres, população LGBT, entre outros. Entretanto, o uso da expressão foi ampliado com o passar das décadas, e mais recentemente as minorias vêm sendo consideradas como grupos marginalizados pela sociedade e, consequentemente, mais vulneráveis a discriminações39.

Nessa perspectiva, Anita refletiu sobre o comportamento dos estudantes no grupo tutorial, durante módulo no qual estudavam sobre minorias sociais: “vocês [estudantes] devem ter outra postura na presença da gente, né? [...] então deve acontecer muita discriminação [...] fora das nossas vistas, porque eu imagino que eles não são tão maravilhosos assim o tempo inteiro, né?”.

A tutora ponderou que o comportamento que os estudantes têm sob observação dos tutores em ambiente acadêmico pode ser diferente do seu comportamento fora desse contexto, e, consequentemente, várias situações de discriminação podem não ter visibilidade e não ser percebidas pelos tutores. O ambiente de tutoria pode constranger a espontaneidade e induzir vários estudantes a se portar conforme o preconizado pela metodologia de aprendizagem, ou seja, com colaboração e respeito ao outro, mas visando serem bem avaliados pelo tutor. Seria muito importante que esses comportamentos fossem identificados e conduzidos da melhor forma possível, no intuito de construir a cultura de DH na IES4.

Subcategoria 3.1: raça e etnia

O Brasil é um país multicultural e tem em sua origem a convivência de três raças: negra, branca e indígena40. Historicamente, desde a escravidão no Brasil, a sociedade criou e legitimou ideologicamente a sujeição do negro aos valores dos brancos41. Assim, o racismo, comportamento negativo relacionado a minorias, é presente ainda na sociedade brasileira41),(42.

Sobre esse tema, Anita relatou que, na sua experiência, a ausência de diversidade (negros e indígenas) dentro do grupo impediu que os estudantes vivenciassem uma situação desse tipo de preconceito: “acho que não tinha nenhum negro na nossa turma, eu acho que não tinha e nunca teve nenhum indígena também [...] com certeza se eles dissessem que nunca sofreram preconceito ia ser estranho […]”.

Um ambiente educacional ausente de diversidade racial é exemplo de que a histórica marginalização e segregação social e racial persiste na cultura e na estrutura elitista e conservadora43.

Em um outro grupo, no módulo de diversidade, Raquel trouxe o relato de um aluna que se contrapôs à experiência passada por Anita: “tinha uma negra que se queixou, que disse que sofria preconceito [...]”.

A presença de uma aluna negra referindo a existência de preconceito legitima a causa que muitas vezes é negligenciada por não haver muitos sujeitos centrais do tema nos ambientes elitizados, e isso termina reproduzindo a segregação social e racial41),(43.

Já Raquel pontuou a importância de existir um espaço de discussão dentro da faculdade e deu como exemplo as atividades realizadas durante a Semana da Consciência Negra desenvolvidas pelo Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) da IES:

A própria faculdade estimulá-los a pensar sobre isso, na Semana da Consciência Negra, mesmo aqueles cartazes que vocês colocaram no [...]. Falando os dados da população negra, né?, de mortalidade, de morte violenta, de tudo mais, acho que já inspira um pouco disso [...].

Desde 2008 ficou instituída por lei a necessidade da aplicação étnico-racial em ambientes de ensino desde a educação básica a fim de combater os preconceitos existentes contra a raça em nossa sociedade44. A viabilização de espaços em ambientes educacionais que permitam discussões e discursos sobre raça e etnias beneficia a luta positiva de certas identidades coletivas45.

Subcategoria 3.2: pessoa com deficiência e capacitismo

A expressão pessoa com deficiência (PcD) foi escolhida para representar os inidvíduos que possuem algum tipo de deficiência, seja física, sensorial, mental ou intelectual46. Isso se dá porque a deficiência não é inerente a um tipo de corpo que foge dos padrões vigentes, mas surge da interação entre a PcD e os obstáculos comportamentais e ambientais da sociedade, os quais impedem uma participação plena e efetiva, bem como a igualdade de acesso às oportunidades47.

Historicamente, as PcD são tratadas como incapazes e o seus corpos como inferiores ou incompletos. Nesse contexto, surgiu o capacitismo, termo designado para a discriminação das PcD48.

Em relação ao capacitismo, Maria relatou trajetória de uma pessoa com deficiência física na graduação da FPS. De acordo com Maria, por tratar-se de uma IES que defende a empatia como ferramenta educacional, a estudante não sofreu prejuízos durante a graduação: “Em Nutrição, a gente tinha uma estudante cadeirante [...] e o grupo que ela fazia parte [...] acolheu muito bem ela […] ela passou na residência […] porém alguns grupos de estudantes [...] não estão sendo amistosos de forma alguma [...]”.

Nesse sentido, quando a EDH ocorre de forma adequada, surge um profissional ético, empático, crítico e que age com autonomia. Tais valores podem nascer dentro da IES, mas vão além dos muros da instituição. A IES deve se posicionar quanto aos DH na sua estrutura física, garantindo a acessibilidade a todos os estudantes4),(48.

Subcategoria 3.3: gordofobia

A gordofobia é um neologismo utilizado como forma de discriminação estruturada e disseminada em vários contextos sociais contra as pessoas gordas e seus corpos. Essa discriminação gera um estigma de que o corpo gordo é resultado de desleixo, preguiça ou fracasso, e que suas capacidades sociais e profissionais seriam limitadas por sua característica corporal49.

Partindo desse pressuposto, Maria relatou uma série de episódios de estigmatização da pessoa gorda e de gordofobia dentro do ambiente acadêmico no curso de Nutrição. Em um dos episódios, a estudante foi questionada sobre a sua capacidade dentro do curso e no mercado de trabalho por ser gorda.

[...] uma das estudantes ela sofria bastante preconceito [...] pelo fato dela ter sobrepeso, [...] perguntavam várias vezes [...] como é que ela seria nutricionista gordinha, né? Devido ela ter ido numa padaria próxima à instituição e ter comprado um sonho [...] isso repercutiu no grupo de estudos (Maria).

A gordofobia está relacionada com os padrões de beleza que, ao longo do tempo, sofreram modificações, e hoje um corpo para ser considerado bonito e saudável deve ser magro e atlético50. Nesse contexto, as mulheres jovens são as mais vulneráveis aos padrões socioculturais, em que o culto ao corpo está associado à imagem de poder, beleza e mobilidade social50. Essa estigmatização do corpo gordo torna pessoas com sobrepeso e obesas alvos de preconceito, o que às vezes as marginaliza socialmente49.

O preconceito contra pessoas gordas e obesas é vivido diariamente e está presente em vários profissionais de saúde. O culto ao corpo magro afeta tanto os pacientes dos serviços de saúde quanto os próprios profissionais do ramo49.

Categoria 4: estigmatização e autoestima do estudante

Subcategoria 4.1: saúde mental e psicofobia

Como os DH são direitos considerados fundamentais a todos, é imprescindível atentar a fatores que impeçam indivíduos com problemas relacionados à saúde mental de ter todos os seus direitos garantidos. No âmbito educacional, os estudantes devem ter um aprendizado de qualidade e apoio psicopedagógico, se necessário. Em discentes de Medicina, problemas relacionados à saúde mental têm uma alta prevalência51, o que reforça a necessidade de atenção a esses estudantes, que sofrem ainda com a psicofobia, termo recentemente utilizado para definir o preconceito contra pessoas que sofrem de transtornos psíquicos52.

Quando os temas de saúde mental e psicofobia surgiramna discussão do GF, Cecília relatou que determinadas situações podem levar a uma queda de concentração ou dificuldade de participação nas atividades cotidianas, inclusive nas tutorias, seja por problemas pessoais, seja por uso de medicamentos para tratamento de transtornos mentais.

[...] as pessoas têm os gatilhos, e é difícil você dizer, a pessoa sai bem de casa mas chega num lugar, aquele gatilho volta, e ela se desequilibra e não consegue ficar bem [...] eu vejo essas grandes dificuldades dos nossos profissionais [...] da educação, entender as pessoas que têm problemas com saúde mental (Cecília).

A individualidade do ser humano faz com que cada estudante tenha dificuldades e problemas intrínsecos a eles53, e deve-se dar suporte para que essas barreiras e dificuldades sejam superadas com o menor impacto possível, tanto educacional quando da vida pessoal. Esse suporte deve ser feito tanto por tutores quanto pela coordenação dos cursos para o devido encaminhamento dos casos, a fim de que não haja prejuízo acadêmico aos estudantes54.

A FPS possui um setor psicopedagógico que procura atender às demandas do corpo discente por meio de medidas como: integração e diagnose de novos estudantes, abrangendo campos pedagógicos, afetivos e sociais; realização de atendimentos individuais na própria IES; encaminhamento dos alunos para atendimento psicoterápico se for identificada necessidade; realização de oficinas temáticas55.

Sobre as dificuldades enfrentadas no ambiente tutorial, possivelmente devido a problemas de saúde mental, Raquel relatou que um estudante foi afastado pelo grupo por ter comportamento mais introspectivo e calado: “Um aluno que era muito calado, acho que tinha depressão, alguma ansiedade, ele faltava muito [...] os alunos meio que escanteavam ele, no dia que ele não vinha, ‘Ah, aquele menino esquisito, como é o nome dele mesmo?’”.

A psicofobia e o rechaço ao diferente são problemas intrínsecos à sociedade atual30 e podem ser observados no relato da tutora. Se esses problemas forem transportados para dentro da tutoria, existe o risco de prejudicar o aprendizado do grupo, dado que o sucesso do grupo tutorial depende de uma interação colaborativa entre os pares; cabe ao tutor saber guiar e coordenar o grupo, de forma a garantir o aprendizado, além de encorajar o grupo a integrar o estudante que sofre de problemas de saúde mental56.

Subcategoria 4.2: conflitos interpessoais

Dentro de uma metodologia ativa como a ABP, na qual os estudantes precisam colaborar e interagir em pequenos grupos, é comum que aflorem conflitos entre os discentes, seja por divergências no tema abordado ou por diferenças pessoais. Sem a condução correta, tais conflitos podem prejudicar o aprendizado, já que as discussões em tutoria devem estimular os estudantes na construção do conhecimento de forma autodirigida e colaborativa57.

Freire relatou uma discussão entre colegas de turma, a qual crê ter sido por “profundo desrespeito” entre duas estudantes, e como procedeu diante do conflito:

E durante a leitura, uma disse num som alto suficiente [...] “Que menina chata!”, e aí a que estava lendo interrompeu a leitura e falou “Chata é você” [...] frases até de intimidação, uma com a outra [...] no final, dei um opinião individual com ambas, depois eu dei o feedback homogêneo para o grupo... Eu falei: “Vou ouvir mais, falar menos, falar com a coordenadora de tutor e entender isso”.

É fundamental o papel do tutor como mediador numa situação de conflito no grupo tutorial, para a manutenção do equilíbrio e da funcionalidade do grupo sem prejuízo ao processo de aprendizagem. Algumas habilidades são essenciais ao tutor na condução de um grupo tutorial, como criar um ambiente que permita o fluxo livre de ideias, garantindo a participação harmônica de todos8),(56, além do feedback, o qual oferece aos estudantes uma oportunidade de rever e melhorar o próprio comportamento58.

Existe na IES um fluxo de apoio ao tutor, em que, após a realização de cada grupo tutorial, realiza-se uma reunião da qual participam todos os tutores daquele módulo e turma com o seu coordenador de tutor, e, nesse espaço, discutem-se as dificuldades vivenciadas no grupo tutorial. Os problemas identificados, se necessário, são encaminhados ao Núcleo Docente Estruturante (NDE) e ao CDD.

Finalmente, com base nas vivências relatadas pelos tutores envolvendo questões relacionadas aos DH no ambiente do grupo tutorial, observou-se que, em geral, eles se mostraram inseguros para intervir nessas situações, sobretudo quando elas geravam conflito entre os estudantes. Mencionaram ter pouca informação sobre o tema e expressaram ainda dificuldades em relação à realização, nesses casos, do feedback tanto individual quanto coletivo.

O feedback é uma importante ferramenta de aprendizagem, pois, por meio das sugestões dadas, oferece ao receptor a oportunidade de mudar determinados aspectos do seu comportamento. É mais efetivo se for direcionado, explícito, funcional e imediatamente relacionado ao comportamento observado. Deve ser dado no momento adequado, o mais breve possível após a observação, e deve-se dar ao receptor a oportunidade de responder a ele59)-(61.

A sessão de feedback é uma oportunidade de interação entre tutor e estudantes, visando à reflexão e ao aprimoramento do desempenho. Esse momento não deve ser entendido como avaliação, comparação ou julgamento pessoal, mas como uma descrição neutra, objetiva e específica de comportamentos e atitudes que podem ser aperfeiçoados59)-(61.

Com base essas observações, depreende-se a importância da preparação do tutor para o exercício de sua função e para que esteja apto a dar feedback aos estudantes e recebê-lo. Vale ser enfatizado que, antes do ingresso na FPS e antes do início de sua atuação, todos os tutores passam pelo curso de formação de tutor em ABP e recebem regularmente treinamento para a realização de feedback nos grupos tutoriais, tanto individual quanto coletivo. A cada cinco anos, todos devem receber novo treinamento. Pontua-se a importância da atuação no desenvolvimento docente que não deve se restringir aos cursos oferecidos de forma pontual, mas sobretudo na gestão dos processos do dia a dia.

A instituição conta com os coordenadores de tutor, sendo um coordenador para cada sete tutores, cuja função principal é dar apoio e subsídios ao tutor para que possar exercer adequadamente a sua função, sobretudo nos processos de facilitação de grupos. Dentro dessa dinâmica, são realizados feedbacks com os tutores com frequência mínima semestral. Ademais, estão disponíveis vários instrumentos elaborados pelo CDD, que cumprem todas as etapas de validação de instrumentos de medida, para avaliação regular dos processos de aprendizagem. Em relação ao tutor, é utilizado o Questionário Breve de Avaliação do Tutor, traduzido e adaptado transculturalmente62, que avalia o tutor em relação aos princípios educacionais fundamentais da ABP, refletidos nos tipos aprendizagens colaborativa, construtiva, contextual e autodirigida9),(63),(64.

No entanto, os treinamentos, até o momento, têm priorizado aspectos relacionados com a metodologia de aprendizagem ABP. Quando os tutores referem não conhecer e não procurar por documentos que relacionam DH com a educação e revelam que, embora achassem pertinente, nunca haviam buscado por esses documentos, infelizmente se identificou que informações e aprendizagem sobre os DH ainda não têm muito espaço no ambiente acadêmico. Em razão disso, reforça-se a necessidade de maior abrangência na capacitação docente, sobretudo nesse tema, como uma das etapas para a implantação da cultura de DH na IES e para maior efetividade da aprendizagem e da formação profissional.

CONCLUSÃO

Considerando as vivências que envolvem questões relacionadas aos DH no ambiente acadêmico, os tutores relataram episódios que referentes a aspectos de gênero e sexualidade, dificuldades na comunicação e liberdade de expressão, minorias sociais e estigma e autoestima do estudante. De modo geral, compreende-se que eles se mostraram inseguros para intervir nessas situações, sobretudo quando geravam conflito entre os estudantes. Informaram ter pouca informação sobre DH e expressaram dificuldades quanto à realização, nesses casos, do feedback tanto individual quanto coletivo. Dessa forma, com o intuito de instituir o desenvolvimento docente, cabe à IES, por meio do CDD, a função de fornecer ferramentas de capacitação ao tutor. Um exemplo é a instituição de um curso sobre EDH destinado a esse público.

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  • 7
    Avaliado pelo processo de double blind review.
  • FINANCIAMENTO
    Declaramos não haver financiamento.
  • Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Gustavo Antonio Raimondi.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Out 2021
  • Aceito
    26 Jan 2022
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